Projecto de Constituição apresentado pelo Partido Comunista Português (PCP)
1976


Título IV — Estrutura e organização do Estado


Capítulo I
Órgãos de Soberania

ARTIGO 61.º
(Organização do poder político)
  1. A aliança do movimento popular de massas com o Movimento das Forças Armadas está na base da organização do poder político e determina a estrutura e o funcionamento dos Órgãos de Soberania.
  2. O movimento popular de massas compreende os partidos políticos empenhados no processo revolucionário e estrutura-se nas organizações populares unitárias sociais e políticas, sindicatos, ligas de pequenos e médios agricultores, comissões de trabalhadores, comissões de defesa da revolução, comissões de moradores, conselhos de aldeia, assembleias populares, locais e regionais.
  3. O Movimento das Forças Armadas — movimento de libertação do povo português — tem por objectivo a independência nacional e a construção da sociedade socialista sem classes, obtida pela colectivização dos meios de produção, eliminando todas as formas de exploração do homem pelo homem.
  4. As estruturas populares unitárias de base, em cooperação com os partidos empenhados no processo revolucionário e com o Movimento das Forças Armadas, são factor do reforço da unidade popular e da cooperação, participação e controle populares na actividade do aparelho do Estado.
ARTIGO 62.º
(órgãos de Soberania)

1. Os Órgãos de Soberania do Estado são os seguintes:

  1. Presidente da República;
  2. Conselho da Revolução;
  3. Assembleia do MFA;
  4. Câmara dos Deputados;
  5. Governo;
  6. Tribunais.

2. Serão reconhecidas a intervenção e representação políticas das organizações populares referidas no artigo anterior, em função do seu desenvolvimento autónomo e específico.

Capítulo II
Presidente da República

ARTIGO 63.º
(Chefe do Estado)

O Presidente da República é o Chefe do Estado, desempenhando, por inerência, as funções de Presidente do Conselho da Revolução e de Comandante Supremo das Forças Armadas.

ARTIGO 64.º
(Eleição)
  1. O Presidente da República é eleito por um colégio eleitoral constituído pela Câmara dos Deputados e pela Assembleia do Movimento das Forças Armadas.
  2. As candidaturas deverão ser subscritas por um mínimo de oitenta eleitores do colégio.
  3. A eleição será feita sem discussão por maioria absoluta à primeira volta ou por maioria simples à segunda, sendo a esta admitidos apenas os candidatos que tiverem obtido mais de 20 % dos votos no primeiro escrutínio.
ARTIGO 65.º
(Requisitos de elegibilidade)
  1. Pode ser candidato à Presidência da República todo o cidadão português de origem, maior de 30 anos de idade, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos.
  2. Se o eleito for membro da Câmara dos Deputados, perderá o mandato.
ARTIGO 66.º
(Duração do mandato e vacatura do cargo)
  1. O Presidente da República é eleito por cinco anos.
  2. A eleição terá lugar até sessenta dias antes do termo
  3. do mandato anterior, salvo se a Câmara dos Deputados tiver sido dissolvida, caso em que a eleição terá lugar após a eleição da nova Câmara.
  4. O Presidente da República pode renunciar ao cargo perante o Conselho da Revolução e a Câmara dos Deputados.
  5. Em caso de morte, renúncia ou impedimento do Presidente da República, assumirá as suas funções quem o Conselho da Revolução designar, devendo proceder-se a nova eleição no prazo de sessenta dias, salvo no caso de impedimento temporário.
ARTIGO 67.º
(Posse e juramento do Presidente eleito)

O Presidente da República toma posse perante a Assembleia do MFA e a Câmara dos Deputados, usando a seguinte declaração de compromisso:

Juro por minha honra garantir o exercício de todos os direitos e liberdades dos cidadãos, observar e fazer cumprir a legalidade democrática, defender as instituições revolucionárias, promover o progresso social e o bem geral do povo e assegurar a independência da Pátria Portuguesa.

