A demonstração

J. V. Stálin

20 de junho de 1917


Primeira publicação:Pravda” (“A Verdade”), n.° 86. 20 de junho de 1917. Assinado: K. Stálin.
Fonte: J. V. Stálin, Obras. Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953, págs. 104-107.
Tradução: Editorial Vitória, da edição italiana G. V. Stálin - "Opere Complete", vol. 3 - Edizione Rinascita, Roma, 1951.
HTML: Fernando Araújo.
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Dia luminoso, cheio de sol. O cortejo dos manifestantes é interminável. Da manhã à noite desfilou em direção ao campo de Marte. Uma floresta sem fim de bandeiras. Fechados todos os estabelecimentos e todas as empresas. O tráfego é interrompido. Os manifestantes baixam as bandeiras ao passar diante dos túmulos dos que tombaram. À Marselhesa e à Internacional segue-se o hino Tombastes vítimas. O ar está cheio do estrépito das aclamações. Continuamente ressoam as palavras de ordem: “Abaixo os dez ministros capitalistas!” “Todo o poder ao Soviet dos Deputados Operários e Soldados!” Em resposta, elevam-se de todos os lados sonoros “Hurrahs!” de aprovação.

Ao fazer-se o balanço da demonstração, o que salta aos olhos é a ausência da burguesia e dos seus companheiros de viagem. Diferentemente da manifestação realizada por ocasião dos funerais, durante a qual os operários perdiam-se no mar dos filisteus e dos pequenos burgueses, a demonstração de 18 de junho foi uma demonstração puramente proletária, uma vez que os manifestantes eram na maioria operários e soldados. Os cadetes desde a véspera haviam declarado o boicote à demonstração, afirmando através de seu Comitê Central que era necessário “abster-se” de participar dela. E de fato os burgueses não só não tomaram parte nela, como literalmente esconderam-se. Na Perspectiva Nevski, habitualmente repleta de gente e rumorosa, faltavam hoje completamente os costumeiros frequentadores burgueses.

Em suma, esta foi uma demonstração efetivamente proletária dos operários revolucionários, que guiam os soldados revolucionários.

A aliança dos operários e dos soldados contra os burgueses em fuga, enquanto os pequenos burgueses mantêm-se neutros: esse é o aspecto externo do desfile de 18 de junho.

Não manifestação, mas demonstração

O desfile de 18 de junho não foi uma simples passeata, um cortejo de manifestantes, como indubitavelmente foi a manifestação por ocasião dos funerais. Foi uma demonstração de protesto, uma demonstração das forças vivas da revolução, que levava em conta a mudança verificada nas correlações de força. Extremamente característico é que os manifestantes não se limitavam apenas a proclamar a vontade própria, mas exigiam a libertação imediata do companheiro Kháustov, ex-colaborador da Okópnaia Pravda.(1) Pretendemos falar da conferência dos organismos militares de toda a Rússia do nosso Partido, cujos membros participaram da demonstração e pediram ao Comitê Executivo, representado por Tchkheidze, a libertação do companheiro Kháustov;(1*) Tchkheidze prometeu que tomaria todas as medidas necessárias para libertar Kháustov “hoje mesmo”.

Todo o caráter das palavras de ordem, que traduziam protesto contra as “ordens” do governo provisório, contra toda a sua política, demonstra sem dúvida alguma que a “manifestação pacífica”, que se queria converter numa passeata inócua, transformou-se ao invés em uma poderosa demonstração de pressão sobre o governo.

