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Aula VII - Da Revolução Socialista à Sociedade sem Classes
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Vimos como a expansão mundial do capitalismo permitiu um extraordinário desenvolvimento das forças produtivas. Essa acumulação de riqueza foi possível graças à crescente divisão de trabalho e à cooperação entre os homens, isto é, graças ao caráter social da produção. Mas vimos também como a contínua apropriação do produto do trabalho por mãos particulares, pelos capitalistas, que só visam seu lucro, torna-se uma limitação ao desenvolvimento das forças produtivas.
Essa contradição entre o caráter social do trabalho e a apropriação particular do produto do trabalho, traço fundamental das relações de produção capitalista — implica numa produção anárquica, em crises cíclicas a num desenvolvimento desigual, que permite a exploração dos países subdesenvolvidos por potências capitalistas industrializadas. Esta é fundamentalmente a causa das lutas de classe no mundo atual, da revolta do proletariado e das demais classes exploradas.
Para o proletariado não se trata simplesmente de uma luta por maior "igualdade" ou maior "justiça". A situação da humanidade não será resolvida por uma redistribuição das riquezas do mundo. Trata-se de mudar as relações de produção. O capitalismo nunca conseguiu satisfazer as necessidades da humanidade. As grandes fábricas, nas mãos dos capitalistas, nunca produziram sapatos, escovas de dente, chuveiros e aparelhos de televisão, suficientes para satisfazerem as necessidades de um só povo, mesmo o mais "rico". Produziram na medida em que encontraram compradores, isto é, gente que possa pagar e propiciar a obtenção de lucro; produziram, portanto apenas para uma fração, maior ou menor em cada país.
Por isso, a redistribuição das riquezas que o capitalismo criou não seria mais do que uma distribuição de miséria. O sentido da luta do proletariado tem de criar, portanto, as premissas para uma nova expansão das forças produtivas, que satisfaça de fato às necessidades de todos. Que possa planificar a produção, que elimine não só os privilégios e a miséria, mas igualmente o desenvolvimento desigual das forças produtivas e as crises. Isto só se dá em condições em que não só o trabalho, mas também a apropriação do fruto do trabalho for coletiva. Em que os meios de produção pertençam a toda a sociedade, isto é, em que a propriedade privada dos meios de produção for abolida e não haja mais capitalistas.
A conquista do poder político pelo proletariado
A história ensina que nenhuma classe cessa voluntariamente seu domínio, abandona o cenário sem resistência. Os capitalistas não constituem exceção. O meio de transformação da sociedade é a revolução, isto é, a passagem do poder político das mãos de uma classe para outra. Na sociedade burguesa, a classe que está destinada a arrebatar o poder das mãos dos capitalistas é o proletariado. Essa tendência histórica já foi reconhecida claramente por Marx e Engels, quando escreviam no Manifesto Comunista:
Esboçando em linhas gerais as fases de desenvolvimento do proletariado, mostramos a história da guerra civil, mais ou menos oculta, que existe na sociedade até o momento em que dessa guerra surge uma revolução aberta, na qual o proletariado estabelece o seu domínio pela derrubada violenta da burguesia e se torna a classe dominante.
Dessa maneira, se servirá de sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar mais rapidamente a quantidade de forças produtivas.
O desenrolar das lutas sociais na Europa, principalmente na França permitiu, todavia, aos fundadores do socialismo científico tirar mais conclusões sobre o futuro da luta proletária. Já em "As Lutas de classe na França", Marx verificou que a "revolução deverá consistir não mais em fazer com que a máquina burocrática e militar passe para outras mãos, mas em quebrá-la".
O que isso quer dizer? Quer dizer que o proletariado, para tomar o poder, para se constituir em "proletariado organizado em classe dominante", não pode se servir do Estado burguês para exercer o seu domínio. Tem de quebrar e destruir a velha máquina de opressão que serviu à burguesia e construir outro Estado, o Estado proletário.
O que é este novo Estado? É a Ditadura do Proletariado.
"A luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado" — disse Marx. E esclareceu: "esta ditadura não constitui ela mesma senão a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes".
