Os Khrushchevistas

Enver Hoxha


3. Não são Marxista-Leninistas, São Traficantes


Mikoyan, um traficante cosmopolita e anti-albanês inveterado. Conversas árduas em junho de 1953 sobre questões econômicas: os dirigentes soviéticos pechincham na ajuda à Albânia. Os “conselhos” de Khrushchev um ano mais tarde: “Vocês não precisam de indústria pesada”, “proveremos petróleo e metais para vocês”, “não se preocupem com cereais, daremos o quanto vocês quiserem”. Conflitos com Mikoyan. Descontentamento dos dirigentes revisionistas na Comecon. Ochab, Dej, Ulbricht. A consulta da Comecon em junho de 1956 em Moscou, Khrushchev: “devemos fazer como Hitler”. Outra conversa com Khrushchev. Seus “conselhos”: “Que a Albânia siga em frente com algodão, ovelhas, pesca e cítricos”.

Estávamos decididos a prosseguir e desenvolver ainda mais a prática, que iniciara durante a vida de Stálin, de trocar ideias e pedir a ajuda da direção soviética em relação a nossos problemas econômicos. Nos primeiros oito ou nove anos do poder popular, havíamos alcançado uma série de sucessos no desenvolvimento econômico do país, dado os primeiros passos nas áreas da industrialização e da coletivização da agricultura, criado uma certa base nesse sentido e ganhado uma certa experiência, o que nos serviria para avançar continuamente a nossa economia socialista. Apesar disso, não havíamos nos envaidecido com o que havíamos alcançado nem escondíamos os problemas, fraquezas e grandes dificuldades que enfrentávamos. Por isso sentíamos a necessidade de consultar constantemente os nossos amigos e, acima de tudo, o Partido Comunista da União Soviética; igualmente, tínhamos a necessidade de suas ajudas materiais e créditos. Agora, nunca consideramos essas ajudas e créditos como caridade nem os solicitávamos como se fossem.

Entretanto, nessa área das nossas relações e contatos com a direção soviética posterior a Stálin, logo percebemos sinais de que as coisas não eram mais como antes. Havia algo de errado, a atmosfera não era mais a de antes, em que íamos a Stálin e falávamos dos nossos problemas sem hesitação, e ele nos escutava e falava conosco de coração aberto, com o coração de um comunista internacionalista. Cada dia mais, víamos mercadores, e não comunistas, nos seus sucessores.

Mikoyan, em particular, era o elemento mais negativo, mais suspeito e mais intrigante dos membros do Presidium do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. Esse comerciante, sempre rangendo os dentes postiços, ruminava também diabólicos planos antimarxistas, conspiratórios e golpistas, como se confirmou mais tarde. Esse indivíduo antipático até de feição, esse sem coração, mostrava-se ameaçador especialmente contra nós, albaneses. Nossas relações com esse traficante pão-duro tinham caráter econômico e comercial. Tudo em relação à Albânia, tanto na concessão de créditos como nas trocas comerciais, era visto por esse indivíduo por um prisma exclusivamente comercial. Para ele, não havia sentimentos internacionalistas, socialistas, de amizade.

Para Mikoyan, a Albânia era uma “noção geográfica”, um país com um povo sem valor. Nunca ouvi da sua boca uma palavra sequer sobre a nossa luta, sobre o nosso povo, sobre os esforços que fizemos na luta com grandes dificuldades para reerguer o país e a economia arruinados pela guerra. Ele, que havia viajado a todos os países, nunca demonstrou a mínima vontade de vir à Albânia. Parecia que a direção soviética se baseava na “grande experiência econômica” desse traficante cosmopolita, que, como mostrou a história, conspirou com Khrushchev contra Stálin, que haviam decidido assassinar — e isso ele mesmo nos admitiu em fevereiro de 1960. Depois do golpe, Khrushchev e Mikoyan associaram-se ao imperialismo americano e se lançaram à destruição desde as bases da grande obra de Lênin e Stálin, do socialismo na União Soviética. Era Mikoyan quem decidia que ajuda a União Soviética concederia à Albânia e aos outros países.

Em nossas relações com os soviéticos, Mikoyan não era só o mais mesquinho, como também o mais insolente. Essa sua linha antialbanesa era permanente, ele a tinha mesmo quando Stálin estava vivo. Em meu livro de recordações Com Stálin, escrevi sobre uma ocasião em que Stálin, falando-me das ajudas internacionalistas que nos concederiam, perguntou-me sorrindo:

— E os albaneses, trabalham mesmo?(1)

Entendi imediatamente por que Stálin me perguntou isso. Dois ou três dias antes, tivemos um longo debate com Mikoyan sobre nossa situação econômica e a solitação de ajuda que havíamos apresentado à direção soviética. Mikoyan proferira palavras ofensivas sobre a nossa situação e nossos assuntos, chegando a ponto de dizer: — Vocês estão baseando o seu desenvolvindo unicamente em ajuda externa!

— Não — respondi —, não é bem assim. Trabalhamos dia e noite, mal dormimos, mas são essas as nossas condições e dificuldades. — E prossegui falando do trabalho incansável e abnegado que os operários, o campesinato trabalhador, a juventude, as mulheres e todo o povo, velhos e jovens, faziam.

— Bem — disse o traficante, recuando —, vocês querem erguer a indústria. Criar uma indústria será difícil para vocês e vocês não arranjarão os equipamentos necessários em parte alguma, a não ser no exterior, conosco. Empreguem as suas forças na agricultura, melhorem a vida no campo, não esperem se desenvolver somente pela indústria.

Continuamos a discutir com o comerciante armênio por um bom tempo, e, como sempre, ele encerrou a discussão dizendo: — Bom, levarei isso à direção. — Com efeito, Stálin aprovou todas as nossas demandas e não fez, nem naquela nem em outra situação, quaisquer observações como as de Mikoyan. Contudo, este havia envenenado Stálin contra nós, também.

Com todas as nossas delegações econômicas, Mikoyan se comportava como um traficante.

— Não podemos atender às suas solicitações, vocês estão pedindo muitos créditos. Não podemos ajudá-los a construir a fábrica de arroz, a fábrica de cimentos, etc. — dizia ele, embora os créditos que solicitássemos fossem mínimos.

