Primeira publicação: “Rabótchi Put” (“O Caminho Operário”), n.os 27, 28 e 30. 4, 5 e 7 de outubro de 1917. Assinado: K. Stálin.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 332-350.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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Recentemente Búrtsev escreveu no jornal Óbchtcheie Dielo que “não houve nenhum complô de Kornílov”, mas “houve somente um acordo” entre Kornílov e o governo de Kerenski para eliminar os bolcheviques e os soviets, com o fim de instaurar a ditadura militar. Em abono do seu ponto de vista, Búrtsev publica no n.° 6 do Óbchtcheie Dielo uma “nota explicativa” de Kornílov, constituída por uma série de documentos que historiam o complô. O objetivo imediato de todas essas iniciativas de Búrtsev é criar uma atmosfera favorável a Kornílov e tornar impossível o processo contra ele.
Estamos longe de considerar exaustivos os materiais aduzidos por Kornílov. Ele se desculpa da acusação de traição e, além disso, não faz menção, por exemplo, de algumas personagens e de algumas organizações implicadas no complô e, antes de mais nada, de alguns adidos das embaixadas acreditadas junto ao quartel-general que, segundo as declarações das testemunhas, desempenharam uma função absolutamente nada secundária. Deve-se além disso ressaltar que a “nota explicativa” de Kornílov passou pela revisão do espião Búrtsev, que omitiu algumas passagens da “nota” talvez muito importantes. Isso não obstante, a “nota” tem sempre um grande valor como documento. Enquanto não forem contrapostas a ela declarações testemunhais do mesmo valor, considerá-la-emos como um documento verdadeiro e justo.
Julgamos por isso necessário informar o leitor a respeito desse documento.
Quem são os conselheiros e os inspiradores de Kornílov aos quais antes de mais nada ele confiou seus planos conspirativos?
“Desejaria — diz Kornílov — que para discutir a questão relativa à situação do país e às medidas indispensáveis para salvá-lo, juntamente com o exército, de um desastre definitivo, fossem convidados M. Rodzianko, o príncipe G. Lvov, e P. Miliukov aos quais se solicitou por telegrama que se dirigissem ao quartel-general o mais tardar em 29 de agosto.”
Esses são os conselheiros principais, conforme declara o próprio Kornílov.
Mas não é tudo. Além dos conselheiros e dos inspiradores houve também os principais colaboradores nos quais Kornílov confiava, com os quais contava e juntamente com os quais preparava-se para traduzir em ato seu complô.
Escutai:
“Foi esboçado o projeto de um ‘conselho de defesa nacional’, do qual teriam participado o comandante supremo na qualidade de presidente; Kerenski como ministro e vice-presidente; Sávinkov, o general Alexéev, o almirante Koltchak e Filonenko. Esse conselho de defesa devia pôr em prática uma ditadura em base colegiada uma vez que fora julgado inoportuno instaurar uma ditadura pessoal. Para os outros cargos ministeriais eram designados os senhores Takhtamichev, Tretiakov, Pokrovski, Ignátiev, Áladin, Plekhánov, Lvov, e Zavoiko.”
Essa é a alegre companhia dos ilustres conspiradores que inspiravam Kornílov e eram por ele inspirados, faziam complô com Kornílov nas costas do povo e o aplaudiam na Conferência de Moscou. Miliukov, líder do partido da liberdade do povo; Rodzianko, chefe do conselho das personalidades públicas; Tretiakov, líder dos industriais; Kerenski, líder dos social-revolucionários defensistas; Plekhánov, mestre dos mencheviques defensistas; Áladin, agente de uma firma londrina desconhecida: eis as esperanças e os esteios da camarilha de Kornílov, a alma e o cérebro da contrarrevolução.
Esperamos que a história não se esqueça deles e que os contemporâneos os recompensem como merecem.
Seus objetivos são “simples e claros”: “aumento da combatividade do exército” e “limpeza da retaguarda” para “salvar a Rússia”.
Para aumentar a combatividade do exército “eu indicava”, diz Kornílov:
“a necessidade do restabelecimento imediato da lei sobre a pena de morte no teatro das operações militares.”