O proletariado para exercer o seu governo, para desapropriar os capitalistas e as demais classes exploradoras, para organizar a produção em novas bases coletivistas, precisa exercer a sua ditadura. É a ditadura exercida no interesse da imensa maioria do povo, contra a minoria dos antigos exploradores e seus instrumentos e por isso mesmo essa ditadura representa um regime muito mais democrático do que qualquer "democracia" burguesa, onde a burguesia está no poder. Para exercer essa ditadura, o proletariado precisa de um Estado seu, "um instrumento de opressão de uma classe por outra". Esse instrumento é necessário enquanto existirem antigas classes resistindo à transformação social, mas o proletariado não toma o poder para perpetuar o domínio de classes. Ao contrário, ele visa o estabelecimento de uma sociedade sem classes. Por isso mesmo, Marx fala do caráter transitório da Ditadura do Proletariado. E Engels, no "Do socialismo utópico ao socialismo científico" deixa claro que:
Uma vez que não há mais classes sociais a serem oprimidas, nada há que torne necessário um poder de repressão. O primeiro ato no qual o Estado aparece como representante de toda a sociedade — a apropriação dos meios de produção em nome da sociedade — é ao mesmo tempo seu último ato próprio enquanto Estado. O governo das pessoas dá lugar à administração das coisas. O Estado não é abolido, ele se extingue.
Esta última frase de Engels é uma crítica aos anarquistas que defendiam a supressão pura e simples do Estado e de qualquer autoridade. A grande confirmação histórica das previsões de Marx e Engels foi fornecida pela Comuna de Paris, em 1871, a primeira tentativa de Ditadura do Proletariado, quando os operários de Paris conservaram o poder durante três meses. A experiência da Comuna serviu a Marx e Engels para sistematizar as características do poder proletário. Foi igualmente a experiência da Comuna que serviu a Lênin, com base na análise da Ditadura do Proletariado, para escrever "O Estado e a Revolução" e ainda serviu como precedente histórico ao proletariado russo quando, na sua revolução vitoriosa, deu ao seu governo a forma de sovietes, os órgãos da democracia socialista.
Como funcionava a Comuna? Era composta por representantes eleitos por sufrágio universal, por distrito. Esses representantes eram responsáveis pelos seus atos perante os seus eleitores e podiam ser substituídos a qualquer momento. Esta era a primeira diferença entre os representantes dos operários na Comuna e um deputado de qualquer parlamento ou congresso burguês. "Em lugar de decidir uma vez a cada três ou seis anos, quais membros da classe dominante devem representar e reprimir o povo no parlamento...", como disse Marx, os representantes na Comuna podiam ser chamados de volta toda vez que deixavam de defender os seus eleitores.
Mas esta não era a única diferença essencial que distinguia a Comuna dos órgãos de representação burgueses. No Estado burguês há uma divisão de poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, que permite à classe dominante anular medidas tomadas contra seus interesses, jogando um poder contra o outro.
"A Comuna, todavia, devia ser não um órgão parlamentar, mas uma corporação de trabalho, executiva e legislativa ao mesmo tempo". O Judiciário, por sua vez, "perdeu aquela fingida independência que só servira para disfarçar sua abjeta submissão aos sucessivos governos...". "Assim como os demais funcionários públicos, os magistrados e juízes deviam ser eleitos, responsáveis e demissíveis".
Em terceiro lugar, todos os funcionários públicos dos mais modestos até os membros dirigentes da Comuna não podiam receber salários maiores que os operários de fábrica. Esta medida estava destinada a acabar com os privilégios de uma burocracia — o carreirismo — e deixava claro que a administração pública não estava acima, mas a serviço do proletariado organizado como classe dominante.
Entre as primeiras medidas da Comuna estavam a supressão do exército permanente e sua substituição pelo povo armado, a supressão da polícia política, a separação entre a Igreja e o Estado e a introdução do ensino gratuito. Cada uma dessas medidas — salienta Lênin — mostra que a democracia socialista é infinitamente superior a qualquer das democracias burguesas existentes.
