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A ideia da insurreição armada não surgiu, naturalmente, no verão de 1905, mas muito antes. O “9 de janeiro” apoderou-se irresistivelmente do espírito dos operários petrogradenses. A ideia fora anteriormente elaborada pela literatura marxista.
“A missão da classe operária consiste em ampliar e ideia da insurreição, fazendo ver a sua necessidade aos nossos aproveitando-se de toda vacilação do governo, propagando a ideia da insurreição, fazendo ver a sua necessidade dos nossos indecisos condenados de antemão ao fracasso, a propósito dos quais tanto se grita atualmente”,
já escrevia, em novembro de 1904, o camarada Lenine, nos dias da famosa Assembleia dos representantes dos zemstvos, na qual se discutia sobre a representação “consultiva” e “não consultiva”.
Uns dias antes do Potenkin, a ideia realizou-se em proporções relativamente vastas. Em Lodz, no extremo ocidental do “Império”, o proletariado, não russo por sua origem, mas polaco-judeu, respondeu às descargas dos cossacos contra uma manifestação operária, atirando dos sótãos e telhados contra os próprios cossacos e a Polícia. Mas, apesar da defesa heroica dos operários, a sua resistência foi facilmente vencida logo que chegaram as tropas de reforço de Varsóvia.
As dezenas de barricadas levantadas nas ruas de Lodz, em junho do 1905, predisseram, com suficiente clareza, o destino de toda insurreição das massas populares, mesmo armadas, se tiver diante de si uma forca armada não desorganizada, inquebrantavelmente fiel ao governo. Só a passagem mesmo de uma parte das tropas para o lado do povo, só a neutralidade da maior parte das mesmas poderia dar ao povo uma esperança de êxito.
O exército estava desmoralizado pelos fracassos militares do czarismo. Eis em que consistia a significação objetiva da guerra russo-japonesa, sua influência, não sobre o “estado de espírito” da “opinião”, como sucedeu imediatamente depois de Liao-Yang, Tsu-Sima, etc., mas sobre a própria marcha da revolução. A guerra sacudiu a autocracia como o vento sacode a árvore. Lenine, antes de 9 de janeiro, levantando-se contra a afirmação dos menchevistas de que a guerra era, antes de tudo, uma “calamidade”, dizia:
“A causa da liberdade russa e da luta do proletariado russo (e internacional) pelo socialismo depende em grande parte dos reveses militares da autocracia”. “Ao mesmo tempo que lutamos contra a guerra, devemos mostrar sempre grande papel revolucionário da guerra histórica, da qual o operário russo é autor involuntário”. “O povo russo saiu ganhando com a derrota da autocracia. A capitulação de Porto Artur é o prólogo da capitulação do czarismo”.
Mas, se os reveses militares do czarismo foram o primeiro passo para a sua ruína, a insurreição da forca armada contra ele foi o segundo, mais ameaçador ainda.
“Os acontecimentos confirmaram, com uma surpreendente rapidez, a oportunidade dos apelos à insurreição e à constituição de um Governo Provisório Revolucionário”, escrevia Lenine no dia seguinte aos acontecimentos do Potenkin. Agora, todos os social-democratas colocaram as questões militares, senão em primeiro lugar, ao menos num dos primeiros; incluíram na ordem do dia o estudo e o conhecimento das mesmas pelas massas populares. O exército revolucionário deve aplicar praticamente os conhecimentos e as armas militares para a solução de todo destino ulterior do povo russo”.