Para limpar a retaguarda “eu indicava” continua Kornílov:
“a necessidade de estender ao interior do país a lei sobre a pena de morte e sobre os tribunais militares revolucionários, partindo da consideração de que nenhuma medida para restaurar a combatividade do exército daria os efeitos desejados enquanto o exército continuasse a receber da retaguarda, para completar suas fileiras, bandos de elementos indisciplinados, sem adestramento, que caíram sob a influência dos propagandistas.”
Mas não basta. Segundo Kornílov “para atingir os objetivos da guerra”… é necessário ter dois exércitos: “o dos soldados nas trincheiras e o dos operários e dos ferroviários” no interior. Em outros termos: “é necessário” estender a “disciplina” militar, com todas as suas consequências, às fábricas que trabalham para a defesa e às ferrovias, isto é, “torna-se necessário” militarizá-las.
Portanto, pena de morte na frente, pena de morte no interior, militarização das fábricas e das ferrovias, transformação do país em um campo “militar” e, como coroamento de tudo isso, ditadura militar sob a presidência de Kornílov. Eis, ao que parece, quais são os objetivos que perseguia o grupo dos conspiradores.
Esses objetivos haviam sido expostos em um “relatório” especial que se tornara famoso ainda antes da Conferência de Moscou. Esses objetivos são expostos nos telegramas e na “nota” de Kornílov como “reivindicações de Kornílov”.
Conhecia o governo Kerenski essas “reivindicações”?
Indubitavelmente que sim.
O governo de Kerenski estava de acordo com Kornílov?
Evidentemente que sim.
“Assinado o relatório comum sobre as medidas a serem tomadas para a limpeza do exército e da retaguarda, já subscrito pelos senhores Sávinkov e Filonenko — diz Kornílov — eu o submeti a uma reunião restrita do governo provisório de que participaram os senhores Kerenski, Nekrássov e Terechtchenko. Examinado o relatório, foi-me declarado que o governo estava de acordo com todas as medidas por mim propostas, e que a questão a decidir era unicamente a do ritmo prescrito, dentro do qual as providências governamentais deviam ‘ser tomadas’”.
As mesmas coisas diz Sávinkov declarando, em 24 de agosto, a Kornílov que “vossas reivindicações serão satisfeitas pelo governo provisório nos próximos dias.”
Conhecia o partido da liberdade do povo os propósitos de Kornílov?
Indubitavelmente que sim.
Estava de acordo esse partido com Kornílov?
Evidentemente que sim.
De fato o jornal Riétch, órgão central do partido da liberdade do povo, declarou abertamente “compartilhar completamente dos ideais do general Kornílov.”
Nosso Partido tinha razão ao sustentar que o partido da liberdade do povo é o partido da ditadura burguesa.
Nosso partido tinha razão ao sustentar que o governo de Kerenski é o biombo atrás do qual se esconde essa ditadura.
Agora que os kornilovistas refizeram-se do primeiro golpe, os conspiradores que estão no governo recomeçaram a falar de “aumento da combatividade no exército”, de “limpeza da retaguarda”.
Os operários e os soldados devem lembrar-se de que o “aumento da combatividade no exército” e “a limpeza da retaguarda” significam a pena de morte na retaguarda e na frente.
Seu caminho é igualmente “simples e claro” como seus objetivos. Trata-se de extirpar o bolchevismo, de suprimir os soviets, de isolar Petrogrado mediante a constituição de uma governadoria militar especial, de desarmar Kronstadt. Em uma palavra: de aniquilar a revolução. Para fazer isso era necessário o terceiro corpo da cavalaria. Para fazer isso era necessária a divisão selvagem.
Eis o que diz Sávinkov após haver examinado juntamente com Kornílov a questão da delimitação territorial da governadoria militar de Petrogrado. dirigindo-se a Kornílov:
“Assim, Lavr Gueorguiévitch, vossas reivindicações serão satisfeitas pelo governo provisório nos próximos dias; mas a esse respeito o governo teme que em Petrogrado possam surgir sérias complicações. Sabeis sem dúvida que, aproximadamente lá por 28 ou 29 de agosto, aguarda-se um sério movimento dos bolcheviques em Petrogrado. A publicação das vossas reivindicações, postas em prática através do governo provisório, impelirá certamente os bolcheviques à ação. Embora tendo à disposição tropas suficientes, não podemos contar plenamente com elas. Tanto mais que ainda não se sabe qual será a atitude do Soviet dos Deputados Operários e Soldados com relação à nova lei. O Soviet pode também pronunciar-se contra o governo e, nesse caso, não podemos contar com as nossas tropas. Por isso peço-vos providenciar a fim de que o terceiro corpo de cavalaria seja concentrado em fins de agosto nos arredores de Petrogrado e seja colocado à disposição do governo provisório. No caso de entrarem em ação além dos bolcheviques também os membros do Soviet dos Deputados Operários e Soldados, devemos agir também contra eles."
