Primeira publicação: “Rabótchi i Soldat” (“O Operário e o Soldado”), n.° 2. 24 de julho de 1917. O apelo "A todos os trabalhadores, a todos os operários e soldados de Petrogrado", foi escrito por incumbência da II Conferência Bolchevique de Petrogrado e publicado a 25 de julho no n.° 2 do Rabótchi i Soldat (esse número consignava erroneamente a data de 24 de julho). O n.° 8, de 1.° de agosto, republicou o apelo a pedido dos Operários e dos soldados.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 139-145.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
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Camaradas!
A Rússia atravessa dias difíceis.
A guerra que dura há três anos, após haver tragado inúmeras vítimas, levou o país à exaustão.
A desorganização dos transportes e a crise alimentar ameaçam agravar ao máximo a fome.
O esfacelamento industrial e o fechamento dos estabelecimentos fazem vacilar os próprios alicerces da economia nacional.
E a guerra continua, aguçando a crise geral, levando o país à ruína completa.
O governo provisório que devia “salvar” o país, mostrou-se incapaz de cumprir sua tarefa. Antes, pelo contrário, trouxe uma confusão ainda maior, desfechando a ofensiva na frente e prolongando assim a guerra, causa principal da crise geral do país.
A consequência é que o poder é de todo instável, que diante de sua crise e de seu fracasso todos levantam altos brados, mas não se toma nenhuma providência séria para combatê-los.
A saída dos cadetes do governo desmascarou mais uma vez todo o caráter fictício e a falta de vitalidade do ministério de coalizão.
A retirada das nossas tropas na frente, após a conhecida ofensiva por elas desfechada, tendo desmascarado todo o caráter funesto da política da ofensiva, levou a crise ao seu ponto culminante, fazendo cair o prestígio do governo e desacreditando-o tanto junto à burguesia “patrícia” quanto junto à burguesia “aliada”.
Criou-se uma situação crítica.
Dois caminhos abriam-se diante dos “salvadores” da revolução.
Ou prolongar a guerra e continuar a “ofensiva”, e então era inevitável a passagem do poder para as mãos da burguesia contrarrevolucionária a fim de se obterem fundos através dos empréstimos interno e externo, uma vez que em caso contrário a burguesia não entraria para o governo, o empréstimo interno não poderia ser efetuado, a Inglaterra e a América recusar-se-iam a conceder crédito; de maneira que “salvar” o país significava nesse caso fazer os operários e camponeses pagarem as despesas da guerra em benefício dos tubarões imperialistas, tanto os russos quanto os “aliados”.
Ou se efetuava a passagem do poder para as mãos dos operários e dos camponeses pobres, apresentavam-se condições democráticas de paz e se declarava o fim da guerra, para dar a terra aos camponeses, para pôr em prática o controle operário sobre a indústria e para reajustar a economia nacional arruinada, às expensas dos lucros dos capitalistas e dos latifundiários, levando avante a revolução.
O primeiro caminho conduz ao fortalecimento do domínio, das classes abastadas sobre os trabalhadores e à transformação da Rússia em uma colônia da Inglaterra, da América e da França.
O segundo caminho inaugura a época da revolução operária na Europa, rompe os laços financeiros que embaraçam a Rússia, faz vacilarem os próprios fundamentos do domínio burguês e desimpede o caminho para a efetiva libertação da Rússia.
A demonstração de 3 e 4 de julho foi um apelo que as massas dos operários e dos soldados dirigiram aos partidos socialistas a fim de que tomassem o segundo caminho, o caminho do desenvolvimento ulterior da revolução.
Esse é o significado político e a grandíssima importância histórica da demonstração.
Mas o governo provisório e os partidos ministeriais, social-revolucionário e menchevique, que não tiram as próprias forças das ações revolucionárias dos operários e dos camponeses, mas se apoiam em combinações conciliatórias com a burguesia cadete, preferiram o primeiro caminho, o do entendimento com a contrarrevolução.
