L. A. & Cª no meio da revolução

Texto de Maria Mata
Ilustrações de Susana Oliveira


Um plano astucioso


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No dia seguinte, mal a hora da visita chegou, lá estavam os quatro à cabeceira do Dr. Barroso. Tinha melhorado muito desde a véspera e por isso puderam contar-lhe tudo o que se tinha passado em casa, na tarde anterior.

A mãe do Luís e da Ana ficou muito aflita por causa do susto que a tia Emília tinha apanhado, e quis saber com todos os pormenores o estado em que a casa tinha ficado depois do assalto. Só sossegou quando os filhos a convenceram de que nada tinha ficado estragado, a não ser o cofrezinho, que estava em cima da secretária do pai.

— Pobre tia Emília! — dizia a mãe. — Não deve ter ganho para o susto! Ainda por cima já com aquela idade!

— Deixa lá, mãe! — dizia o Luís, com um ar divertido. — Eu até acho que lhe fez bem! Desde ontem não parece a mesma!

— É verdade! — repetia a Ana. — É espantoso como ela mudou! Hoje de manhã, até me deu um beijo, antes de eu ir para as aulas!

— E ontem tivemos um jantar divertidíssimo em nossa casa! — dizia um dos gémeos. — Depois daquela complicação toda, ainda foi ela que fez a comida e não consentiu que a minha mãe a ajudasse!

— E a mãe toda aflita por não ter conseguido ir ao supermercado! Ela fez uns ovos maravilhosos recheados de quase nada!

— Ora essa! Era fiambre que eu fui buscar à pastelaria, meu cabeça de atum!

— É verdade, até lambemos os beiços!

— Eu bem vos dizia que ela tinha bom coração ... — repetia a mãe. — Ainda bem que no meio de tanta confusão aconteceu alguma coisa boa!

Depois da avalanche de conversa dos filhos e dos gémeos a quererem contar tudo ao mesmo tempo, o dr. Barroso começou a ficar preocupado:

— Ó Isabel! O que é que acha disto tudo? Tem alguma ideia?

— Eu?! Eu estou completamente às escuras. Aliás eles já contaram tudo ... Não há nada a acrescentar!

O Dr. Barroso coçou a cabeça e tossiu um pouco. Estava muito desanimado:

— Não compreendo nada. Primeiro, atacam-me e levam-me a cópia da investigação que eu tinha entregue aos franceses. Hoje assaltam-me a casa e levam ... nem sei o quê!

O Luís queria perceber melhor:

— Ó pai! Mas afinal que investigação era essa? E o que é que os franceses têm a ver com a investigação?

— É muito simples — respondeu o pai, sentando-se na cama, enquanto a mãe lhe compunha as almofadas. — Nós estamos a trabalhar com o C.E.A., que é o Comissariado Francês para a Energia Atómica. Eles mandam-nos os registos do funcionamento de uma central nuclear, em bandas magnéticas. São indicações sobre a temperatura, as vibrações, as radiações e outros valores medidos na central francesa. O nosso trabalho é estudar estes registos, em computadores, para descobrirmos defeitos de funcionamento que ainda estão no início, mas que podem tornar-se muito graves, se não forem corrigidos a tempo. O que os ladrões levaram foi o estudo que nós tínhamos acabado de fazer.

— Mas então o teu trabalho é muito importante! — interrompeu a Ana.

— É importante, é! — continuou o pai. — É até apaixonante saber-se que se está a trabalhar para prevenir grandes desastres! É claro que há uma grande competição internacional sobre estes assuntos e os americanos bem gostariam de saber como funcionam as centrais nucleares francesas, mas...

— E como é que são essas bandas magnéticas de que falaste? — perguntou o Luís muito interessado.

— São uma espécie de impressão digital do funcionamento da central nuclear: está lá tudo. É uma grande responsabilidade lidar com estes segredos todos. Foi por isso que eu nunca vos falei sobre este trabalho ... mas agora que está nas mãos dos ladrões ...

— Brrrrr!! Até estou toda arrepiada! — exclamou a Ana, encolhendo-se toda.

— Nós já sabíamos que os americanos estavam interessados — continuou o pai. — Até já tinham feito uma tentativa de aproximação. Claro que não conseguiram nada! Temos o contrato com os franceses e não os podíamos enganar. É um segredo de Estado!

— E se parasses agora um bocadinho, Luís? — acudiu a mãe. — O pai até está a ficar pálido, com tanta conversa!

