As causas da derrota de julho na frente

J. V. Stálin

18 de agosto de 1917


Primeira publicação:Proletári” (“O Proletário”), n.° 5. 18 de agosto de 1917. Artigo não assinado.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 222-227.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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Todos se lembram das calúnias maldosas assacadas contra o bolchevismo, acusado sem fundamento de ser culpado da derrota na frente. A imprensa burguesa e o Dielo Naroda, os provocadores da Bírjovka e a Rabótchaia Gazieta, os ex-servidores do tzar do Nóvoie Vrêmia e o Izvéstia, todos unanimemente lançavam trovões e raios contra os bolcheviques, declarados culpados da derrota.

Agora se esclarece que não é preciso procurar os culpados entre os bolcheviques, mas entre os que fizeram circular “misteriosos automóveis” que convidavam à retirada e semeavam o pânico entre os soldados (vide Dielo Naroda, 16 de agosto).

O que vêm a ser esses “automóveis” e onde estavam os comandantes que permitiam o vaivém desses misteriosos automóveis, é contudo silenciado pelo correspondente do Dielo Naroda.

Agora se esclarece que a causa da derrota não deve ser procurada no bolchevismo, mas em “causas mais profundas”, no fato de que a tática ofensiva não serve para nós, em nosso despreparo para a ofensiva, na “inexperiência dos nossos generais”, etc. (vide Nóvoie Vrêmia, 15 de agosto).

Os operários e os soldados que leiam e releiam os números citados do Dielo Naroda e do Nóvoie Vrêmia, leiam e se convençam de:

  1. — como tinham razão os bolcheviques, os quais desde fins de maio preveniam o povo contra o início da ofensiva (vide os números da Pravda);
  2. — como foi criminoso o comportamento dos líderes mencheviques e social-revolucionários, que dirigiam a agitação a favor da ofensiva e, em princípios de junho, reprovavam no congresso dos soviets a proposta dos bolcheviques contrária à ofensiva;
  3. — que a responsabilidade da derrota de julho recai antes de mais nada sobre os Miliukov e sobre os Maklákov, sobre os Chúlguin e sobre os Rodzianko, que “exigiam” em nome da Duma de Estado a “ofensiva imediata” na frente desde princípios de junho.

Reproduzamos extratos dos artigos citados.

1.º) — Passagens reproduzidas da correspondência de Arsênio Méritch (Dielo Naroda, 16 de agosto):

“Por que? Por que nos caiu sobre a cabeça essa desgraça quase simultaneamente por dois lados, em Tárnopol e em Tchernoviz? Por que ruiu repentinamente o moral dos regimentos que estavam naquelas zonas? Que aconteceu? Qual é a causa dessa mudança repentina no moral dos soldados?

Os oficiais, os soldados respondem de boa mente. As respostas coincidem quase literalmente e cada qual, com um traço preciso, completa da sua parte o quadro terrificante...

Os soldados que estão na frente julgam que os que semearam o pânico e induziram as tropas a retirar-se das posições avançadas são principalmente os ex-gendarmes e os ex-guardas.

Agem eles de maneira organizada?

É difícil dizê-lo, responde um alferes com ar de intelectual, um camponês inscrito no partido social-revolucionário, membro do Comitê Executivo do soviet local dos deputados operários e soldados. Mas todas as vezes vinha-se inevitavelmente a saber que eram somente ex-“faraós”(1) os que semeavam o terror e difundiam notícias absurdas sobre a proximidade do inimigo, sobre o número elevado dos seus efetivos e asseveravam que dentro de uma hora ou duas seriam lançados contra nós os gases asfixiantes... Muitos de nós pensam que esses ex-guardas e ex-gendarmes não sejam sequer traidores conscientes, mas simplesmente aproveitadores, velhacos. Mas os espiões impalpáveis, os provocadores conseguem, com um faro particular, encontrar entre os ex-policiais homens fiéis. . .

Eis como se desenrolou a vergonhosa retirada das nossas tropas segundo o relato de observadores inteligentes...

Marcha-se por companhias, a estrada é larga... Entre cada companhia há pequenos intervalos...

E de repente levantam-se turbilhões de pó... Os destacamentos da frente param e ninguém consegue compreender por quê... As companhias param, marcam passo, discutem... Os soldados esticam a cabeça para ver o que acontece lá adiante, o que há naqueles turbilhões de pó que se aproximam... Os automóveis voam, buzinam e já estão muito perto e deles partem gritos: “Para trás... Para trás... Os austríacos.” Pela velocidade com que vão não se consegue saber quem está dentro dos automóveis e quem é que grita. Às vezes consegue-se apenas ver quem está uniformizado ou que galões leva.