Ao invés de estenderem a mão aos manifestantes e, uma vez tomado o poder, dirigirem juntamente com eles a luta contra a burguesia imperialista “aliada” e contra a burguesia “patrícia” para salvar efetivamente a revolução, preferiram contrair aliança com a burguesia contrarrevolucionária e voltaram as próprias armas contra os manifestantes, contra os operários e os soldados, lançando contra estes os alunos da escola militar e os cossacos.
Traíram assim a revolução, escancarando as portas à contrarrevolução.
Das camadas inferiores da vida social saiu um lodo repugnante, enlameando tudo quanto há de nobre e de honesto.
Buscas e empastelamentos, prisões e espancamentos, torturas e assassinatos, supressões de jornais e de organizações, desarmamento dos operários e dissolução de regimentos, dissolução da Dieta finlandesa, restrição das liberdades e restabelecimento da pena de morte, desenfreada orgia dos bandidos e dos esbirros da polícia secreta, mentiras e torpes calúnias, e tudo isso com o tácito consentimento dos social-revolucionários e dos mencheviques: eis os primeiros passos da contrarrevolução.
As forças da contrarrevolução são constituídas pelos imperialistas russos e aliados e pelo partido dos cadetes, pelo alto-comando juntamente com os alunos da escola militar, com os cossacos e com os esbirros da polícia secreta.
Esses grupos ditam as listas dos membros do governo provisório e os ministros aparecem e desaparecem como fantoches.
É por ordem desses grupos que são acusados os bolcheviques e Tchernov, são depurados os regimentos e os comandos da frota, são efetuados fuzilamentos, dissolvem-se os regimentos na frente; que o governo provisório é transformado em joguete nas mãos de Kerenski, o Comitê Executivo Central dos Soviets torna-se um simples apêndice desse joguete, a “democracia revolucionária” recusa-se vergonhosamente a fazer valer os próprios direitos e a cumprir os próprios deveres, a Duma tzarista recentemente dissolvida é reintegrada nos seus direitos.
As coisas chegam a tal ponto que na “histórica conferência”(1) do Palácio de Inverno (21 de julho) concerta-se abertamente (complô!) a repressão ulterior da revolução, sendo que os bolcheviques não são convidados à conferência porque se temem suas denúncias.
E depois o projeto da “Conferência de Moscou”, na qual se preparam para enterrar definitivamente a liberdade conquistada com sangue...
Tudo isso com a participação dos mencheviques e dos social-revolucionários, que cedem vilmente uma posição após outra, que degradam de maneira humilhante a si próprios e às próprias organizações, tripudiando criminosamente sobre as conquistas da revolução.
Os “representantes” da democracia até agora não se comportaram nunca de maneira tão indigna como durante essas históricas jornadas!
Jamais caíram tão vergonhosamente baixo como agora!
Depois disso tudo é possível admirar-se da insolência da contrarrevolução que enlameia tudo quanto é honesto e revolucionário?
Podemos admirar-nos depois disso do fato de que mercenários vendidos e vis caluniadores ousem “acusar” abertamente de “traição” os líderes do nosso Partido, que bandidos da pena amplifiquem com descaramento essas “acusações” nos jornais burgueses, e que o procurador da justiça publique desavergonhadamente os chamados materiais “sobre o caso”, etc.?
Esses senhores pensam evidentemente em desagregar nossas fileiras e em semear entre nós a dúvida e a confusão, em fazer nascer a desconfiança acerca de nossos líderes.
Miseráveis! Não sabem eles que os nomes dos nossos líderes jamais foram tão caros e estiveram tão próximos da classe operária como agora que a canalha burguesa, atrevida, cobre-os de sujas calúnias!
Vendidos! Não imaginam eles sequer que, quanto mais vulgares são as calúnias dos mercenários burgueses, tanto mais forte é o amor dos operários para com os seus líderes, tanto mais ilimitada é sua confiança nestes, uma vez que os operários sabem por experiência própria que, quando os inimigos denigrem os líderes do proletariado, isso é indício seguro de que estes servem honestamente ao proletariado.
