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Primeira Edição: Dos jornais "Akhali Droeba" (Tempos Novos)
nº. 5, 6, 7 e 8, de 11, 18 e 25 de dezembro de 1906, e de 1º. de
janeiro de 1907. "Tchveni Yskhovreba" (Nossa Vida), nº. 3, 5, 8 e 9,
de 21, 23 e 28 de fevereiro de 1907. "Dro" (O Tempo), nº. 21, 22, 23
e 26, de 4, 5, 6 e 10 de abril de 1907.
Transcrição: Partido Comunista
Revolucionário
HTML: Fernando A. S. Araújo,
maio 2006.
Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.
O eixo da vida social moderna é a luta de classes. No curso dessa luta, porém, cada classe é guiada pela sua ideologia. A burguesia possui sua própria ideologia: o chamado liberalismo. O proletariado também possui sua própria ideologia: é, como se sabe, o socialismo.
Não se pode considerar o liberalismo como um todo uno e indivisível; subdivide-se em diferentes tendências correspondentes às diferentes camadas da burguesia.
O socialismo tampouco é uno e indivisível: nele também existem diferentes tendências.
Não nos ocuparemos aqui da análise do liberalismo; é melhor adiá-la para outra ocasião. Queremos dar a conhecer ao leitor somente o socialismo e suas correntes. A nosso ver, isto lhe será mais interessante.
Subdivide-se o socialismo em três correntes principais: reformismo, anarquismo e marxismo.
O reformismo (Bernstein e outros), que considera o socialismo somente como um objetivo remoto e nada mais; o reformismo que, de fato, nega a revolução socialista e procura instaurar o socialismo por via pacífica; o reformismo, que não preconiza a luta de classes, mas sim a colaboração entre as classes, — esse reformismo decompõe-se dia a dia, perde dia a dia todos os traços do socialismo e, em nossa opinião, não tem nenhuma necessidade de ser aqui, nestes artigos, analisado, ao definirmos o socialismo.
Coisa completamente distinta ocorre com o marxismo e o anarquismo: ambos são reconhecidos, no momento atual, como correntes socialistas, ambos travam entre si uma luta encarniçada, ambos esforçam-se por apresentar-se aos olhos do proletariado como doutrinas autenticamente socialistas, e, sem dúvida, o exame e a comparação delas entre si será para o leitor muito mais interessante.
Não somos daqueles que, ao ouvirem mencionar a palavra "anarquismo", voltam as costas com desprezo e dizem, com um gesto de enfado: "se for do vosso gosto, ocupai-vos disso; mas não vale a pena nem sequer falar nisso!". Consideramos essa "crítica" barata, tão indigna quanto inútil.
Não somos, tampouco, daqueles que se consolam, dizendo que os anarquistas "não contam com massa e por isso não são tão perigosos." A questão não está em saber a quem segue hoje maior ou menor "massa"; trata-se da essência da doutrina. Se a "doutrina" dos anarquistas expressa a verdade, então está por si mesmo claro que ela romperá caminho e reunirá em torno de si a massa. Se, porém, tal doutrina é inconsistente e se encontra edificada sobre uma base falsa, não subsistirá por muito tempo e acabará suspensa no ar. A inconsistência do anarquismo, entretanto, deve ser demonstrada.
Há quem considere que marxismo e o anarquismo têm em comum os mesmos princípios, que entre ambos existem só divergências titicas, de modo que, segundo essa opinião, é completamente impossível contrapor uma corrente à outra.
Isso, porém, é um grave erro.
Estamos convencidos de que os anarquistas são verdadeiros inimigos do marxismo. Em conseqüência, reconhecemos, também, que contra verdadeiros inimigos temos de travar também uma luta verdadeira. Por isso, é necessário examinar a "doutrina" dos anarquistas do começo ao fim e ponderá-la criteriosamente em todos os seus aspectos.
O fato é que marxismo e anarquismo estão edificados sobre princípios inteiramente diferentes, embora ambos se apresentem no campo da luta sob a bandeira do socialismo. A pedra angular do anarquismo é o indivíduo, cuja libertação constitui, a seu ver, a condição principal da libertação da massa, da coletividade. Segundo o anarquismo, a libertação da massa é impossível, enquanto não se liberte o indivíduo; consequentemente, sua palavra de ordem é: "Tudo para o indivíduo''.
