Os Khrushchevistas

Enver Hoxha


2. A Estratégia e a Tática de Khrushchev Dentro da União Soviética


As raízes da tragédia da União Soviética. As etapas que Khrushchev atravessou para usurpar o poder político e ideológico. A casta khrushchevista corrói a espada da revolução. O que a “direção coletiva” de Khrushchev esconde? Khrushchev e Mikoyan, os cabeças do complô contrarrevolucionário. O vento do liberalismo sopra na União Soviética. Khrushchev e Voroshilov falam abertamente contra Stálin. Khrushchev constrói seu próprio culto. Os inimigos da revolução são proclamados “heróis” e “vítimas”.

Uma das principais direções da estratégia e tática de Khrushchev dentro da União Soviética era tomar totalmente o poder político e ideológico e colocar o exército soviético e a segurança estatal a seu serviço.

Para alcançar esse objetivo, o grupo de Khrushchev atuaria por etapas. Inicialmente, não atacaria frontalmente o marxismo-leninismo, a construção socialista na União Soviética e Stálin. Pelo contrário, esse grupo se apoiaria nos êxitos obtidos, exaltando-os, inclusive, o máximo possível, de modo a ganhar crédito para si e criar uma situação de euforia, com o objetivo final de minar a base e a superestrutura socialista mais tarde.

Primeiro, este grupo renegado teria que se apoderar do partido, a fim de eliminar a possibilidade de resistência dos quadros que não haviam perdido a vigilância revolucionária de classe, neutralizar os elementos vacilantes e trazê-los para as suas fileiras, quer por convencimento ou por ameaças, e, ao mesmo tempo, promover aos cargos principais os elementos nocivos, antimarxistas, carreiristas e oportunistas, que naturalmente existiam no Partido Comunista da União Soviética e no aparato estatal soviético.

Depois da Grande Guerra Patriótica, alguns fenômenos negativos surgiram no Partido Comunista da União Soviética. A difícil situação econômica, as devastações, as destruições e as grandes perdas humanas que ocorreram na União Soviética exigiam uma mobilização total dos quadros e das massas para a consolidação e o progresso do país. No entanto, em vez disso, notou-se um declínio no caráter e na moral de muitos quadros. Por outro lado, com sua presunção e ostentação da glória das batalhas vitoriosas — em suas condecorações, privilégios e muitos outros vícios e concepções errôneas —, os elementos megalomaníacos despojavam o partido de sua vigilância, corroendo-o por dentro. Criou-se uma casta no exército que estendeu a sua dominação brutal e arrogante ao partido, transformando o seu caráter proletário. A casta corroeu a espada da revolução que o partido deveria ser.

Penso que sinais de uma apatia condenável no Partido Comunista da União Soviética eram perceptíveis mesmo antes da guerra, mas ainda mais depois dela. Este partido era de grande renome e havia obtido êxitos colossais ao longo da sua existência, mas, ao mesmo tempo, havia começado a perder o seu espírito revolucionário e se contaminar com o burocratismo e a rotina. As normas leninistas e os ensinamentos de Lênin e Stálin haviam sido transformados pelos apparatchiks em fórmulas e palavras de ordem batidas e sem valor de ação. Grande país era a União Soviética, o povo trabalhava, produzia e criava. Dizia-se que a indústria se desenvolvia no ritmo necessário e que a agricultura socialista avançava, mas este desenvolvimento não estava no nível desejado.

Não era a linha “incorreta” de Stálin que freava o progresso. Pelo contrário, esta linha era correta e marxista-leninista, mas frequentemente era mal aplicada e até mesmo distorcida e sabotada por elementos inimigos. Distorciam também a linha correta de Stálin os inimigos disfarçados nas fileiras do partido e nos órgãos estatais, os oportunistas, liberais, trotskistas, revisionistas, como os Khrushchev, Mikoyan, Suslov, Kosygin, etc, mostraram ser mais tarde.

