"Um Manifesto Comunista Indiano"

Manabendra Nath Roy, Abani Mukherji e Santi Devi

1920


Fonte para a tradução: seção inglesa do Arquivo Marxista na Internet.

Tradução e HTML: Guilherme Corona.


Chegou a hora de os revolucionários indianos manifestarem seus princípios, para interessar o proletariado europeu e americano na luta das massas indianas, que está rapidamente se tornando uma luta pela emancipação econômica e social e pela abolição do domínio de classe. Este apelo é feito ao proletariado britânico por conta da sua relação com os movimentos revolucionários em países dominados pelo imperialismo britânico.

O movimento nacionalista na Índia falhou em apelar para as massas, por que ele almeja uma democracia burguesa e não pode dizer como as massas serão beneficiadas por uma existência nacional independente. A emancipação da classe trabalhadora provém da revolução social e da fundação de um estado comunista. Então, o crescente espírito de rebelião nas massas deve ser organizado na base da luta de classes em estreita cooperação com os movimentos do proletariado mundial.

Mas, como a dominação britânica retira dos indianos os direitos elementares indispensáveis para a organização de tal luta, o movimento revolucionário deve enfatizar no seu programa a liberação política do país. Isto não torna o seu objetivo final a democracia burguesa, na qual a classe privilegiada nativa governaria e exploraria os trabalhadores nativos no lugar de burocratas e capitalistas britânicos. Tudo o que se permite que o mundo saiba do movimento revolucionário indiano é da agitação por autonomia política. Isso naturalmente falhou em conquistar a simpatia da classe trabalhadora de qualquer país, que deve sempre ser indiferente as aspirações puramente nacionalistas.

A ideia de uma rebelião classista contra a exploração capitalista tem ganhado terreno na Índia, imensamente estimulada pela guerra. A acelerada vida industrial, o aumento no custo de vida, o emprego de tropas indianas no exterior e os ecos da revolução russa incendiaram o descontentamento sempre existente nas massas. O movimento nacionalista revolucionário, recrutado na juventude educada das classes médias, tentaram transformar o descontentamento em um levante armado contra o domínio estrangeiro. Desde o começo do século atual, terrorismo, insurreições locais, conspirações e tentativas de revoltas tem se tornado mais e mais frequentes até que praticamente todo o país foi colocado sob lei marcial. Essas atividades não inspiraram as massas com entusiasmo duradouro: os seus líderes falharam em prescrever remédios para os males socais e econômicos com que os trabalhadores sofrem. Mas as forças econômicas dinâmicas, que estão destinadas a causar uma revolta proletária em cada país, se tornaram agudas na Índia e então o espírito de rebelião se tornou mais e mais manifesto entre as pessoas que não eram movidas doutrinas nacionalistas pregadas pelos revolucionários. Hoje, há duas tendências no movimento indiano, distintas em princípios e objetivos. Os nacionalistas advogam por uma Índia autônoma e incitam as massas a derrubar o explorador estrangeiro com um vago programa democrático ou sem programa algum. O verdadeiro movimento revolucionário defende a emancipação econômica dos trabalhadores e se apoia na força crescente de um proletariado industrial consciente e no campesinato sem-terra. Este último movimento é grande demais para os líderes burgueses e só pode ficar satisfeito com a revolução social. Este manifesto é destinado para aqueles que engrossam as fileiras do segundo movimento. Nó queremos que o mundo saiba que o nacionalismo está confinado a burguesia, mas as massas estão despertando para o chamado da revolução social.

O crescimento da consciência de classe no proletariado indiano era desconhecida pelo mundo externo até o ano passado, quando uma das maiores e mais organizadas greves na história foi declarada pelos revolucionários indianos. Embora os nacionalistas tenham a usado como arma contra a opressão política, ela foi realmente uma rebelião espontânea do proletariado contra a insuportável exploração econômica. Tanto que os trabalhadores dos moinhos de algodão pertencentes aos capitalistas nativos foram os primeiros a se manifestarem, não se pode defender que a greve foi nada mais do que demonstração nacionalista.

É sabido na Inglaterra como essa revolta dos trabalhadores famintos foi esmagada pelo imperialismo britânico. Mas a classe trabalhadora britânica foi levada a acreditar que foi meramente uma demonstração nacionalista e então se abstiveram de tomar ações condizentes com os princípios de solidariedade de classe. Uma greve geral simultânea teria dado um golpe mortal no capitalismo imperialista doméstico e externo, mas o proletariado britânico falhou em se levantar na ocasião.

