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Uma questão de primeira importância para o movimento revolucionário português — e internacional — é a da solidariedade para com a luta do povo angolano, uma luta que esteve no epicentro do poderoso movimento de independência que vibrou um golpe irreparável num dos mais antigos impérios coloniais, desmantelando-o e precipitando a metrópole numa crise — económica, social, política — de enorme profundidade. Na quase totalidade dos grupos e partidos de extrema esquerda portuguesas e europeus, o apoio a essa luta traduziu-se essencialmente pela fórmula de "apoio ao MPLA". Antes de pesarmos essa palavra de ordem, recordemos alguns princípios gerais.
O objetivo central dos comunistas revolucionários é a destruição do sistema capitalista em escala mundial, um sistema cujo coração bate nas grandes metrópoles imperialistas da América e da Europa, mas que não pode viver sem a exploração de vastos impérios coloniais e semicoloniais, verdadeiras reservas de riquezas de que elas tiram parte considerável de sua força; impérios que elas mantêm sob a mais tremenda opressão, esforçando-se em impedir qualquer modernização de suas estruturas políticas, sociais e econômicas arcaicas precisamente para poder reinar sem contestação, por tenderem à transformação dessas estruturas arcaicas, movimentos nacional-revolucionários que aí se desenvolvem são levados a uma luta frontal, armada, contra o próprio imperialismo, integrando-se, assim, na estratégia revolucionária proletária, de que são um componente de grande importância. Por isso, os comunistas trabalham, tanto nas metrópoles quanto nas colónias, para fazer com que o movimento proletário revolucionário e comunista nas metrópoles e o movimento nacional-revolucionário e democrático nas colónias e semicolónias convirjam num só e único movimento anticapitalista mundial.
É nessas bases que deve ser colocado o problema do apoio dos comunistas aos movimentos nacional-revolucionários das colónias e semicolônias, um problema que deve ser focalizado de dois prismas distintos, ambos situados no plano da revolução comunista internacional.
O aspecto da questão que nos interessa aqui mais particularmente é o do apoio dado pelo movimento revolucionário na metrópole. Desse prisma, a única maneira consequente de apoiar os movimentos anticoloniais consiste em bater-se resolutamente contra a opressão colonial de seu próprio Estado, pela independência incondicional das colónias e contra toda intervenção — política, diplomática, militar direta ou indireta, nas colónias e nações oprimidas. Mas, para que esse combate seja eficaz, é indispensável romper com o oportunismo, que é, no dizer de Lênin: "o principal esteio social" da burguesia imperialista e que, estando diretamente interessado na preservação do império colonial por viver das migalhas da exploração deste pela sua burguesia imperialista, desvia essa luta de seu verdadeiro alvo — o Estado burguês —, conduzindo-a em direção a objetivos e com diretivas perfeitamente compatíveis com a preservação dos interesses imperialistas da sua burguesia.
É essencial compreender-se que uma luta sem compromissos contra o Estado opressor e seus lacaios social-imperialistas é a condição primeira da convergência do movimento proletário das metrópoles e do movimento revolucionário das colónias. Essa luta constitui a pedra angular da estratégia anti-imperialista dos marxistas revolucionários.
Dar as costas a essa tarefa equivale, objetivamente, a deixar "seu" imperialismo com as mãos livres para perpetrar seus crimes nos países subjugados e, por outro lado, contribui também para deixar-lhe com as mãos livres para fortalecer-se contra o próprio proletariado metropolitano. É por essa razão que concebemos essa tarefa não como um imperativo moral, mas sim como uma exigência prática da luta pela emancipação proletária.
Ora, desse ponto de vista, nenhum movimento português se coloca no terreno de um apoio internacionalista consequente à luta do povo angolano. Com efeito, como poderiam fazê-lo, quando se lançam desavergonhadamente nos braços do oportunismo oficial e, mesmo, nos próprios braços do Estado português, seja por intermédio do COPCON — o patrocinador da criação da FUR —, seja, no que concerne aos maoístas, que não entraram nessa frente pretextando que ela estava a serviço do "social-fascismo" do PCP (a verdade é que eles preferem cobrir de beijos as bochechas flácidas de Mário Soares), por intermédio do "grupo dos nove” ou de outros militares "revolucionários" do mesmo calibre? Como poderiam colocar-se no terreno de um apoio internacionalista proletário, se são os paladinos do "processo de descolonização", na versão Melo Antunes para os últimos, ou na variante Vasco Gonçalves para os primeiros?