Nossa modéstia e nossa hesitação ao fazer alguma solicitação eram típicas de um pobre que conhece a miséria, que sabe do suor e das dificuldades, que conhecia as necessidades colossais da União Soviética devastada pela guerra e as suas obrigações internacionais. Todavia, para a maioria das fábricas e demais instalações que estávamos construindo com os créditos concedidos, o caminho já havia sido preparado ainda quando Stálin estava vivo. Explicamos em vão para Mikoyan a situação deplorável do nosso país, que não havia herdado a menor fábrica da burguesia, que havia sido arrasado pela guerra, que não tinha um só trator para trabalhar, e que, portanto, não eram justo nos colocar no mesmo nível que a Alemanha Oriental, a Tchecoslováquia, etc. Em uma ocasião, tive uma séria discussão com Mikoyan, que havia decidido me repreender porque as nossas vacas não produziam mais que 500 ou 600 litros de leite por ano.

— Para que as querem? — disse ele. — Matem-nas de uma vez!

Indignado, respondi:

— Nosso caminho jamais será o de matar o gado, mas sim o de alimentá-lo melhor e melhorar a sua produtividade. Vocês devem saber que o nosso povo tem escassez de pão, que dirá de animais.

— No nosso país — disse ele orgulhoso —, uma vaca produz não sei quantos mil litros de leite.

— Com licença — respondi —, você é um velho quadro do Estado soviético e deve saber: as suas vacas produziam tanto leite quanto hoje imediatamente após a Revolução de Outubro, em 1920 ou 1924?

— Não — ele disse —, as coisas eram diferentes naquele tempo.

— A mesma coisa acontece conosco agora — disse eu —, não podemos alcançar o seu nível dentro de quatro ou cinco anos de libertação. O que importa é que pusemos as mãos à obra e estamos sedentos por desenvolvimento e progresso. Não nos falta desejo ou vontade. Mas temos que avaliar corretamente as coisas.

Após a morte de Stálin, as nuances anti-albanesas na atitude do ministro comerciante da União Soviética se tornaram uma linha permanente. Só que agora ele não estava sozinho. Seu lápis havia adquirido o hábito de riscar cruzes e escrever “nãos” sobre nossas modestas solicitações, agora com o apoio e o respaldo dos demais. Escrevi anteriormente sobre o encontro de junho de 1953 com Malenkov, Beria, Mikoyan e outros em Moscou. Deixando de lado outras considerações, pela maneira que se comportavam conosco, senti no Kremlin a ausência não só do corpo do inesquecível Stálin, mas também do seu espírito generoso e humano, do seu comportamento atento, cordial, e do seu pensamento de exímio marxista-leninista.

Falava apenas por alguns minutos sobre a situação socioeconômica da Albânia, da mobilização sem precedentes das massas trabalhadoras, dos comunistas e dos quadros no trabalho, quando Malenkov me interrompeu:

Nu, tovarish(2) Enver — disse ele —, você está nos apresentando a situação da Albânia como se fosse boa, mas a realidade não é bem assim. Escute, então, às nossas considerações.

E então nos despejaram um monte de observações sobre nossa situação e nosso trabalho. Não sabemos de onde tiraram essas “informações”, mas o fato é que exageravam e aumentavam as coisas de tal maneira que ficamos estarrecidos. Duas “observações”, em especial, ficaram na minha memória.

A primeira dizia respeito ao nosso aparato estatal.

— O seu aparato — havia constatado a direção soviética —, é tão extenso e tão inchado que nem mesmo Rockefeller e Morgan se atreveriam a administrá-la.

E, imediatamente após nos chamarem de Rockefellers e Morgans, foram ao outro extremo com sua segunda observação:

— Seus camponeses não têm pão para comer, não têm bois, não têm gado, não têm nem uma galinha sequer (só eles sabem como contaram o número de galinhas da Albânia!), isso para não falar de outras necessidades básicas.

Rockefellers por um lado e mortos de fome por outro! Como entender essa lógica?

Mas a voz de Mikoyan não me permitiu pensar muito... Contador que era, Mikoyan falava em porcentagens, números, comparações, tabelas. Logo prosseguiu:

— Sua situação econômica é ruim, sua agricultura está em um estado miserável, seu gado é numericamente inferior ao período anterior à guerra, 20% do seu pão é importado, a coletivização caminha lentamente, o campesinato não está convicto da necessidade desta. Vocês exploram os camponeses. Vocês estão mal no plano financeiro. Vocês não sabem fazer comércio — resmungava o armênio.

Com todo o respeito que tinha pelos dirigentes soviéticos, não pude permanecer calado:

— Não passamos o dia em banquetes e festas — respondi. — Estamos trabalhando, dando nosso suor, mas não é possível consertar tudo de imediato. Não se esqueçam que vocês também passaram por essa fase.

— Não — disse ele —, não esquecemos, mas fomos nós mesmos que trabalhamos.

— Também somos nós que estamos trabalhando — prossegui —, não há servos no nosso país. Não estamos pedindo esmola, e sim uma ajuda internacionalista.

Minhas respostas o fizeram baixar um pouco o tom. Não obstante, prosseguiu:

— Seus planos não se concretizam. Tomemos o setor de construções. Vocês têm feito construções colossais para o seu país. Entretanto, essas construções não são concluídas — primeiro, porque vocês não possuem mão de obra e não criaram as devidas condições; segundo, porque vocês se empenham em construir muitas fábricas sem necessidade. Vocês iniciaram todas essas obras sem levar em conta as condições reais da Albânia. Estão construindo uma central hidrelétrica em Mat(3). Perguntamos: onde usarão a energia elétrica? Não vemos onde podem empregá-la, vocês não precisam de tanta energia.

Seu raciocínio me pareceu estranho, ao que fiz essa objeção:

— A central do rio Mat, quando concluída, produzirá cerca de 25.000 kW. Isso parece uma quantidade grande e desnecessária para vocês?! Tenha em mente, camarada Mikoyan, que não só precisamos agora de energia elétrica, mas que também não se poderá garantir o desenvolvimento planificado da nossa economia sem tomar a tempo as medidas necessárias para produzir a energia que necessitaremos.

— Vocês não são exatos nos seus planejamentos. A central é demasiado cara e vocês não têm o que fazer com a corrente — insistiu Mikoyan. — Igualmente, planejaram construir fábricas desnecessárias, como as de aço, processamento de madeira, papel, vidro, linho, pão, etc. Para que a Albânia precisa de todas essas fábricas? Por que estão construindo uma refinaria(4)? Vocês têm reservas de petróleo suficientes ou estão construindo para que a refinaria fique ociosa? Examinem bem tudo isso e cortem o desnecessário. A questão da agricultura é muito crítica, reduzam os investimentos na indústria e reforcem a agricultura!

Ouvia-o falar isso e, por um segundo, parecia que tinha diante de mim não o membro do Presidium do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, e sim Kidrič, o enviado de Tito à Albânia que, fazia sete ou oito anos, junto com seus companheiros, havia feito o possível para nos fazer desistir da indústria e de erguer qualquer obra industrial. “A agricultura, a agricultura”, insistiam os homens de Belgrado.(5) “A agricultura, só a agricultura”, escutava agora, em 1953, aconselharem-me também em Moscou.

