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— Será que no Algarve está calor, agora?
— Claro, no Algarve nunca está frio! Nós não vamos tomar banho no mar?
— E já sabem para que lado do Algarve vamos ?
— O pai falou na zona de Tavira, parece que no Verão é mais sossegado e é mais fácil arranjar uma casa para aqueles lados — opinou a Ana, andando aos saltos, apesar do peso dos livros.
— E se levássemos as bicicletas? — perguntou o Filipe, estacando de repente, encantado com a sua própria ideia.
— Estás tolo, pá — riu o Luís. — Tu achas que para passarmos três dias valia a pena?
— Valer, valia sempre, agora duvido é que a mãe vá nisso — respondeu o Nuno, pondo-se, como sempre, do lado do irmão.
Estavam radiantes com a perspectiva do passeio. Mal tinham dormido durante a noite e levantaram-se mais cedo que o habitual. O dia tinha acordado acinzentado e ameaçando chuva, mas foi um martírio convencê-los a vestir o impermeável e a levar guarda-chuva. Os gémeos, esses, queriam à força ir de camisolinha de manga curta para a escola.
— Querem ficar doentes? Se ficarem doentes podem dizer adeus ao Algarve! — dissera a mãe, e este tinha sido o único argumento que os convencera a enfiar uma camisola de lã e o impermeável por cima.
— Quem me dera que já fosse quinta-feira! — suspirou a Ana. — Esta noite fartei-me de acordar a pensar que já era o dia da partida.
— E eu até sonhei que já íamos a caminho!
— E eu que estava a tomar banho naquela água quentinha!
— Agua quentinha em Abril! Também não exagerem! — riu-se o Luís.
Na escola, as aulas arrastaram-se e até para a Ana, a estudiosa, o tempo parecia uma eternidade.
Ao fim da manhã, a meio da aula de Matemática, entrou uma empregada na sala e falou em voz baixa com a professora. Esta esperou que a empregada se fosse embora e chamou a Ana de lado. Pôs-lhe a mão no ombro, e mandou-a arrumar os livros e ir embora para casa. O irmão esperava-a à porta da sala, perplexo. Alguma coisa de muito grave acontecera para interromperem uma aula e os mandarem para casa.
— Vão com calma! — ainda aconselhara a professora de dentro da sala, enquanto se levantava um burburinho por entre as carteiras.
— Deixe-nos ir com eles, "sotôra"! — tinham pedido os gémeos à uma. Mas a professora não deixara. O recado era só para a Ana e o irmão.
O Luís e a Ana correram tanto que chegaram a casa em metade do tempo que costumavam demorar. Estranhamente, esperava-os a mãe dos gémeos. Estavam tão esbaforidos que nem conseguiam falar.
— Onde está a nossa mãe? — perguntou o Luís quando conseguiu recuperar o fôlego.
— O que é que aconteceu? Diga depressa, D. Isabel! Aconteceu alguma coisa aos meus pais? — A Ana já estava de lágrima ao canto do olho e o Luís, muito vermelho, esforçava-se por mostrar uma calma que não sentia.
— Sosseguem! — respondeu a mãe dos gémeos fazendo uma festa na cabeça da Ana. — aconteceu uma coisa muito estranha ... Parece que hoje, o vosso pai ia entregar aquele trabalho no Laboratório...
— A pasta com a cópia do tal trabalho! — interrompeu o Luís.
— Sim, deve ser isso! Ele saiu de casa mais cedo que o costume ... e levava a pasta! Eu ainda cá estava. Parece que o atacaram quando se ia meter no carro, aqui, à porta de casa. E roubaram-lhe a pasta! Como resistiu, deram-lhe um tiro! Mas sosseguem, foi no braço, nada de grave ...
O Luís, muito vermelho, tentava segurar as lágrimas, mas Ana soluçava já, agarrada à mãe dos gémeos. Esta, muito aflita, lá conseguiu sossegá-los o melhor que pôde.
— Calma, tenham calma! O vosso pai está bem, não corre perigo nenhum! Já foi operado e já lhe extraíram a bala. Está no Hospital de S. José, em Lisboa. A vossa mãe está com ele. Ainda bem que eu pude cá ficar! Fui eu que telefonei há bocado para a escola. Acabei agora mesmo de falar com a Polícia Judiciária, por isso não vos pude ir buscar, para irmos directamente para o Hospital.
— Mas o meu pai está bem de certeza? Não nos está a enganar? — ainda articulou a Ana, muito baixinho.
— Vamos depressa! — disse o Luís. — Quanto mais depressa formos, mais depressa vemos o pai.
— Sim, sim! — respondeu a mãe dos gémeos.- A hora da visita começa às três. Comemos qualquer coisa pelo caminho, para não perdermos tempo !
— Não tenho fome nenhuma!
— Nem eu! Não podemos ir já, já, para o Hospital?
— Não tenho bem a certeza se nos deixam entrar antes da hora ... Aquilo tem um regulamento apertado. Nem sei como a Helena se está a safar para estar ao pé dele, na enfermaria ... Mas enfim, somos uns valentes! Vamos tentar! — respondeu, tentando desanuviar o ambiente. E entrou no carro com os dois.
Mas não chegou a arrancar. Ao fundo do caminho apareceram os gémeos, aos gritos, a correr, esbaforidos. No intervalo, tinham falado com a professora de Matemática que começou por dizer que não era nada de grave mas depois meteu os pés pelas mãos contando uma história confusa que metia ladrões, tiros e ambulâncias. Não aguentaram mais.
— Esperem por nós! Também queremos ir! — berravam os dois como possessos. Já dentro do carro, tiveram de ouvir um raspanete da mãe por terem saído assim da escola. Por fim, lá lhes explicaram o que tinha acontecido e partiram a toda a velocidade para Lisboa.
No Hospital, junto à entrada, a mãe dos gémeos quase esbarrou com uma enfermeira que fora sua colega no liceu. Foi uma sorte! Caíram nos braços uma da outra e ela guiou-os por corredores e mais corredores até à entrada da enfermaria, onde estava o pai do Luís e da Ana. Encontraram logo a mãe, que saía pela porta com um pacote de bolachas e duas laranjas na mão.
— O pai ainda não acordou da anestesia, mas a operação correu muito bem, não há motivo para aflições! — disse, abraçando os filhos, enquanto escondia uma lagriminha teimosa que lhe espreitava ao canto do olho.