Antes da morte de Stálin, Khrushchev e seus colaboradores golpistas mais próximos estavam entre os principais dirigentes que atuavam às escondidas, preparando e aguardando o momento propício para uma ação aberta e de grande escala. É fato que todos esses traidores eram conspiradores forjados na experiência dos diversos contrarrevolucionários russos, na experiência dos anarquistas, trotskistas e bukharinistas. Conheciam também a experiência da revolução e do Partido Bolchevique, embora não tivessem aprendido nada de bom com a revolução, mas sim somente o necessário para miná-la e minar o socialismo escapando dos golpes da revolução e da ditadura do proletariado. Em resumo, eram contrarrevolucionários e duas-caras. De um lado, louvavam o socialismo, a revolução, o Partido Comunista Bolchevique, Lênin e Stálin; do outro, preparavam a contrarrevolução.

Assim, toda essa escória acumulada realizava sabotagens com os métodos mais sutis, que disfarçavam com elogios a Stálin e ao regime socialista. Tais elementos desorganizavam a revolução organizando a contrarrevolução, mostravam-se “severos” com os inimigos internos para espalhar o medo e o terror no partido, no poder e no povo. Eles é que inventavam a situação eufórica que relatavam a Stálin, mas, na realidade, destruíam a base do partido e a base do Estado, degeneravam os espíritos e elevavam aos céus o culto a Stálin de modo a derrubá-lo mais facilmente no futuro.

Era uma atividade hostil e diabólica que prendia pelo pescoço a União Soviética, o Partido Comunista da União Soviética e Stálin, que, como mostram os fatos históricos, estava cercado de inimigos. Quase nenhum dos membros do Presidium e do Comitê Central ergueu a voz em defesa do socialismo e de Stálin.

Ao fazer uma análise minuciosa nas diretrizes políticas, ideológicas e organizativas de Stálin na direção e organização do partido, da guerra e do trabalho, no geral, não se encontrará nenhum erro de princípios, mas ao levar em conta como estas diretrizes eram distorcidas pelos inimigos e postas em prática, serão visíveis as perigosas consequências dessas distorções e ficará claro por que o partido começou a se burocratizar, a se deixar invadir por um trabalho de rotina e por um formalismo nefasto, que quebraram a sua força e sufocaram o seu espírito e ímpeto revolucionário. O partido se cobria com uma espessa camada de mofo, de apatia política, pensando erroneamente que somente a cabeça, somente a direção atua e resolve tudo por si própria. Um conceito parecido criou a situação em que por toda parte e diante de qualquer problema se dizia “isto é assunto da direção”, “o Comitê Central é infalível”, “Stálin disse isso e acabou”, etc. Muitas coisas não foram ditas por Stálin, mas foram cobertas com o seu nome.

Os aparatos e funcionários se tornaram “onipotentes”, “infalíveis”, e atuavam de maneira burocrática usando o chavão do centralismo democrático, da crítica e autocrítica bolcheviques, que na realidade já não eram mais bolcheviques. Desta maneira, não resta dúvida que o Partido Bolchevique havia perdido a vitalidade de outrora. Vivia com fórmulas corretas, mas que não passavam de fórmulas; agia, mas perdera a sua iniciativa; com os métodos e formas de trabalho utilizados na direção do partido, os resultados eram contrários ao esperado.

Nestas condições, as medidas administrativas burocráticas começaram a predominar sobre as medidas revolucionárias. A vigilância não operava mais porque já não era revolucionária, apesar de trombetearem que era. De uma vigilância de partido e de massas, convertia-se em vigilância de aparatos burocráticos e transformava-se, de fato, embora não totalmente de um ponto de vista formal, em uma vigilância de segurança estatal, de tribunais.

Compreende-se que, nestas condições, sentimentos e visões não proletários e alheios à classe criaram raízes e começaram a ser cultivados no Partido Comunista da União Soviética e na mente de muitos comunistas. Começaram a se alastrar o carreirismo, o servilismo, o charlatanismo, o favoritismo doentio, a moral antiproletária, etc. Esses males corroíam o partido por dentro, sufocavam o espírito da luta de classe e de sacrifício e encorajavam a busca de uma “vida boa”, tranquila, de privilégios, de ganhos pessoais e de trabalho e esforço mínimos. Criou-se assim a mentalidade burguesa e pequeno-burguesa que se observava em frases e ideias como “trabalhamos e lutamos por este Estado socialista e vencemos, agora vamos aproveitá-lo” e “somos intocáveis, o passado cobre tudo”. O pior de tudo era que essa mentalidade também estava tomando conta dos velhos quadros do partido, com um bom passado e de origem proletária, e dos membros do Presidium do Comitê Central, que deveriam ser exemplos de pureza para os demais. Muitos desses quadros se encontravam na direção e nos aparatos, faziam belo uso das palavras, frases revolucionárias e fórmulas teóricas de Lênin e Stálin, colhiam os louros do trabalho dos outros e estimulavam o mau exemplo. Desta maneira, criava-se uma aristocracia operária de quadros burocratas no Partido Comunista da União Soviética.