Todo esse encontro, que tinha por objetivo examinar nossos problemas econômicos, seguiu nesse espírito até o fim.

Alguns dias depois, sentamo-nos outra vez com Mikoyan e outros dois ou três funcionários soviéticos e outra vez “debatemos” as questões econômicas. Vendo a má disposição dos nossos amigos, abandonamos muitas das nossas demandas. Limitamo-nos ao que era indispensável, e, apesar dos seus “conselhos”, insistimos e conseguimos um pequeno crédito para a indústria, especialmente para o setor de petróleo e de minas.

Nunca esquecerei aquele momento em que encontramos Malenkov e Mikoyan para as últimas conversas.

— Seguindo seus conselhos — disse-lhes —, consultei com meus camaradas e decidimos adiar para o próximo plano quinquenal a construção das fábricas de papel, vidro, aço e pão que havíamos solicitado anteriormente.

Pravilno! — disse Malenkov, enquanto Mikoyan se apressou em riscar com seu lápis grosso uma cruz na lista.

— Adiaremos a construção da hidrelétrica de Mat até 1957!

Pravilno! repetiu Malenkov, e Malenkov rapidamente riscou outra cruz.

— Cortaremos do plano a construção da ferrovia e da usina de asfalto.

Pravilno! Pravilno...

E assim terminou esse encontro.

— Voltem outra vez! — disseram-nos quando nos despedíamos. — Estudem bem as coisas e escrevam-nos.

Agradecemos aos nossos “amigos” pelas concessões e retornamos à Albânia.

Embora seja pouco dizer que as impressões que tivemos com essa viagem à União Soviética não foram boas, seguimos preservando nossos sentimentos de amizade e amor pelo grande país dos sovietes, pela pátria de Lênin e Stálin. Guardávamos para nós o que soara mal nas suas ações e gestos, discutíamos ansiosos sobre isso entre nós, mas em nossos corações não queríamos aceitar que as coisas naquele país haviam tomado a direção errada. Dizíamos uns aos outros que os camaradas soviéticos tinham grandes dificuldades econômicas, que, de alguma maneira, a perda de Stálin os havia desorientado, que não era tão fácil tomar completamente as rédeas da direção, e esperávamos ardentemente que essas coisas fossem passageiras, que se resolveriam com o tempo.

No entanto, alguns meses depois, voltamos a enfrentar uma atitude desagradável e incorreta da parte deles.

Em 22 de dezembro de 1953, enviamos ao Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética uma longa carta, na qual, depois de apontar as medidas tomadas para reforçar o poder popular, o nosso desenvolvimento econômico, a melhoria da vida no campo e o progresso na agricultura, apresentamos uma série de problemas para consulta de opiniões e alguns pedidos modestos de ajuda e créditos para nosso próximo plano quinquenal. Havíamos escrito essa carta seguindo as suas recomendações, com base num extenso estudo realizado durante meses, e, na nossa opinião, os pedidos eram muito bem fundamentados e exatos.

Os especialistas e conselheiros soviéticos que haviam vindo ao nosso país no marco da assistência e colaboração entre os dois países também pensavam assim.

Apenas cinco ou seis dias depois de enviarmos a carta a Moscou, chegou a Tirana a resposta do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. A carta tinha de 15 a 20 linhas. “Não refletiram bem sobre a situação”, “avaliaram o problema apressadamente”, “não se aprofundaram nas questões”, “não tomaram as medidas necessárias”, “preparem-se melhor e nos escrevam novamente”. Era esse todo o conteúdo daquelas poucas linhas assinadas pelo Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética. Não podíamos deixar de nos sentir magoados com o tom depreciativo e ofensivo da nova direção soviética e de nos perguntarmos surpresos: como sabem em Moscou se refletimos correta ou incorretamente sobre nossos problemas, se somos nós, e não eles, que vivemos e trabalhamos na Albânia?

Contudo, nossos encontros anteriores, especialmente com Mikoyan, haviam nos ensinado o que deveríamos fazer para que nossa carta agradasse aos soviéticos: passamos a tesoura em muitos dos pedidos apresentados, tiramos do projeto uma parte das nossas perspectivas e propostas, especialmente na área da indústria, e enviamos a segunda carta “corrigida”, ou, melhor dizendo, mutilada. Não estávamos enganados: avisaram-nos que estavam nos esperando em Moscou para “serem consultados e nos ajudarem”.

Encontramo-nos com os dirigentes soviéticos em 8 de junho de 1954. Foi nesse exato encontro que Khrushchev não quis falar sobre nossos problemas econômicos — visto que, como ele nos disse, ainda era um “mau albanês” —, e sim nos dar toda uma aula sobre o papel do Primeiro-Secretário do partido e do Primeiro-Ministro.

Todavia, antes de terminar seu discurso, Khrushchev também falou dos problemas econômicos, supostamente em termos gerais, supostamente em forma de orientações e conselhos, especialmente sobre a linha que deveríamos seguir na nossa política econômica.

— No desenvolvimento da sua economia — disse ele —, tomem cuidado com os cálculos. Vejamos o petróleo, por exemplo. Interessa-lhes investir tanto nesse setor? — perguntou.

Entendi imediatamente aonde ele queria chegar. Apesar de todas as “instruções” que haviam nos fornecido anteriormente, que devíamos desistir da exploração e extração de petróleo na Albânia, na segunda carta que lhes enviamos, insistíamos nas nossas opiniões e pedíamos a sua assistência nesse setor. Agora, já que ele havia tocado no assunto, aproveitei a oportunidade para expor mais uma vez a nossa opinião.

— Como devem saber pela carta que enviamos — disse-lhes —, nosso governo e o Comitê Central do nosso partido, encontrando-se diante de um grande problema econômico e político, determinaram que devemos prosseguir a extração e exploração de petróleo custe o que custar, por mais que isso seja pesado para nossa economia, e continuará sendo por algum tempo se não aumentarmos a produção de petróleo. Devemos continuar nossas explorações e nossa extração do petróleo — prossegui — porque isso é uma questão de grande importância estratégica e econômica para nosso país e nosso campo. Contudo, as perfurações atuais para procura e exploração são totalmente insuficientes. A quantidade extraída dos poços existentes diminui constantemente, o que, além de causar um déficit considerável na produção e pesar na nossa economia, causa grandes desajustes na nossa balança de exportações.

— Vocês têm certeza da existência de petróleo no seu subsolo? — perguntou Khrushchev.