As palavras “todos os social-democratas” não eram exageradas. Eis o que o jornal menchevista Iskra dizia, naqueles dias, num suplemento denominado A primeira vitória da revolução:
“Chegou o momento de agir audazmente e de sustentar com todas as forcas a valorosa insurreição dos soldados. A audácia agora triunfará. Convocai assembleias populares francas e levai-lhes a notícia do desmoronamento da base militar do czarismo. Em todos os lugares possíveis, apoderai-vos das instituições locais e convertei-as em ponto de apoio do Governo Revolucionário do Povo. Expulsai os funcionários czaristas dos seus postos, e convocai eleições populares para a criação de uma administração revolucionária, à qual confiareis temporariamente os negócios públicos até a vitória completa sobre o governo czarista e a instauração de um novo regime. Apoderai-vos das sucursais do Banco do Estado e das casas de armas e armai o povo. Estabelecei o contacto entre as cidades, entre estas e o campo, e que os cidadãos armados acudam uns em auxílio dos outros em todos os lugares em que o auxílio seja necessário. Assaltai as prisões e libertai os combatentes da nossa causa; com eles reforçareis vossas fileiras. Proclamai por toda parte a queda da Monarquia czarista e a sua substituição por uma República democrática livre. Levantai-vos, cidadãos! Chegou a hora da emancipação! Viva a revolução! Viva a República democrática! Vivam as tropas revolucionárias! Abaixo a autocracia!”.
Mas não foram só os social-democratas; a própria burguesia, depois dos fatos do Potenkin, empregou outra linguagem. Já naquele tempo, Struve, que pertencia à ala direita da “Liga da Libertação” dizia:
“Todo liberal sincero e razoável exige a revolução na Rússia”.
E no congresso dos zemstvos de 6 (19) de Julho ouviram-se discursos como este:
“Quando fomos a Peterhov(1) dizia Petrunkievitch(2), tínhamos ainda a esperança do czar compreender o perigo da situação e fazer algo para salvá-la. Agora, deve ser abandonada toda esperança nesse sentido. Não nos resta senão uma saída. Tínhamos, então, esperança numa reforma de cima; atualmente, o povo é a nossa única esperança (demorados aplausos). Ao povo devemos dizer a verdade em palavras claras e simples. A incapacidade e a impotência do governo provocaram a revolução. Esse fato deve ser reconhecido por todo mundo. Nosso dever é empregar todos os nossos esforços para evitar o derramamento de sangue. Muitos de nós consagraram longos anos ao serviço da pátria. Devemos agora dirigir-nos valorosamente ao povo e não ao czar...” “Confiávamos, até agora, na reforma vinda de cima, mas, enquanto esperávamos, o tempo fez a sua obra. A revolução, fomentada pelo governo, passou-nos à frente. A palavra “revolução”, ontem, assustou tanto dois dos membros do nosso congresso que abandonaram a sala. Mas devemos olhar destemidamente a verdade cara a cara. Não podemos esperar com os braços cruzados”.
Os futuros kadetes estavam de acordo com a “revolução” mas “sem derramamento de sangue...” Entretanto, do estado de espírito que um mês antes motivou a deputação ao czar, “quando o que mais inquietava a Petrunkievich era ter-se apresentado sem luvas brancas”, não restava nenhum vestígio: o burguês não estava decidido a tirar só as luvas brancas, e sim todas as luvas.
O movimento, contudo, não se desenvolveu tão rapidamente como a burguesia temia, e como os partidos revolucionários esperavam. Isso, 3 meses antes dos acontecimentos do Potenkin. O czarismo aproveitou-se desses 3 meses como pôde: em primeiro lugar, para liquidar a guerra; depois, para arranjar um apoio na massa e, finalmente, para organizar os setores da população considerados “fiéis”.
O primeiro era muito mais fácil que o segundo. O Japão, triunfante, não se achava inclinado a ampliar o seu território com o continente asiático no norte, na direção da Sibéria. Para o Japão, o objetivo substancial da guerra era o domínio sobre a China. Havendo assentado firmemente os pés em Porto Artur – o que a Rússia impedirá em 1895 — acharam-se os japoneses à distância que lhes era necessária de Pequim. Como colônia, bastava-lhes a Coreia. Da devolução de Porto Artur e das pretensões da Rússia sobre a Coreia, agora, depois de Mukden e Tsu-Sima, não se falava. No que se referia a territórios, só se entabulou discussão a propósito da ilha de Sakalina — da qual o governo czarista só soubera fazer presídio e onde os japoneses acharam riquezas naturais valiosas. Ocupando Sakalina, o Japão, estrategicamente, convertia o mar interior do Japão em lago japonês: a saída ao sul passava por Tsu-Sima, ao norte pelo apertado estreito que separa a Sakalina do continente. A Rússia poderia tê-la defendido no caso da sua frota achar-se no Oceano Pacífico; mas esta encontrava-se, desde 14-15 de maio, no fundo do mar...
