A segunda onda

J. V. Stálin

9 de setembro de 1917


Primeira publicação: “Rabótchi Put” (“O Caminho Operário”), n. 9 de setembro de 1917. Assinado: K. St.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 277-282.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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A primeira onda da revolução russa começou sob a divisa da luta contra o tzarismo. Os operários e os soldados atuavam então como forças fundamentais da revolução. Mas não eram as únicas forças existentes. Ao lado deles “atuavam” também os burgueses liberais (cadetes) e os capitalistas anglo-franceses: os primeiros haviam se desligado do tzarismo por sua incapacidade para abrir o caminho até Constantinopla, os segundos haviam traído o tzarismo porque este último aspirava a concluir uma paz em separado com a Alemanha.

Formara-se assim uma espécie de coalizão secreta, sob cuja pressão o tzarismo devia desaparecer da cena. Mas logo após a queda do tzarismo essa coalizão tornou-se aberta, tomando a forma de um acordo preciso entre o governo provisório e o Soviet de Petrogrado, entre os cadetes e a “democracia revolucionária”.

Mas essas forças perseguiam objetivos completamente diferentes. Ao passo que os cadetes e os capitalistas anglo-franceses queriam fazer somente uma pequena revolução para explorar o entusiasmo revolucionário das massas em benefício da grande guerra imperialista, os operários e os soldados visavam pelo contrário a uma transformação radical do velho regime e à vitória completa da grande revolução de maneira a conseguir o fim da guerra e assegurar uma paz justa, após haverem batido os latifundiários e haverem esmagado a burguesia imperialista.

Essa profunda contradição esteve na base do desenvolvimento sucessivo da revolução. Esta contradição predeterminou a instabilidade da coalizão com os cadetes.

Todas as chamadas crises do poder, até à última de agosto, refletem essa contradição.

E se no decurso dessas crises o êxito sorri sempre para a burguesia imperialista, se após a “solução” de todas as crises os operários e os soldados permanecem enganados e a coalizão, dessa ou daquela forma, fica sempre de pé, isso se explica não só pela alta organização e potência financeira da burguesia imperialista, como pelo fato de que as vacilantes camadas superiores da pequena burguesia e os seus partidos social-revolucionário e menchevique — que ainda têm numerosos adeptos entre as amplas massas da pequena burguesia, num país geralmente pequeno-burguês como o nosso — enfileiraram-se sempre “do outro lado da barricada”, decidindo a luta pelo poder a favor dos cadetes.

A coalizão com os cadetes atingiu a máxima solidez durante as jornadas de julho, quando os membros da coalizão agiram numa frente única de luta, voltando suas armas contra os operários e os soldados “bolcheviques”.

A Conferência de Moscou não foi outra coisa, sob esse aspecto, senão um eco das jornadas de julho; além disso, a exclusão dos bolcheviques da Conferência estava destinada a servir de garantia indispensável para consolidar a “honesta coalizão” com as “forças vivas” do país, uma vez que o isolamento dos bolcheviques era considerado como condição indispensável a uma coalizão estável com os cadetes.

Essa era a situação existente antes da revolta de Kornílov.

Com a revolta de Kornílov o quadro modificou-se.

Desde a Conferência de Moscou era claro que a aliança com os cadetes ameaçava transformar-se em uma aliança com os Kornílov e com os Kalédin, dirigida não só contra… os bolcheviques, como também contra toda a revolução russa, contra as próprias conquistas da revolução. O boicote da Conferência de Moscou e a greve de protesto levada a efeito pelos operários moscovitas, que desmascararam a camarilha contrarrevolucionária e transtornaram os planos dos conspiradores, serviram então não só como advertência a respeito, mas tiveram a significação de um apelo no sentido de se manterem alertados. É sabido que esse apelo não foi uma voz no deserto: toda uma série de cidades respondeu imediatamente com greves de protesto...

Foi um presságio ameaçador.

A revolta de Kornílov não fez senão desafogar a ira revolucionária que se havia acumulado, não fez senão desencadear a revolução que estava para ser embridada, galvanizando-a é impelindo-a para diante.

E ali, no acesso dos choques com as forças contrarrevolucionárias, choques nos quais as palavras e as promessas provam-se no cadinho vivo da luta direta, ali se revelaram os verdadeiros amigos e os verdadeiros inimigos da revolução, os verdadeiros aliados e os verdadeiros traidores dos operários, dos camponeses e dos soldados.

O governo provisório, constituído com tanto cuidado de materiais heterogêneos, ao primeiro enfurecimento da revolta de Kornílov voou aos pedaços.

É “triste”, mas é fato que a coalizão parece uma força quando é preciso tagarelar sobre a “salvação da revolução”; e torna-se uma palhinha quando é preciso efetivamente salvar a revolução de um perigo mortal.

Os cadetes saem do governo solidarizando-se abertamente com os sequazes de Kornílov. Todos os imperialistas de todas as cores e de todos os naipes, banqueiros e fabricantes, industriais e especuladores, latifundiários e generais, os bandidos da pena do Nóvoie Vremia e os vis provocadores da Bírjovka, todos estes, guiados pelo partido cadete e aliados das camarilhas imperialistas anglo-francesas, acham-se no mesmo campo dos contrarrevolucionários, contra a revolução e contra as suas conquistas.

