Os dias em que os estrategistas da IC proclamaram que a vitória de Hitler era apenas um passo em direção à vitória de Thälmann estão bem distantes. Thälmann está nas prisões de Hitler há cinco anos. Mussolini mantém a Itália aprisionada ao fascismo há mais de dezesseis anos. Durante todo esse tempo, os partidos da II e III Internacional foram impotentes não apenas para despertar um movimento de massas, mas inclusive para criar uma organização ilegal séria, comparável, mesmo que de longe, aos partidos revolucionários russos da época do czarismo.
Não há a menor razão para ver a causa dessas derrotas no poderio da ideologia fascista. Mussolini. Na verdade, nunca teve a menor ideologia. A “ideologia” de Hitler nunca conquistou seriamente os operários. As camadas da população nas quais a embriaguez do fascismo, em certo momento, subiu à cabeça, sobretudo as classes médias, já tiveram tempo para se desembriagarem. Se, apesar de tudo, uma oposição, mesmo que pouco notável, limita-se aos meios clericais, protestantes e católicos, a causa não se encontra na força das teorias semidelirantes, semicharlatanescas da “raça” e do “sangue”, mas na falência estarrecedora das ideologias da democracia, da social-democracia e da Internacional Comunista.
Depois do esmagamento da Comuna de Paris, uma reação sufocante durou cerca de oito anos. Após a derrota da Revolução Russa de 1905, as massas operárias se mantiveram entorpecidas por quase o mesmo período de tempo. Entretanto, nesses dois casos, tratava-se apenas de derrotas físicas, determinadas pela correlação de forças. Na Rússia, tratava-se, além disso, de um proletariado quase virgem. A fração dos bolcheviques contava, então, com apenas três anos de idade. A situação era completamente diferente da Alemanha, onde a direção pertencia a poderosos partidos, contando um deles com 70 anos de existência, e o outro com cerca de 15. Esses dois partidos, que possuíam milhões de eleitores, encontraram-se moralmente paralisados antes da luta e renderam-se sem combater. Jamais houve na História semelhante catástrofe. O proletariado alemão não foi derrotado pelo inimigo num combate: foi abatido pela covardia, abjeção e traição de seus próprios partidos. Não é de se espantar que tenha perdido a fé em tudo o que estava habituado a crer há quase três gerações. A vitória de Hitler, por sua vez, reforçou Mussolini.
O insucesso real do trabalho revolucionário na Itália e na Alemanha não é nada mais do que o acerto de contas da política criminosa da social-democracia e da IC. Para se levar a cabo um trabalho ilegal, não basta simplesmente a simpatia das massas. É necessário, também, o entusiasmo sincero de suas camadas avançadas. Seria possível, porém, esperar pelo entusiasmo por organizações historicamente falidas? Os dirigentes emigrados são, na maioria, agentes do Kremlin e da GPU, desmoralizados até a medula dos ossos, ou antigos ministros social-democratas da burguesia que esperam, por algum milagre, que os operários lhes devolvam seus postos perdidos. Pode-se imaginar, por um só instante, esses senhores no papel de líderes da futura revolução “antifascista”?
Tampouco os acontecimentos na arena mundial puderam favorecer até agora um ascenso revolucionário na Itália e na Alemanha: esmagamento dos operários austríacos, fracasso da revolução espanhola, degenerescência do Estado soviético. Como, numa larga medida, os operários italianos e alemães dependem, para informações políticas, do rádio, pode-se dizer, com segurança, que as radiodifusoras de Moscou, combinando a falsidade termidoriana à estupidez e à falta de pudor, tornaram-se um potente fator de desmoralização dos operários dos estados totalitários. Tanto desse ponto de vista quanto de outros, Stalin é apenas um auxiliar de Goebbels!