Toda a experiência da Comuna e a concepção marxista sobre o Estado tiveram que ser "desenterradas" por Lênin, quando o socialismo reformista e revisionista da sua época se orientava para uma conquista pacífica do Estado burguês. Foi em torno da questão do Estado que se deu a divisão em socialistas (reformistas) e comunistas (revolucionários). Hoje, as concepções "pacíficas" penetraram novamente na esquerda e os revolucionários são novamente forçados a "desenterrar" essa questão fundamental do marxismo-leninismo, contra o revisionismo moderno. O objetivo histórico da atual revolução proletária mundial é o estabelecimento de uma sociedade comunista.
O que caracteriza essa sociedade comunista? Fiel ao método científico, materialista, de Marx e Engels, não elaboramos um sistema pronto para essa nova sociedade. Não construímos utopias. Procurando dominar as leis do desenvolvimento social, podemos, todavia, definir as suas tendências. Marx e Engels deixaram claro que a sociedade comunista:
O proletariado, quando derruba o regime capitalista, já pode instalar essa sociedade comunista? Evidentemente, não. Tal sociedade exige, entre outras coisas, uma expansão dos meios de produção infinitamente superior àquela que herdou de valha sociedade capitalista.
O que o proletariado tem em mãos, já disse Marx,
"não é uma sociedade comunista que se desenvolveu sobre sua própria base, mas uma que acaba de sair precisamente da sociedade capitalista e que, portanto, apresenta ainda em todos os seus aspectos, no econômico, no moral e no intelectual, o selo da velha sociedade de cujas entranhas procede". (Crítica do Programa de Gotha).
Podemos acrescentar ainda, hoje, depois da experiência de várias revoluções proletárias, que essa herança de velha sociedade influi de maneira diferente nos diversos países, dependendo do grau de desenvolvimento industrial e social, que o proletariado encontra como ponto de partida para um desenvolvimento das forças produtivas. Mas o que todas se revoluções proletárias tem em comum, é que necessitam de um Estado, da Ditadura do Proletariado, durante toda uma época histórica. Precisam deste Estado, pois as classes não são abolidas, elas desaparecem no decorrer do desenvolvimento — não só as antigas classes exploradoras, como também a diferenciação entre o operário, camponês e a camada dos intelectuais. Precisam do Estado por razões de defesa interna e externa da revolução, ainda ameaçada por um mundo capitalista e imperialista. E precisam do Estado como instrumento para a expansão das forças produtivas.
É claro que nessa fase a sociedade ainda não pode preencher todas as necessidades de todos os membros da sociedade num nível igualmente alto. Lidando com homens formados pela sociedade capitalista, o estímulo individual e material ainda é um meio de expansão das forças produtivas. Embora eliminada a exploração do homem pelo homem e a produção já seja feita em bases socialistas, ainda subsiste certa desigualdade herdada do sistema de produção burguês. Esta primeira fase, que Marx e Lênin chamavam de socialista, caracteriza-se nas ralações de produção pelo princípio: "De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo seu trabalho".Dizia Lênin que ainda se tratava de uma concepção burguesa, mas posta em prática sem a hipocrisia da sociedade burguesa, onde serve para justificar a apropriação do trabalho alheio. Mas historicamente não é mais do que um ponto de partida para a sociedade comunista, que poderá inscrever em suas bandeiras: "De cada um, segundo sua capacidade, a cada um, segundo suas necessidades.
A ditadura do proletariado na pratica
Marx previu que o proletariado, depois da revolução, enfrentará ainda as dificuldades de uma sociedade que acaba de sair do capitalismo e apresenta marcas de origem em todos os seus aspectos, tanto econômicos, quanto morais e intelectuais. O que Marx não previu, entretanto, era o curso que a revolução mundial ia tomar: o fato de se iniciar justamente nos países capitalistas menos desenvolvidos, onde o ponto de partida para a construção socialista era mais desfavorável. Marx não tinha vivido o suficiente para ver surgir o imperialismo, que permitiu ao capitalismo europeu neutralizar temporariamente as energias revolucionárias do "seu" proletariado, e que transferiu a ação revolucionária para as regiões subdesenvolvidas do mundo capitalista.