Sem esquadra, a Rússia não se podia utilizar das vantagens de natureza militar; por isto, também, não ia discutir. A discussão principal, em suma, travou-se em torno de dinheiro: o Japão, que gastara enormes somas na guerra, esperava recebê-las da Rússia em forma de contribuição. Neste sentido, Nicolau não se mostrava disposto a fazer nenhuma concessão, não tanto porque viessem novas taxas pesar sobre a Rússia, quanto por amor próprio: ao pagar uma contribuição, o país, por assim dizer, assinava a sua própria derrota. Nicolau não queria de modo algum sancioná-la e achou, neste sentido, aliados inesperados nos aliados do Japão. Nem a Inglaterra nem os Estados Unidos tinham o menor desejo de que o Japão se livrasse da sua tutela financeira. Sem isso, a vitória do Japão teria sido muito mais brilhante: a Rússia czarista deixara-se pegar, como seus próprios inimigos não podiam supor. Dar a esses japoneses, além de tudo, a independência financeira, significava criar no Oceano Pacífico uma nova grande potência, o que não entrava — nem em sonhos — nos planos dos ingleses e dos norte-americanos.
Quando, por ocasião das negociações com Witte (em Portsmuth, nos Estados Unidos), os japoneses se mostraram obstinados na questão da contribuição, os seus credores (não nos esqueçamos que a guerra era feita pelo Japão, principalmente com o dinheiro norte-americano, e, em parte, inglês) deram-lhe a entender que, em caso de continuação da guerra, não poderiam contar com nenhum apoio. O Japão achava-se completamente esgotado. Não houve remédio senão conformar-se, contentando-se só com um pouco de lã do urso russo, sob a forma de gratificação pelo “sustento dos prisioneiros” (havia, no Japão, dezenas de milhares de prisioneiros russos) . Resolveu-se dividir a ilha de Sakalina em duas metades. A Rússia, portanto, saiu do impasse muito melhor do que se poderia esperar, levando em conta a enormidade da derrota sofrida.
Em 16-29 de agosto, Witte firmou o Tratado de Paz, conquistando, de novo, com esse ato, a gratidão de Nicolau: este estava tão prazeroso, que concedeu a seu ex-Ministro da Fazenda o título de marquês, isto é, elevou-o à alta aristocracia russa que, até então, contemplara com desprezo esse chefe de estação, que se alçara à categoria de ministro. Os Romanov resignaram-se, parece, à perda de riquezas coreanas. Exatamente dez anos depois, saiu à publicidade, no estrangeiro, um documento extraordinariamente estranho, algo parecido com uma letra de câmbio: a obrigação do governo japonês de pagar ao portador 120 milhões de yens, em troca de todos os segredos militares, sem exceção, do governo czarista. Esse estranho documento era acompanhado de uma cláusula, ainda mais estranha, segundo a qual o Japão só se comprometia a pagar integralmente a soma mencionada, no caso de, no prazo assinado no documento, o dito país não se achar novamente em guerra com a Rússia. Como o Japão, nesse período, não se achasse em guerra com a Rússia, e sim ao lado dela, da França e da Inglaterra, guerreando contra a Alemanha, naturalmente, o “portador” não recebeu nenhum centavo.