— Permitam-me dizer-lhes que a expedição de estudos geológicos, conduzida por especialistas soviéticos e que tem trabalhado desde 1950, está otimista quanto à existência de jazidas de petróleo em vários pontos do nosso país além dos campos atuais. Mas a certificação dessas novas reservas, tanto nas fontes novas quanto nas existentes, requer investimentos. Temos tido muitos gastos nesse setor, estamos construindo uma refinaria, onde empregamos a parte mais combativa da classe operária e treinamos quadros petroleiros. Nesse processo todo — continuei —, não podemos deixar de reconhecer honestamente que há muitas lacunas e deficiências da nossa parte na organização do trabalho. Mas estamos lutando com todas as forças para eliminá-las. No entanto, continuamos a avançar inseguros em relação às reservas de petróleo. As reservas conhecidas até hoje são mínimas e podem se esgotar dentro de dois ou três anos se não intensificarmos as nossas explorações.

— Não se preocupem com isso — interveio Khrushchev. — Temos petróleo de sobra, proveremos para vocês.

— Sim — respondi —, entre 1948-1953 nós nos vimos obrigados a importar petróleo refinado e óleos lubrificantes que custam milhões de rublos. Mas vocês entendem que isso foi e ainda é um fardo muito pesado para nós. Pensem nos gastos que poderíamos evitar se encontrássemos e usássemos o petróleo que está no nosso subsolo.

— Além dessa razão muito importante — prossegui —, também nos é imperativo reativar o setor de petróleo por outra razão: no caso de uma eventual ameaça ao nosso país, havendo uma impossibilidade prática de nossos amigos nos proverem combustíveis, ficaríamos sem uma gota de petróleo sequer e toda a atividade do nosso país seria paralisada.

— Levando em conta todas essas circunstâncias — disse a Khrushchev —, decidimos prosseguir o trabalho de extração e exploração de petróleo. Mas para isso precisamos da sua ajuda. Com base nos dados dos especialistas soviéticos e albaneses, se continuarmos extraindo e procurando petróleo com os meios que temos atualmente e nos lugares onde temos poucas reservas, não passaremos de dois ou três anos. Depois desse período, nos encontraríamos novamente diante de gravíssimas dificuldades.

— Portanto, dada essa situação, pedimos ao governo soviético que estude a nossa solicitação de concessão de crédito para o setor petrolífero para os próximos três anos. Gostaria também de acrescentar que o maquinário que temos e que receberemos será usado pelos nossos próprios quadros, como também por um número muito reduzido de engenheiros soviéticos.

— Certo, certo — disse Khrushchev —, mas a questão é que devem fazer muito bem os cálculos, pôr as coisas na ponta do lápis e analisar se é vantajoso ou não. Sei que o seu petróleo não é dos melhores, que contém muitas outras substâncias, principalmente betume e altas porcentagens de enxofre, e sua rentabilidade é ainda menor se o refinarem. Vou dar um exemplo que se refere ao nosso petróleo em Baku. Investimos bilhões de rublos lá. Para impulsionar a indústria petrolífera em Baku, Beria solicitava constantemente quantias consideráveis a Josef Vissarionovitch, pois Stálin, que já havia trabalhado anteriormente em Baku, sabia que lá existia petróleo. Entretanto, com as atuais descobertas feitas em outras regiões da nossa pátria e com as análises que fizemos, constata-se que a exploração de petróleo em Baku não é rentável.

Depois de me dar uma boa aula sobre a “rentabilidade” e a “não rentabilidade” da extração de petróleo, na qual não faltaram números, para que eu “não cometesse erros” como Stálin(!), Khrushchev chegou aonde queria chegar:

“Portanto, no que se refere às questões econômicas, devemos colocar as contas na ponta do lápis, tanto nós quanto vocês, e, caso existirem fontes rentáveis de petróleo, ótimo, concederemos créditos. Contudo, fazendo as contas dessa maneira, acaba sendo mais vantajoso nós provermos o petróleo para vocês...”

“Tudo tem que levar em conta a rentabilidade — continuou Khrushchev. — Vejamos a indústria. Compartilho a sua opinião de que a Albânia deve ter a sua própria indústria. Mas que tipo de indústria? Penso que vocês devem desenvolver a indústria alimentícia, como as de conservas, de processamento de pescados, de frutas, de azeite, etc. Vocês também querem desenvolver a indústria pesada. Isso deve ser visto com atenção — disse, e, após mencionar que seria possível construir alguma usina mecânica de reparo das peças de reposição, acrescentou:

— Quanto à indústria de processamento de minérios e a indústria de produção de metais, não são rentáveis para vocês. Temos metais e podemos provê-los para vocês o quanto quiserem. Com um dia da nossa produção, satisfazemos um ano das suas necessidades.

Mesma coisa sobre a agricultura. — Vocês — continuou — devem cultivar os produtos que crescem melhor e que rendem mais no seu país. Também cometemos erros nesse sentido, como na Geórgia, por exemplo. Havíamos decidido cultivar cereais para pães lá, cultivar algodão na Ucrânia, etc. Mas fizemos as contas e vimos que é mais interessante cultivar na Geórgia as frutas cítricas, uvas, outras frutas, etc., e na Ucrânia os cereais. Agora temos tomado novas decisões e eliminamos os produtos que não se desenvolvem bem, tanto na Geórgia quanto nas outras repúblicas. Assim, vocês na Albânia também devem disseminar os produtos que se desenvolvem melhor e que produzem mais, como o algodão, as frutas cítricas, a azeitona, etc. Dessa forma, a Albânia se transformará num belo jardim e satisfaremos mutuamente as nossas necessidades.

— Uma das direções fundamentais do desenvolvimento da agricultura no nosso país — disse eu — é o aumento da produção de cereais para pães. O pão sempre foi e segue sendo um grande problema para nós.

— Não se preocupem com o cultivo de cereais para pães — interveio Khrushchev imediatamente. — Proveremos o tanto de pão que vocês quiserem, um dia de superação do plano de produção na União Soviética é suficiente para durar três anos na Albânia. Nós — continuou — estamos avançando a passos largos na nossa agricultura. Lerei para vocês algumas estatísticas sobre a realização do nosso plano de semeadura de primavera. A semeadura foi cumprida em tanto porcento, a área de superfícies semeadas supera em tantos milhões de hectares a do ano passado, tantos milhões de hectares acima do plano... — e continuou nos enchendo de números, lendo-os rapidamente, um atrás do outro, para nos dar a impressão de que não estávamos lidando com um dirigente qualquer, mas com um dirigente que conhecia a situação como a palma da sua mão.

