Lutas de Classe em Portugal de 25 de Abril a 25 de Novembro
(e suas Relações com as Lutas de Independência na África)

Partido Comunista Internacional


Honra a Luanda e aos Proletários da África Negra


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A vitória da jovem republica de Angola e a debandada das forças inimigas em todas as frentes de batalha é um acontecimento da maior importância. As fabulosas riquezas desse país de seis milhões de habitantes cheio de petróleo e de tesouros agrícolas, repleto de minerais e de diamantes, tinham levado, com o apoio do convincente argumento de uma longa luta armada, o Portugal do 25 de abril a afrouxar a rédea em Moçambique e na Guiné a fim de concentrar todas as suas forças e todos os seus meios de mentira socializante nesse país que era a fonte de seu poderio financeiro, proveniente tanto da sua participação direta na pilhagem, como da corretagem e do policiamento por conta do imperialismo euro-americano, bem como da África do Sul.

Provocando o pânico dos colonos e seu êxodo maciço, o movimento de independência angolano desprezou magnificamente Lisboa e seus incómodos padrinhos e teve que enfrentar um duplo ataque: ao norte, o da FNLA, movimento existente por obra e graça de Washington, da generosidade de Paris e da hospitalidade interessada de Kinshasa, treinado qraças aos bons préstimos de Pequim (que perdeu, com isso, parte de seu prestígio anti-imperialista), flanqueado pelos mercenários euro-americanos e apoiado pelo exército e pela aviação de Mobutu; ao sul, da UNITA, à qual o Estado português tinha dado generosamente os assimilados angolanos (isto é, os nativos de Angola que colaboravam com o poder e o exército coloniais), movimento esse que só se manterá de pé graças a Pretória, que é capitaneado por seu corpo expedicionário a fim de controlar Cassinga e Benguela e engrossado sem cessar pelos Estados Unidos, França e Alemanha que, a partir de dezembro último, começaram a dar-lhe preferência em detrimento da FNLA de Holden Roberto.

Hoje, grandemente ajudado por um forte contingente cubano e por uma imponente quantidade de material e de “conselheiros" russos, o MPLA não só bateu a inconsistente FNLA e fez recuar para o Zaire as tropas de Mobutu e os mercenários, como também rechaçou a coluna sul-africana de intervenção e provocou literalmente a evaporação das tropas da UNITA de Jonas Savimbi.

As burguesias ocidentais estão assustadas diante desses acontecimentos. E com toda razão. É claro que o fato de o imperialismo russo ter podido fincar o pé nessa região é responsável, em parte, por essa sua inquietação, pois Moscou marcou um ponto importantíssimo no plano estratégico, já que, por um lado, pode doravante vigiar as riquezas que saem do Zaire pelo norte e controlar as que saem através da estrada de ferro de Benguela, e que, por outro lado, conquistou mais uma importante posição na rota do petróleo e dos minerais, rota que leva do oceano Indico à Europa e, mesmo, a América e que a URSS já observa de Aden, da Somália e da Índia. É bem possível, no entanto, que Washington possa obter uma compensação para esse desastre; acaso Moscou não lhe acena com a possibilidade de uma "ajuda" económica para reconstruir o país devastado pela sabotagem e pela guerra?

É verdade que a Europa sai perdendo muito nessa estória, ao menos pelo momento. Depois de Portugal, seu principal trunfo fica sendo a África do Sul, cujo apoio militar a Lisboa contra a rebelião de Moçambique não foi capaz de impedir o desmoronamento do decrepito império e que acaba de sofrer, em Angola — que sempre considerou como estando em sua esfera de influência —, uma tremenda derrota militar.

Essa vitória do MPLA sobre a África do Sul, gendarme da África austral, verdadeiro canhão assestado contra os movimentos de emancipação da região, é muito mais importante que o combate militar propriamente dito (na realidade, a importância desse combate é bastante reduzida). Ela já constitui um formidável encorajamento para a luta dos explorados e dos oprimidos de toda essa parte da África, a parte mais industrializada e, ao mesmo tempo, mais explosiva do continente. Mas ela tem um alcance maior ainda, um verdadeiro alcance histórico; ela constitui uma vitória do movimento de emancipação da raça negra contra a opressão secular perpetrada pela raça branca. O êxito militar torna-se, assim, uma vitória moral que deve fazer soprar em toda a África oprimida um vento libertador, que, aliás, atingirá mais cedo ou mais tarde o próprio imperialismo russo, não obstante a sua contribuição militar para uma vitória cujas consequências políticas, temos certeza, tentará atenuar empenhando nisso todo seu peso.

Ao passo que inquieta a burguesia das grandes metrópoles, essa vitória não pode deixar de encher de alegria o proletariado das mesmas, pois a força dos Estados que o oprimem repousa nessa dupla exploração; a da classe operária autóctone e a das massas trabalhadoras dos países que dependem desses últimos em diferentes graus.

Mas há ainda outra coisa com que o proletariado internacional tem mil razões para alegrar-se; os primeiros passos dados na cena política pelo jovem proletariado de Luanda e das outras cidades angolanas, pelos proletários e semiproletários das plantações e por todas as massas exploradas que eles arrastam em suas pegadas. E esses passos seus são, de fato, muitíssimo promissores.

