Projecto de Constituição apresentado pela União Democrática Popular (UDP)

1976


Princípios Gerais


ARTIGO 1.°
(Território)

O território da República Portuguesa é constituído pelo território continental, na Europa, pelas ilhas dos Açores e da Madeira e pelas águas territoriais com uma extensão de duzentas milhas.

ARTIGO 2.°
(Carácter da República)

A República Portuguesa é um Estado Democrático que assegura as mais amplas liberdades para o povo. O motor fundamental do avanço da luta revolucionária é a aliança operária-camponesa, que é a base da vasta corrente popular revolucionária das massas trabalhadoras, sob a direcção da classe operária.

A República Portuguesa expropriará o capital monopolista e latifundiário, orientando a sua política económica no sentido de transformar Portugal de povo pobre e dependente em povo próspero e independente.

A República Portuguesa é um país independente hostil ao imperialismo e ao social-imperialismo, quer estes assumam uma forma expansionista e agressiva, quer se apresentem sob formas da falsa amizade e da falsa cooperação, que abrem igualmente o caminho à independência.

ARTIGO 3.º
(Papel das massas populares)

A República Portuguesa e todos os seus órgãos assumem a responsabilidade de por nenhuma forma impedirem o avanço das massas populares na luta pelo Pão, pela Paz, pela Terra, pela Liberdade e pela Independência Nacional. O conjunto de leis e instituições da República Portuguesa não poderá, consequentemente, criar obstáculos ao desenvolvimento da luta que a classe operária encabeça com o objectivo da emancipação total e completa das massas exploradas.

ARTIGO 4.°
(Política anti-imperialista, anti-capitalista e anti-latifundiária)

A República Portuguesa tem por dever patriótico a abolição de todos os privilégios adquiridos pelos imperialistas em Portugal; confiscará todos os bens e fortunas dos capitalistas monopolistas, grandes capitalistas, colocando-os ao serviço do povo; fomentará a transformação radical das condições de vida nos campos, através da confiscação de todas as fortunas dos latifundiários e grandes agrários, colocando-as ao serviço do povo dos campos; defenderá os bens do Estado e o património de todas as associações e formas colectivas de produção que visem a defesa do emprego e a elevação das condições de vida do nosso povo; protegerá os interesses económicos e bens pessoais dos operários e camponeses e demais classes e camadas exploradas e desfavorecidas.

ARTIGO 5.º
(Liberdade do povo)

A República Portuguesa garante a total liberdade de o povo se organizar e lutar pelo esmagamento das forças fascistas, reaccionárias, imperialistas, monopolistas e latifundiárias. Consequentemente, o Estado reconhecerá poder deliberativo, executivo e de decisão às organizações que unam as massas populares sem restrições nem limitações, e por elas sejam democraticamente constituídas, tais como assembleias plenárias de fábrica, assembleias plenárias de trabalhadores rurais, assembleias plenárias de camponeses, assembleias plenárias de quartéis e de ramos das forças armadas, assembleias plenárias de empresas públicas ou privadas, assembleias plenárias de moradores de bairros ou localidades, assembleias plenárias de estudantes, assembleias culturais e desportivas, assembleias de controle, vigilância e autodefesa populares. Estas assembleias são proclamadas representantes legítimos da vontade popular, nas quais todo o povo tem o direito e o dever de participar; constituem formas directas de exercício da democracia, e só aos nela participantes compete a respectiva regulamentação.

ARTIGO 6.º
(Relações com os povos, nações, países e Estados)

A República Portuguesa mantém relações de amizade e cooperação mútuas com todos os povos, nações, países e Estados do Mundo.

Nas suas relações externas, a República Portuguesa guia-se pelos seguintes princípios:

Respeito mútuo pela integridade territorial e soberania nacional;
Não ingerência nos negócios internos dos outros Estados;
Não agressão mútua;
Igualdade nas relações e estabelecimento de relações que visem vantagens recíprocas;
Coexistência pacífica entre Estados.

A República Portuguesa não terá relações diplomáticas com os Estados que possuam colónias, nem com Estados onde se pratique o apartheid.

ARTIGO 7.º
(Política internacional anti-imperialista)

A República Portuguesa opõe-se a qualquer espécie de agressão imperialista ou de um bloco militar expansionista, lutando por uma paz mundial justa e duradoura.

A República Portuguesa defende o princípio da destruição total e completa dos arsenais atómicos, a realizar sob o controle de todos os Estados, grandes ou pequenos, poderosos ou fracos.

