Programa de Transição da IV Internacional

Leon Trotsky


Os países atrasados e o programa de reivindicações transitórias


Os países coloniais e semicoloniais são, por sua própria natureza (essência), países atrasados. Mas esses países atrasados vivem em condições de domínio mundial do imperialismo. É por isso que seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúne em si as formas econômicas mais primitivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalista. É isso que determina a política do proletariado dos países atrasados: ele é obrigado a combinar a luta pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as palavras de ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas decorrem umas das outras. Mal havia iniciado a construção de sindicatos, o proletariado chinês foi obrigado a pensar nos conselhos. É nesse sentido que o presente programa é plenamente aplicável aos países coloniais e semicoloniais; pelo menos àqueles onde o proletariado já é capaz de possuir uma política independente.

Os problemas centrais desses países coloniais e semicoloniais são: a revolução agrária, isto é, a liquidação da herança feudal, e a independência nacional, isto é, a derrubada do jugo imperialista. Essas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma a outra.

Não se deve rejeitar pura e simplesmente o programa democrático: é necessário que as próprias massas ultrapassem esse programa na luta. A palavra de ordem de assembleia nacional (ou constituinte) conserva toda sua força em países como a China ou a Índia. É necessário ligar, indissoluvelmente, essa palavra de ordem às tarefas de emancipação nacional e da reforma agrária. É necessário, antes de mais nada, armar os operários com esse programa democrático. Somente eles poderão levantar e unir os camponeses. Baseados no programa democrático e revolucionário, é necessário opor os operários à burguesia “nacional”.

Em certa etapa da mobilização das massas sob as palavras de ordem da democracia revolucionária, os conselhos podem e devem aparecer. Seu papel histórico em cada período determinado, em particular suas relações com a assembleia nacional, é definido pelo nível político do proletariado, pela união entre eles e a classe camponesa e pelo caráter da política do partido proletário. Cedo ou tarde os conselhos devem derrubar a democracia burguesa. Somente eles são capazes de levar a revolução democrática até o fim e, assim, abrir a era da revolução socialista.

O peso relativo das diversas reivindicações democráticas na luta do proletariado, suas mútuas relações e sua ordem de sucessão estão determinados pelas particularidades e pelas condições próprias de cada país atrasado, em particular pelo grau de seu atraso. Entretanto, a direção geral do desenvolvimento revolucionário pode ser determinada pela fórmula da revolução permanente no sentido que lhe foi definitivamente dado pelas três revoluções na Rússia (1905; fevereiro de 1917; outubro de 1917).

A Internacional “Comunista” ofereceu aos países atrasados o exemplo clássico da maneira pela qual se pode arruinar uma revolução promissora e cheia de forças. No momento do impetuoso ascenso do movimento de massas na China, em 1925-1927, a Internacional Comunista não lançou a palavra de ordem de assembleia nacional e, ao mesmo tempo, proibiu a formação de conselhos. O partido burguês Kuomintang deveria, segundo o plano de Stalin, “tomar o lugar” da assembleia nacional e dos sovietes ao mesmo tempo. Após o esmagamento das massas pelo Kuomintang, a Internacional Comunista organizou, em Cantão, uma caricatura de conselho. Após o fracasso inevitável da insurreição de Cantão, a IC encaminhou-se para a guerra de guerrilhas e para os conselhos camponeses diante de uma completa passividade do proletariado industrial. Chegando desse modo a um impasse, a IC aproveitou a ocasião da guerra sino-japonesa para liquidar, com uma canetada, a “China soviética”, subordinando não apenas o Exército Vermelho camponês, mas também o partido supostamente “comunista”, ao próprio Kuomintang, isto é, à burguesia.

Após ter traído a revolução proletária internacional em nome da amizade com os escravistas “democráticos”, a IC não podia deixar de trair igualmente a luta emancipadora dos povos coloniais com um cinismo, aliás, ainda maior do que já havia feito antes dela a II Internacional. Uma das tarefas da política das frentes populares e da “defesa nacional” é transformar centenas de milhões de homens da população colonial em carne de canhão para o imperialismo “democrático”. A bandeira da luta emancipadora dos povos coloniais e semicoloniais, isto é, de mais da metade da humanidade, passou definitivamente para as mãos da IV Internacional.