Desconfiança contra o governo provisório

Uma particularidade que salta aos olhos é a seguinte: nenhuma oficina, nenhuma fábrica, nenhum regimento lançou a palavra de ordem: “Confiança no governo provisório.” Até os mencheviques e os social-revolucionários esqueceram-se (ou antes não ousaram!) lançar essa palavra de ordem. Em suas palavras de ordem podeis encontrar tudo quanto desejardes: “Abaixo a cisão”, “Pela unidade”, “Apoiemos os soviets”, “Pela instrução geral” (quem mais tiver, mais acrescente), faltava só o essencial: a confiança no governo provisório, nem sequer com a sutil reserva “na medida em que”. Apenas três grupos ousaram lançar a palavra de ordem da confiança, mas também esses deviam arrepender-se disso. Trata-se do grupo dos cossacos, do grupo do Bund e do Edinstvo de Plekhánov. “A santíssima trindade”: ironizavam os operários no campo de Marte. Os operários e os soldados obrigaram dois desses grupos a arriar sua bandeira (o Bund e o Edinstvo) entre gritos de “abaixo”. A bandeira dos cossacos, uma vez que estes não queriam abaixá-la, foi reduzida a frangalhos. E uma faixa anônima, em que se falava de “confiança”, estendida “no ar” através da via de ingresso no campo de Marte, foi destruída por um grupo de soldados e de operários, entre as aprovações do público que observava: “A confiança no governo provisório está suspensa no ar.”

Em suma, o tom geral da demonstração foi o seguinte: nenhuma confiança no governo por parte da enorme maioria dos manifestantes, ao passo que os mencheviques e os social-revolucionários manifestaram abertamente seu medo de ir “contra a corrente”.

O fracasso da política de conciliação

As palavras de ordem mais populares foram as seguintes: “Todo o poder ao Soviet”, “Abaixo os dez ministros capitalistas”, “Nem paz em separado com Guilherme, nem tratados secretos com os capitalistas anglo-franceses.” “Viva o controle e a organização da produção”, “Abaixo a Duma e o Conselho de Estado”, “Anulemos as ordens contra os soldados”, “Apresentai justas condições de paz”, etc. A enorme maioria dos manifestantes mostrou-se solidária com o nosso Partido. Até regimentos como o Volinski e o Keesgolmski, fizeram demonstração com a palavra de ordem: “Todo o poder ao Soviet dos Deputados Operários e Soldados!”

Os membros da maioria do Comitê Executivo que têm que se haver com os comitês dos regimentos e não com a massa dos soldados, ficaram francamente chocados com essa “surpresa”.

Em suma: a enorme maioria dos manifestantes (ao todo 400-500.000) exprimiu abertamente sua desconfiança contra a política de conciliação com a burguesia; a demonstração desenrolou-se com as palavras de ordem revolucionárias do nosso Partido.

Nenhuma dúvida é possível: a lenda do “complô” tramado pelos bolcheviques foi completamente desmentida. O partido que goza da confiança da enorme maioria dos operários e dos soldados da capital não tem necessidade de “complôs”. Somente a consciência suja ou o analfabetismo político podiam sugerir aos “artífices da alta política” a “ideia” do “complô” bolchevique.


Notas de rodapé:

(1*) Alferes, social-democrata bolchevique, homônimo do operário social-democrata menchevique, ex-membro da IV Duma de Estado. (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

(1) Okópnaia Pravda (A Pravda das Trincheiras), jornal bolchevique publicado em Riga desde 30 de abril de 1917. Os primeiros números foram publicados aos cuidados do Comitê os Soldados do Regimento Novoládojski. Os meios necessários foram fornecidos pelos próprios soldados. A partir do n.° 7 (17 de maio de 1917), órgão da organização militar e da seção russa junto ao Comitê de Riga do P.O.S.D.R. (b); a partir do n.º 26 (5 de julho de 1917), órgão da organização militar do XII exército junto ao Comitê de Riga, e depois junto ao Comitê Central da Social-Democracia letã. Em 21 de julho de 1917 foi suprimido, mas em 23 de julho por sua vez iniciou as publicações o Okópni Nabát (O Sino de Rebate das Trincheiras) órgão da Organização Militar Unificada da Social-Democracia da Letônia, que saiu até à ocupação alemã de Riga. A 12 de outubro o Okópni Nabát reiniciou as publicações na cidade de Venden (atualmente Ventspils). A partir de 29 de outubro de 1917 o jornal retomou seu velho nome de Okópnaia Pravda. A partir de então o jornal saiu sem interrupções até fevereiro de 1918. (retornar ao texto)

 

Inclusão: 18/02/2024