Além disso, Sávinkov disse que as operações deviam ser resolutas e desapiedadas ao máximo. O general Kornílov respondeu que ele “não concebia operações diferentes Uma eventual ação dos bolcheviques e do Soviet dos Deputados Operários e Soldados seria esmagada com todas as forças.”
Para pôr devidamente em prática essas medidas, Kornílov havia confiado ao general Krimov, comandante do terceiro corpo de cavalaria e da divisão indígena,(1) “duas tarefas”:
“1.°) — No caso de se receberem de mim (de Kornílov), ou diretamente no local, notícias relativas ao início da ação dos bolcheviques, marchar imediatamente com todo o corpo sobre Petrogrado, tomar a cidade, desarmar os destacamentos da guarnição de Petrogrado que se unirem ao movimento dos bolcheviques, desarmar a população e suprimir os soviets.
2.°) — Uma vez levada a termo essa operação, o general Krimov deve destacar para Oranienbaum uma brigada com a respectiva artilharia e chegando lá intimar a guarnição de Kronstadt a desarmar a fortaleza e passar para o continente.
O consentimento do presidente do conselho dos ministros quanto ao desarmamento da fortaleza de Kronstadt e à evacuação de sua guarnição foi dado a 8 de agosto e o relatório feito a respeito pelo comando-geral da marinha foi apresentado, com a resolução do presidente do conselho e uma carta do almirante Maxímov, ao chefe do estado-maior junto ao comandante supremo.”
Esse é o caminho que desejava seguir a alegre companhia dos conspiradores, contra a revolução e as suas conquistas.
O governo de Kerenski não só conhecia todo esse plano infernal, como havia tomado parte ele próprio na elaboração e propunha-se a pô-lo em prática juntamente com Kornílov.
Sávinkov, que então dirigia ainda o Ministério da Guerra, admite-o abertamente e a sua declaração, que todos conhecem, não foi ainda desmentida por ninguém.
Eis a sua declaração:
“Julgo de meu dever declarar, com o fim de restabelecer a exatidão histórica, que eu, por incumbência do presidente do conselho dos ministros, pedi a vós (a Kornílov) o corpo de cavalaria para assegurar a adoção, na prática, do estado de sítio em Petrogrado e para esmagar qualquer tentativa de rebelião contra o governo provisório, de qualquer parte que proviesse...”
É claro, ao que parece.
O partido cadete conhecia o plano de Kornílov?
Indubitavelmente que sim.
De fato o jornal Riétch, órgão central desse partido, na véspera da revolta de Kornílov espalhou, a não mais poder, boatos provocatórios sobre a “insurreição dos bolcheviques”, desimpedindo com isso mesmo o caminho para a irrupção de Kornílov em Petrogrado e em Kronstadt,
De fato o senhor Maklákov, representante do partido cadete, participou “pessoalmente”, como se depreende da “nota” de Kornílov, de todas as negociações verificadas entre Sávinkov e Kornílov acerca dos planos da irrupção em Petrogrado. Ao que nos conste, Maklákov não ocupava então nenhum cargo oficial no governo provisório ou junto a este. Em que qualidade pôde ele portanto participar dessas conversações, senão como representante do seu partido?
Esses são os fatos.
Nosso Partido tinha razão ao afirmar que o governo de Kerenski é o governo da contrarrevolução burguesa que se apoia na camarilha de Kornílov e que se distingue desta última somente por uma certa “indecisão”.
Nosso Partido tinha razão ao sustentar que os fios ideológicos e políticos da contrarrevolução convergem para o Comitê Central do partido cadete.
Se o plano contrarrevolucionário dos conspiradores de Petrogrado e de Moguilev fracassou, não se deve inculpar Kerenski e Kornílov ou Maklákov e Sávinkov, mas precisamente aqueles soviets que eles se preparavam para “suprimir”, mas contra os quais não tiveram forças para resistir.