Em oposição, a pedra angular do marxismo é a massa, cuja libertação, a seu ver, é a condição principal para a libertação do indivíduo. Isto significa, segundo o marxismo, que a libertação do indivíduo é impossível, enquanto não se liberte a massa; consequentemente, sua palavra de ordem é:
"Tudo para a massa"
É claro que aí temos dois princípios que se negam mutuamente, e não apenas divergências táticas.
A finalidade de nossos artigos é confrontar esses dois princípios opostos, comparar entre si o marxismo e o anarquismo, e esclarecer, desse modo, suas virtudes e defeitos. Precisamente aqui, consideramos necessário dar a conhecer ao leitor o plano destes artigos.
Iniciaremos com a caracterização do marxismo, aludindo, de passagem, aos pontos de vista dos anarquistas sobre o marxismo, e, depois, passaremos à crítica do próprio anarquismo. A saber: exporemos o método dialético, os pontos de vista dos anarquistas sobre esse método e nossa crítica; a teoria materialista, os pontos de vista dos anarquistas e nossa crítica (aqui trataremos, também, da revolução socialista, da ditadura socialista, do programa mínimo, e, de modo geral, da tática); a filosofia dos anarquistas e nossa crítica; o socialismo dos anarquistas e nossa crítica; a tática e a organização dos anarquistas; e, como conclusão, exporemos nossas deduções.
Esforçar-nos-emos por demonstrar que os anarquistas, como propugnadores do socialismo das pequenas comunidades, não são autênticos socialistas.
Esforçar-nos-emos, também, por demonstrar que os anarquistas, pelo fato de negarem a ditadura do proletariado, não são, tampouco, autênticos revolucionários.
Ponhamos, pois, mãos à obra.
"No mundo tudo está em movimento... Muda a vida, crescem as forças produtivas, desmoronam-se as velhas relações sociais..." Karl Marx
O marxismo não é apenas a teoria do socialismo, é uma concepção integral do mundo, um sistema filosófico do qual decorre, logicamente, o socialismo proletário de Marx. Esse sistema filosófico se chama materialismo dialético.
Por isso, expor o marxismo significa expor também o materialismo dialético.
Por que se chama esse sistema materialista dialético?
Porque seu método é dialético e sua teoria é materialista.
Que é método dialético?
Diz-se que a vida social se encontra em estado de incessante movimento e desenvolvimento. Está certo: não se pode considerar a vida como algo imutável e estático; ela nunca se detém num mesmo nível, acha-se em eterno movimento, em eterno processo de destruição e criação. Por isso sempre existe na vida o novo e o velho, o que cresce e o que morre, o revolucionário e o contra-revolucionário.
O método dialético ensina-nos que temos de considerar a vida precisamente tal como é na realidade. Vimos que a vida se encontra em incessante movimento; portanto, devemos examinar a vida em seu movimento e perguntar: para onde marcha a vida? Vimos que a vida apresenta um quadro de constante destruição e criação; portanto, nosso dever consiste em examinar a vida em sua destruição e criação e perguntar: o que é que se destrói e o que é que se cria na vida?
O que na vida nasce e dia a dia cresce, é invencível; deter seu movimento para a frente é impossível. Isto é, se, por exemplo, na vida, nasce o proletariado como classe e cresce a cada dia, por débil e pouco numeroso que seja hoje, há de vencer, não obstante, ao fim de contas. Por quê? Porque cresce, porque se fortalece e marcha para a frente. Ao contrário, o que na vida envelhece e caminha para a sepultura, há de sofrer inevitavelmente a derrota, embora hoje represente uma força gigantesca. Isto é, se, por exemplo, a burguesia perde paulatinamente terreno e retrocede dia a dia, por forte e numerosa que seja hoje, há de sofrer, não obstante, ao fim de contas, a derrota. Por quê? Porque, como classe, se decompõe, se debilita, envelhece e se converte em carga inútil na vida.
Disso deriva, precisamente, a conhecida tese dialética: tudo o que realmente existe, isto é, tudo o que cresce dia a dia, é racional: e tudo o que dia a dia se decompõe, é irracional, e, portanto, não evitará a derrota.
Por exemplo: na oitava década do século passado, entre os intelectuais revolucionários russos surgiu uma grande discussão. Sustentavam os populistas que a força principal capaz de encarregar-se da "emancipação da Rússia" era a pequena burguesia do campo e da cidade. Por quê? — perguntavam os marxistas. Porque — respondiam os populistas — a pequena burguesia do campo e da cidade constitui agora a maioria e, além disso, é pobre e vive na miséria.