O único passo dado foi muito fraco e de uma natureza burguesa mesquinha – um protesto contra a maneira com que foi esmagada a revolta assinado por Smillie, Williams, Lansbury e Thomas. Essa não foi a voz do proletariado revolucionário que se levantou para defender o interesse de classe.

O movimento nacionalista burguês não pode ser relevante para a luta proletária mundial ou para a classe trabalhadora britânica, que está aprendendo da inutilidade da independência meramente política e de um governo falsamente representativo sob o capitalismo. Mas o movimento proletário indiano é de interesse vital. A tremenda força que o capitalismo imperialista retira das extensivas possessões coloniais ricas em recursos naturais e mão de obra humana barata não pode mais ser ignorada. Enquanto a Índia e outros países dominados permanecem vítimas desamparadas da exploração capitalista e o capitalista britânico está confiante do seu domínio absoluto sobre milhões e milhões de bestas de carga humanas, ele poderá ceder às demandas dos sindicalistas britânicos e atrasar a revolução proletária que o derrubará. Para destruí-lo completamente, o capitalismo mundial deve ser atacado simultaneamente em todos os frontes. O proletariado britânico não pode marchar em direção a vitória final a não ser que ele leve seus camaradas nas colônias junto com ele para combater o inimigo comum.

A perda das colônias pode alarmar a psicologia sindicalista ortodoxa com a ameaça do desemprego, mas um proletário revolucionário com consciência de classe, lutando pela destruição total da propriedade capitalista e pelo estabelecimento de um estado comunista, não pode não desejar tal colapso do sistema atual já que isso levaria à falência econômica do capitalismo – uma condição necessária para sua derrocada final.

Frente a todas as dúvidas dos camaradas britânicos nós declaramos que nosso objetivo é prevenir o estabelecimento de um governo nacionalista burguês, que seria outra fortaleza do capitalismo. Nós desejamos organizar a crescente rebelião das massas indianas nos princípios da luta de classes, para que, quando a revolução venha, seja uma revolução social. A ideia de uma revolução proletária distinta do nacionalismo chegou à Índia e está se mostrando com greves sem precedentes. Ela é primitiva e não totalmente consciente, então ela é por vezes vítima de ideais nacionalistas. Mas aqueles na vanguarda veem o objetivo e a luta e rejeitam a ideia de unir todo o país sob o nacionalismo com o propósito único de expulsar o estrangeiro, porque eles sabem que os príncipes, terratenentes, donos de fábricas e emprestadores nativos, que controlariam o governo, não seriam menos opressores do que o estrangeiro. “Terra para quem trabalha” será nosso slogan mais poderoso, porque a Índia é um país agrícola e a maioria da população pertence ao campesinato sem-terra. Nosso programa também clama pela organização do proletariado indiano nos princípios da luta de classes, pela fundação de um estado comunista, baseado, durante o período de transição, na ditadura do proletariado.

Nós clamamos aos trabalhadores de todos os países, especialmente da Grã-Bretanha, para nos ajudar a realizar nosso programa. A luta proletária na Índia assim como em outras dependências da Grã-Bretanha deve ser considerada como fator vital no movimento proletário internacional. A autodeterminação para a Índia apenas encoraja a ideia do nacionalismo burguês. Denunciem os imperialistas mascarados que a defendem e desgraçam seus nomes (dos trabalhadores britânicos). O fato de que a Índia é governada pelo mais poderoso imperialismo conhecido na história faz qualquer tipo de organização revolucionária em meio a classe trabalhadora quase impossível. O primeiro passo em direção a revolução social deve ser criar uma situação favorável para organizar as massas para o embate final. Tal situação só pode ser criada pela derrubada, ou, pelo menos, pelo enfraquecimento, do imperialismo estrangeiro que se mantém pelo poder militar.

Deixem de ser vítimas do espantalho imperialista de que as massas do Leste são raças atrasadas e devem ser submetidas à infernal exploração capitalista da qual vocês se batem para escapar. Nós apelamos que vocês reconheçam o movimento revolucionário indiano como uma parte vital da luta proletária mundial contra o capitalismo. Nos ajude a levantar a bandeira da revolução social na Índia e a nos libertar do imperialismo capitalista para que nós possamos ajudar vocês no embate final para a realização do estado comunista universal.