Agora que os kornilovistas refizeram-se e com o auxílio dos conciliadores insinuaram-se no poder, a questão da luta contra os soviets é colocada de novo na ordem do dia. Os operários e os soldados devem lembrar-se de que se não apoiarem os soviets em sua luta contra o governo dos kornilovistas, arriscar-se-ão a cair sob o tacão de ferro da ditadura militar.
Que é a “ditadura em base colegiada”, que haviam combinado instaurar, contra a revolução, os conspiradores Kornílov e Miliukov, Áladin e Filonenko, Kerenski e o príncipe Lvov, Rodzianko e Sávinkov? Que roupagem política desejavam dar a essa ditadura?
Que instituições políticas julgavam eles indispensáveis para instaurar e organizar a “ditadura em base colegiada”?
Demos a palavra aos documentos.
"O general Kornílov perguntou a Filonenko se não julgava que a única saída da grave situação que se havia criado poderia ser a proclamação da ditadura militar.
Filonenko respondeu que, se se pensava em um ditador, ele podia concretamente imaginá-lo só na pessoa do general Kornílov. Contra a ditadura pessoal Filonenko objetou: o próprio general Kornílov não possui um conhecimento suficiente da situação política e por isso com sua ditadura pessoal reinaria aquilo que se chama comumente de camarilha. Os círculos democráticos e os republicanos deverão opor-se a isso e por conseguinte serão contrários à ditadura pessoal.
General Kornílov: Que fazer, então, se o governo não toma nenhuma providência?
Filonenko: Pode-se achar uma saída formando um diretório. É necessário formar um gabinete militar composto de membros do governo, para o qual devem entrar homens dotados de excepcional força de vontade, e desse gabinete, que pode ser chamado de “conselho de defesa nacional” ou de qualquer outra maneira — o nome não tem importância — deveriam infalivelmente participar Kerenski, o general Kornílov e Sávinkov. Esse gabinete restrito deve propor-se como tarefa imediata a defesa do país. Dessa forma o projeto de diretório deve ser aprovado pelo governo.
Kornílov: Tendes razão. É necessário o diretório e o mais breve possível...” (“Nóvoie Vrêmia”).
E mais ainda:
“Foi esboçado o projeto do ‘conselho de defesa nacional’, do qual participaram o comandante supremo na qualidade de presidente, A. F. Kerenski como vice-primeiro ministro, o senhor Sávinkov, o general Alexéev, o almirante Koltchak e o senhor Filonenko.
Esse conselho de defesa devia pôr em prática a ditadura em base colegiada, uma vez que fora julgado inoportuno instaurar a ditadura pessoal” (‘Óbchtcheie Dielo’).
Portanto, o diretório era a forma política que devia revestir a “ditadura em base colegiada” de Kornílov—Kerenski.
Agora todos vêem claramente que criando o diretório após o fracasso da “rebelião” de Kornílov, Kerenski pôs em prática por outros meios a própria ditadura de Kornílov.
Agora todos vêem claramente que o decrépito Comitê Executivo Central, pronunciando-se em sua conhecida sessão noturna a favor do diretório de Kerenski, votou no plano contrarrevolucionário do general Kornílov.
Agora todos vêem claramente que os sabichões do Dielo Naroda, defendendo furiosamente o diretório de Kerenski, sem o perceberem traíram a revolução, para gáudio e conforto dos kornilovistas declarados e dos disfarçados.
Nosso Partido tinha razão ao afirmar que o diretório é uma forma mascarada de ditadura da contrarrevolução.
Mas unicamente com o diretório “não se vai longe”.
Os artífices da contrarrevolução não podiam deixar de compreender que é impossível “governar” um país, que saboreou os frutos da democracia, somente mediante o diretório, sem uma máscara “democrática” qualquer. Está bem a “ditadura em base colegiada” na forma de um diretório! Mas por que torná-la evidente aos olhos de todos? Não é melhor mascará-la com um “Antiparlamento” qualquer? Que viva e tagarele o “Antiparlamento democrático”, contanto que o aparelho do Estado se encontre nas mãos do diretório! É sabido que o senhor Zavoiko, advogado de Kornílov, o senhor Áladin, agente de uma desconhecida firma de Londres, e o “próprio” Kornílov, amigo de Miliukov, foram os primeiros a propor o projeto do “Antiparlamento”, considerado como ponto de apoio e como anteparo do diretório, que seria “responsável” (não riam!) perante esse “Antiparlamento”.