O documento foi declarado “falso”, apesar dos diplomatas japoneses não negarem que a firma do marechal Yamagata, naquela época (1905) presidente do Conselho de Ministros, fosse autêntica. Não nos esforcemos em investigar como num documento “falso” aparece uma assinatura “autêntica”; limitemo-nos a assinalar que um Tratado semelhante só podia ser combinado com um dos Romanov; um indivíduo particular, mesmo que fosse um ministro, não podia ser possuidor de todos os segredos militares russos sem se expor a ser deposto e a perder toda influência, e muito menos prometer que a Rússia não iria novamente guerrear contra o Japão. Além disso, por sua magnitude, a propina era digna de um grão-duque para não dizer do czar.
Por fim, quem “pagou o pato” na aventura dos Romanov foi o soldado russo(3). Em troca disso, na opinião dos Romanov, os parentes dos soldados que haviam ficado em casa, os camponeses, deviam mostrar um eterno reconhecimento àqueles e servir-lhes de ponto de apoio seguro contra o “inimigo interior”. Nisso consistia, em essência, a “Constituição” dos Romanov publicada em 6-19 de agosto, duas semanas antes de assinar-se o Tratado de Paz.
O trem de mercadorias, que lentamente se pôs em marcha em 18 de fevereiro, quando Nicolau exprimiu com tanto esforço a ideia de “incorporar pessoas dignas, investidas da confiança do povo, eleitas pela população, a participar na elaboração preliminar e no exame dos projetos legislativos”, chegou, por fim, à estação. Mas a carga já havia perdido todo seu valor.
A revolução avançava por meses, às vezes por semanas, até por horas. E o governo do czar continuava vivendo por anos, e seguramente, parecia-lhe que se apressara muito ao elaborar um projeto tão importante (a representação popular) em meio ano. A ideia fundamental do projeto, a ideia da representação consultiva, na realidade, envelhecera em fevereiro. Em fevereiro, isto já era um pouco para a burguesia.
Depois de Tsu-Sima, e, sobretudo, depois dos acontecimentos ligados ao Potenkin, da Assembleia dos Zemstvos de novembro de 1904, o povo lembrava-se da época anterior a Pedro, o Grande. Estava clara a impossibilidade de se impor a "Duma de Buliguin" à Rússia, senão tentando aniquilar previamente a revolução. Por conseguinte, a conferência de Peterhov, celebrada em fins de junho (antigo calendário), sob a presidência do czar, estava condenada de antemão a ter um caráter puramente “acadêmico”, e só oferece interesse a quem quiser conhecer como os dirigentes do país examinavam a situação.
A princípio, esses homens contavam recompensar os elementos “fiéis” e castigar os “revoltosos”. No primitivo projeto não se concedia o direito de voto nas eleições à Duma aos “revoltosos”, isto é, aos operários e intelectuais. A maioria da Duma deveria ser composta pelos fazendeiros (34%) e camponeses (43%); os 23% restantes estavam reservados aos donos de fábricas e aos grandes e pequenos comerciantes. Os judeus estavam absolutamente privados do direito de voto, pois eram considerados elementos “revoltosos” e odiados. Surpreende àprimeira vista a relativa maioria concedida aos camponeses, mas deve-se levar em conta que a aldeia de 1905 não vira ainda “desordens” semelhantes, por sua importância, às de 1902.
Antes do verão, o movimento estendera-se a 62 distritos (14% das províncias russas, sem contar os países alógenos) ; porém, a forma de luta que dominava era a greve: tratava-se do levante dos jornaleiros e não dos camponeses proprietários. Estes, em comparação com os operários, eram considerados elementos de toda confiança.
“É necessário assegurar a presença dos camponeses na Duma, como elemento conservador e capaz de expressar as suas necessidades melhor que nenhum outro”, dizia o príncipe Volkenski na conferência de Peterhov.
“Achamo-nos todos inspirados pelo mesmo desejo: facilitar ao país a passagem à nova ordem de coisas sem comoções. Vemos uma garantia desta tranquilidade no sistema de eleições por províncias, sustentado por nós. As ondas de eloquência dos elementos avançados quebrar-se-ão contra as rochas do conservantismo dos camponeses. Não se pode consentir que os camponeses se vejam entregues às suas próprias forcas na luta difícil pelos postos na Duma. É necessário ajudá-los”, dizia o marquês Bobrinski apoiando Volkenski.