Replicavam os marxistas: é certo que a pequena burguesia do campo e da cidade constitui hoje a maioria, e, realmente, é pobre; mas será essa a questão? A pequena burguesia há muito tempo é a maioria, porém até agora não manifestou, sem a ajuda do proletariado, nenhuma iniciativa na luta pela "liberdade". Por que? Porque a pequena burguesia, como classe, não cresce; pelo contrário: decompõe-se dia a dia e subdivide-se em burgueses e proletários. Por outro lado, naturalmente, tampouco a pobreza tem aqui uma importância decisiva: os "vagabundos" são mais pobres que a pequena burguesia, porém ninguém asseverará que possam encarregar-se da "libertação da Rússia''.
Como se vê, o problema não se cifra em saber que classe constitui hoje a maioria ou que classe é mais pobre, mas em saber que classe se fortalece e qual se desagrega.
E como o proletariado é a única classe que cresce e se fortalece sem cessar, que impulsiona a vida social e agrupa em torno de si todos os elementos revolucionários, nosso dever é, portanto, reconhecê-lo como força principal no movimento contemporâneo, formar em suas fileiras e fazer de suas aspirações progressistas nossas próprias aspirações.
Era assim que os marxistas respondiam.
Evidentemente, os marxistas consideravam a vida de um modo dialético, enquanto os populistas racionavam de um modo metafísico e concebiam a vida social como algo estático.
Eis aí como o método dialético considera o desenvolvimento da vida.
Mas há movimento e movimento. Houve movimento na vida social durante as "jornadas de dezembro", quando o proletariado, erguendo a cabeça, assaltou os depósitos de armas e empreendeu o ataque contra a reação. Mas, temos também de qualificar de movimento social o movimento dos anos anteriores, quando o proletariado, sob as condições do desenvolvimento "pacífico", se limitava a declarar uma ou outra greve e a criar pequenos sindicatos.
É evidente que o movimento apresenta formas diferentes.
Pois bem, o método dialético afirma que o movimento tem dupla forma: uma evolutiva e outra revolucionária.
O movimento é evolutivo, quando os elementos progressistas continuam espontaneamente seu trabalho diário e introduzem, na velha ordem de coisas, modificações pequenas, quantitativas.
O movimento é revolucionário, quando os elementos progressistas se unem, se compenetram de uma só idéia e se lançam contra o campo inimigo, para extirpar a velha ordem de coisas e introduzir na vida mudanças qualitativas, instaurar uma nova ordem de coisas.
A evolução prepara a revolução e cria o terreno para ela; e a revolução coroa a evolução e contribui para prosseguir a obra desta.
Processos semelhantes ocorrem também na vida da natureza. A história da ciência mostra que o método dialético é um método autenticamente científico: começando pela astronomia e terminando pela sociologia, em todas as partes se encontra a confirmação da idéia de que no mundo nada é eterno, tudo muda, tudo se desenvolve. Por conseguinte, tudo na natureza deve ser examinado do ponto de vista do movimento, do desenvolvimento. E isso significa que o espírito da dialética penetra em toda a ciência contemporânea.
E no que se refere às formas do movimento, no que se refere ao fato de que, de acordo com a dialética, as pequenas mudanças quantitativas, levam, no fim de contas, às grandes mudanças qualitativas, essa lei também vigora, com igual intensidade, na história natural. O "sistema periódico dos elementos", de Mendeléiev, evidencia claramente a grande importância que na história natural tem o aparecimento das mudanças qualitativas, que surgem das mudanças quantitativas. É testemunho disso, na biologia, a teoria do neolamarckismo, à qual o neodarwinismo cede lugar.
Não nos referimos a outros fatos, exaustivamente esclarecidos por F. Engels, em seu Anti-Dühring.
Tal é o conteúdo do método dialético.
Como consideram os anarquistas o método dialético?
É sabido de todos que o fundador do método dialético foi Hegel. Marx depurou e melhorou esse método. Naturalmente, essa circunstância é também conhecida pelos anarquistas. Sabem eles que Hegel era conservador, e eis que, aproveitando a ocasião, atacam Hegel a mais não poder como partidário da "restauração", "demonstram" com paixão que "Hegel é o filósofo da restauração..., que ele exalta o constitucionalismo burocrático em sua forma absoluta, que a idéia geral de sua filosofia da História está subordinada e serve à tendência filosófica da época da restauração", etc.