Cedamos a palavra ao documento:
“O general Kornílov e os que o cercavam, insistindo no sentido de que se criasse um diretório, não o concebiam privado de responsabilidade perante o país.
M. M. Filonenko é um dos partidários mais convictos do projeto do órgão representativo proposto por Áladin, perante o qual, antes da convocação da Assembleia Constituinte, o governo deve ser incondicionalmente responsável.
Segundo a ideia de Áladin, para esse órgão representativo deviam entrar a IV Duma de Estado (sem a ala direita e com a exclusão de todos os seus membros inativos), os elementos de esquerda das três primeiras Dumas, uma delegação do Comitê Executivo Central dos Soviets dos Deputados Operários e Soldados (sem limitações para a representação dos partidos) e de dez a vinte dentre os expoentes revolucionários mais em destaque, como Brechko-Brechkóvskaia, Kropótkin, Figner e outros, que o próprio órgão representativo cooptaria. Foi assim que a ideia do “Antiparlamento” nasceu pela primeira vez na mente de A. F. Áladin” (“Nóvoie Vrêmia”).
Portanto, o “Antiparlamento” era o “órgão representativo” que devia constituir o ponto de apoio “democrático” para a “ditadura de forma colegiada” de Kornílov—Kerenski.
O Antiparlamento” como órgão perante o qual o governo “é responsável” “até à convocação” da Assembleia Constituinte; o “Antiparlamento” que substitui a Assembleia Constituinte até à convocação desta última; o “Antiparlamento” que substitui a Assembleia Constituinte se a convocação desta última for adiada; o “Antiparlamento” que dá um fundamento jurídico (alegrai-vos, juristas!) ao adiamento da convocação da Assembleia Constituinte; o “Antiparlamento” como instrumento para eliminar a Assembleia Constituinte: aqui está todo o significado do “sistema democrático” contrarrevolucionário dos que conspiram contra a revolução.
Agora todos vêem claramente que “sancionando” o “Antiparlamento” kornilovista, a ser convocado dentro de dois dias, Kerenski não faz senão pôr em prática por outros meios o mesmo plano contrarrevolucionário dos que conspiram contra a revolução.
Agora todos vêem claramente que, organizando o “Antiparlamento” e executando para esse fim uma série de embrulhadas, os Avkséntiev e os Dan trabalharam para os kornilovistas declarados e para os disfarçados, contra a revolução e as suas conquistas.
Agora é claro para todos que, gritando que se quer a Assembleia Constituinte e consolidando ao mesmo tempo o “Antiparlamento” dos kornilovistas, os sabichões do Dielo Naroda trabalham para sabotar a Assembleia Constituinte.
Os “responsáveis” tagarelas da “Conferência Democrática”, os Tsereteli e os Tchernov, os Avkséntiev e os Dan não passam afinal de meros discípulos de Kornílov.
Dos documentos examinados acima resulta que, no que se refere ao “caso Kornílov”, não nos encontramos diante de uma “revolta” contra o governo provisório, nem de uma simples “aventura” de um general ambicioso, mas em face de um verdadeiro complô contra a revolução, complô bem organizado e seriamente estudado.
Organizadores e inspiradores do complô são os generais contrarrevolucionários, os representantes do partido cadete, os representantes das “personalidades públicas” moscovitas, os membros mais “devotados” do governo provisório e, não últimos quanto à importância, certos representantes de algumas embaixadas (sobre estes a “nota” de Kornílov silencia).
Isto é, todos os que na Conferência de Moscou acolheram com “entusiasmo” Kornílov como “líder reconhecido da Rússia”.
O “complô de Kornílov” é o complô da burguesia imperialista contra as classes revolucionárias da Rússia, contra o proletariado e o campesinato.
O objetivo do complô era o esmagamento da revolução e a instauração da ditadura da burguesia imperialista.
Entre os conspiradores existiam dissensões, mas eram dissensões quantitativas, de escasso relevo. Essas dissensões versavam sobre o “ritmo dentro do qual o governo deve tomar as providências”: Kerenski desejava agir com prudência e circunspeção, ao passo que Kornílov “puxava diretamente para a frente”. Mas no essencial estavam todos de acordo: instaurar a ditadura da burguesia imperialista, sob a forma da “ditadura em base colegiada” do diretório, mascarada por um Antiparlamento “democrático” para enganar os ingênuos.