Infelizmente, esse processo de degeneração se desenvolvia sob os lemas “alegres” e “esperançosos” do “tudo segue bem, normal e de acordo com as normas e leis do partido”, que na prática eram violadas, do “a luta de classe segue se desenvolvendo”, “o centralismo democrático está preservado”, “a crítica e autocrítica continuam como antes”, do “há unidade de aço entre o partido”, “não há mais elementos fracionistas e antipartido”, “o tempo dos grupos trotskistas e bukharinistas já passou”, etc, etc. Em geral, até mesmo os elementos revolucionários, e aqui reside a essência do drama e do erro fatal, consideravam que esse conceito distorcido da situação era uma realidade normal, por essa razão se pensava não existir razão para alarmismo; que os inimigos, ladrões e violadores da moral estavam sendo condenados pelos tribunais; que os membros indignos do partido estavam sendo expulsos, como de costume, e que novos membros estavam sendo admitidos, como de costume; que os planos estavam sendo cumpridos, embora houvesse alguns que não; que as pessoas estavam sendo criticadas, condenadas, elogiadas, etc. Portanto, segundo eles, a vida seguia seu curso normalmente, e assim se relatava a Stálin que “tudo segue normal”. Estamos convictos de que, se tivesse conhecido a situação real do partido, Stálin, grande revolucionário que era, teria desferido um golpe demolidor nesse espírito doente, e de que o partido e o povo soviético se ergueriam para apoiá-lo, porque, com razão, tinham grande confiança em Stálin.

Os aparatos não somente não informavam Stálin corretamente e distorciam burocraticamente as suas diretrizes corretas, como também haviam criado situação tal no partido e no povo que mesmo quando Stálin se reunia, na medida em que sua idade e saúde permitiam, com as massas do partido e do povo, estas não o informavam das deficiências e erros que aconteciam, já que os aparatos haviam inculcado nos comunistas e nas massas que “não se deve preocupar Stálin”.

Todo o barulho que os khrushchevistas faziam sobre o pretenso culto a Stálin era na verdade um blefe. Não foi Stálin, que era um homem simples, quem construiu este culto, e sim toda a escória revisionista acumulada na cabeça do partido e do Estado, que, entre outras coisas, explorou o grande carinho dos povos soviéticos por Stálin, principalmente depois da vitória sobre o fascismo. Se lermos os discursos de Khrushchev, Mikoyan e de todos os outros membros do Presidium, veremos os elogios desenfreados e hipócritas que esses inimigos lançavam sobre Stálin enquanto este vivia. Essa leitura é nauseante ao pensar-se que, por detrás de todos esses elogios, tais elementos escondiam o seu trabalho hostil dos olhos dos comunistas e das massas, que estavam enganados pensando ter dirigentes leais ao marxismo-leninismo e camaradas leais a Stálin.

Mesmo após a morte de Stálin, os “novos” dirigentes soviéticos, sobretudo Khrushchev, se abstiveram de falar mal de Stálin por um tempo, descrevendo-o inclusive como um “grande homem”, um “líder de autoridade indiscutível”, etc. Khrushchev tinha que falar assim para ganhar crédito dentro e fora da União Soviética, para fazer parecer que era “leal” ao socialismo e à revolução, “continuador” da obra de Lênin e Stálin.