Outra vezes não se consegue ver nada... E pronto. E ainda ninguém conseguiu compreender onde estão os austríacos, quem é que dá aqueles avisos e já se bate em retirada... Os soldados ainda não conseguiram refazer-se e já aparece um segundo automóvel. De novo se grita: “Os austríacos!!! Os austríacos!!! As posições... caíram... Os gases... Depressa, depressa... Para trás... Para trás.”

Era o pânico que se apoderava de todos como um contágio fulminante... A traição tinha sido concertada com surpreendente astúcia, evidentemente segundo um plano imaginado e' estudado de antemão…. Contamos cerca de vinte desses automóveis sem placa... Sete foram capturados e naturalmente as pessoas dentro deles eram estranhos que nada tinham que ver com os nossos regimentos... Mas cerca de dezoito automóveis conseguiram eclipsar-se. As companhias, perdendo a cabeça com esses gritos e porque as primeiras filas recuavam, voltavam as costas e escapavam... Os austríacos encontraram os subúrbios e a cidade vazios e avançaram cada vez mais profundamente em direção a nós quase como em um passeio dominical, e ninguém os obstava...

De um outro grupo aproximam-se alguns soldados provenientes de Tárnopol: dois ou três deles trazem o distintivo universitário e todos acrescentam elementos que completam o quadro da retirada provocada. Os heróis da retirada foram malandros, espiões, traidores... Quem são eles? O futuro próximo dará uma resposta. Onde se refugiaram os que não se conseguiu ainda capturar ou dos quais até agora não se encontraram traços? Sob que divisa trabalham eles, com que palavras de ordem mascaram agora sua atividade criminosa? Os homens que viram o terrível espetáculo da retirada de Tárnopol, os homens da frente acreditam que aquilo que ficou até agora envolto em mistério será rapidamente desvendado para todos, e com a descoberta desse mistério infame cairá também o ferrete de infâmia que marcou as tropas que operavam nas imediações de Tárnopol, vítimas da traição e do engano mais infame.”

2.º) — Passagens reproduzidas do artigo de Boríssov O bolchevismo e a nossa derrota (Nóvoie Vremia, 15 de agosto):

“Desejamos exculpar o bolchevismo da acusação infundada de, ser responsável pela nossa derrota. Desejamos esclarecer as causas reais dessa derrota, uma vez que somente então estaremos em condições de evitar que se repita essa desgraça. Para a arte militar não há nada mais prejudicial do que investigar a causa do insucesso militar ali onde não existe. A derrota de julho não foi causada unicamente pelo bolchevismo, mas foi o efeito de causas mais complexas; senão as grandes proporções da derrota indicariam a enorme, extraordinária importância das ideias do bolchevismo nas fileiras do nosso exército, importância que certamente ele não tem e não pode ter. Provavelmente os próprios bolcheviques foram atingidos pelas dilatadas consequências de sua propaganda. Mas o revés sofrido pelo exército russo poderia ser agora considerado como coisa passada, se toda a questão dependesse dos bolcheviques. Entretanto, a natureza da derrota é muito mais complexa: fora prevista pelos especialistas em arte militar desde antes do início da ofensiva de 18 de junho; das declarações ‘entusiastas’ de 18 de junho sobre os regimentos ‘revolucionários’, das bandeiras ‘vermelhas’, etc., emanava um perigo mortal.

Quando se receberam no quartel-general os telegramas relativos às operações, que falavam em pretensos resultados brilhantes obtidos a 18 de junho, nós, sabendo que na realidade nada havia de brilhante, uma vez que tínhamos conquistado fortificações que o inimigo na contingência da luta fora obrigado a sacrificar para assegurar sua vitória, dissemos: ‘Teremos muita sorte se os alemães não responderem com um contra-ataque.’ Mas o contra-ataque veio e o exército russo, como o exército francês em 1815, transformou-se de golpe em uma multidão de indivíduos presa do pânico. É evidente que a catástrofe não foi causada unicamente pelo bolchevismo, mas por algo de profundamente intrínseco ao organismo do exército e que o comando supremo não soube prever e compreender. Uma vez que o tempo urge, queremos indicar, na medida do possível em um artigo de jornal, precisamente essa causa — mais importante que o bolchevismo — de nossa derrota.