O ferrete vergonhoso de caluniadores desonestos: com este ferrete vos brindamos, senhores Alexinski e Búrtsev. Perevérzev e Dobronrávov. Tomai-o em nome dos 32.000 operários organizados de Petrogrado que nos elegeram e levai-o até ao túmulo. Vós o merecestes.
E vós, senhores capitalistas e latifundiários, banqueiros e especuladores, padres e esbirros da polícia secreta, vós todos que forjais as cadeias para os povos, demasiado cedo celebrais vossa vitória, demasiado cedo vos pusestes a enterrar a Grande Revolução russa.
A revolução está viva e se fará ainda sentir, senhores coveiros.
A guerra e a ruína continuam e as feridas daí decorrentes não se podem curar com repressões selvagens.
As forças subterrâneas da revolução estão vivas e executam sua obra incansável no sentido de levar a revolução a todo o país.
Os camponeses ainda não receberam a terra. Eles lutarão porque sem terra não podem viver.
Os operários ainda não obtiveram o controle das oficinas e das fábricas. Lutarão porque a crise industrial faz pesar sobre eles a ameaça do desemprego.
Querem impelir os soldados e marinheiros para trás, para a velha disciplina. Eles lutarão pela liberdade, porque a mereceram.
Não, senhores contrarrevolucionários, a revolução não está morta, aquietou-se somente para reunir novos combatentes e lançar-se contra seus inimigos com renovado vigor.
“Estamos vivos, rubro o nosso sangue — referve dentro de nossos peitos fortes!”.(2)
E lá no Ocidente, na Inglaterra e na Alemanha, na França e na Áustria, acaso já não foi içada a bandeira da revolução operária, acaso já não se organizam os soviets dos deputados operários e soldados!
Haverá outras batalhas!
Haverá outras vitórias!
Não se trata senão de enfrentar dignamente e de maneira organizada as batalhas iminentes.
Operários! Cabe a vós a honra de ser os cabeças da revolução russa. Agrupai as massas em tomo de vós e reuni-as sob a bandeira do nosso Partido. Recordai que durante os graves momentos das jornadas de julho, quando os inimigos do povo disparavam contra a revolução, o Partido Bolchevique foi o único que não abandonou os quarteirões operários. Recordai que durante aquelas graves jornadas os mencheviques e os social-revolucionários estavam no campo dos que golpeavam e desarmavam os operários.
Sob a nossa bandeira, camaradas!
Camponeses! Vossos chefes não realizaram vossas aspirações. Arrastam-se a reboque da contrarrevolução e vós permaneceis sem terra, uma vez que enquanto reinar a contrarrevolução vós não obtereis as terras dos latifundiários. Os operários são os vossos únicos aliados fiéis. Somente aliando-vos aos operários obtereis a terra e a liberdade. Cerrai fileiras, pois, em torno dos operários!
Soldados! A força da revolução reside na aliança entre o povo e os soldados. Os ministros vão e vêm, mas o povo fica. Estai sempre com o povo e combatei nas suas fileiras!
Abaixo a contrarrevolução!
Viva a revolução!
Viva o socialismo e a fraternidade dos povos!
A Conferência dos organismos de Petrogrado do Partido Operário Social-Democrata (bolchevique) da Rússia.
Notas de fim de tomo:
(1) A conferência de 21 de julho, que os social-revolucionários e os mencheviques chamaram de “conferência histórica”, foi convocada pelo governo provisório em seguida à crise governamental, determinada pela saída dos cadetes do governo e pelo pedido de demissão de Kerenski. Participaram da conferência os representantes dos partidos burgueses e conciliatórios. Os cadetes solicitaram que se formasse um governo independente dos soviets e dos partidos democráticos, capaz de restabelecer com “mão forte” a “disciplina” no exército, etc. Os social-revolucionários concordaram e confiaram a Kerenski o encargo de formar o novo governo provisório. (retornar ao texto)
(2) Versos do poeta democrata norte-americano Walt Whitman. (retornar ao texto)