Quanto aos números, não tínhamos razão para duvidar da sua veracidade, logo nos alegramos e desejamos à União Soviética todo o progresso possível. Mas no que se refere às opiniões e “orientações” para a nossa economia, não podíamos concordar com Khrushchev de jeito nenhum. Não quero dizer que já havíamos percebido desde esse primeiro encontro oficial, em junho de 1954, que estávamos diante do futuro dirigente do revisionismo moderno. Não, disso só nos daríamos conta mais tarde. Não obstante, notamos nesse encontro que as suas opiniões sobre o petróleo, assim como as suas orientações para a nossa indústria e agricultura, não correspondiam às necessidades do nosso país e não condiziam com os princípios básicos da construção socialista nem com os ensinamentos e a experiência de Lênin e Stálin. Portanto, decidimos rebater as suas opiniões e defender nossos pontos de vista.

Nesse encontro, entretanto, Khrushchev não deixou espaço para debates.

— Expus essas opiniões — concluiu — para que vocês as tenham em mente. Quanto às questões concretas que vocês nos apresentaram aqui em relação ao desenvolvimento da sua economia, da nossa parte, designamos um grupo de camaradas chefiado por Mikoyan para discuti-las. Por fim, nos encontraríamos outra vez e decidiremos conjuntamente.

Discutimos por vários e vários dias com Mikoyan, que tinha em mãos uma tesoura das grandes. Para recusar as nossas demandas — modestas, mas firmes — para o desenvolvimento industrial, ele e seus camaradas repetiam a mesma ladainha de sempre:

— Para que precisam da indústria?! — diziam-nos — Não enxergam o estado do campo?

Naturalmente, conhecíamos a situação do nosso campo muito mais do que eles, conhecíamos o atraso que a nossa agricultura havia herdado do passado, e, precisamente porque conhecíamos isso, sempre dedicamos atenção e cuidado especiais para o progresso da agricultura e para a elevação do padrão de vida no campo. Investíamos muito, considerando as nossas condições, na melhoria das terras, na irrigação, na preparação de novas terras, etc. Fornecíamos sementes selecionadas e maquinário agrícola aos camponeses, havíamos criado uma série de empresas agrícolas estatais, avançado bastante na área da coletivização e constantemente tomado medidas para facilitar e estimular a elevação do padrão de vida no campo, etc. Mas não se pode melhorar tudo da noite para o dia. Além do mais, conhecíamos bem a verdade marxista-leninista — a qual sentíamos na prática diária — de que a agricultura não pode avançar sem o desenvolvimento da indústria, sem a criação e fortalecimento dos ramos fundamentais que favoreceriam o desenvolvimento harmônico da nossa economia popular como um todo. Por isso, nesses encontros com os dirigentes soviéticos, insistimos nas nossas opiniões e nas nossas demandas.

— Apesar do progresso realizado — dissemos entre outras coisas —, hoje, a nossa indústria produz apenas um número limitado de artigos e não está em condições de satisfazer as necessidades dos trabalhadores. Em muitos casos, inclusive, a nossa produção depende de muitos produtos do exterior, como combustíveis, ferro, laminados, pneus, produtos químicos, fertilizantes químicos, peças de reposição, ferramentas e muitas outras coisas.

— Assim, nosso país é muito dependente das importações. Nossa indústria ainda produz muito pouco, e ocorre que, por estar distante de países amigos, frequentemente ramos inteiros da produção são suspensos pela falta de alguma matéria-prima, material auxiliar ou ferramenta. Nosso Estado nunca teve nenhuma reserva, por menor que fosse, de qualquer tipo de produtos, desde pães até lápis. Precisamos importar não somente produtos básicos, como cereais, combustíveis, etc., mas também todo tipo de maquinário e equipamento, ferramentas, peças de reposição, têxteis, sapatos, fios e agulhas, pregos, vidros, cordas, sacos, lápis, papéis, lâminas, fósforos, medicamentos, etc.

— Essa grave situação, camaradas — prosseguimos —, não nos torna pessimistas, mas esta é a realidade. Temos que nos esforçar o máximo possível para superar as dificuldades e melhorar a situação. Mas como conseguiremos isso?

— O comitê central do partido e o nosso governo pensam que a atual situação não pode ser transformada — dissemos-lhes — se não desenvolvermos simultaneamente à agricultura e a indústria, indústria essa que, passo a passo, nos livrará do pesado fardo das importações, que nos vemos obrigados a carregar no presente.

Por fim, Mikoyan e seu grupo cederam.

— Certo — disse ele —, informaremos a direção sobre as coisas que não chegamos a um acordo e decidiremos conjuntamente no encontro final.

No último encontro desta visita, realizado dois ou três dias antes de partirmos para a Albânia, o comportamento de Khrushchev foi mais amigável e mais aberto. Depois da nossa insistência nas nossas solicitações (sem dúvida alguma, Mikoyan o havia informado sobre os debates que havíamos tido), Khrushchev mostrou-se “mais generoso”, repetindo várias vezes “nós ajudaremos a pequena Albânia”, e concordou em satisfazer uma parte das nossas solicitações de créditos e ajuda.

Nesse encontro, ele falou bem do nosso partido, do nosso comitê central e de mim, e, como de costume, não se poupou de fazer “promessas grandiloquentes”. Logo entenderíamos por que agia assim: ainda era o início da ascensão dele e de seu grupo, por isso precisava de popularidade, de uma boa opinião sobre ele, da ideia, dentro e fora da União Soviética, de que se estava diante de um dirigente bondoso e alegre, hábil e inteligente, que sabe fazer oposição, mas que também sabe ceder, que não é avarento, e sim ponderado, um contador completo.

Era, pois, a época em que Khrushchev “investia” em favor da sua ação secreta, e para isso, dependendo da ocasião, precisava se passar por “generoso”, “cordial” e “humano”. Contudo, atrás dessa fachada bonita e “amigável”, a guarda dos Mikoyan e dos demais funcionários do comércio atuava intensamente, comportando-se conosco e com outros, nas discussões de problemas econômicos, como verdadeiros traficantes. Estes eram os homens de Khrushchev, que, com o seu conhecimento e seguindo as suas instruções, empregavam todos os tipos de pressão e subterfúgios, nas “reuniões de trabalho” e na “avaliação concreta das questões”, para cortar as nossas demandas e “atenuar” as questões de modo que, quando finalmente nos encontrássemos com Khrushchev, só restaria a este sorrir, elogiar e brindar.

Certa vez, tivemos uma discussão séria com Mikoyan com relação à concessão de créditos para a compra de produtos de consumo em massa. Não vou me estender sobre a grave situação que enfrentávamos naqueles anos pela escassez desses produtos nem sobre as necessidades urgentes do nosso país nesse sentido. A direção soviética sabia da situação, porém nós, para dar apoio à nossa solicitação de créditos mencionada anteriormente, escrevemos uma carta com uma breve exposição de como estávamos agindo para satisfazer as necessidades da população. No entanto, sem sequer ter examinado o nosso pedido, Mikoyan lançou-nos uma acusação:

— Vocês estão empregando em outras áreas os créditos que nós lhes concedemos para o desenvolvimento da sua economia. Estão comprando produtos de consumo em massa com eles.