"Demonstra" a mesma coisa em suas obras o conhecido anarquista Kropotkin (vide, por exemplo, sua Ciência e Anarquismo, em língua russa).
Com Kropotkin fazem coro em uníssono nossos kropotkinianos, começando por Tcherkezichvili até chegar a Ch. G. (vide os números de No bati).
Isto é certo, ninguém os contesta; pelo contrário: todo o mundo está de acordo em que Hegel não era revolucionário. Marx e Engels, pessoalmente, foram os primeiros a demonstrar em sua Crítica da Crítica Crítica que as concepções históricas de Hegel se acham em contradição radical com o poder soberano do povo. Mas, apesar disso, os anarquistas procuram "demonstrar" e consideram necessário "demonstrar" dia após dia que Hegel é um partidário da "restauração". Por que o fazem? Provavelmente para com isso tudo desacreditar Hegel e dar a entender ao leitor que o método do "reacionário" Hegel também não pode deixar de ser "detestável" e anticientífico.
Pensam os anarquistas que desse modo podem refutar o método dialético.
Afirmamos nós que desse modo apenas demonstrarão sua própria ignorância. Pascal e Leibnitz não eram revolucionários, mas o método matemático descoberto por eles é reconhecido, hoje, como um método científico. Mayer e Helmholtz não eram revolucionários, mas suas descobertas no domínio da física serviram de base à ciência. Tampouco eram revolucionários Lamarck e Darwin, mas seu método evolucionista pôs de pé a ciência biológica... Por que, então, não se pode reconhecer o fato de que, apesar do conservantismo de Hegel, o mesmo Hegel conseguiu elaborar um método científico, denominado dialético?
Não; desse modo os anarquistas apenas demonstrarão sua própria ignorância.
Prossigamos. Segundo a opinião dos anarquistas "a dialética é metafísica", e como "querem emancipar a ciência da metafísica e a filosofia da teologia", por isso, precisamente, repelem o método dialético (vide Nobati, nº. 3 e 9, Ch. G.; vide, também, Ciência e Anarquismo, de Kropotkin).
Ah! esses anarquistas! É como diz o ditado: "paga o justo pelo pecador." A dialética alcançou sua maturidade na luta contra a metafísica e nessa luta conquistou a glória; na opinião dos anarquistas, porém, eis que a dialética é metafísica!
A dialética afirma que no mundo nada é eterno, no mundo tudo é transitório e mutável: muda a natureza, muda a sociedade, mudam os usos e costumes, mudam os conceitos de justiça, muda a própria verdade; por isso mesmo a dialética considera tudo de um modo crítico, por isso mesmo nega a verdade estabelecida de uma vez para sempre e, por conseguinte, nega também as abstratas "teses dogmáticas fixas que, uma vez encontradas, têm apenas de ser decoradas'' (vide F. Engels, Ludwig Feuerbach).
Em troca, a metafísica nos afirma coisa completamente diversa. Para ela o mundo é algo de eterno e imutável (vide F. Engels, Anti-Dühring), o mundo está determinado de uma vez para sempre por alguém ou por algo; eis por que os metafísicos têm sempre na boca a "justiça eterna" e a "verdade imutável".
O "pai" dos anarquistas, Proudhon, dizia que no mundo existe uma justiça imutável, determinada de uma vez para sempre, que deve ser colocada como base da sociedade futura. Em virtude disso, é que Proudhon era chamado metafísico. Marx lutou contra Proudhon com auxílio do método dialético e demonstrou que, já que no mundo tudo muda, deve mudar também a "justiça", e, por conseguinte, a "justiça imutável" é um delírio metafísico (vide K. Marx, Miséria da Filosofia). E os discípulos georgianos do metafísico Proudhon nos afirmam: "A dialética de Marx é metafísica!"
A metafísica reconhece diferentes dogmas nebulosos, como, por exemplo, o "incognoscível", a "coisa em si", e, no final de contas, transforma-se em teologia sem conteúdo. Em oposição a Proudhon e Spencer, Engels lutou contra esses dogmas com auxílio do método dialético (vide Ludwig Feuerbach). E os anarquistas — discípulos de Proudhon e Spencer — nos dizem que Proudhon e Spencer são sábios e Marx e Engels, metafísicos!