Khrushchev e Mikoyan eram os inimigos mais ferozes do marxismo-leninismo e de Stálin. Esses dois eram a cabeça do complô e do golpe, que, junto com os arrivistas e antimarxistas do Comitê Central, do exército e dirigentes de base, haviam preparado há muito tempo. Esses golpistas não mostraram as cartas imediatamente após a morte de Stálin, mas continuaram a misturar o seu veneno com os seus elogios a Stálin, quando fosse e à medida que fosse necessário. Devo dizer que Mikoyan, em particular, nas muitas reuniões que tive com ele, nunca fez qualquer elogio a Stálin, por mais que os golpistas entoassem louvores e glórias a Stálin o tempo todo em seus discursos e sermões. Alimentavam o culto a Stálin de modo a isolá-lo o máximo possível das massas, e, escondendo-se atrás desse culto, preparavam a catástrofe. Khrushchev e Mikoyan seguiram um plano predeterminado e, com a morte de Stálin, encontraram um campo aberto para agirem, também porque Malenkov, Beria, Bulganin e Voroshilov se mostraram não somente cegos, como também ambiciosos, e lutaram entre si pelo poder.

Esses e outros, velhos revolucionários e comunistas honrados, haviam se transformado em representantes típicos dessa rotina burocrática, da “legalidade” burocrática que se instituíra, e, quando frouxamente tentaram recorrer a essa mesma “legalidade” contra o complô evidente dos khrushchevistas, já era tarde demais.

Khrushchev e Mikoyan, em perfeita unidade, souberam manobrar entre eles, opondo uns aos outros. Em poucas palavras, aplicaram esta tática: rachar e dividir o Presidium, organizar as forças golpistas de fora deste, continuar falando bem de Stálin para ter as massas de milhões ao seu lado, e acelerar assim a chegada do dia da tomada do poder, da liquidação dos adversários e de toda uma época gloriosa da construção do socialismo, da Guerra Patriótica, etc. Toda essa agitada atividade (e percebemos isto) visava popularizar Khrushchev dentro e fora da União Soviética.

Khrushchev, protegido pelo guarda-chuva das vitórias que a União Soviética e o Partido Comunista da União Soviética haviam alcançado sob a direção de Lênin Stálin, fazia o possível para fazer os povos e os comunistas soviéticos pensarem que nada havia mudado, que um grande dirigente havia morrido, mas que um dirigente “ainda maior” havia ascendido, e que dirigente! “Tão íntegro e leninista quanto o anterior, se não mais, porém liberal, popular, sorridente, muito bem humorado e piadista!”

Enquanto isso, a víbora revisionista, que ia tomando seus impulsos, começou a destilar o seu veneno sobre a figura e a obra de Stálin. Inicialmente, os ataques eram feitos sem citar o nome deste, golpeando-o indiretamente.

Em um dos encontros que tive com Khrushchev, em junho de 1954, este começou, numa base supostamente de princípios e teórica, a me explicar a grande importância da “direção coletiva” e o grande dano causado pela substituição desta pelo culto a uma pessoa, citando também algumas passagens isoladas de Marx e Lênin para dar a entender que o que ele falava tinha uma “base marxista-leninista”.

Nada disse contra Stálin. Em vez disso, descarregou as suas munições em cima de Beria, acusando-o de crimes reais e imaginários. O certo é que, nessa etapa inicial da ofensiva revisionista de Khrushchev, Beria era a carta na manga perfeita para colocar em prática os seus planos secretos. Como disse antes, Beria foi apresentado como o responsável por muitos males: supostamente, ele havia subestimado o papel do primeiro-secretário, prejudicado a “direção coletiva” e tentado colocar o partido sob o controle da segurança estatal. Sob o pretexto da luta contra o dano causado por Beria, Khrushchev se colocou na direção do partido e do Estado e tomou o Ministério do Interior, por um lado, e começou a preparar a opinião pública para o ataque aberto que lançaria mais tarde contra Josef Vissarionovitch Stálin e a obra verdadeira do Partido Comunista Bolchevique de Lênin e Stálin, pelo outro.

Muitas dessas ações e mudanças imprevistas nos impressionaram, mas era muito cedo para podermos contemplar as verdadeiras proporções do complô que estava sendo posto em prática. Apesar disso, mesmo naquela época, não podíamos deixar de perceber a natureza contraditória dos atos e opiniões deste “novo líder” que tomava as rédeas da União Soviética. Esse mesmo Khrushchev, que agora se apresentava como um “adepto da direção coletiva”, alguns dias antes, ao falar do papel do primeiro-secretário do partido e do primeiro ministro em um encontro que tivemos com ele, apresentou-se como ardente defensor do “papel do indivíduo” e da “mão firme”.