Foram as massas revolucionárias de Luanda que se armaram — contra a vontade da direção do MPLA (em abril, esta última ainda afirmava que "o povo não precisa se armar, pois o exército nasceu do povo e está a seu serviço") — para responder às intimidações e à repressão do exército português ajudado pela FNLA e pela UNITA. Foram elas que fizeram ir por água abaixo o governo provisório, o que provocou o êxodo dos portugueses, a ruína da administração colonial, o desmancho da aliança entre o MPLA e o MFA, a ruptura da frente entre esses últimos e os outros interesses, locais e imperialistas. Com isso, as massas revolucionárias compeliram o MPLA à luta aberta contra a FNLA, a UNITA e seus patrões, provocando a derrota destes não obstante o fato de que sua eliminação total possa vir a ser impedida pela URSS. É fácil compreender porque, ainda em dezembro, Savimbi estimulava, como condição para a reconstituição de uma coalisão governamental, que Luanda fosse "desmilitarizada"...

Mostramos inúmeras vezes que esse movimento revolucionário estava na origem do despertar da luta operária em Portugal e das deserções no exército. Mas o peso ainda enorme do oportunismo e do chauvinismo, que se manifesta inclusive nos grupos de "extrema esquerda", não permitiu que essa luta se transportasse para o terreno do ataque frontal contra o opressor comum, enquanto que, no resto da Europa, para não falarmos da América, o ópio do social-imperialismo ainda constitui um terrível obstáculo para a luta de classe, impedindo que seja realizada a junção entre o proletariado das metrópoles e as massas exploradas dos países oprimidos, que continuam a suportar sozinhas o peso da luta contra o imperialismo.

A pressão desse último faz com que, apesar dos impulsos generosos, os partidos mais radicais encontrem a maior dificuldade para se manterem ou mesmo para nascerem, principalmente os partidos que são portadores das exigências próprias das massas proletarizadas. Essa situação favorece os partidos mais propensos ao compromisso e os elementos mais moderados no seio deles. Essa lei é verificada em Luanda, onde o MPLA foi obrigado a aceitar o armamento dos bairros populares, mas onde a chegada das tropas cubanas permitiu-lhe proporcionar uma boa solidez a seu exército, relegar as milícias populares a um papel totalmente subalterno e subordiná-las às forcas armadas, ao mesmo passo que rechaçava para as fronteiras os movimentos odiados pelas massas populares, assim como os mercenários e os corpos expedicionários inimigos. O MPLA conseguiu, assim, satisfazer as exigências irreprimíveis das massas revolucionarias, mas fez isso a sua maneira, e não da maneira plebéia, encontrando no prestígio que essa capacidade lhe conferiu a força para isolar e combater os elementos mais radicais.

Graças aos sábios conselhos do irmão mais velho russo, que demonstra mais uma vez a sua natureza contra-revolucionária, o MPLA começou a "normalizar" o exército, mandando embora os elementos mais agitados e fuzilando alguns soldados extremistas. Encetou igualmente a depuração das milícias e decapitou as organizações de extrema esquerda, proibindo seus jornais e dirigindo contra elas a repressão, ao mesmo tempo que acentuava a luta contra a ala esquerda do MPLA, especialmente em meio às Juventudes.

A contrapartida dessa política é uma certa "falta de entusiasmo” (não é de se espantar!) que se manifestou no momento de ir para a frente de batalha, bem como nas fábricas e nos portos. Assim, o MPLA tem que laneçar todos os dias apelos ao "trabalho" e à "disciplina"...

Não é tampouco de espantar o fato de que, dando seus primeiros passos políticos, os precursores da burguesia percebam, depois de seus irmãos mais velhos dos outros continentes, que é necessário reprimir os impulsos das massas exploradas e, sobretudo, dos jovens núcleos proletários, com medo de que estes, em seu arrebatamento impetuoso, se lancem contra ela para satisfazer seus interesses de classe específicos. Nisso está, também, a razão da necessidade do partido de classe autónomo inclusive antes de que as tarefas nacionais e democráticas sejam levadas a cabo, inclusive quando a burguesia e as outras classes ainda desempenham um papel progressista, ou até mesmo revolucionário: ele é indispensável para impor as exigências próprias do proletariado numa luta que, graças a essa sua intervenção, poderá ser fortalecida e cuja direção, sendo as condições propícias, poderá cair em suas mãos; uma luta que, como quer que seja, possa vir a servir de trampolim para a preparação da revolução comunista.

Angola fez a África inteira dar um grande passo. Vingou Lumumha e o desastre do Congo. Vingou a heróica derrota da União do Povo dos Camarões diante do imperialismo francês. Uma nova era se abre para a África "atrasada", que acabou de dar uma lição às "civilizadíssimas" Europa e América. Honra à África!

E o proletariado africano, que deu um passo maior ainda, um passo de gigante, ao arremeter com todas as suas forças para realizar um movimento de independência mais radical, para romper completamente com o passado, de que não será capaz amanhã, quando se baterá em seu próprio nome e com sua própria bandeira? Que os proletários das metrópoles imperialistas meditem no seu exemplo, ouçam seu apelo à luta e não o deixem só mais uma vez! Que eles possam encontrar nesse exemplo e nesse apelo a força para lutar por seus interesses de classe independentes e reatar, enfim, com a sua tradição e o seu programa, o programa único do proletariado do mundo inteiro, o programa do comunismo!

(Le Prolétaire, n.º 214, 21/2 — 5/3/76
Il Programma Comunista,
n.º 5, 5/3/16)


Inclusão 25/04/2019