De duas uma: ou os anarquistas se enganam a si mesmos ou não sabem o que dizem.
Em todo caso, não há dúvida de que os anarquistas confundem o sistema metafísico de Hegel com o seu método dialético.
Nem é necessário dizer que o sistema filosófico de Hegel, que se apóia na idéia imutável, é metafísico do princípio ao fim. É, porém, evidente, também, que o método dialético de Hegel, que nega toda idéia imutável, é científico e revolucionário do princípio ao fim.
Eis por que Karl Marx, que submeteu o sistema metafísico de Hegel a uma crítica arrasadora, ao mesmo tempo exaltou seu método dialético, que, segundo as palavras de Marx, "não se curva diante de nada e é, por sua essência, crítico e revolucionário" (vide O Capital, t. I, Palavras Finais).
Eis por que Engels vê uma grande diferença entre o método de Hegel e seu sistema:
"Quem desse primazia ao sistema de Hegel, poderia ser bastante conservador em ambos os terrenos; quem considerasse como primordial o método dialético, poderia figurar, tanto no aspecto religioso como no aspecto político, na extrema oposição. " (vide Ludwig Feuerbach).
Os anarquistas não vêem essa diferença e proclamam irrefletidamente que "a dialética é metafísica".
Prossigamos. Dizem os anarquistas que o método dialético é "um alambicado conjunto de artimanhas", "um método de sofismas", "de salto mortal da lógica" (vide Nobati, nº. 8, Ch. G.), "com auxílio do qual se demonstram com idêntica facilidade tanto a verdade como a mentira'' (vide Nobati, nº. 4, de V. Tcherkezichvili).
Assim, segundo a opinião dos anarquistas, o método dialético demonstra igualmente a verdade e a mentira.
À primeira vista, pode parecer que a acusação lançada pelos anarquistas tenha algum fundamento. Ouça-se, por exemplo, o que diz Engels de quem segue o método metafísico:
"... Seu discurso compõe-se de: sim, sim; não, não; o que passar disso pertence ao diabo. Para ele, uma coisa existe ou não existe: uma coisa não pode ser ao mesmo tempo o que é e outra coisa diferente. O positivo e o negativo se excluem reciprocamente em absoluto..." (vide Anti-Dühring, Introdução).
Como?! — replicarão acalorados os anarquistas. É possível, por acaso, que um mesmo objeto seja ao mesmo tempo bom e mau?! Mas é claro que isso é um "sofisma" um "jogo de palavras"; mas é claro que isso significa que "desejais demonstrar com idêntica facilidade a verdade e a mentira"!...
Penetremos, todavia, na essência da questão.
Hoje reivindicamos a República Democrática. Podemos dizer que a República Democrática é boa em todos os sentidos ou que é má em todos os sentidos? Não, não podemos dizê-lo. Por que? Porque a República Democrática é boa somente num aspecto, quando destrói a ordem feudal, mas em troca é má noutro aspecto, quando fortalece a ordem burguesa. Por isso, precisamente, afirmamos: no que a República Democrática destrói a ordem feudal, é boa e lutamos por ela; mas no que fortalece a ordem burguesa, é má e lutamos contra ela.
Segue-se daí que uma única e mesma República Democrática é ao mesmo tempo "boa" e "má", é "sim" e "não".
O mesmo cabe dizer da jornada de trabalho de 8 horas, pois ao mesmo tempo é "boa" no que fortalece o proletariado, e "má" no que reforça o sistema do trabalho assalariado.
Fatos precisamente dessa índole tinha Engels em conta, quando caracterizava o método dialético com as palavras acima citadas.
Mas os anarquistas não compreenderam isso, e uma idéia completamente clara lhes pareceu um "sofisma" nebuloso.
Naturalmente, os anarquistas são livres de perceber ou não perceber esses fatos; até podem não perceber a areia numa costa arenosa: estão em seu direito. Mas, que tem que ver com isso o método dialético, o qual, diferentemente do anarquismo, não olha a vida com os olhos fechados, sente a palpitação da vida e afirma abertamente: como a vida muda rapidamente e se encontra em movimento, todo fenômeno vital tem duas tendências, uma positiva e outra negativa, das quais devemos defender a primeira e repelir a segunda?
