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Nessa noite, depois de um jantar em que mal conseguiram disfarçar o nervosismo, a Ana e o Luís deram um beijo de boa-noite à tia Emília e fecharam-se nos quartos a fazer horas. Quando lhes pareceu que ela já devia dormir a bom dormir, deslizaram pelas escadas abaixo sem fazer barulho. Tinham combinado com os gémeos encontrarem-se à entrada do prédio.
Quando chegaram deram com os gémeos todos encapuçados e furiosos.
— Caramba, já estávamos fartos de esperar!
— Porque demoraram tanto? Que atados!
— Querias que nós viéssemos com a tia Emília atrás?
— Parece que os velhotes dormem menos que as outras pessoas. Nunca mais ia para a cama!
— Vimo-nos à rasca para nos escondermos dos vizinhos que entravam. Estamos aqui há horas!
— Ih! Que exagero!
— Bem, vamos mas é embora, que temos muito que andar — despachou o Luís. — Trouxeram as lanternas?
Saíram todos para a rua. Tinham muito que andar porque o Laboratório não ficava em Sacavém, mas numa localidade próxima e, mesmo indo por atalhos, mais directos do que a estrada nacional, demoravam uns bons três quartos de hora.
— Brrrrr! Que frio!
— Ainda não é a altura do calor, que é que tu querias?
— Aquecemos num instante, se formos ligeiros!
— Já viram a Lua? Nem de propósito!
Com efeito, no céu, brilhava uma Lua redondíssima. Iam tão excitados pela expectativa que quase corriam.
— Tenham calma! — disse o Luís. — Por este andar, daqui a dez minutos, estamos tão cansados que não conseguimos chegar!
A Ana quase dançava à frente do grupo.
— Apetece-me levantar voo! — disse, à laia de justificação para os pulinhos que ia dando.
— Raparigas! — resmungou o Luís. — Devias mas era ter ficado em casa!
— Olha o parvo convencido! Sabias que as mulheres têm muito mais resistência que os homens?
— Ah, Ah! Deixa-me rir!
— É verdade, sim senhora! Pergunta ao pai, que ele diz-te!
E a Ana, muito excitada, continuava a ensaiar passos de dança na frente do irmão, para o irritar.
— Ai foi o teu pai que te disse isso? Admira-me como não foi na Enciclopédia que descobriste tal coisa, ó pulguinha sabichona!
— Tens muita gracinha, meu menino! Que faziam vocês, seus espargos de lata, sem a minha sabedoria? — respondeu a Ana, furiosa.
— Vá, parem com isso! — apaziguou o Luís. — Estamos mas é nervosos com esta aventura !
— E fazíamos melhor em combinarmos o que vamos fazer quando chegarmos!
— É verdade, acabamos por não decidir nada!
— A mim parece-me que avançar o muro não é difícil. Vim cá com o meu pai e reparei que há um sítio em que a vedação de arame foi deitada abaixo — disse o Luís.
— E podemos esconder-nos nos arbustos ao pé do parque de estacionamento. Ficam logo ao pé do edifício do reactor — completou a Ana.
— Vocês acham que eles conhecem as dependências do Laboratório?
— O teu pai não disse que eles já lá tinham ido falar?!
Tinham chegado junto do muro que contornava as diversas secções do Laboratório.
Dentro havia vários pavilhões, cada um com a sua função específica: havia o pavilhão de Física, o de Química, as Instalações Piloto, uma oficina e até um pequeno pavilhão para a Administração. Havia ainda uma casinha minúscula, na portaria, com um vigia e um guarda armado até aos dentes. Mas o edifício mais importante era sem dúvida o que albergava o reactor nuclear.
Os quatro, durante as férias, gostavam de acompanhar o Dr. Barroso nas suas idas ao Laboratório e tinham admirado a maravilhosa luz azul que se desprendia dos blocos de urânio colocados no fundo do tanque cheio de água e os gabinetes, com paredes de vidro. O Dr. Barroso trabalhava aí, num magnífico computador que ocupava uma parede inteira, cheio de botões, tomadas e luzinhas faiscantes.
— Vamos a isto! — sussurrou o Luís.
— É melhor apagarmos as lanternas, à cautela — disse um dos gémeos.
Tinham contornado o muro na direcção do tal buraco na vedação. Foi-lhes fácil, pondo um pé aqui, outro ali, subir o muro e deixarem-se escorregar para o lado de dentro. Os gémeos ainda tentaram ajudar a Ana, mas ela, ofendidíssima, recusou qualquer tipo de ajuda. Era ágil como um gatinho pequeno, e o treino adquirido nas aulas de Ginástica vinha mesmo a calhar para aquela situação.
Deslizaram os quatro, com o coração aos saltos, até ao edifício do reactor. Ao pé havia uma zona de arbustos muito densos onde podiam esconder-se com segurança.
— Ficamos aqui!
— Ok.! Parece-me que aqui estamos bem!
— Que calor!
— Estou a transpirar de nervoso!
— Que chatos! Não façam barulho!
— E se o soldado resolve vir passear?
— Alguém consegue ver as horas?
Mas era difícil, mesmo com a Lua Cheia, ver fosse o que fosse, porque a vegetação tapava tudo.
Não tiveram que esperar muito. De repente, ouviram à entrada da cerca, o ruído de um motor que abrandava e voltava logo a acelerar na direcção deles. O coração ameaçava saltar-lhes do peito.