Projecto de Constituição apresentado pelo Partido Comunista Português (PCP)
1976


Título I — Princípios fundamentais


ARTIGO 1.º
(Estado democrático revolucionário)

O Estado Português é um Estado democrático revolucionário que tem por objectivo, num curto prazo histórico, eliminar o poder dos monopólios e latifundiários e abrir caminho à transição para o socialismo.

ARTIGO 2.°
(Forma do Estado, território, cidadania e símbolos)

  1. O Estado Português é uma República unitária e independente.
  2. O território da República é constituído pelo território
  3. historicamente definido na Europa e pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
  4. O Estado Português reconhece aos povos de todos os territórios que ainda se encontrem sob administração colonial portuguesa o direito à autodeterminação e à independência imediatas.
  5. São cidadãos portugueses todos os indivíduos nascidos em território nacional, filhos de pai ou mãe portugueses, e aqueles que a lei considerar como tais em razão da filiação, do lugar do nascimento ou de casamento; a lei determinará as condições da aquisição da cidadania portuguesa por naturalização e da sua perda.
  6. A bandeira nacional é a bandeira verde e vermelha com a esfera armilar e as armas nacionais, adoptada pelo regime republicano criado pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
  7. O hino nacional é A Portuguesa
  8. A capital da República é Lisboa.

ARTIGO 3.°
(Regime político, económico e social)

O regime político, económico e social caracteriza-se pela garantia e exercício das mais amplas liberdades democráticas e pela realização revolucionária de profundas transformações económicas e sociais de transição para o socialismo, o qual abolirá para sempre a exploração do homem pelo homem e instaurará um tipo superior de democracia.

ARTIGO 4.°
(Base social)

A aliança entre o povo e as forças armadas exprime a forma original de unidade e aliança da classe operária, das massas trabalhadoras, dos pequenos e médios agricultores e de outras camadas sociais interessadas na luta contra os monopólios e latifundiários e no avanço do processo revolucionário a caminho do socialismo.

ARTIGO 5.º
(Base política)

  1. Todo o poder pertence ao povo, que o exerce a nível local, regional e nacional, quer directamente, quer através das organizações populares, sociais e políticas, das instituições revolucionárias e dos órgãos estatais representativos, segundo o princípio da unidade do poder.
  2. É declarado ilegítimo e abolido o poder dos monopólios e dos latifundiários.
  3. A aliança entre o movimento popular de massas e o Movimento das Forças Armadas é a base política do regime democrático e o motor do processo revolucionário.
  4. A aliança entre o movimento popular de massas e o Movimento das Forças Armadas assegura o desenvolvimento pacífico e garante a vitória do processo revolucionário.

ARTIGO 6.º
(Base económica)

1. Constituem a base económica do regime de transição:

  1. O sector nacionalizado — em particular a banca e a grande indústria—, propriedade do Estado democrático revolucionário e sector dominante da economia nacional;
  2. O sector cooperativo, particularmente as cooperativas agrícolas de produção e as cooperativas de pescadores;
  3. O sector privado: pequenos produtores independentes, pequenas e médias empresas, capital estrangeiro nas condições fixadas pela lei.

2. O sector nacionalizado e o sector cooperativo, desenvolvendo-se em propriedade colectiva dos meios de produção, permitirão criar a base material e técnica do socialismo.

ARTIGO 7.º
(Funções políticas do Estado)

São funções políticas internas e tarefas do Estado democrático revolucionário:

  1. Consolidar as liberdades democráticas e assegurar os direitos individuais e económico-sociais, transformando estas liberdades e direitos numa realidade para os trabalhadores e todo o povo, na base de firmes garantias económicas, sociais, políticas e jurídicas;
  2. Desenvolver de forma criadora os órgãos do poder democrático que assegurem a participação determinante das massas populares na construção do novo aparelho de Estado e na solução dos problemas nacionais;
  3. Instaurar a ordem democrática e fazer cumprir a legalidade revolucionária, quebrar a resistência dos monopólios e dos latifundiários, defender o novo regime das tentativas de contra-revolução e das pressões e ingerências ou intervenção do imperialismo internacional;
  4. Sanear, reestruturar e democratizar o aparelho de Estado de modo a pô-lo ao serviço do povo e da revolução.