Após a morte de Stálin, aparentava-se que essas “pessoas de princípios” haviam instituído uma direção supostamente coletiva. Esta era propagandeada para mostrar que “Stálin violou o princípio da direção coletiva” e “perverteu esta importante norma da direção leninista”, e que “a direção do partido e do Estado havia se transformado em uma direção individual”. Era uma grande mentira, propagada pelos khrushchevistas para preparar o terreno para si. Se a coletividade da direção tivesse sido violada, a culpa não seria das ideias corretas de Stálin sobre diversos problemas, e sim das adulações hipócritas dos outros e das decisões arbitrárias que estes tomaram, distorcendo a linha nos vários setores que dirigiam. E como seria possível controlar a atividade desses elementos antipartido que rodeavam Stálin quando eles mesmos espalhavam a ideia de que o “Tse-Ka znayet vsyo”?! Agindo assim, queriam convencer o partido e o povo de que “Stálin sabe tudo que está acontecendo” e “ele aprova tudo”. Em outras palavras, usando o nome de Stálin, e por meio de outros apparatchiks, reprimiam a crítica e tentavam converter o Partido Bolchevique em um partido sem espírito, em um órgão desprovido de vontade e energia, que vegetava dia após dia, aprovando tudo que a burocracia decidia, tramava e distorcia.

Na campanha pela suposta instituição de uma direção coletiva, Khrushchev tratava de fazer um truque, erguendo um coro ensurdecedor sobre a luta contra o culto à personalidade. Não havia mais fotografias de Khrushchev na imprensa diária, não havia mais manchetes cheias de elogios a ele, agora se recorria a outra tática batida: todos os jornais eram cobertos com suas declarações públicas e seus discursos, com relatos dos seus encontros com embaixadores estrangeiros, participações em cada noite de recepções diplomáticas, encontros com delegações de partidos comunistas, com jornalistas, empresários e senadores americanos e milionários ocidentais, que eram seus amigos. Toda essa tática pretendia contrapor-se ao método de Stálin de “trabalhar de portas fechadas”, ao seu “trabalho sectário”, que, segundo os khrushchevistas, havia sido muito prejudicial para a abertura da União Soviética ao mundo.

O objetivo dessa propaganda khrushchevista era mostrar ao povo soviético que agora ele havia encontrado o seu “verdadeiro dirigente leninista, que sabe tudo, que resolve todas as coisas corretamente, que tem uma vitalidade extraordinária, que dá a devida resposta a quem quer que seja”, e cuja intensa atuação “está consertando tudo na União Soviética, apagando os crimes do passado e seguindo em frente”.

Estava em Moscou por ocasião de um encontro dos partidos de todos os países socialistas. Foi em janeiro de 1956, se não me engano, que houve uma conferência consultiva sobre os problemas do desenvolvimento econômico dos países membros do Comecon. Era a época em que Khrushchev e os khrushchevistas prosseguiam a sua atividade hostil. Estávamos com Khrushchev e Voroshilov em uma casa de campo fora de Moscou, onde almoçariam todos os representantes dos partidos irmãos. Os demais ainda não haviam chegado. Nunca havia ouvido os dirigentes soviéticos falarem mal de Stálin abertamente, e eu, da minha parte, continuava falando do grande Stálin com carinho e com muito respeito. Ao que parece, as minhas palavras não soavam bem aos ouvidos de Khrushchev. Enquanto esperava a chegada dos demais camaradas, Khrushchev e Voroshilov me disseram:

— Podemos sair para tomar um ar?

Saímos e caminhamos pelo parque. Khrushchev disse a Klim Voroshilov:

— Fale um pouco para o Enver sobre os erros de Stálin.

Fiquei de ouvidos bem atentos, embora já suspeitasse há muito das suas malícias. Voroshilov começou a me dizer que “Stálin errou na linha do partido”, que “era brutal, era tão violento que não se podia discutir com ele”.

— Ele — continuou Voroshilov — permitiu que cometessem crimes, e deve ser responsabilizado por isso. Errou também no campo do desenvolvimento da economia, portanto não é correto qualificá-lo como “arquiteto da construção do socialismo”. Stálin não manteve as relações adequadas com os demais partidos...