ARTIGO 68.°
(Ausência do Pais)
  1. O Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem o assentimento do Conselho da Revolução e da Câmara dos Deputados, se esta estiver em funcionamento, salvo em viagem de carácter particular, cuja duração não exceda cinco dias.
  2. Durante a ausência desempenhará as funções de Presidente da República quem o Conselho da Revolução designar
ARTIGO 69.º
(Responsabilidade)

Por crimes estranhos ao exercício das suas funções, o Presidente da República responderá perante os tribunais, mas só depois de findo o mandato.

ARTIGO 70.º
(Funções do Presidente da República)

Compete ao Presidente da República:

  1. Representar a República;
  2. Escolher o Primeiro-Ministro, ouvido o Conselho da Revolução e os partidos e demais forças políticas que entender por convenientes;
  3. Nomear e exonerar os membros do Governo de acordo com a proposta do Primeiro-Ministro;
  4. Dissolver a Câmara dos Deputados sob deliberação do Conselho da Revolução, marcando a data para novas eleições a realizar no prazo de noventa dias;
  5. Promulgar e fazer publicar as leis do Conselho da Revolução e da Câmara dos Deputados, bem como os decretos-leis e os decretos regulamentares do Governo;
  6. Dirigir, em coordenação com o Conselho da Revolução e o Governo, a política externa da República;
  7. Concluir acordos e ajustar tratados internacionais, directamente ou por intermédio dos seus representantes;
  8. Ratificar tratados internacionais depois de devidamente aprovados;
  9. Acreditar e receber os representantes diplomáticos;
  10. Indultar e comutar penas;
  1. Marcar, nos termos constitucionais, sob proposta do Conselho da Revolução, a data de eleições para a Câmara dos Deputados;
  2. Declarar a guerra e fazer a paz, mediante prévia autorização do Conselho da Revolução;
  3. Declarar o estado de sítio no caso de agressão efectiva ou iminente de forças estrangeiras ou de grande perigo para a ordem democrática e revolucionária, precedendo autorização do Conselho da Revolução;
  4. Convocar extraordinariamente a Câmara dos Deputados quando assim o exigir o bem da República;
  5. Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da Nação.
ARTIGO 71.º
(Referenda)

1. Os actos do Presidente da República devem ser referendados pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro ou Ministros competentes, sem o que serão juridicamente inexistentes.

2. Não carecem de referenda:

  1. A nomeação e exoneração do Primeiro-Ministro e demais membros do Governo;
  2. Os actos legislativos emanados do Conselho da Revolução, excepto aqueles a que se refere o art. 105.°, n.° 3;
  3. A mensagem de renúncia ao cargo.

3. A promulgação das leis e resoluções da Câmara dos Deputados será referendada apenas pelo Primeiro-Ministro.

Capítulo III
Conselho da Revolução

ARTIGO 72.º
(Composição)
  1. O Conselho da Revolução é presidido pelo Presidente da República e a sua composição é a que se encontra definida na Lei Constitucional n.° 5/75, de 14 de Março.
  2. Qualquer alteração à composição do Conselho da Revolução só poderá ser feita por legislação do próprio Conselho, de acordo com deliberação da Assembleia do MFA.
ARTIGO 73.º
(Funções)

O Conselho da Revolução terá por funções:

  1. Definir, dentro do espírito da Constituição, as necessárias orientações programáticas da política interna e externa e velar pelo seu cumprimento;
  2. Decidir, com força obrigatória geral, sobre a constitucionalidade das leis e outros diplomas legislativos, sem prejuízo da competência dos tribunais para apreciar a sua inconstitucionalidade formal:
  3. Exercer a competência legislativa que lhe é atribuída por esta Constituição;
  4. Vigiar polo cumprimento das leis ordinárias e apreciar os actos do Governo ou da administração;
  5. Propor à Câmara dos Deputados alterações à Constituição em vigor;
  6. Autorizar o Presidente da República a fazer a guerra, em caso de agressão efectiva ou iminente, e a fazer a paz;
  7. Pronunciar-se junto do Presidente da República sobre a escolha do Primeiro-Ministro e dos Ministros que devam ser da confiança do MFA.
  8. Deliberar sobre a dissolução da Câmara dos Deputados quando o considerar necessário à resolução de situações de impasse político;
  9. Autorizar o Presidente da República a declarar o estado de sítio e a pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da Nação;
  10. Pronunciar-se sobre a impossibilidade física, temporária ou permanente, do Presidente da República;
  1. Designar, em caso de morte, renúncia ou impedimento do Presidente da República, quem desempenhará interinamente as suas funções;
  2. Aprovar os tratados de cooperação militar e defesa.
ARTIGO 74.º
(Funcionamento)
  1. O Conselho da Revolução funciona em regime de permanência.
  2. O Conselho da Revolução reúne-se em plenário ou por secções ou comissões, conforme o regimento que elaborará.