Torna-se claro que a aliança com os cadetes é a aliança com os latifundiários contra os camponeses, com os capitalistas contra os operários, com os generais contra os soldados.

Torna-se claro que quem se põe de acordo com Miliukov põe-se de acordo ao mesmo tempo com Kornílov e deve agir contra a revolução, uma vez que Miliukov e Kornílov “são a mesma coisa”.

A consciência confusa dessa verdade acha-se justamente na base do novo movimento revolucionário de massa, da segunda onda da revolução russa.

E se a primeira onda é coroada pela vitória da coalizão com os cadetes (Conferência de Moscou!), a segunda onda tem início com o fracasso dessa coalizão, com a guerra contra os cadetes.

Na luta movida no sentido de esmagar a contrarrevolução dos generais e dos cadetes, reanimam-se e reforçam-se os soviets e os comitês que parecia estarem para sucumbir, no interior e na frente.

Na luta movida no sentido de esmagar a contrarrevolução dos generais e dos cadetes, surgem novos comitês revolucionários dos operários e dos soldados, dos marinheiros e dos camponeses, dos ferroviários e dos empregados nos correios e telégrafos.

No fogo dessa luta formam-se novos órgãos locais do poder em Moscou e no Cáucaso, em Petrogrado e nos Urais, em Odessa e em Khárkov.

Não se trata aqui das novas resoluções dos social-revolucionários e dos mencheviques que nestes dias deslocaram-se indubitavelmente para a esquerda, o que certamente tem por si só uma importância considerável.

Não se trata sequer da “vitória do bolchevismo” que a imprensa burguesa explora, agitando-a como um espantalho para fazer chantagem com os aterrados filisteus do Dién e da Vólia Naroda.

Trata-se do fato de que na luta contra os cadetes, e apesar deles, cresce um novo poder que venceu em campo aberto os destacamentos da contrarrevolução.

A questão é que esse poder, passando da defensiva à ofensiva, choca-se inevitavelmente com os interesses vitais dos latifundiários e dos capitalistas, unindo com isso mesmo em torno de si as amplas massas dos operários e dos camponeses.

Trata-se do fato de que, agindo dessa maneira, esse poder “não reconhecido” é obrigado pela força das coisas a colocar a questão da sua “legalização”, ao passo que o poder “oficial”, revelando seu evidente parentesco com os conspiradores contrarrevolucionários, sente faltar o chão debaixo dos pés.

Trata-se enfim do fato de que diante da nova onda revolucionária que se estende impetuosamente a novas cidades e regiões, o governo de Kerenski, que ainda ontem não tinha coragem de enfrentar resolutamente a contrarrevolução de Kornílov, hoje já se une a Kornílov e aos seus sequazes no interior e na frente, “ordenando” ao mesmo tempo o aniquilamento dos focos da revolução, dos comitês “arbitrários” dos operários, dos soldados e dos camponeses.

E quanto mais sólido é o acordo entre Kerenski e os Kornílov e os Kalédin, tanto mais profundo se torna o rompimento entre o povo e o governo, tanto mais provável a ruptura entre os soviets e o governo provisório.

Esses fatos e não as resoluções de partidos isolados constituem a sentença de morte das velhas palavras de ordem dos conciliadores.

Estamos longe de superestimar a ruptura com os cadetes. Sabemos que por ora essa ruptura é ainda formal. Mas, como início, ela também constitui um importantíssimo passo à frente. É de se julgar que os próprios cadetes façam o resto. Eles já boicotam a Conferência Democrática. Os representantes do comércio e da indústria, que os astutos estrategistas do Comitê Executivo Central queriam “atrair para a sua rede”, seguiram as pegadas dos cadetes. É de se julgar que irão além, continuando a fechar as oficinas e as fábricas, recusando o crédito aos órgãos da “democracia”, agravando deliberadamente o esfacelamento e a fome. Entrementes a “democracia”, através da luta contra o esfacelamento e a fome, será inevitavelmente arrastada a combater com resolução a burguesia, aprofundando sua ruptura com os cadetes

À luz dessa perspectiva e com relação a essa situação, a Conferência Democrática convocada para 12 de setembro adquire um significado particularmente sintomático. Qual será o resultado da Conferência? “Tomará” ela o poder? Fará Kerenski “concessões”? Todas essas são questões às quais por ora é impossível responder. Talvez que os promotores da Conferência procurem encontrar alguma astuta fórmula “conciliatória”, mas certamente não é disso que se trata. As questões fundamentais da revolução, especialmente a questão do poder, não se resolvem nas conferências. Uma coisa é certa, e é que a Conferência fará o balanço dos acontecimentos dos últimos dias. Determinará a correlação de forças, revelará a diferença existente entre a primeira onda, já defluída, e a segunda onda, em ascensão, da revolução russa.

E vemos:

Durante a primeira onda, luta contra o tzarismo e contra os seus restos. Durante a segunda onda, luta contra os latifundiários e contra os capitalistas.

Então, a aliança com os cadetes. Agora, o rompimento com eles.

Então, o isolamento dos bolcheviques. Agora, o isolamento dos cadetes.

Então, a aliança com os capitalistas anglo-franceses e a guerra. Agora, o rompimento iminente com estes e a paz, a paz justa e geral.

A segunda onda da revolução percorrerá esse caminho e nenhum outro, decida o que decidir a Conferência Democrática.


Inclusão: 18/02/2024