Na verdade, o Dr. Barroso parecia cansadíssimo. A mulher ajudou-o a deitar-se e aconchegou-lhe de novo as almofadas. Os gémeos piscaram o olho à Ana e ao Luís:

— E se fôssemos ao bar comprar umas laranjadas e uns bolos? Podemos, mãe?

— E não se vão perder por esses corredores fora? Isto aqui dentro é um mundo, até eu já me perdi várias vezes! — disse a mãe do Luís e da Ana, passando uma nota para as mãos do filho. — Ao menos não se afastem uns dos outros! — recomendou ainda, vendo-os sair do quarto.

— Temos um plano diabólico! — começou o Nuno a dizer, mal dobraram o corredor.

— Se é diabólico, o melhor é guardá-lo para vocês! Estamos um bocado fartos de planos mirabolantes! — respondeu o Luís.

— Vamos mas é comer, que estou cheia de fome de bolinhos com creme! — disse a Ana.

— Esperem só um minuto — tornou o Nuno, teimosamente, sentando-se num banco a meio do corredor. O irmão apoiou-o logo:

— Deixem-no falar, caramba! Lembramo-nos de uma coisa ... Já ontem, quando assaltaram a vossa casa ...

— Já falamos nisso tudo — interrompeu o Luís. — Mas primeiro, vamos lanchar! Estou a morrer por uma laranjada fresquinha!

Os gémeos não tiveram outro remédio senão seguir os amigos até ao bar. A atmosfera era irrespirável, porque o bar era muito pequenino, e havia uma grande confusão de visitantes a comprarem coisas para os seus familiares internados no Hospital, misturados com grupos de médicos de bata branca e capa de flanela azul escura, à conversa. Quando, por fim, conseguiram os bolos e os refrigerantes, trouxeram tudo cá para fora e vieram banquetear-se, muito bem instalados, num banco do átrio.

— O que é que vocês pensam desta história toda, afinal? — continuou o Nuno, mal se instalaram.

— Qual história? — perguntou a Ana, de boca cheia, encantada com o movimento intenso à sua volta.

— Esta história dos ladrões! Já ontem à noite nos fartámos de falar nisto. Os pais são tão parvos! Vocês acham que os tais americanos vão desistir dos planos?

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— Que remédio têm eles! — o Luís, distraído, olhava o fundo da sua garrafinha de refrigerante. — Caramba, acaba sempre depressa demais! Continuo cheio de sede!

— Agora quem está a ser cabeça de atum és tu! — atirou-lhe o Nuno, muito excitado. — Ouçam com atenção: Estivemos os dois a falar sobre isto. Espanta-nos é como é que os nossos pais dão o assunto por encerrado!

— É, é, às vezes os adultos são mesmo parvos — disse a Ana de nariz no ar, já mais interessada.

— Vocês acham que eles vão continuar a procurar?! — perguntou o Luís.

— Claro! Mas acho que eles já perceberam que o que procuram não está na vossa casa — o Nuno falava como se pensasse em voz alta.

— Ora essa! E porque não? — perguntou o Luís, de repente muito atento. Mas o Nuno continuou, como se não tivesse ouvido o que o Luís tinha dito:

— Das duas uma: ou os americanos estão interessados na investigação do teu pai ou então estão interessados nos registos de funcionamento da central francesa. Eles roubaram a investigação do teu pai e no dia seguinte assaltaram a vossa casa ...

— Por isso o que eles queriam era os registos da central francesa! — e o Luís, maquinalmente, completou o raciocínio do Nuno.

— Ora aí está! E como agora já sabem que não estão em vossa casa vão procurá-los no único sítio onde podem estar! Não te lembras que os da Polícia falaram em roubar a Central francesa aqui em Sacavém?!

— E os planos da Central francesa estão neste momento em Sacavém! Para nós, é claro como água! Vocês ainda não perceberam?!

— Céus! Quer dizer que eles vão assaltar o Laboratório!

— Aliás estes ladrões não são nada espertos. Para trabalhar nos tais registos, só naqueles computadores gigantes do Laboratório. Para que é que o pai ia trazer aquilo para casa?

— E agora? Vocês acham que eles se vão atrever a ir lá?

— Não conseguem entrar! Tem um guarda todo artilhado à entrada do portão!

— E um vigilante!

— Aquilo está controlado dia e noite! E tem alarmes por todo o lado! Acham que os americanos se atreviam a assaltar o Laboratório? — perguntou a Ana, com os olhos já a brilhar.

— Bom, possível, é! A certeza, não a temos, claro — disse o Filipe.

— Para termos a certeza ... não há nada como irmos lá esta noite, espiar! — acrescentou o irmão, excitadíssimo.


Inclusão: 29/04/2020