Capítulo IV
Assembleia do Movimento das Forças Armadas

ARTIGO 75.°
(Composição)
  1. A Assembleia do MFA é constituída por 240 representantes das forças armadas, sendo 120 do Exército, 60 da Armada e 60 da Força Aérea.
  2. A composição da Assembleia do MFA será determinada por lei do Conselho da Revolução.
  3. O Conselho da Revolução faz parte da Assembleia do Movimento das Forças Armadas.
ARTIGO 76.º
(Funções)
  1. A Assembleia do Movimento das Forças Armadas faz parte, com a totalidade dos seus membros, do colégio eleitoral para a eleição do Presidente da República.
  2. O Conselho da Revolução definirá em diploma legislativo a elaborar por ele próprio as funções específicas da Assembleia do Movimento das Forças Armadas.
ARTIGO 77.º
(Funcionamento)
  1. A Assembleia do Movimento das Forças Armadas será presidida pelo Conselho da Revolução através do seu Presidente ou de quem as suas vezes fizer.
  2. A Assembleia do MFA funciona em regime de permanência e segundo regulamentação própria que será da competência legislativa do Conselho da Revolução.

Capítulo V
Câmara dos Deputados

ARTIGO 78.º
(Definição)
  1. A Câmara dos Deputados é uma assembleia parlamentar representativa dos cidadãos eleitores.
  2. A Câmara dos Deputados é responsável perante as massas populares e perante os órgãos democráticos revolucionários do poder político.
ARTIGO 79.º
(Composição, eleição e duração)
  1. A Câmara dos Deputados é eleita por sufrágio universal, directo, igual e secreto.
  2. A Câmara dos Deputados é eleita por um período de três anos.
  3. O número de Deputados será determinado pela Lei Eleitoral, não podendo ser superior a 250.
ARTIGO 80.º
(Direitos e regalias dos Deputados)

1. Os Deputados gozam dos direitos e regalias seguintes:

  1. Não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções;
  2. Não podem ser sujeitos a prisão preventiva, a não ser em virtude de crime punível com pena maior e mediante autorização da Câmara;
  3. Não podem ser jurados, peritos ou testemunhas sem autorização da Câmara, que decidirá após a audiência do Deputado;
  4. Ficarão adiados do cumprimento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil durante o funcionamento da Câmara;
  5. Não podem ser prejudicados na sua colocação ou emprego permanentes, por virtude do desempenho das funções de Deputado;
  6. Terão direito de requerer os elementos, informações e publicações oficiais que considerarem indispensáveis para o exercício do mandato.

2. Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, fora do caso previsto na alínea b) do número anterior, a Câmara decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso para efeito de seguimento do processo.

ARTIGO 81.°
(Perda de mandato)

1. Perdem o mandato os Deputados que:

  1. Venham a ser abrangidos por alguma das causas de incapacidade ou incompatibilidade previstas na lei;
  2. Não tomem assento na Câmara até à quinta reunião ou deixem de comparecer em cinco sessões consecutivas, sem motivo justificado de doença ou de outro caso de força maior, ou dêem quinze faltas interpoladas não justificadas;
  3. Venham a ser condenados pela prática de qualquer crime.

2. Compete à Câmara declarar a perda do mandato em que incorrer qualquer dos Deputados.

3. Os Deputados poderão renunciar ao mandato, devendo a renúncia ser declarada por escrito.

ARTIGO 82.º
(Preenchimento de vagas)

As vagas que ocorrerem na Câmara dos Deputados serão preenchidas pelo primeiro candidato não eleito, na respectiva ordem de precedência, da lista a que pertencia o titular do mandato vago.