Que elementos caracterizam a ditadura da burguesia imperialista?
Antes de mais nada o fato de que essa ditadura é o domínio da minoria belicista e exploradora sobre a maioria trabalhadora e sedenta de paz. Releia-se a “nota” de Kornílov, dê-se de novo uma vista d’olhos nas “negociações” com os membros do governo: fala-se em medidas no sentido de esmagar a revolução, fala-se nos métodos para consolidar o regime burguês e continuar a guerra imperialista, mas não há uma palavra sobre os camponeses que reivindicam a terra, sobre os operários que pedem pão, sobre a maioria dos cidadãos que estão sedentos de paz. Pelo contrário, toda a “nota” funda-se no pressuposto de que é necessário manter as massas em um torniquete de ferro e que as rédeas do governo devem estar nas mãos de um punhado de ditadores.
Em segundo lugar, o fato de que a ditadura da burguesia imperialista é uma ditadura atrás dos bastidores, secreta, mascarada, que conta com a ilusão das massas. Lede a “nota” e compreendereis com quanto zelo os senhores conspiradores esforçam-se por esconder seus planos reacionários e suas maquinações por trás dos bastidores, não somente das massas, como também dos próprios colegas e “amigos” de partido. O projeto do Antiparlamento “democrático” foi manipulado para enganar as massas. De fato, de que democracia se pode falar quando é aplicada a pena de morte no interior e na frente? A “república russa” era conservada para enganar as massas, visto como de que república se pode falar quando todo o poder está nas mãos de um grupelho de cinco ditadores?
Enfim, o fato de que a ditadura da burguesia imperialista é uma ditadura que se apoia na violência exercida contra as massas. Essa ditadura não tem e não pode ter nenhuma outra base “segura”, além da violência sistemática exercida contra as massas. O arsenal dessa ditadura é constituído pela pena de morte no interior e na frente, pela militarização das fábricas e das ferrovias, pelos tiroteios. A mistificação “democrática” corroborada pela violência; a violência mascarada pela mistificação “democrática”: aqui está todo o alfa e o ômega da ditadura da burguesia imperialista.
Os conspiradores queriam instaurar na Rússia precisamente essa ditadura.
Estamos longe de ver a causa do complô nas mas intenções de indivíduos isolados. Estamos também longe de explicar o complô pela sede de poder dos seus promotores.
As causas do complô contrarrevolucionário são profundas. É preciso procurá-las nas condições da guerra imperialista. É preciso procurá-las nas exigências dessa guerra. Na política da ofensiva na frente, que o governo provisório adotou no mês de junho, é preciso buscar a base sobre a qual foi preparado o complô dos contrarrevolucionários. Por toda a parte, em todos os Estados beligerantes, a política da ofensiva desenvolvida na atmosfera da guerra imperialista tornou necessário suprimir as liberdades, instaurar o estado de sítio, estabelecer uma “disciplina de ferro”, uma vez que quando existe o máximo de liberdade é inconcebível que as massas possam ser impunemente lançadas no massacre empreendido pelos saqueadores mundiais. Sob esse aspecto a Rússia não podia constituir uma exceção.
Sob a pressão das camarilhas imperialistas patrícias e aliadas, no mês de junho proclama-se que é de desejar o desencadeamento da ofensiva na frente. Os soldados recusam-se a fazê-lo sem antes discutir o assunto. Começa a dissolução dos regimentos. Essa medida demonstra-se ineficaz. Em vista disso, declara-se que o exército “não tem capacidade combativa”. Kornílov (e não só Kornílov!), com o fim de “aumentar a capacidade combativa do exército, pede a introdução, por lei, da pena de morte na frente e, como providência preliminar, veta os comícios e as assembleias dos soldados. No interior os soldados e os operários protestam contra essas medidas, encorajando a rebelião dos soldados na frente. Como única resposta, os generais que se encontram na frente pedem, com o apoio da burguesia, a extensão da pena de morte ao interior, a militarização das fábricas e das ferrovias. O projeto de ditadura e o complô não constituem senão e desenvolvimento lógico dessas medidas. Essa é a história sumária do ‘restabelecimento da disciplina de ferro’ e do desenvolvimento da contrarrevolução exposta pitorescamente na ‘nota’ de Kornílov. A contrarrevolução veio da frente, surgiu no terreno das exigências da ofensiva, nas condições da guerra imperialista. O complô tinha por objetivo organizar a contrarrevolução já existente, torná-la eficiente estendendo-a a toda a Rússia.