O ‘militarismo’ alemão elaborou a seguinte fórmula militar científica: ‘a ofensiva é a mais poderosa forma de operação’. A fórmula alemã relevou-se inutilizável para nós desde o princípio da guerra (as grandes derrotas de Samsonov e de Rennenkampf): com generais e soldados inexperientes, a única solução possível é manter-se na defensiva tendo os flancos protegidos. Devido às perdas inevitáveis, causadas pela guerra, no seu conjunto haviam piorado quer os generais e os oficiais, quer as “praças de pré”, e a defensiva tornava-se para nós a forma de operação mais vantajosa. Se se acrescenta o desenrolar da guerra de posição e a evidente insuficiência dos equipamentos, não há necessidade de ser bolchevique, mas basta apenas compreender a realidade das coisas para manter-se longe da ‘ofensiva’! O jornal “Naródnoie Slovo” diz que, segundo o que refere B. V. Sávinkov, a massa dos soldados, sob a influência da agitação bolchevique, começou a acreditar que os desertores não vêm a ser traidores da pátria, mas adeptos do ‘socialismo internacional’. Qualquer oficial antigo, que conhece nossos soldados melhor do que os possam conhecer os ‘comitês’, dirá que pensar dessa maneira significa julgar muito mal no seu conjunto as nossas ‘praças de pré’, tão gloriosas e cheias de bom senso. No seu conjunto estão estas cheias de bom senso; têm uma noção completa e precisa da situação; sabem perfeitamente que os generais e os oficiais são também soldados; caçoam da novidade da mudança (absurda) do título ‘praça de pre’ para o comum de soldado, o que diminuiu esse título de honra, uma vez que agora a alfaiataria militar mais afastada da frente é composta de ‘soldados’, e compreende perfeitamente que o ‘desertor’ é um desertor, isto é, um fujão desprezível. E se a ideia da ‘recusa em passar à ofensiva’, espalhada pelos bolcheviques, foi posta em prática por esses quadros sérios de nosso exército, isso aconteceu unicamente porque ela brotava logicamente da natureza das coisas, de toda a nossa experiência da guerra. São duas coisas diferentes dizer a um inglês ou a um francês que vão ao ataque, que tomem a ofensiva, e dizê-lo a um russo. Os primeiros estão em magníficos abrigos dotados de todas as comodidades e esperam que sua poderosa artilharia varra tudo; só então sua infantaria ataca. Nós, ao invés, sempre e por toda a parte desfechamos o ataque com a massa humana, dizimamos completamente os melhores regimentos. Onde está nossa guarda, onde estão nossos fuzileiros? Um regimento, quando foi dizimado duas ou três vezes e outras tantas vezes reintegrado, mesmo que seja com elementos melhores do que sucede na realidade, dificilmente achará que ‘a ofensiva é a mais poderosa forma de operação’, sobretudo se se acrescentar que essas enormes perdas não são justificadas pelos resultados que se obtêm. Baseando-se nessa experiência, o comando supremo anterior consentia em desfechar o ataque somente em caso de extrema necessidade; assim é que foi permitido a Brussílov desfechar o ataque na Galícia em maio de 1916. Esse ataque, que deu resultados medíocres, não fez senão confirmar as deduções da experiência. É muitíssimo provável que, nas suas diretivas, o supremo comando anterior considerasse a ‘ofensiva’ somente como ideia destinada a levantar o moral das tropas, porém que até então não fora realizada. Mas de repente viu-se algo de estranho à arte militar: o ‘diletantismo’ tomou a direção, tudo e todos invocavam a ‘ofensiva’, sua pretensa necessidade extrema, depositavam suas esperanças em uma iniciativa que a sã teoria militar rejeita, isto é, na criação de batalhões ‘revolucionários’ especiais, batalhões ‘da morte’, batalhões ‘de assalto’, sem compreender que todo o material humano de que se dispõe é extremamente inexperiente e que provavelmente vir-se-ia a tirar dos regimentos os homens mais ativos, que então se transformariam em ‘malta de gentalha e coisas quejandas’. Dir-nos-ão que os aliados exigiam a ‘ofensiva’, que nos chamavam de ‘traidores’. Temos em muito alto respeito o estado-maior francês, dinâmico e talentoso, para acreditar que sua opinião coincida com a chamada opinião pública dos diletantes em arte militar. Por certo, quando a situação militar é de tal ordem que o inimigo se acha no centro e nós e os nossos aliados formamos um círculo que o encerra, qualquer golpe que lhe inflijamos, ainda que nos custe enormes perdas humanas e desproporcionais aos resultados, é sempre vantajoso para os nossos aliados, porque desvia deles as forças do inimigo. Não se trata de crueldade dos aliados, mas da realidade das coisas. Mas nisso é preciso agir de acordo com a razão, com o senso de medida e não precipitar-se e fazer exterminar seu povo só porque o exigem os aliados. A arte militar não permite nenhum trabalho de fantasia e pune logo quem a ele se abandona. Nisso atenta o inimigo, que possui um estado-maior bem adestrado.”


Notas de fim de tomo:

(1) Apelido dado aos policiais na época tzarista. (retornar ao texto)

Inclusão: 18/02/2024