ARTIGO 83.º
(Sessões e reuniões da Câmara)
  1. A Câmara dos Deputados reúne-se por direito próprio no primeiro dia útil de Março e Outubro, em sessões de três meses cada uma.
  2. A Câmara dos Deputados pode reunir em sessão extraordinária sempre que para tanto seja convocada pelo Presidente da República, por iniciativa deste, do Governo ou do Conselho da Revolução.
  3. As reuniões da Câmara dos Deputados são públicas, podendo ter carácter reservado quando nelas se tratar de matéria relativa à segurança nacional.
  4. A Câmara dos Deputados funciona em reuniões plenárias, podendo constituir comissões permanentes ou eventuais para fins determinados.
ARTIGO 84.º
(Votações e deliberações)
  1. A Câmara só pode reunir com a presença de mais de metade dos Deputados.
  2. As deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos, achando-se presente a maioria do número legal dos seus membros.
  3. As votações não poderão ser secretas.
ARTIGO 85.º
(Competência interna)
  1. A Câmara dos Deputados procederá à verificação dos poderes dos Deputados, elegerá a Mesa e regulará o seu funcionamento por meio de regimento interno.
  2. A verificação dos poderes dos Deputados incluirá a fiscalização das incapacidades e incompatibilidades eleitorais.
ARTIGO 86.º
(Competência externa)

Compete à Câmara dos Deputados:

  1. Fazer leis;
  2. Fazer parte do colégio eleitoral para a eleição do Presidente da República;
  3. Autorizar o Governo, até 15 de Dezembro de cada ano, a cobrar as receitas do Estado e a pagar as despesas públicas na gerência futura;
  4. Apreciar as contas respeitantes a cada ano, que lhe devem ser presentes pelo Governo;
  5. Aprovar os tratados que versem matérias da sua competência legislativa exclusiva;
  6. Definir os limites do território nacional;
  7. Ratificar a declaração do estado de sítio quando este se prolongar por mais de trinta dias;
  8. Exercer poderes constituintes quando por iniciativa do Conselho da Revolução lhe sejam propostas alterações à constituição;
  9. Conferir ao Governo autorizações legislativas;
  10. Ratificar a formação ou remodelação do Governo, nos termos do artigo 91.°;
  1. Apreciar os actos do Governo e da administração, podendo votar moções de confiança ou desconfiança ao Governo, nos termos do artigo 91.°.

Capítulo VI
Governo

ARTIGO 87.º
(Definição)

O Governo é o principal órgão executivo da política nacional, competindo-lhe colectivamente desenvolver e aplicar as directivas do Conselho da Revolução, elaborar a legislação necessária, superintender em toda a administração pública, de modo a corresponder rápida e eficientemente aos objectivos da transição para o socialismo.

ARTIGO 88.º
(Composição e formação)
  1. O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, que poderá gerir os negócios de um ou mais Ministérios, pelos Ministros, Secretários de Estado e Subsecretários de Estado.
  2. O Primeiro-Ministro é nomeado e exonerado livremente pelo Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução, forças políticas e partidos que entender por convenientes.
  3. O Governo é escolhido pelo Primeiro-Ministro, tendo em atenção a representatividade dos partidos na Câmara dos Deputados e as possíveis coligações.
  4. Os membros do Governo são nomeados e exonerados pelo Presidente da República sob proposta do Primeiro-Ministro.
  5. As funções de todos os membros do Governo cessam com a exoneração do Primeiro Ministro, e as dos Secretários e Subsecretários de Estado com as dos respectivos Ministros.
  6. Poderá haver Ministros sem pasta, que desempenharão missões de natureza específica e exercerão funções de coordenação entre os Ministros ou quaisquer outras que lhes sejam delegadas pelo Primeiro-Ministro.
  7. Os Ministros da Defesa, Administração Interna e Planeamento Económico são obrigatoriamente da confiança do Movimento das Forças Armadas, pelo que a sua nomeação não deverá ser feita antes de ouvido o Conselho da Revolução.
  8. Na ausência ou impedimento do Primeiro-Ministro, será substituído pelo Ministro que ele proponha ao Presidente da República ou, na falta de tal proposta, pelo Ministro que for designado pelo Presidente da República, depois de ouvido o Conselho da Revolução.
ARTIGO 89.º
(Funções)