“Considero o elemento camponês útil para o trabalho tranquilo e frutífero da Duma. Pode-se comparar os camponeses com o lastro de valor que dará estabilidade ao navio da Duma na luta contra as correntes e os exageros da opinião pública”, dizia, fazendo eco, o alto funcionário Schvanevach.
Aos príncipes, marqueses e conselheiros secretos, aguardava uma amarga decepção, mas, no momento, podiam consolar-se com a “sólida rocha” e adocicar, com o “valioso lastro”, a pílula amarga que a História os obrigou a engolir: os judeus e os intelectuais tiveram que ser admitidos à Duma. O caráter antissemita do projeto de lei eleitoral era sumamente inoportuno, no instante em que se iniciavam as negociações de paz com o Japão, por mediação do presidente dos Estados Unidos, Roosevelt. Esta preciosa mediação (recordemos o valioso serviço prestado pelos Estados Unidos à Rússia ao ser concertada a paz) não foi concedida sem trabalho: Roosevelt teve que obter uma espécie de carta de recomendação do imperador Guilherme. Mas Roosevelt não podia deixar de levar em conta a opinião pública norte-americana, e em nenhuma parte os pogroms judeus provocavam tanta indignação como nos Estados Unidos. Recordar o próprio antissemitismo, em tais momentos, era mais que inoportuno, e Nicolau reservou o seu ódio pelos hebreus para “melhores dias”. Não tardaremos a ver que se pôde consolar com vantagem.
Foram os ministros que insistiram pela concessão do direito de voto à intelectualidade burguesa, pois nos advogados e catedráticos kadetes viam — acertadamente — o seu principal ponto de apoio no futuro Parlamento contra os elementos da ala esquerda. Não se concedeu, entretanto, o direito eleitoral senão a uma intelectualidade cuidadosamente selecionada: para ser eleitor, era necessário pagar, na capital, um aluguel nunca inferior a 1.320 rublos anuais, isto é, ter uma renda de 5 a 6 mil rublos. Não só os mestres-escolas urbanos, mas também os professores dos Institutos e os assistentes das Universidades não foram incluídos nessa categoria. Os estudantes foram previamente eliminados: para ser eleitor era preciso ser maior de 25 anos. Até que ponto se achava isso distante do “sufrágio universal” (e nenhum só congresso de estadistas ou agrônomos contentar-se-ia com menos no verão de 1905) duas ou três cifras o revelarão. Petrogrado, com uma população de um milhão e meio de habitantes, tinha 9.500 eleitores; Moscou, com mais de um milhão, 11.000 (estas cifras explicam-se pela existência do Zamoskvorechie(4); Odessa, com 405.000 habitantes, 7.000 eleitores, etc., etc.
No projeto definitivo, os operários viram-se privados do direito de voto; Roosevelt, “graças a Deus”, não tomara o partido desses “revoltosos”, e os ministros não tinham nenhuma necessidade deles. O proletário, por conseguinte, viu-se livre da necessidade de responder a essa lei eleitoral com o boicote.Mas, o partido proletário, personificado pelos bolchevistas, incitou ao boicote até mesmo as classes que gozavam do direito eleitoral A julgar pela acolhida tributada pelo público burguês aos oradores social-democratas nas assembleias de outono de 1905. quando se tratava da Duma, concluiu-se que o boicote nas cidades fosse levado à prática de um modo brilhante. Mas a “Duma de Buliguin” ficou no papel; a revolução nem deu tempo para começarem as eleições.
No mesmo momento em que Nicolau, com os fazendeiros e os funcionários, elaborava a Constituição que não se levaria nunca à prática, o operário, privado de todos os direitos, preparava a sua, que, apesar das falhas, era muito mais prática. No decorrer desse mesmo verão de 1905, apareceu o primeiro Soviet de deputados operários.
