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Tenho uma irmã que esteve presa em Caxias, de onde saiu três meses antes do 25 de Abril, com quem eu me tinha proposto ir viver, dada a sua situação especial. Eram sete da manhã quando recebemos o telefonema de alguém a dizer-nos o que se tinha passado. Depois, foi um dia de excitação, a procurar ouvir todas as notícias! Mais tarde, a minha irmã quis ir ver a saída dos presos de Caxias, pôs-se em contacto com as pessoas que conhecia...
Eu era sensível ao antifascismo, embora um tanto distanciada. Estava ligada a um grupo católico, e cheguei a ajudar militares que queriam fugir à tropa a passar a fronteira, a nado, no Guadiana.
Após os primeiros tempos de grande agitação e de superemoção, retomei a minha vida. Era funcionária pública e no meu local de trabalho tinha sido eleita uma comissão de trabalhadores. Uma das suas medidas foi o saneamento de dois dos elementos da direcção que ditavam ordens sobre o que devíamos ou não fazer mas que só lá punham os pés, quando muito, de mês a mês. Ali, a importância do 25 de Abril não se traduziu tanto em medidas adoptadas e concretizadas, mas pelo facto de as pessoas terem posto tudo em causa. Por exemplo, antes, quando se saía em trabalho de campo — enquanto no Instituto [IPPC], trabalhei em restauro de fresco e ia sempre para o Alentejo — e se chegava a uma localidade, punha-se e dispunha-se, pintava-se e despintava-se, sem falar com as populações; depois, essa atitude mudou radicalmente: íamos ter com as pessoas, promovíamos reuniões com elas, explicávamos-lhes o que pretendíamos fazer e a sua opinião contava. Enquanto trabalhadores, conseguimos abrir um refeitório, uma das nossas melhores conquistas, sempre com o apoio da comissão de trabalhadores, que só recentemente se dissolveu. Cá fora, começámos todos a mexer-nos, a ir às manifestações, a ver o que se fazia. Eu continuava à procura daquilo com que sentisse mais afinidades, mas sem carácter de filiação partidária (só mais tarde, não sei precisar, me liguei ao Contra a Corrente). Foi tudo uma descoberta de tal maneira intensa que não consigo destacar nada em particular... No 28 de Setembro, no entanto, recordo-me de uma cena cómica.
Tínhamos ido trabalhar para Ponte da Barca, no Minho, e como não tínhamos carrinha, fomos de comboio, com a tralha toda atrás: andaimes, baldes, a cal e a areia... Quando chegámos ao Porto, na viagem de regresso, vemos entrar o pessoal da «maioria silenciosa»... Bastou olhar-lhes para as caras para percebermos de quem se tratava. O 25 de Abril foi a coisa mais importante da minha vida, pela libertação que representou da sociedade em geral, mas também pelas conquistas que me permitiu a nível pessoal. É certo que não satisfez as minhas expectativas, mas nunca tive a perspectiva daqueles que dizem «ah! eu vi logo que aquilo ia tudo por água abaixo».
★★★
“Depois de uma ampla mobilização em torno das justas reivindicações dos trabalhadores da Função Pública e da sua entrega ao Governo Provisório, este resolveu:
Após dois meses de espera, apenas interrompida pela implantação de medidas antidemocráticas, mesmo repressivas, os trabalhadores, apesar do estado ainda embrionário da sua organização, sentiram- se a tal ponto traídos que vinte mil trabalhadores vieram para a rua, no dia 8, manifestar o seu descontentamento.
É muito perigoso iludir os trabalhadores ou, pelo menos, tentar ganhar tempo à custa da esperança de centenas de milhares de pessoas que querem justiça nas relações de trabalho, seja qual for a entidade patronal”.
(Do Diário de Lisboa de 12/7/74).
Inclusão | 23/11/2018 |