1. Compete ao Governo:

  1. Conduzir, de acordo com as orientações programáticas do Conselho da Revolução, a política geral da Nação;
  2. Elaborar e executar o plano económico nacional;
  3. Apresentar à Câmara dos Deputados, até 15 de Outubro de cada ano, a proposta de lei de meios e elaborar e decretar com base nela o Orçamento Geral do Estado;
  4. Superintender no conjunto da administração pública;
  5. Fazer decretos-leis;
  6. Aprovar tratados e acordos internacionais, salvo aqueles a que se referem os artigos 73.°, alínea m), e 86.°, alínea e).
  7. Elaborar decretos, regulamentos e instruções para a boa execução das leis;
  8. Referendar os actos do Presidente da República, nos termos do artigo 71.°.

2. O Orçamento Geral do Estado conterá todas as despesas previstas para a administração pública, de acordo com o Plano Económico para o ano a que disser respeito, e as receitas necessárias para as cobrir.

ARTIGO 90.º
(Conselho de Ministros)
  1. As linhas gerais da orientação governamental e da sua execução serão definidas em Conselho de Ministros.
  2. Os membros do Governo estão vinculados às deliberações tomadas em Conselho de Ministros.
  3. Poderá haver Conselhos de Ministros restritos que terão os poderes e funcionarão nos termos que a lei determinar.
  4. Os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou das despesas públicas terão de ser aprovados em Conselho de Ministros.
ARTIGO 91.º
(Responsabilidade política do Primeiro-Ministro e do Governo)
  1. O Primeiro-Ministro é politicamente responsável perante o Presidente da República e, juntamente com o Governo, perante a Câmara dos Deputados.
  2. Nos casos de formação inicial ou de recomposição ministerial que abranja pelo menos um terço dos Ministros, o novo Governo deverá apresentar-se perante a Câmara dos Deputados, logo que esta reúna, para obter um voto de confiança.
  3. Para efeitos do número anterior não se contarão os Ministros que, nos termos do artigo 88.°, são da confiança do Movimento das Forças Armadas.
  4. A Câmara pode votar moções de desconfiança ao Governo.
  5. As moções de desconfiança não poderão efectuar-se em relação com acções do Governo que sejam execução de directivas do Conselho da Revolução.
  6. Nos seis meses subsequentes à formação inicial do Governo ou à recomposição ministerial não poderão ser votadas quaisquer moções de desconfiança.
  7. A aprovação de duas moções de desconfiança feitas com pelo menos trinta dias de intervalo obrigará a recomposição ministerial.
  8. A aprovação da moção de desconfiança carece de uma maioria qualificada de dois terços de Deputados.
  9. A moção de desconfiança terá de ser subscrita por, pelo menos, um décimo dos Deputados.
  10. Os membros do Governo têm direito a intervir nas sessões da Câmara dos Deputados em que se discutam moções de desconfiança.
  11. A eleição de uma nova Câmara dos Deputados não obriga o Governo a obter a sua confiança.

Capítulo VIII
Tribunais

ARTIGO 92.º
(Justiça)
  1. A justiça tem por fim fazer respeitar a vida, a liberdade e os direitos dos cidadãos e das organizações populares, bem como defender as instituições revolucionárias e a ordem económica e social da transição para o socialismo.
  2. A justiça é administrada pelos tribunais em nome do povo.
  3. Na aplicação da justiça os tribunais e os juízes são independentes e só devem obediência à Constituição e à lei.
ARTIGO 93.º
(Tribunais)
  1. A organização e competência dos tribunais serão estabelecidos por lei de modo a realizar os objectivos previstos no artigo anterior.
  2. A função jurisdicional é exercida pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos tribunais de 1.a e 2.a instâncias.
  3. Poderá haver tribunais especializados, como tribunais administrativos, do trabalho e outros.
  4. Além dos tribunais comuns haverá tribunais militares, cuja organização e competência a lei fixará.
ARTIGO 94.º
(Tribunal Revolucionário)

Para julgamento dos responsáveis por acções contra-revolucionárias será instituído um tribunal militar revolucionário, cuja competência, composição e funcionamento serão definidos por lei do Conselho da Revolução.