— Tivemos e ainda temos — respondi-lhe — uma necessidade enorme de bens de consumo, mas não tenho conhecimento disso que você afirmou. Nunca permitimos que os créditos concedidos para o desenvolvimento da indústria ou da agricultura fossem usados para comprar esses produtos.

— Permitiram sim! — insistiu Mikoyan. — Vocês gastaram tantos milhões de rublos — disse ele, mencionando um número que não me lembro exatamente qual era, mas que passavam de dez milhões.

— É a primeira vez que ouço falar disso — disse-lhe —, contudo iremos verificá-lo.

— Eu mesmo os convencerei! — disse Mikoyan em um tom severo e irritado e mandou um de seus funcionários trazer seus documentos.

Um pouco depois, este chegou, pálido, e colocou os comprovantes diante de Mikoyan.

— Não há violação — disse ele. — Os albaneses compraram os produtos que você mencionou com os créditos que concedemos justamente para esse fim.

Mikoyan, encontrando-se em um aperto, murmurou algo entre os dentes e então, referente à nossa solicitação de novos créditos para a compra de bens de consumo, respondeu-nos:

— Não podemos conceder-lhes mais créditos deste tipo, porque para isso estabelecemos o comércio: vocês nos dão algo e nós lhes daremos algo em troca.

— Lamento — respondi — que vocês apresentem essa questão dessa maneira, quando sabem muito bem que nosso país se encontra em dificuldades e que os inimigos italianos, iugoslavos e gregos nos cercam e conspiram contra nós. Que mais vocês querem de nós? Temos fornecido a vocês e aos países de democracia popular o cromo, o petróleo e o cobre que extraímos. Querem então que tiremos o pão do nosso povo, que ainda não o tem em quantidades suficientes, para darmos a vocês? Não considero correto o seu raciocínio — disse eu ao armênio —, e peço que repensem essa questão.

Repensaram, mas não sem antes cortarem muitas das nossas demandas. Deram-nos uns créditos limitados, mas deram principalmente uma crítica prepotente e um monte de “conselhos”.

Todas essas atitudes, bem como outras semelhantes, nas nossas relações continuariam até a Conferência dos 81 Partidos, realizada em Moscou em novembro de 1960.

Durante esse período, tivemos muitas reuniões bilaterais com os dirigentes soviéticos, nas quais discutimos problemas econômicos com eles e buscamos ajuda e créditos, e também tivemos muitos contatos com eles nas reuniões, conversas e consultas organizadas no âmbito do Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecon).

A maneira como essas reuniões eram organizadas e como nossos “amigos” se comportavam em relação a nós, aos problemas que levantávamos e às dificuldades que tínhamos, nos faziam cada vez mais a nos perguntar: estamos lidando com marxista-leninistas ou com traficantes? Ulbricht, Novotny, Ochab, Dej, Kadar, Gomulka, Cyrankiewicz, Zhivkov e os outros estavam se engalfinhando; cada um deles reclamava que estava em uma situação difícil; todos pediam “mais ajuda” aos “amigos”, porque sofriam “pressão de baixo”; tentavam se acotovelar, apresentavam todos os tipos de “argumentos e números”; tentavam se esquivar de suas obrigações e obter o máximo possível às custas dos outros. Enquanto isso, Khrushchev ou seus enviados se levantavam, davam palestras sobre a “divisão socialista do trabalho”, apoiavam um ou outro, de acordo com seus próprios interesses em uma determinada situação, e exigiam “unidade e entendimento na família socialista”. E em toda essa disputa, a Albânia quase não era mencionada, como se não existisse para eles.

As conversas e consultas duravam dois, três ou quatro dias, dossiês inteiros eram preenchidos com discursos, solicitações, decisões, balanços, mas a Albânia socialista era tratada com desdém pelos outros países, como se fôssemos um incômodo. Estávamos bem cientes da situação em nosso país, conscientes de que nosso potencial econômico não estava nem perto do dos outros países; sabíamos também que esses países tinham seus próprios grandes problemas e dificuldades, mas isso nunca deveria ter servido de motivo para nos subestimarem e ignorarem. Com muito esforço, depois de muitas reuniões e conversas, conseguimos, ocasionalmente, arrancar deles alguma ajuda ou crédito. Agradecemos de todo o coração pelo que nos deram, agradecemos aos povos fraternos, em primeiro lugar, e, de nossa parte, não apenas pagamos integralmente os créditos dentro do prazo, mas, com o que tínhamos, cumprimos honestamente todas as nossas outras obrigações para com nossos camaradas. Era justamente a sinceridade, o genuíno espírito internacionalista, que estava faltando entre eles. Quando se tratava do cumprimento prático de seus compromissos de fornecer ajuda ao nosso país, cada um deles dava uma desculpa:

— Nós mesmos temos carências e necessidades — dizia Ulbricht — sofremos pressão da Alemanha Ocidental e, portanto, não podemos ajudar a Albânia.

— A contrarrevolução nos causou danos — essa foi a justificativa de Kadar — Não podemos cumprir nosso compromisso de apoio mútuo.

Todos eles, um após o outro, agiram dessa forma. E, no final, a “solução” foi encontrada:

“A Comecon recomenda aos camaradas albaneses que os problemas levantados por eles aqui sejam resolvidos com o governo soviético por meio de reuniões bilaterais”.

Entre muitas dessas reuniões dos países da Comecon, a que foi realizada em Moscou em junho de 1956 ficou gravada em minha mente. Agora Khrushchev estava entrando de cabeça em seu caminho de traição, os outros também estavam galopando atrás dele. O 20º Congresso do PCUS, sobre o qual falarei mais tarde, estava produzindo seus efeitos. A falta de unidade, a divisão e as contradições são o resultado natural e os concomitantes do revisionismo.

Isso ficou evidente nessa reunião, três ou quatro meses após o 20º Congresso.

Ochab, que havia se tornado Primeiro-Secretário do Partido Operário Unificado Polonês (PZPR), levantou-se e declarou:

— Não cumprimos a nossa parte que nos foram impostas sobre a questão do carvão e não o faremos. Não podemos cumprir o plano, suas metas são muito altas e devem ser reduzidas. Os trabalhadores do carvão vivem mal, trabalham até a exaustão.

Assim que ele terminou, Gerö, Ulbricht e Dej se levantaram, um após o outro, e fizeram todo tipo de acusação contra os poloneses. A atmosfera estava muito quente.

