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Este livro não tem quaisquer propósitos comemorativo-saudosistas. Recolha de artigos publicados ao longo dos últimos anos numa revista de circulação restrita, é dirigido contra a mistificação, hoje quase obrigatória, de que existiria um grande consenso nacional em torno do 25 de Abril. Nada mais falso. Basta falarmos de um aspecto muito concreto que esteve no centro dos acontecimentos, o movimento popular de 1974-75, para as divergências virem ao de cima, irredutíveis.
Como todos os acontecimentos realmente importantes, o movimento popular que sucedeu ao 25 de Abril continua, muitos anos após a sua extinção, a servir de aferidor dos alinhamentos políticos. Desvio ameaçador, aberrante e anárquico para todo o leque dos adeptos da ordem existente, sejam eles democratas, socialistas, social-democratas, cristãos-democratas ou fascistas-democratas, é pelo contrário recordado com nostalgia pelas pessoas simples como um tempo em que a voz dos pobres era ouvida e começava a ter peso. E isto define dois grandes campos da nossa sociedade; dois campos, embora o silêncio a que foi reduzido o segundo leve os incautos a julgá-lo desaparecido. Entre um e outro, como sempre, aplaudindo Abril mas também censurando os «excessos», está o PCP, fiel à sua vocação genética de conciliar o inconciliável. Esforço inglório que não poderá evitar que algum dia essas duas grandes correntes se voltem a defrontar.
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O que resta de Abril? Muito pouco, quase nada. Agora que a liberdade se traduz na liberdade da burguesia enriquecer e do proletariado vegetar, e que o pluralismo partidário degenerou numa vulgar concorrência de camarilhas pela administração do poder, é cada vez mais difícil encontrar quem leve a sério a genuinidade desta democracia.
Ainda se pode falar livremente, é certo. Mas que é feito daquela bela dignidade das pessoas comuns que há vinte e cinco anos subitamente descobriam já não haver motivos para temer a força armada e os patrões e se reuniam em assembleias para discutir e resolver as questões da sua vida colectiva, ou para se manifestar espontaneamente nas ruas? Essa foi banida sem deixar rasto, porque era a essência mesma da democracia. Essa novidade electrizante, a que alguns chamam com condescendência a utopia, era simplesmente a descoberta de que a democracia pode ser algo mais do que o espectáculo das instituições, pode ser a via para questionar uma ordem social iníqua e abordar a grande questão proibida que no entanto lateja sob a normalidade do dia a dia: é admissível a propriedade privada de alguns contra o interesse da esmagadora maioria? Por isso e só por isso a democracia de Abril foi sufocada. Esse foi o seu crime.
Fala-se cada vez menos do 25 de Novembro e no entanto é essa a única e verdadeira data de fundação do regime actual. Se as personalidades eminentes que nos governam fossem capazes de dar a cara - o que certamente não são - festejariam, em vez do 25 de Abril, o golpe militar de Novembro e reconheceriam que nesse seu dia, ao contrário do outro, não saiu o povo em delírio para a rua mas reinou o silêncio opressivo do estado de sítio; fascistas e magnates rejubilaram, os militares fiéis ao povo foram metidos nas cadeias e os pobres entenderam que chegara ao fim o seu breve tempo de liberdade e esperança. Contra-revolução - essa é a marca distintiva deste regime, de que ele não se pode livrar por mais que pretenda esconder as suas origens e adornar-se com as flores de Abril.
Porque a verdade vai emergindo, lenta mas irresistivelmente, da teia das invenções em que tentam afogá-la: quando, a partir do 25 de Novembro, se invocou a necessidade de «repor a normalidade democrática» e «acabar com a bagunça», o que se visava não era criar uma situação de tranquilidade e equilíbrio mutuamente benéfica para todos mas arrancar aos trabalhadores tudo o que tinham obtido nesses dezanove meses. Reforma agrária, controlo operário, plenários, comissões e assembleias, acesso à comunicação social - tudo foi metodicamente suprimido, porque assim o exigem os interesses do Capital. Em seu lugar reinam agora as verdadeiras bandeiras desta democracia - abismo entre pobres e ricos, negocismo, corrupção, trabalho precário, insegurança. E como se não bastasse, a coroar o desalento e a alienação dos milhões de oprimidos, as cínicas promessas dum futuro radioso servidas por demagogos profissionais. Será preciso mais para demonstrar o absurdo da «democracia nacional» com que sonhavam (ainda sonham?) incuráveis pregadores do reformismo?
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Neste 25.º aniversário, quando a prostituição do 25 de Abril pela democracia oficial atinge as raias do grotesco e aqueles que liquidaram as conquistas populares nos aconselham gravemente a venerar o Dia da Liberdade, é apropriado perguntar: era inevitável que as grandes esperanças de 74-75 viessem desaguar neste pântano?
A resposta aqui enunciada é: sim, era inevitável porque faltou ao movimento popular a determinação de derrotar até ao fim os seus inimigos. Só com essa determinação teria conseguido arrastar consigo a maioria temerosa, apática ou vacilante e consolidar verdadeiras conquistas. Essa é a lição do 25 de Abril que se tenta sonegar. Criar uma nova onda, capaz de se atrever a mais do que a reivindicações parciais e de se fixar como alvo uma profunda transformação social, é aquilo de que os trabalhadores do nosso país mais precisam.