ARTIGO 95.º
(Participação popular na justiça)

A lei poderá prever a criação e competência de juízes de paz, eleitos pelos cidadãos, e os casos em que deverão intervir nos julgamentos assessores populares.

ARTIGO 96.º
(Ministério Público)

O Ministério Público é um órgão de justiça a quem compete representar o Estado e as pessoas a quem este deve protecção e defender a legalidade revolucionária.

Capítulo VIII
Administração local e regional

ARTIGO 97.º
(Estrutura e organização)
  1. As freguesias, os concelhos e os agrupamentos de concelhos são a base geográfica da administração local e regional.
  2. A lei de administração local e regional definirá a organização administrativa do País, o modo de composição, eleição, funcionamento e atribuições dos respectivos órgãos, bem como as formas de controle e de ligação com a administração central do Estado.
  3. A administração regional dos Açores e da Madeira terá estatuto próprio que, tendo em conta os problemas específicos criados pela distância geográfica e pelas condições económicas, sociais e políticas deverá contribuir para reforçar a identidade económica de cada arquipélago no quadro da unidade e planificação nacionais.(Estruturas populares unitárias de base)
ARTIGO 98.º
(Estruturas populares unitárias de base)
  1. A nível local e regional as estruturas populares unitárias de base participarão na defesa dos interesses populares, na dinamização e controlo da administração pública e da vida política, e na renovação e democratização do aparelho de Estado na via de transição para o socialismo.
  2. Às organizações populares a nível de aldeia, concelho, cidade, bairro ou região, é reconhecido o direito de intervir activamente na solução dos problemas políticos, económicos e sociais locais e regionais, nomeadamente através das assembleias populares locais e regionais e paralelamente às autarquias locais, em ligação e coordenação com estas e com os órgãos centrais do Estado.
  3. Será fomentada, no que se refere aos números anteriores, a acção autónoma dos sindicatos, ligas de pequenos e médios agricultores, comissões de trabalhadores, de defesa da revolução, comissões de moradores, conselhos de aldeia, assembleias populares locais e regionais, e outros órgãos representativos das organizações de massas.

Capítulo IX
Formação das leis

ARTIGO 99.º
(Competência legislativa)

Têm competência legislativa, nos termos dos artigos seguintes, o Conselho da Revolução, a Câmara dos Deputados e o Governo.

ARTIGO 100.º
(Competência do Conselho da Revolução)

1. São da exclusiva competência legislativa do Conselho da Revolução as regras referentes a:

  1. Assuntos militares;
  2. Composição e regimento do próprio Conselho da Revolução;
  1. Composição, funções e regimento da Assembleia do Movimento das Forças Armadas;
  1. Estatuto, funcionamento e competência do Tribunal Militar Revolucionário;
  1. Organizações populares, a que se referem os artigos 61.°, 62.° e 98.°.

2. O Conselho da Revolução poderá ainda legislar sobre qualquer outra matéria de interesse nacional e de resolução urgente, quando a Câmara dos Deputados ou o Governo o não puderem fazer.

3. Carecem de sanção do Conselho da Revolução, sem o que não poderão ser promulgadas, as leis da Câmara dos Deputados e dos decretos-leis do Governo que respeitem às matérias seguintes:

  1. Linhas gerais da política económica, social e financeira;
  2. Relações externas, em especial com os novos países de expressão portuguesa e com os territórios ultramarinos ainda sob administração portuguesa;
  1. Exercício das 'liberdades e direitos fundamentais;
  2. Organização da defesa nacional e definição dos deveres desta decorrentes;
  1. Actividade política, em especial a relativa a actos eleitorais.

4. Entender-se-á recusada a sanção se o Conselho da Revolução não se pronunciar nos trinta dias seguintes ao do envio da lei ou decreto-lei.

ARTIGO 101.º
(Competência da Câmara dos Deputados)

1. A Câmara dos Deputados pode fazer leis sobre todas as matérias não reservadas à competência legislativa do Conselho da Revolução.