A República Portuguesa pronuncia-se contra a política falsa e enganadora de «congelamento» dos arsenais atómicos e contra a política de só as duas grandes potências nucleares decidirem as questões que dizem respeito a toda a Humanidade.

A República Portuguesa defende a transformação do Atlântico e do Mediterrâneo em zonas desnuclearizadas e de paz.

A República Portuguesa rejeita as organizações ditas de defesa colectiva destinadas a servir os interesses particulares das duas superpotências e recusa a protecção nuclear de qualquer das grandes potências, EUA e URSS.

ARTIGO 8.º
(Proibição de tratados militares imperialistas)

A República Portuguesa denunciará todos os acordos e alianças militares celebrados durante o regime fascista.

A República Portuguesa, de acordo com este princípio e com os consignados nos artigos anteriores, abandonará a Organização do Tratado do Atlântico Norte e o Pacto Ibérico e não celebrará qualquer tratado ou acordo com potências pertencentes aos dois grandes blocos militares, nomeadamente o Pacto de Varsóvia, prosseguindo deste modo uma verdadeira política de Independência Nacional, face às superpotências e aos imperialismos.

ARTIGO 9.º
(Política de paz)

A República Portuguesa renuncia à força e à violência para a resolução de diferendos internacionais, só a elas recorrendo em caso de legítima defesa.

A República Portuguesa, interpretando os sentimentos do povo acabado de sair de uma guerra colonial assassina, agressiva e expansionista, declara solenemente que não empreenderá qualquer guerra de conquista, que não utilizará as suas forças contra a liberdade de outro povo ou nação e que jamais se aliará a qualquer Estado ou bloco imperialista em acções visando a agressão ou a opressão de povos ou nações.

ARTIGO 10.º
(Política de Independência Nacional)

A República Portuguesa, de acordo com os objetivos enunciados de Independência Nacional, aplica, na sua política económica, o princípio de contar prioritariamente com as nossas próprias forças e secundariamente com as forças e auxílios externos.

A República Portuguesa apoia e integra-se na frente unida mundial contra o domínio das superpotências.

Para desenvolver a economia nacional, a República Portuguesa eliminará o controle e pilhagem exercidos sob: os seus recursos naturais pelos imperialistas e sobretudo elas superpotências.

A República Portuguesa estabelecerá relações económicas e comerciais com os países do Terceiro Mundo em ases igualitárias e dentro de uma linha de solidariedade e cooperação com os países em vias de desenvolvimento.

ARTIGO 11.º
(Descentralização político-administrativa)

A República Portuguesa aplicará o princípio justo da descentralização política, administrativa e financeira tendo em conta as aspirações da população de cada província e região, de modo a progressiva, mas aceleradamente, diminuir as diferenças entre a cidade e o campo, entre as grandes cidades e as pequenas cidades, entre o litoral e o interior, entre a capital e a província.

ARTIGO 12.º
(Relações com instituições religiosas)

Na República Portuguesa existe separação total entre o Estado e a Igreja e outras instituições religiosas.

Nenhum privilégio especial será concedido a qualquer religião, igreja ou instituição religiosa.

ARTIGO 13º
(Solidariedade militante com os exilados políticos)

A República Portuguesa concede protecção e direito de asilo aos estrangeiros perseguidos em razão da sua luta contra o fascismo e a opressão e pela libertação e independência dos seus países.

Na República Portuguesa, os exilados políticos gozam de toda a solidariedade militante do Povo Português.

ARTIGO 14.º
(Recurso à violência)

A presente Constituição, interpretando os ensinamentos populares colhidos na luta contra o fascismo declara legal o direito do Povo à rebelião e à resistência, sempre que o Governo ou outros órgãos do Estado não procedam de acordo com as aspirações mais profundas do Povo Português, a Independência, a Liberdade, a Paz e a Prosperidade.

ARTIGO 15.º
(Revogação das leis anteriores ao 25 de Abril de 1974)

A presente Constituição revoga totalmente a Constituição fascista de 1933 e todas as leis, decretos-leis e regulamentos anteriores ao 25 de Abril de 1974 que sejam fascistas e antidemocráticos.

Os órgãos de administração e os tribunais só aplicarão leis, decretos-leis e regulamentos anteriores à entrada em vigor desta Constituição quando não revogados.


Inclusão: 15/05/2020