Voroshilov seguiu por um bom tempo lançando esse tipo de coisas contra Stálin. Algumas eu entendia, algumas, não, pois, como disse antes, não dominava bem a língua russa, mas consegui captar a essência da conversa e o objetivo daqueles dois e fiquei indignado. Khrushchev caminhava à nossa frente, levando uma bengala com a qual tocava os repolhos que haviam plantado no parque. (Khrushchev havia feito plantarem legumes até nos parques para se passar por um especialista em agricultura.)

Quando Voroshilov concluiu as suas histórias caluniosas, perguntei-lhe:

— Como é possível Stálin ter cometido esses erros?

Khrushchev, vermelho, virou-se para mim e respondeu:

— É possível, é possível, camarada Enver, Stálin fez tudo isso.

— Vocês viram todas essas coisas enquanto Stálin estava vivo. Então como não o ajudaram a evitar esses erros que, segundo vocês dizem, ele cometeu? — perguntei a Khrushchev.

— É natural que você pergunte isso, camarada Enver, mas você vê essa kapusta aqui? Stálin teria cortado a sua cabeça com a mesma facilidade que um jardineiro corta essa kapusta — e Khrushchev golpeou o repolho com a bengala.

— Está tudo claro! — disse a Khrushchev e não falei mais nada.

Entramos na casa. Os demais camaradas haviam chegado. Eu fervia de raiva. Naquela noite, nos serviriam sorrisos e promessas de um “desenvolvimento maior” e “mais intenso” do socialismo, de “mais ajuda” e “colaboração mais ampla em todos os campos”. Era o tempo em que se preparava o infame 20º Congresso, tempo em que Khrushchev avançava mais rapidamente rumo à tomada do poder. Criava a imagem de um dirigente mujique, “popular”, que abria as prisões e os campos de trabalho, que não só não temia os reacionários e os inimigos condenados e presos na União Soviética, como também, ao soltá-los, queria mostrar que estes também eram “inocentes”.

Todos sabem os trotskistas, conspiradores e contrarrevolucionários que eram Zinoviev, Kamenev, Rykov e Piatakov, os traidores que eram Tukhachevsky e os demais generais agentes do Serviço de Inteligência ou dos alemães. Mas, para Khrushchev e Mikoyan, eram todas boas pessoas e, pouco tempo depois, em fevereiro de 1956, seriam apresentados como vítimas inocentes do “terror stalinista”. Essa onda se erguia pouco a pouco, ia preparando cuidadosamente a opinião pública. Os “novos” dirigentes, que eram os mesmos de antes, à exceção de Stálin, passavam-se por liberais, querendo dizer ao povo: “Respirem livremente, vocês são livres, vocês estão na verdadeira democracia, porque o tirano e a tirania se foram. Agora tudo avança pelo caminho de Lênin. Surge a fartura, os mercados ficarão tão cheios que não saberemos o que fazer com tantos produtos.”

Khrushchev, aquele charlatão asqueroso, escondia seus truques e enganações com tagarelices. Ainda assim, criou uma situação favorável ao seu grupo recorrendo a esta prática. Não havia dia em que Khrushchev não recorresse à demagogia desenfreada sobre o desenvolvimento da agricultura, transferisse pessoas e mudasse métodos de trabalho para fazer de si mesmo o único “patrão competente” da agricultura, que promovia essas “reformas” pessoais.

Khrushchev havia até “inaugurado” a sua ascensão ao posto de Primeiro-Secretário do Comitê Central com um longo informe sobre os problemas da agricultura, que apresentou em uma plenária do Comitê Central em setembro de 1953. Este informe, qualificado como “muito importante”, continha as ideias e reformas khrushchevistas que, na realidade, prejudicaram tanto a agricultura soviética que suas consequências catastróficas são perceptíveis até hoje. Todo o alarde e estardalhaço feito sobre as “novas terras” era propaganda enganosa. A União Soviética comprou e segue comprando milhões de toneladas de cereais dos Estados Unidos da América.

Quanto à “direção coletiva” e à ausência das fotografias de Khrushchev nos jornais, não duraram muito. O culto a Khrushchev começava a ser erguido pelos enganadores, liberais, carreiristas, lambe-botas e bajuladores. A grande autoridade de Stálin, fundada sobre a sua obra inapagável, foi sabotada dentro e fora da União Soviética. Sua autoridade cedeu lugar à de um charlatão, um palhaço, um chantagista.