Mas isso não é válido apenas para os grupos portugueses? seus confrades da Europa e das Américas, adoradores, como eles, da deusa Espontaneidade, prosternam-se extasiados aos pés da "Revolução Portuguesa", escondendo por detrás da uma espessa nuvem de incenso o fato de que a originalidade dessa "revolução" está em que...ela não teve lugar e, sobretudo, em que ela foi...espontaneamente desencadeada pelos chefes do exército colonial antes de mais nada com o objetivo de "resolver a questão colonial” de modo que os interesses portugueses nas colónias fossem preservados o máximo possível. É característico, no tocante a esse aspecto, que, em meio à profusão de brochuras publicadas na França, por exemplo, e dedicadas a explicar os acontecimentos portugueses e trazer à luz as exigências da luta proletária em Portugal, nenhuma dá o menor lugar à questão colonial... Assim fazendo, os grupos que as publicam participam do empreendimento que consiste em pintar o imperialismo português com cores "socialistas".
O alcance dessa questão não se reduz apenas a Portugal. Angola é hoje o coração vibrante da África em luta contra o imperialismo, prenunciando as próximas vagas revolucionárias que atingirão não só Portugal, mas também as grandes nações da Europa, a que a África, no essencial, está agrilhoada. Qual será, então, a atitude desses anti-imperialistas de conversa fiada?
Mas voltemos aos dias de hoje. Inúmeros bandidos intervêm direta ou indiretamente em Angola, principalmente os Estados Unidos, a Alemanha e a Franca. Tomemos o caso dessa última. É incontestável que Paris fornece grande quantidade de material bélico ao Zaire (onde Giscard efetuou recentemente uma viagenzinha) para a FNLA que além disso é equipada também por Washington e goza da ajuda de instrutores chineses. É indiscutível que Paris arma a UNITA e as colunas sul-africanas que acompanham esse pálido movimento reforçado por colaboradores angolanos generosamente oferecidos a Savimbi pelo exército português. Não é segredo para ninguém que Paris manobra em Cabinda em concorrência com Washington e que em Paris são recrutados mercenários para ir combater em Angola ao lado dos veteranos de Katanga, sempre em serviço.
Que seria indispensável fazer para deter a mão criminosa do imperialismo francês? Um objetivo foi levantado em reuniões de solidariedade com Angola pela boca de camaradas africanos: a luta contra o fornecimento de armas. Não ouvimos nenhuma organização francesa fazer seu esse objetivo e nem sequer dignar-se a levá-lo em consideração. Mesmo fazendo abstração das possibilidades de realiza-lo nas condições atuais, é claro que esse objetivo seria de enorme importância. Mas suponhamos que a questão seja colocada na ordem do dia. Há, evidentemente, duas maneiras de conceber a luta para realizá-lo.
Podemos conceber um apelo comum juntamente com as organizações democráticas e os partidos oportunistas para reclamar do imperialismo francês a suspensão do fornecimento de armas. Mas o único resultado de tal ação seria o de revalorizar a esquerda imperialista, que as massas africanas puderam ver em ação durante uma interminável serie de guerras coloniais conhecidas ou mesmo desconhecidas na metrópole, pois nada impede que as armas sejam fornecidas às escondidas por mil meios.
Ou, então, podemos conceber a suspensão do fornecimento como o resultado de um boicote efetuado pelos trabalhadores dos transportes, pelos portuários, marítimos e outros. Essa ação teria a vantagem de proporcionar resultados reais e, além disso, de manifestar uma solidariedade bem diferente da mera solidariedade verbal, e poria em movimento a única força que tem o interesse histórico de prestar uma ajuda desinteressada à luta das massas coloniais: o proletariado.