A primeira revolução proletária vitoriosa se deu na Rússia e foi o próprio Lênin que assinalou as dificuldades que provinham do fato de a construção do socialismo ter de ser iniciada num dos países mais atrasados da Europa. A imensa superioridade numérica dos camponeses sobre os operários dificultava o desenvolvimento da Ditadura do Proletariado no sentido de uma democracia socialista. Antes de morrer, num dos seus últimos artigos, Lênin definia a União Soviética como um "Estado Operário com deformações burocráticas".
As "deformações" viraram degenerescências burocráticas, com o prolongado isolamento da revolução russa. O proletariado russo não só herdou uma sociedade subdesenvolvida, como tinha que vencer o seu atraso por esforço próprio e sem auxílio externo, em curto prazo, para enfrentar a ameaça de uma nova intervenção imperialista. Quando esta se deu, com a invasão nazista, e os operários e camponeses russos derrotaram o Exército alemão, souberam que seus sacrifícios não tinham sido gratuitos. O preço pago foi o surgimento de uma burocracia que, sob Stalin, cresceu às custas da democracia socialista representada pelos sovietes, que tinham se tornado órgãos meramente decorativos. O próprio Partido Comunista da União Soviética tinha se transformado em apêndice da burocracia estatal, tendo perdido sua democracia interna.
O desfecho da segunda guerra mundial, a expansão da revolução socialista para o centro da Europa e para a China, terminou com as bases materiais para o stalinismo, que era produto do isolamento de revolução russa. O caminho de volta, o do estabelecimento da democracia socialista na União Soviética, todavia, é prolongado. Embora a burocracia tivesse de fazer concessões, ela defende os seus privilégios políticos a materiais criando atritos que se manifestam em lutas internas e constantes reformas. A democracia socialista estará restabelecida na União Soviética, quando os sovietes tomarem novamente o lugar que Lênin lhes tinha atribuído.
A Rússia não foi o único país economicamente atrasado que fez uma revolução socialista. China e Cuba são outros dois exemplos que marcaram época. Mas embora aos dois países se impõe igualmente o sacrifício de uma acumulação primitiva — obra que nem a burguesia chinesa, nem a cubana realizaram — a situação não foi tão crítica como havia sido a da União Soviética entre as guerras.
Em primeiro lugar, a experiência soviética foi uma lição. Tanto a China como Cuba estavam em condições de evitar os erros e sacrifícios supérfluos do passado. Em segundo lugar, as revoluções proletárias não estavam mais isoladas, desfrutando apesar de todas as divergências — de apoio mútuo, senão de ajuda direta. Em terceiro lugar, não estavam perante a dificuldade que a Rússia enfrentou de precisar se defender sozinha contra o mundo capitalista armado.
A degenerescência burocrática da Ditadura do Proletariado na União Soviética foi o resultado de uma situação objetiva criada pelo fato do proletariado dos países europeus industrializados não ter seguido o exemplo de seus irmãos russos. O fenômeno não podia ser superado enquanto a revolução russa continuasse isolada. O único meio de vencer o stalinismo — que na União Soviética estava realizando uma acumulação socialista com recursos precários — era a expansão da revolução mundial. O que os comunistas consequentes combateram no stalinismo eram suas repercussões no movimento operário internacional. Combateram principalmente dois fenômenos:
Esta lição tem que ser aprendida pelos comunistas de todo o mundo. O comunismo só pode vencer definitivamente em escala mundial. E, na medida em que as revoluções proletárias progridem, as concepções de Marx e Lênin sobre a democracia socialista a o definhamento do Estado encontrarão a sua confirmação.(1)
Notas de rodapé:
(1) Vide na Nota 1 (Aula 1) considerações sobre a derrota do campo socialista e uma bibliografia básica sobre as contradições da construção socialista na URSS e a derrota da primeira experiência socialista de longo alcance. (retornar ao texto)
Inclusão | 14/08/2019 |