Prossigamos, ainda. Na opinião de nossos anarquistas, "o desenvolvimento dialético é um desenvolvimento catastrófico, mediante o qual, primeiro se destrói totalmente o passado e, depois, de maneira de todo separada, consolida-se o futuro... Os cataclismos de Cuvier eram engendrados por causas desconhecidas, mas as catástrofes de Marx e Engels são engendradas pela dialética" (vide Nobati, nº. 8, Ch. G.).
Mas em outro lugar esse mesmo autor escreve: "O marxismo se apóia do darwinismo e mantém para com este uma atitude acrítica (vide Nobati, n.º 6). Preste-se atenção!
Cuvier nega a evolução darwinista, reconhece somente os cataclismos, e o cataclismo é uma explosão inesperada, "engendrada por causas desconhecidas". Os anarquistas afirmam que os marxistas associam-se a Cuvier e, por conseguinte, rejeitam o darwinismo.
Darwin nega os cataclismos de Cuvier, reconhece somente a evolução gradual. E eis por que esses mesmos anarquistas afirmam que "o marxismo se apóia no darwinismo e mantém para com este uma atitude acrítica", isto é: os marxistas negam os cataclismos de Cuvier.
Numa palavra, os anarquistas acusam os marxistas de seguirem a Cuvier e ao mesmo tempo lhes lançam em rosto que seguem a Darwin e não a Cuvier.
Assim é a anarquia! Como diz o ditado: o feitiço virou contra o feiticeiro! É evidente que o Ch. G. do número 8 do Nobati esqueceu-se do que dizia o Ch. G. do número 6.
Qual deles tem razão: o número 8 ou o número 6?
Vejamos os fatos. Diz Marx:
"Ao chegarem a uma determinada fase de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que não é mais do que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade... E abre-se, assim, uma época de revolução social". Mas "nenhuma formação social perece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela pode comportar..."(vide K. Marx, Contribuição à Crítica da Economia Política, Prólogo).
Se se aplicar essa tese de Marx à vida social contemporânea, verificar-se-á que entre as forças produtivas modernas, que têm um caráter social, e a forma de apropriação dos produtos, que tem um caráter privado, existe um conflito radical que deve culminar na revolução socialista, (vide F. Engels, Anti-Dühring, capítulo segundo da terceira parte).
Como se vê, na opinião de Marx e Engels não são as "causas desconhecidas" de Cuvier, que geram a revolução, mas causas sociais completamente determinadas e vitais, chamadas "desenvolvimento das forças produtivas".
Como se vê, na opinião de Marx e Engels, a revolução só se leva a cabo quando amadurecem suficientemente as forças produtivas, e não inesperadamente, como pensava Cuvier.
É evidente que nada existe de comum entre os cataclismos de Cuvier e o método dialético de Marx.
Por outro lado, o darwinismo rejeita não só os cataclismos de Cuvier, como também o desenvolvimento compreendido dialeticamente, o qual inclui a revolução, já que, do ponto de vista do método dialético, a evolução e a revolução, as mudanças quantitativas e as qualitativas, são duas formas necessárias de um só e mesmo movimento.
Evidentemente não se pode afirmar, tampouco, que "o marxismo... mantém ante o
darwinismo uma atitude acrítica".
Segue-se daí que o Nobati se engana em ambos os casos, tanto no número 6 como no
número 8.
Por fim, os anarquistas nos censuram porque "a dialética... não oferece a possibilidade nem de sair ou pular para fora de si, nem de saltar por cima de si mesmo" (vide Nobati, nº. 8, Ch. G.).
Isso, senhores anarquistas, é a pura verdade; nisso, respeitáveis senhores, tendes toda a razão: realmente, o método dialético não permite tal possibilidade. Mas por que não a permite? Porque "pular para fora de si e saltar por cima de si mesmo" é um entretenimento de cabras monteses, e o método dialético foi criado para pessoas.
Eis aí em que consiste o segredo!...
Tais são, em termos gerais, as opiniões dos anarquistas sobre o método dialético.
É evidente que os anarquistas não compreenderam o método dialético de Marx e Engels: inventaram sua própria dialética e precisamente contra esta é que investem tão impiedosamente.
Não nos resta, ao observar esse espetáculo, senão rir, pois não se pode deixar de rir, quando se vê como um homem luta contra a sua própria fantasia, destrói suas próprias invenções e ao mesmo tempo afirma com convicção que está assestando golpes no adversário.
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Inclusão | 20/05/2006 |
Última alteração | 03/09/2011 |