Os bonzos da Duma tzarista de 3 de junho sabiam o que faziam quando exigiam, desde princípios de junho o início “imediato” da ofensiva, em estreita conjunção com os aliados. Os experimentados agentes da contrarrevolução sabiam que a política da ofensiva traria inevitavelmente consigo a contrarrevolução.
Nosso Partido tinha razão ao admoestar então, na sua declaração ao Congresso dos Soviets, que a ofensiva na frente ameaçava de perigo mortal a revolução.
Os líderes defensistas, rejeitando a declaração do nosso Partido, demonstraram uma vez mais sua imaturidade política e sua sujeição ideológica à burguesia imperialista.
Qual é a conclusão?
A conclusão é uma só. O complô que examinamos é a continuação da contrarrevolução, surgida das exigências da guerra imperialista e da política da ofensiva. Enquanto essa guerra e essa política continuarem, existirá também o perigo dos complôs contrarrevolucionários. Para defender a revolução desse perigo é preciso fazer cessar a guerra imperialista, é preciso eliminar a possibilidade de levar adiante a política da ofensiva, é preciso conquistar uma paz democrática.
Kornílov e os seus “cúmplices” foram presos. A comissão de inquérito organizada pelo governo desenvolve seus trabalhos “com urgência”. O governo provisório desempenha o papel de juiz supremo. A Kornílov e aos seus “cúmplices” é confiado o papel de “rebeldes”. Aos do Riétch e do Nóvoie Vrémia é confiado o de defensores de Kornílov. “O processo será interessante”, dizem os caçadores de novidades. “O processo fornecerá muitas revelações importantes”, sentencia o Dielo Naroda.
Contra quem era dirigida a revolta? Indubitavelmente contra a revolução! Onde está a revolução? Indubitavelmente no governo provisório uma vez que a revolta era dirigida contra o governo provisório. Quais são as pessoas que representam essa revolução? O “eterno” Kerenski, os representantes do partido cadete, os representantes das “personalidades públicas” moscovitas e um certo sir que está atrás das costas daqueles gentlemen. Primeira voz: “Mas entre eles falta Kornílov?” Segunda voz: “Eis que entra aqui Kornílov! Mandaram que se sentasse no banco dos réus”…
Mas abaixemos o pano. Kornílov efetivamente organizou o complô contra a revolução. Mas ele não estava só. Tinha inspiradores nas pessoas de Miliukov e Rodzianko, Lvov, e Maklákov, Filonenko e Nabókov. Tinha colaboradores nas pessoas de Kerenski e Sávinkov, Alexéev e Kalédin. Será talvez uma invenção que esses e outros gentlemen semelhantes circulam tranquilamente em liberdade, e não somente encontram-se em liberdade, como até “governam” o país segundo os princípios do “próprio” Kornílov? Enfim Kornílov gozava do apoio da burguesia imperialista russa e anglo-francesa, em defesa de cujos interesses agora todos esses colaboradores de Kornílov “governam” o país. Não será talvez evidente que o processo movido só a Kornílov é uma mísera e ridícula comédia? Por outro lado, como mover processo à burguesia imperialista, principal responsável pelo complô contra a revolução? Decidi, sábios burocratas do Ministério da Justiça!
Mas evidentemente não é do processo-farsa que se trata. O fato é que após a ação de Kornílov, após as prisões clamorosas e o “severo” inquérito, o poder “achou-se” do novo inteira e definitivamente nas mãos das dos kornilovistas. O que Kornílov queria obter pela força das armas, é realizado gradativa mas infalivelmente pelos kornilovistas que estão no poder, se bem que empregando meios diferentes. Puseram até em prática o “Antiparlamento” de Kornílov.
O fato é que após a feliz “liquidação” do complô contra a revolução, “encontramo-nos” de novo ao sabor do estado-maior dos conspiradores, dos mesmos Kerenski e Terechtchenko, dos mesmos representantes do partido cadete e das “personalidades públicas”, dos mesmos sirs e generais semelhantes a eles. Falta Kornílov. Mas em que Sir Alexéev é pior que Kornílov? Sem ele não se efetua nenhum importante negócio de Estado e ele, ao que parece, apresta-se para representar na Conferência da Entente não se sabe bem se a Rússia ou a Inglaterra.