— Se quiserem carvão de coque, invistam na Polônia — respondeu Ochab — Precisamos melhorar o padrão de vida. As coisas chegaram a tal ponto que os trabalhadores poloneses estão prestes a entrar em greve e abandonar as minas...

— Onde devemos investir primeiro?! — responderam os outros — Nas usinas de aço da União Soviética ou em suas minas de carvão?!

— Precisamos examinar essas coisas — disse Khrushchev, tentando acalmar os ânimos — Quanto à questão dos trabalhadores, se vocês, poloneses, não tiverem trabalhadores suficientes, ou se os que vocês têm forem embora, podemos trazer trabalhadores de outros países.

Diante disso, Ochab deu um pulo.

— Isso não é justo — gritou ele — Vocês precisam nos ajudar. Não vamos voltar para a Polônia sem resolver essa questão. Ou reduzem o plano ou aumentam os investimentos...

— Uma vez tomadas, as decisões devem ser executadas — interpôs Dej.

— As decisões não estão sendo executadas — disse Gerö, colocando mais lenha na fogueira — Temos várias fábricas nas quais fomos instruídos a produzir armas e equipamentos especiais, mas ninguém está comprando os produtos de nós.

— Eles também não os aceitam de nós — disse Ochab, pulando novamente — O que vamos fazer com eles?!

— Não vamos falar aqui como gerentes de fábrica — disse Khrushchev a Ochab — As coisas não podem ser discutidas dessa forma. Você deve olhar para a lucratividade. Nós também mudamos de direção em muitas fábricas. Por exemplo, — continuou Khrushchev — transformamos algumas fábricas de armas em fábricas que produzem bombas de água. Tenho algumas sugestões sobre esses problemas, — continuou Khrushchev, e começou a revelar as “joias” que tinha na ponta da língua:

— Com relação a vários produtos especiais da indústria, — disse ele, entre outras coisas — devemos fazer como Hitler fez. Naquela época, a Alemanha estava sozinha e ele conseguiu produzir tudo. Devemos estudar essa experiência e também criar empresas conjuntas para produtos especiais, por exemplo, armas.

Não podíamos acreditar em nossos ouvidos! Será que era verdade que o Secretário-Geral do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética queria aprender com a experiência de Hitler e até mesmo recomendá-la a outros? Mas era a isso que as coisas estavam chegando. Os outros ouviram e acenaram com a cabeça em sinal de aprovação.

— Você deve nos fornecer projetos — disse Ochab.

— Vocês não merecem recebê-los — gritou Khrushchev com raiva — porque o Ocidente os rouba de vocês. Nós lhe demos a patente de uma aeronave e os capitalistas a roubaram de você.

— Verdade... — admitiu Ochab pondo o rabo entre as pernas.

— Nós lhe demos o relatório secreto do 20º Congresso, você o imprimiu e os vendeu a 20 zlotys a cópia. Vocês não sabem guardar segredos.

— Certo... — sussurrou Ochab se escondendo ainda mais.

— Nós lhe demos mais quatro documentos sigilosos e eles sumiram com você — acrescentou Bulganin, numerando-os um a um na cara dele.

— Sim — disse Ochab, agora sua voz mal podia ser ouvida — Alguém os roubou de nós e fugiu para o Ocidente.

— A situação na Polônia não é boa, — continuou Khrushchev — vocês estão seguindo uma política oportunista em relação à União Soviética e aos países de democracia popular, quem dirá dentro de seu próprio país.

— No contexto das alianças, — interveio Ulbricht —devemos colaborar com todos, especialmente com os social-democratas.

Por um momento, Khrushchev ficou sem saber o que dizer. Conciliação com qualquer um, reabilitações, uma política amena com os inimigos, essas eram suas ideias, a continuação de sua política oportunista e pacifista, a mesma política que ele estava aplicando na União Soviética. Os outros não estavam ficando para trás, na verdade, alguns deles estavam tentando superá-lo.

— Concordo com a aliança — gritou Khrushchev — mas não para se levantar contra a União Soviética e nosso campo. É isso que está acontecendo na Polônia — Ele se voltou para Ochab e Cyrankiewicz, que durante todo o tempo estavam sentados fumando Gauloises franceses, sem dizer uma única palavra — Vocês precisam melhorar a situação. Precisam aumentar a confiança das massas em vocês.

— Nós libertamos todos os social-democratas presos —disse Ochab.

— Vocês deveriam ter mantido alguns deles presos, — disse Saburov ironicamente — A quem vamos brindar hoje, aos social-democratas?!

Khrushchev deu a resposta:

— Vamos brindar à conciliação!

Era bastante óbvio que as coisas estavam tomando o rumo errado. Os demônios que Khrushchev libertou estavam se agitando e zombando até mesmo de seu libertador. Ele tentou manobrar, colocá-los do seu lado, fazer com que os outros ficassem em unidade com ele, (dessa vez, Ochab estava no banco dos réus) e, então, quando viu que a briga não estava diminuindo, lançou ameaças e advertências a todos. E como um trapaceiro inveterado que era, ele sabia como encontrar os melhores locais de onde aplicar pressão. Dessa vez, ele usou a arma do pão. Um dos chinovniki(6) soviéticos da Comecon fez um breve informe sobre a situação da agricultura no campo e os alertou sobre os déficits de grãos de pão.

Khrushchev se levantou imediatamente e aproveitou a oportunidade:

— O pão é um problema vital — disse ele em um tom grave, no qual tanto a pressão quanto a ameaça eram claras — Já demos a vocês o que tínhamos para dar. Agora não temos mais nada para lhes dar. Portanto, pensem bem no pão, não há outra maneira...

Depois de continuar por vários minutos agitando o chicote do pão, de repente seu rosto se iluminou e ele pulou com grande prazer para seu tema favorito – o milho! Não consigo me lembrar de nenhuma das reuniões que tive com ele, mesmo aquelas puramente para tratar de problemas políticos e ideológicos, em que Khrushchev não tenha elogiado este cereal tão querido em seu coração.

— Nos últimos anos, — disse ele — demos importância ao milho e obtivemos resultados maravilhosos. Com o milho, — continuou ele — resolvemos o problema da carne, do leite e da manteiga.

— Sem carne, leite e manteiga não há socialismo — disse Mikoyan para adoçar seu “chefe”.

— Não, não existe! — respondeu Khrushchev e continuou — Todo dirigente deve dar grande importância ao milho. Vejamos, fiz minha aldeia natal um verdadeiro exemplo, e permitam-me relatar-lhe os resultados: Eram 60 porcos no primeiro ano, aumentei para 250 no segundo ano, e agora são 600.