Mas, dir-nos-ão, isso não é possível hoje, vista a relação de forças. Sem dúvida. Porém, se esse objetivo não pode ser fixado num futuro próximo, as condições que permitirão que ele seja realidade um dia podem ser preparadas. É mais que certo que o trabalho nesse sentido chocar-se-ia com a sabotagem decidida do oportunismo operário, que não fez absolutamente nada durante as longas guerras coloniais em que seus patrões estavam comprometidos até a medula, e que hoje vem propor seus préstimos para a volta de Sekou Touré ao seio da pátria-mãe. Mas quem é que realiza uma ação séria de denuncia do oportunismo e do social-imperialismo? Quem é que consagra uma parte, por pequena que seja, de suas energias para explicar ao proletariado que a luta dos revolucionários africanos é uma luta que fere seu próprio inimigo e que ele deve fazer sua?
É muito mais fácil contentar-se com a ideia de que a ajuda a dar às massas de Luanda hoje ameaçadas de serem degoladas e massacradas pelos mercenários do imperialismo euro-americano consiste em "reconhecer o MPLA como o único representante do povo", o que equivale a resolver o problema, mudando seus termos e eludindo-o.
Com efeito, uma coisa é apoiar um movimento social que se coloca no terreno da luta armada contra o imperialismo, outra coisa é apoiar uma organização, que não pode em hipótese alguma ser confundida com aquele movimento. O apoio ao primeiro e um imperativo incondicional, uma questão de princípio para os comunistas. De certo modo, é um apoio "negativo", pois se concretiza numa luta contra o Estado imperialista, sem que seja levada em linha de conta a direção que é dada ao movimento nacional e subversivo no país subjugado ou na nação oprimida.
Já o apoio a uma organização política, como o MPLA — e esse é o segundo aspecto da questão — é uma questão de tática e não de princípio, dependendo portanto do toda uma série de fatores precisos. Dentre esses fatores, o principal é a existência in loco de um partido ou núcleo comunista (lembremos, com Lenin, que não se pode falar de tática na ausência, de uma organizarão de partido) capaz de poder realizar praticamente esse apoio, o qual, aliás, não é de modo algum incondicional e obrigatório, como o é a luta contra a intervenção imperialista e pela independência das colónias. Acrescentemos que as relações do partido proletário com os movimentos democrático-revolucionários são reduzidas a um marco demasiado estreito, se consideradas unicamente do ponto de vista do "apoio", pois que se trata também de forçar esses movimentos a cumprirem as promessas democráticas que fazem às massas numa luta que só o proletariado pode conduzir de modo inteiramente consequente e em que seu partido tem como objetivo tomar a direção do movimento social.
A questão do "apoio" é, portanto, uma questão que só pede ser colocada concretamente, no campo de batalha, levando-se em consideração toda uma série de condições e de fatores concretos nacionais e internacionais, e não no terreno da propaganda geral de solidariedade internacionalista, não no abstrato, como fazem nossos imediatistas, que, no entanto, são uns "concretólatras" fanáticos.
Fora dos marcos que definimos, o "apoio" ao MPLA pode reduzir-se a uma simples frase vazia, ou a um meio elegante de renunciar aos deveres mais elementares do internacionalismo militante. E, de fato, o terreno em que todos se refugiam, pouco importa se por fraqueza ou por convicção, é um terreno dos mais equívocos, em que se esfumaça a demarcação entre as classes. As forcas que se movem nesse terreno são mais que interesseiras, e sua ajuda ao MPLA não só não é uma ajuda às massas plebeias que hoje o seguem, mas é uma "ajuda" que pode até voltar-se brutalmente contra o próprio MPLA. É o caso, per exemplo, do imperialismo russo, que fornece armas ao MPLA. É o caso, também, de certos matreiros veteranos portugueses da guerra colonial que preconizam, o apoio ao MPLA como único modo de evitar que "Angola mergulhe no caos", secundo a expressão de Rosa Coutinho.
O apoio de que os proletários e as massas exploradas da África necessitam é de um tipo bem diferente; a verdadeira solidariedade proletária na luta contra o inimigo comum, luta em que poderá forjar-se a força capaz de abatê-lo.
(Le Prolétaire, n.º 208, 29/11 — 12/12/75)
Inclusão | 25/04/2019 |