O fato é que não se pode suportar mais esse “governo” de conspiradores.
O fato é que não se pode ter confiança nesse “governo” de conspiradores sem se arriscar a submeter a revolução ao perigo mortal de novos complôs.
Sim, é necessário mover processo aos conspiradores contrarrevolucionários. Mas não um falso processo-farsa, e sim um verdadeiro processo popular. Esse processo significa: privar do poder a burguesia imperialista, em cujo interesse age o atual “governo” de conspiradores. Significa depurar radicalmente o poder dos elementos kornilovistas, de alto a baixo.
Dissemos anteriormente que sem o fim da guerra imperialista e a conquista de uma paz democrática é impossível defender a revolução dos complôs da contrarrevolução. Mas enquanto o atual “governo” estiver no poder não podemos sequer sonhar com uma paz democrática. Para obter essa paz é preciso “derrubar” esse poder e “instaurar” um novo.
Para fazer isso é preciso que o poder passe às mãos de novas classes revolucionárias, às mãos do proletariado e do campesinato revolucionário. Para fazer isso é necessário concentrar o poder nas mãos das organizações revolucionárias de massa, nas mãos dos Soviets dos Deputados Operários, Soldados e Camponeses.
Somente essas classes e essas organizações salvaram a revolução do complô de Kornílov. Somente elas também assegurarão a vitória da revolução.
Justamente nisso consistirá o processo movido à burguesia imperialista e aos seus agentes, os conspiradores.
Primeira questão. Há algumas semanas, quando as escandalosas revelações sobre o complô tramado pelo poder (não por Kornílov, mas pelo poder!) contra a revolução foram publicadas pela primeira vez na imprensa, a fração bolchevique apresentou uma interpelação ao Comitê Executivo Central, dirigida a Avkséntiev e Skóbelev, ex-membros do governo provisório no período da “epopeia de Kornílov”. A interpelação referia-se às declarações que, por obrigação de honra e por dever para com a democracia, deviam ser feitas por Avkséntiev e Skóbelev sobre as revelações que acusavam o governo provisório. A interpelação da nossa fração foi aprovada naquele mesmo dia pelo bureau do Comitê Executivo Central e tornou-se assim a interpelação de “toda a democracia revolucionária”. Desde então passou-se um mês: chovem as revelações e umas são mais escandalosas que as outras, mas Avkséntiev e Skóbelev — como se tivessem perdido a fala — continuam calados, como se isso não lhes dissesse respeito. Não acham os leitores que é tempo de esses cidadãos “responsáveis” se recordarem das regras elementares de puro corretismo e responderem finalmente à interpelação dirigida a eles por “toda a democracia revolucionária”?
Segunda questão. Justamente no apogeu das novas revelações sobre o governo de Kerenski, o Dielo Naroda convidou os leitores a “suportarem” esse governo, a “aguardarem” até à Assembleia Constituinte. Por certo é divertido ouvir agora discursos sobre a “ tolerância” proferidos por indivíduos que constituíram com suas mãos esse governo para “salvar o país”. Será possível que eles tenham constituído esse governo somente para “tolerá-lo” contra a vontade e “por pouco tempo”?… Porém, que significa “tolerar” o governo de Kerenski?
Significa colocar os destinos de muitos milhões de cidadãos nas mãos dos que conspiraram contra a revolução. Significa colocar os destinos da guerra e da paz nas mãos dos agentes da burguesia imperialista. Significa colocar os destinos da Assembleia Constituinte nas mãos de contrarrevolucionários que estão sempre à espreita. Como chamar de “socialista” um partido que une seu destino político ao destino do “governo” daqueles que conspiraram contra a revolução? Fala-se na “ingenuidade” dos líderes do partido social-revolucionário. Fala-se na “miopia” do Dielo Naroda. Não há dúvida de que os líderes “responsáveis” do partido social-revolucionário não sofrem da falta dessas “virtudes”. Mas... não acham os leitores que a ingenuidade em política é um delito que confina com a traição?
Notas de fim de tomo:
(1) Divisão formada por habitantes das aldeias das montanhas do Cáucaso. Pouco em contato com os grandes centros, essas populações eram mais atrasadas e os soldados recrutados entre elas eram dóceis instrumentos nas mãos da contrarrevolução. (retornar ao texto)