E depois desse relatório “colossal”, o dirigente número um da União Soviética usou isso como uma bravata e lançou críticas a todos eles, isto é, a Ulbricht, Hegedüs e Cyrankiewicz, por sua vez.

— Quanto à Albânia, — acrescentou — não tenho nada a dizer porque não a conheço.

Aproveitei a oportunidade e intervi:

— Venha fazer uma visita para conhecê-la.

— Não posso lhe dar uma resposta agora, vamos nos encontrar separadamente, — disse ele — e prosseguiu com sua palestra, com medo de que a inspiração lhe escapasse.

Ele explicou o problema longamente, trouxe exemplos, fez críticas e, finalmente, acrescentou:

— Em relação à Bulgária e à Albânia, que são países com um grande número de camponeses, mas especialmente em relação à Albânia, devemos pensar um pouco mais profundamente e ajudá-los.

Como de costume, a Comecon decidiu que deveríamos resolver os problemas que levantamos lá com os soviéticos. Alguns dias depois, nos encontramos com Khrushchev e conversamos por cerca de uma hora.

— Antes de tudo, — eu disse — gostaríamos que você visitasse a Albânia. Sua visita será muito importante para aumentar a autoridade e o prestígio de nosso país.

— Eu também gostaria de ir, — ele me disse — mas há algumas dificuldades. A que distância fica a Albânia de Moscou?

Ele precisava ouvir: “apenas mais vinte minutos além de Belgrado”, mas já que ele havia se acostumado com essa frase há muito tempo, acabei ficando quieto. Eu disse a ele que, em um TU-104, o voo de Moscou para Tirana levaria cerca de 3 horas, e acrescentei:

— Vamos estabelecer essa linha.

— Mas o TU-104 tem muitos assentos. Haveria passageiros suficientes para enchê-lo? — ele me perguntou, apressado em saber a “rentabilidade”.

— Nossos camaradas e os seus estão sempre viajando de Moscou para Tirana e vice-versa, e não há motivo para a aeronave viajar vazia — eu disse.

— Eu gostaria de ir, — repetiu ele para se desculpar — de fato, eu disse a Tito que queria visitar a Albânia, mas primeiro preciso tirar férias.

— Você pode tirar suas férias em nosso país — eu disse — Temos praias muito boas, além de montanhas.

— Ah, se eu for, não poderei descansar! — disse ele para encerrar a pergunta.

Não havia motivo para eu insistir mais.

— Como quiser — eu disse e prossegui com as questões econômicas. Fiz-lhe um breve resumo da situação e apresentei alguns dos problemas que mais nos preocupavam.

— O problema — disse Khrushchev — é que, a partir de agora, devemos pensar em como encontrar fontes de renda para que a Albânia possa avançar. É assim que os camaradas também devem encarar esse problema. A questão da Albânia tem grande importância, — continuou ele — porque, por meio do seu país, queremos atrair a atenção da Turquia, da Grécia e da Itália, ou seja, fazer com que eles o tomem como exemplo. Agora, essa questão deve ser bem pensada e devemos encontrar as maneiras adequadas.

Ele ficou em silêncio por um momento, aparentemente para encontrar um desses caminhos, e eu pensei que ele falaria de milho. Mas eu estava errado.

— Você cultiva algodão? — ele me perguntou — Qual é a área que você emprega para essa cultura? Qual é o rendimento que você obtém?

Respondi às suas perguntas.

— Isso não é nada — ele me disse, e continuou — Achamos que você deve desenvolver a cultura do algodão, e de tal forma que ela se torne um grande ativo, pois traz uma bela renda para você e nossos outros aliados, para os países de democracia popular que não têm algodão. Portanto, vocês têm grandes possibilidades de lucrar com o algodão. Essa é a primeira coisa — disse ele, e levantou um dedo.

— Em segundo lugar, — continuou — a questão da criação de ovelhas é um problema para vocês — e me perguntou sobre o número de ovelhas, a produção de lã, leite, carne, etc. Depois de minhas respostas, ele continuou:

— As ovelhas devem se tornar outro grande ativo para vocês. Vocês devem criar ovelhas de lã fina. Vocês têm pastagens e as ovelhas podem ser desenvolvidas. Portanto, é preciso encontrar a raça mais adequada, iniciar a inseminação artificial em larga escala e aumentá-la.

Depois de nos apresentar seu segundo caminho de desenvolvimento, Khrushchev deu início ao terceiro caminho que nos levaria à salvação. Isso tinha a ver com peixes.

— O peixe — disse ele — é outro grande trunfo para vocês. Nos países escandinavos, na Noruega, por exemplo, eles criaram uma riqueza tão grande com o peixe que não apenas as pessoas comem em abundância, mas também exportam grandes quantidades. Eles pescam peixes não apenas em suas águas territoriais, mas também em mar aberto. É isso que vocês também devem fazer — instruiu Khrushchev — para que o peixe se torne um grande ativo para a Albânia. Vocês devem fazer essas coisas sem falta, e nós os ajudaremos e enviaremos especialistas, uma frota pesqueira etc.

Como os três primeiros caminhos estavam me deixando confuso, toda a minha curiosidade estava voltada para um quarto caminho, e ele fez questão de deixar isso claro.

— A questão das frutas cítricas é fundamental para vocês — disse ele — Elas também devem se tornar um grande trunfo para vocês, porque limões, uvas, laranjas, etc., são muito procurados.

Essas foram suas instruções para a “construção do socialismo” na Albânia! Por fim, ele acrescentou:

— É preciso pensar em outros ativos também, por exemplo, os minerais, mas os principais são os que mencionei.

— Nós o ajudaremos a desenvolver o algodão, a pesca, as frutas cítricas e as ovelhas. Tanto vocês quanto nós devemos estudar essas coisas — concluiu ele — e estamos convencidos de que, dessa forma, a Albânia se tornará rapidamente um exemplo para a Grécia, a Turquia e a Itália.

Era inútil entrar em uma discussão sobre as “joias” de sabedoria que ele nos apresentou. Agradeci a ele por seu “conselho” e nos separamos.

Agora tudo estava ficando mais claro. A Comecon recomenda que resolvamos os problemas econômicos com Khrushchev. Khrushchev recomenda que os resolvamos com algodão, ovelhas e com... o “milagre do peixe”.

Todos esses posicionamentos e ações, vistos na complexidade dos problemas políticos, ideológicos, militares e outros, estavam nos deixando mais do que nunca convencidos de que em nosso campo, antes de tudo na União Soviética, as coisas estavam em declínio. Outros eventos se seguiriam e nós, vivendo-os intensamente, aprenderíamos e nos prepararíamos mais para as batalhas futuras.