Entretanto, os antagonismos de classe que conduziram à vitória do fascismo continuam sua obra mesmo sob seu domínio e corroem-no pouco a pouco. As massas estão cada vez mais descontentes. Centenas de milhares de operários devotados continuam, apesar de tudo, a realizar um trabalho prudente de formigas revolucionárias. Jovens gerações que não vivenciaram diretamente o desmoronamento das grandes tradições e das grandes esperanças levantam-se. A preparação molecular da revolução está caminhando sob o pesado fardo do regime totalitário. Mas, para que a energia escondida se transforme em movimentação aberta, é necessário que a vanguarda do proletariado encontre uma nova perspectiva, um novo programa uma nova bandeira que não esteja maculada.
Aqui está a principal dificuldade. É extremamente difícil para os operários dos países fascistas se orientarem pelos novos programas. A verificação de um programa faz-se pela experiência. Ora, é precisamente a experiência do movimento de massas que falta nos países de despotismo totalitário. É bem possível que seja necessário um grande sucesso do proletariado em um dos países “democráticos” para dar um impulso ao movimento revolucionário no território do fascismo. Uma catástrofe financeira ou militar pode ter o mesmo efeito. É necessário levar a cabo, atualmente, um trabalho preparatório, sobretudo de propaganda, que só dará frutos abundantes no futuro. Desde agora, pode-se afirmar com toda a certeza: uma vez irrompido abertamente o movimento revolucionário nos países fascistas, ele tomará, de uma só vez, uma envergadura grandiosa e, em caso algum, deter-se-á em tentativas de fazer reviver qualquer cadáver de Weimar.
É sobre esse ponto que inicia a irredutível divergência entre a IV Internacional e os velhos partidos que sobrevivem fisicamente à sua falência. A Frente Popular na emigração é uma das variedades mais nefastas e mais traidoras de todas as frentes populares possíveis. Significa, no fundo, a nostalgia impotente de uma coalizão com uma burguesia liberal inexistente. Se ela tivesse algum sucesso, apenas prepararia uma série de novas derrotas do proletariado à maneira espanhola. É por isso que a impiedosa crítica da teoria e da prática da Frente Popular é a primeira condição de uma luta revolucionária contra o fascismo.
Isso não significa, evidentemente, que a IV Internacional rejeite as palavras de ordem democráticas. Ao contrário, elas podem, em certos momentos, cumprir um enorme papel. Mas as fórmulas da democracia (liberdade de reunião, de associação, de imprensa etc.) são para nós palavras de ordem passageiras ou episódicas no movimento independente do proletariado e não um laço corrediço democrático passado em torno do pescoço do proletariado pelos agentes da burguesia (Espanha!). A partir do momento em que o movimento tomar qualquer caráter de massas, as palavras de ordem transitórias misturar-se-ão às palavras de ordem democráticas: os comitês de fábrica aparecerão, e é preciso ver isso antes que os velhos pelegos se tenham lançado de seus escritórios à edificação de sindicatos; os conselhos cobrirão a Alemanha antes que se tenha reunido em Weimar uma nova assembleia constituinte. O mesmo se dará na Itália e em outros países totalitários ou semitotalitários.
O fascismo lançou esses países no campo da barbárie política, mas não modificou seu caráter social. O fascismo é um instrumento do capital financeiro e não da propriedade latifundiária feudal. O programa revolucionário deve se apoiar na dialética da luta de classes, impreterível também nos países fascistas, e não na psicologia dos falidos amedrontados. A IV Internacional rejeita com asco os métodos de política mascarada aos quais recorrem os stalinistas, antigos heróis do “terceiro período”, para aparecer ora com máscaras de católicos, de protestantes, ora de judeus, de nacionalistas alemães, de liberais, unicamente com o fim de esconder seu próprio rosto pouco atraente. A IV Internacional aparece sempre e em todos os lugares sob sua própria bandeira. Ela propõe abertamente seu programa ao proletariado dos países fascistas. Desde já, a vanguarda dos operários do mundo inteiro está firmemente convencida de que a derrubada de Mussolini, de Hitler, de seus agentes e imitadores produzir-se-á sob a direção da IV Internacional.