2. Sem prejuízo do estabelecido no artigo anterior, constitui matéria de exclusiva competência legislativa da Câmara dos Deputados o estabelecimento de regras relativas a:

  1. Aquisição e perda da cidadania;
  2. Exercício dos direitos e liberdades fundamentais;
  3. Organização dos tribunais, excepto a dos tribunais militares;
  4. Regime da designação, valor, peso e timbre da moeda e do padrão de pesos e medidas;
  5. Determinação das remunerações do Presidente da República, dos Deputados e dos membros do Governo.

3. A Câmara dos Deputados pode autorizar o Governo a legislar mediante decretos-leis sobre matérias reservadas à sua competência legislativa.

4. Os Deputados não poderão apresentar projectos de lei que envolvam aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado.

ARTIGO 102.º
(Competência do Governo)
  1. O Governo pode legislar, mediante decretos-leis, em concorrência com a Câmara dos Deputados, sobre todas as matérias não reservadas à competência legislativa do Conselho da Revolução ou da Câmara dos Deputados.
  2. Para a execução da sua política o Governo pode solicitar à Câmara dos Deputados autorização para legislar sobre matérias da exclusiva competência legislativa desta. Quando as leis da Câmara dos Deputados ou do Conselho da Revolução contiverem apenas bases gerais, compete ao Governo elaborar os necessários decretos regulamentares.
ARTIGO 103.º
(Iniciativa legislativa)
  1. A iniciativa legislativa na Câmara dos Deputados compete aos Deputados, através de projectos de lei, e ao Governo, através de propostas de lei.
  2. A iniciativa legislativa poderá pertencer também às organizações populares referidas no artigo 61.°, nos termos e com os efeitos previstos na respectiva lei.
  3. O Governo poderá requerer à Câmara dos Deputados prioridade na discussão das suas propostas de lei, que só poderá ser recusada no caso de estar já em discussão algum projecto de lei sobre a mesma matéria.
ARTIGO 104.º
(Discussão pública)

Os projectos e propostas de lei poderão ser submetidos a discussão pública ou a parecer das organizações populares referidas no artigo 61.°, devendo a Câmara dos Deputados tomar em consideração os resultados do debate público ou os pareceres na redacção definitiva da lei.

ARTIGO 105.º
(Promulgação, referenda e publicação)
  1. As leis do Conselho da Revolução e da Câmara dos Deputados e os decretos leis regulamentares do Governo serão enviados ao Presidente da República para serem promulgados nos trinta dias seguintes ao da sua recepção.
  2. As leis da Câmara dos Deputados que não tenham obtido a necessária sanção do Conselho da Revolução poderão ser promulgadas na sua forma inicial se em segunda votação obtiverem aprovação por uma maioria de dois terços do número total de Deputados.
  3. A promulgação das leis da Câmara dos Deputados e dos decretos-leis e decretos regulamentares do Governo carece da referenda do Primeiro-Ministro e do Ministro ou Ministros competentes. A promulgação das leis do Conselho da Revolução carece de referenda do ‘Primeiro-Ministro apenas quando elas envolverem aumento de despesas não comportáveis pelo orçamento.
  4. As leis e outros diplomas legislativos só se consideram existentes após a sua publicação no Diário do Governo.
ARTIGO 106.º
(Inconstitucionalidade das leis)
  1. O Conselho da Revolução decidirá com força obrigatória geral, por sua iniciativa ou a requerimento dos tribunais, sobre a constitucionalidade das leis e de outros diplomas com força de lei.
  2. Nos casos submetidos a julgamento, os juízes poderão deixar de aplicar um diploma legal que julguem viciado de inconstitucionalidade formal.
  3. A lei regulará os trâmites a seguir quando se levantar o incidente da inconstitucionalidade perante os tribunais.
ARTIGO 107.°
(Recepção do direito internacional)
  1. As normas convencionais do direito internacional vigoram na ordem interna desde que constem de tratado ou qualquer outro acto aprovado pelo Conselho da Revolução, pela Câmara dos Deputados ou pelo Governo e cujo texto haja sido devidamente publicado.
  2. As normas de direito internacional universalmente reconhecidas, nomeadamente as que servem a paz e a cooperação pacífica entre os povos, e as normas geralmente reconhecidas relativas aos crimes de guerra, contra a paz e contra a Humanidade são imediatamente aplicáveis no direito interno português, vinculando o Estado e cidadãos.