ARTIGO 8.°
(Funções económicas e sociais)

São funções e tarefas de organização económica e social do Estado:

  1. Nacionalizar os monopólios e o grande capital, respeitando as pequenas e médias empresas privadas que contribuam para o desenvolvimento da economia nacional;
  2. Realizar a reforma agrária pela expropriação do latifúndio e das grandes explorações capitalistas, segundo o princípio: a terra a quem a trabalha, respeitando a pequena e média propriedade privada da terra;
  3. Organizar, dirigir e desenvolver a produção social segundo um plano centralizado visando a estabilidade económica e financeira, o desenvolvimento harmonioso da indústria e da agricultura, dos transportes e dos serviços, o progresso regional, a independência económica nacional e a satisfação crescente das necessidades materiais e culturais do povo;
  4. Impulsionar, em função do processo revolucionário, o desenvolvimento das relações de produção socialistas e garantir a sua vitória definitiva, promovendo a democracia na produção, o controle operário, uma nova disciplina no trabalho, e a participação determinante das massas trabalhadoras na reestruturação do aparelho produtivo e na batalha da produção para o aumento decisivo do produto e da produtividade nacionais.

ARTIGO 9.°
(Relações internacionais)

1. Portugal adopta irrevogavelmente uma política de paz e amizade com todos os povos, um dos objectivos centrais da revolução iniciada no 25 de Abril de 1974.

2. Portugal faz seus e leva à prática os seguintes princípios das relações internacionais, produto e factor da luta revolucionária dos povos, da política persistente dos Estados progressistas, anti-imperialistas e pacíficos, e da acção das forças da Paz da opinião pública mundial, princípios que encontram expressão jurídica na Carta da ONU e são normas gerais de direito internacional da validade universal:

  1. Coexistência pacífica entre Estados com sistemas sociais e políticos diferentes;
  2. Respeito pelo direito dos povos à autodeterminação, à soberania e à independência, igualdade em direitos e direito dos povos a disporem dos seus recursos naturais, igualdade soberana de todos os Estados;
  3. Eliminação de todas as formas de colonialismo, neo-colonialismo, discriminação racial, e respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais;
  4. Não ingerência nos problemas internos das nações, respeito pela integridade territorial dos Estados e inviolabilidade das fronteiras;
  5. Não recurso à força nem à ameaça da força, recurso a negociações para a solução dos diferendos entre Estados, segurança colectiva internacional e dissolução dos blocos militares;
  6. Proibição de todas as armas de destruição massiva e cessação da corrida aos armamentos, abolição das bases militares estrangeiras e desarmamento geral, simultâneo e controlado;
  7. Intercâmbio e cooperação económica, tecnológica, científica e cultural entre os Estados, sem discriminações e na base do interesse e do respeito mútuos.

ARTIGO 10.º
(Relações com os novos Estados independentes)

Portugal, reconhecendo plenamente o direito dos povos a levantar-se em armas contra a opressão colonialista e imperialista, prosseguindo firmemente a política de descolonização, proporá aos povos e aos novos Estados recentemente libertados do colonialismo português e desenvolverá com eles, na base dos princípios referidos no artigo anterior, relações de estreita cooperação e laços da mais fraternal amizade.

ARTIGO 11.º
(Política de independência nacional)

1. Portugal determina-se por uma política intransigente de independência nacional assente:

  1. Na aplicação dos princípios referidos no artigo 9.° às relações com todos os Estados, desenvolvendo a cooperação com os Estados pacíficos e progressistas de que tinha sido isolado pelo fascismo, nomeadamente os Estados socialistas e não alinhados:
  2. Na defesa do direito do povo português a decidir livremente dos seus destinos, libertando-se progressivamente de dependências políticas, económicas e financeiras externas.

2. Portugal respeita os seus compromissos internacionais, sem prejuízo do direito do povo português a ver satisfeitos os princípios referidos no n.° 1 deste artigo, e da sua contribuição para a segurança colectiva, a cooperação e a paz na Europa e no Mundo.


Inclusão: 14/05/2020