Capítulo X
Eleições e sistema eleitoral

ARTIGO 108.º
(Liberdade eleitoral)
  1. É assegurada a liberdade eleitoral e da expressão eleitoral da vontade popular.
  2. O Estado garante a liberdade eleitoral para as massas populares e as suas organizações e a rigorosa seriedade e fiscalização do recenseamento, do acto eleitoral e do apuramento dos resultados, assim como a liberdade de propaganda dos candidatos onde quer que se apresentem, impedindo as pressões, ameaças e agressões internas e as ingerências externas, o caciquismo e a propaganda fraudulenta, e criando as condições materiais, sociais, políticas e jurídicas da autodeterminação consciente da vontade popular.
  3. A fim de garantir a expressão livre e fiel da vontade revolucionária e dos interesses do povo, o Estado tomará as medidas necessárias, em cooperação com as organizações populares, para que os processos eleitorais se integrem conscientemente no processo revolucionário.
ARTIGO 109.º
(Responsabilidade dos representantes eleitos)

Os Deputados e outros representantes eleitos não podem desenvolver acção política que esteja em contradição com as promessas e compromissos políticos constantes do seu programa eleitoral.

ARTIGO 110.º
(Sistema eleitoral)

A lei regulará o sistema eleitoral e o processo das eleições para a Câmara dos Deputados e para os órgãos da administração local e regional, observados os limites dos artigos seguintes.(Capacidade eleitoral)

  1. Para ser eleitor é necessário ter 18 anos de idade; para ser elegível é necessário ter atingido a maioridade.
  2. Nas primeiras eleições para a Câmara dos Deputados e para os órgãos locais e regionais não poderão ser eleitores nem elegíveis os indivíduos a quem, por desempenho de certos cargos durante o regime fascista, não foi atribuída capacidade eleitoral activa e passiva nas eleições para a Assembleia Constituinte.
ARTIGO 112.°
(Candidaturas)

Poderão apresentar candidatos às eleições para a Câmara dos Deputados e para os órgãos de administração local e regional os partidos políticos e outras organizações políticas e sociais, associações cívicas e movimentos unitários, isoladamente ou em coligação.

ARTIGO 113.º
(Representação proporcional)

A conversão dos votos em mandatos far-se-á através do sistema de representação proporcional.

Capítulo XI
Aparelho administrativo do Estado

ARTIGO 114.º
(Reestruturação)

O aparelho administrativo do Estado será reestruturado de modo adequado à natureza democrática revolucionária do Estado e à dinâmica do processo revolucionário, devendo completar-se o processo de saneamento do funcionalismo público e assegurar-se a colocação em todos os postos importantes de responsabilidade política, económica, diplomática e administrativa de pessoas inequivocamente integradas no processo revolucionário.

ARTIGO 115.º
(Responsabilidade dos funcionários e do Estado)

  1. Os funcionários ou agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público são responsáveis segundo as leis penais, civis ou administrativas pelos actos ilegais cometidos no exercício das suas funções.
  2. O Estado e demais pessoas colectivas civilmente responsáveis perante os cidadãos, pelas ofensas resultantes de actos ilícitos praticados pelos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício, têm direito de regresso contra os titulares do órgão ou agentes culpados, se estes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo.
ARTIGO 116.º
(Acção popular)

As organizações populares e os cidadãos têm o direito de acusar os funcionários ou agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por crimes de corrupção ou peculato.

Capítulo XII
Forças armadas

ARTIGO 117.º
(Funções)

Além da sua missão específica de defesa da integridade e independência nacionais, as forças armadas participam no desenvolvimento económico, social, cultural e político do País, no âmbito do MFA.

ARTIGO 118.º
(Organização)
  1. A organização das forças armadas é da exclusiva competência legislativa do Conselho da Revolução.
  2. O comandante-chefe das Forças Armadas é o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que depende directamente do Presidente da República.
  3. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas pode ser assistido por um Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, que o substituirá nos seus impedimentos.
  4. Cada um dos ramos das forças armadas será chefiado por um Chefe de Estado-Maior-
  5. O Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das forças armadas terão competência ministerial.

Inclusão: 14/05/2020