Essa Constituição operária, contrariamente à de Buliguin, não foi examinada por nenhuma Comissão e não solicitaram opinião de professores prestigiosos, na qualidade de experientes (ao ser discutido o projeto de Buliguin, solicitou-se a opinião do famoso historiador Kliucheviski). A Constituição operária foi engendrada pela própria vida durante a luta grevista dos operários contra a autocracia e os patrões.
Falei mais de uma vez que, a partir de janeiro de 1905, as greves não cessaram um instante sequer em todo o país. Para dar uma ideia concreta das proporções do movimento grevista do ano aludido, reproduziremos algumas cifras. Eis, em primeiro lugar, em milhares, o número de grevistas na Rússia, em 1905, e o número máximo, também em milhares, de operários em greve noutros países durante os quinze anos compreendidos entre 1894 e 1908:
Número máximo de grevistas nos quinze anos compreendidos entre 1894 e 1908:
Rússia (1905) | Estados Unidos | Alemanha | França |
2863 | 660 | 527 | 438 |
Em nenhum desses países, e em nenhum ano, o número de grevistas chegou á quarta parte dos operários russos em greve em 1905. E como, numericamente, o proletariado do nosso país era inferior ao norte-americano, alemão e francês, pode-se tirar dessa comparação a conclusão que, durante o mencionado ano, cada operário russo esteve em greve mais de uma vez. E, com efeito, se fixarmos em 100 o número total de operários russos em 1905, o número de grevistas será de 164.
Isto permite comparar o movimento de 1905 com os dos anos anteriores. Em nenhum desses anos, o número de grevistas foi superior a 5% do número total dos operários; só em 1903 superou um pouco essa média (5,1%) . Em 1905, o movimento foi, por conseguinte, 15 vezes mais denso que nos anos anteriores.
Mais adiante, quando estabelecermos o balanço do movimento, examiná-lo-emos mais de perto, e veremos quem ia ecomo ia para a greve. Veremos, então, que houve categorias de operários que, mesmo em 1905, não se rebelaram nem uma só vez. Mas quais eram os resultados diretos obtidos pelos que foram a luta?
Antes de tudo, depois de 9 de janeiro, cada greve russa era um reflexo da luta política, do protesto dos operários contra a autocracia. Naturalmente, como manifestação de um antagonismo de classe, toda greve, como já notara Keliabov(5), era um fato político. Mas era um fato político objetivamente independente da própria consciência dos operários, e, sob o aspecto objetivo, na época de Keliabov, quase nada se compreendera. Em 1905, naturalmente, já era diferente; contudo mais da metade das greves declaradas no decorrer desse ano representavam reivindicações de caráter econômico. Do número total de grevistas, 1.439.000 foram ao movimento com palavras de ordem econômica e 1.434.000 com divisas políticas.
Uma parte da massa operária, participante do movimento, não concentrava ainda todos os seus golpes contra a autocracia, mas lutava contra o czar e o patrão, e sobretudo contra o segundo, pois havia muito poucas greves com exigências exclusivamente políticas, sendo rara, ao contrário, uma greve política sem reivindicações econômicas. Para julgar o estado de espírito da massa operária, mesmo dos destacamentos que lutavam com uma abnegação e uma tenacidade particulares, é melhor reproduzir as palavras de um dos dirigentes do importantíssimo movimento do verão de 1905, da famosa greve dos operários têxteis de Ivanovo-Vosnesensk(6), em que participaram mais de 50.000 operários e que durou dois meses, de maio a julho. Essa foi a greve mais importante, que a Rússia até então vira, pela sua duração.
Vejamos o que esse camarada conta a respeito:
“Nos discursos dos oradores, no primeiro período da greve, não só não havia apelos decisivos e valorosos à luta armada, como também, em geral, se observava uma tendência a tratar com muita cautela todas as questões graves da revolução. Essa atitude era ditada pela circunstância de ser o estado de espírito de grande parte dos grevistas — dos elementos mais atrasados — negativo nesse sentido. Isto se viu claramente quando, diante da tentativa dos camaradas para abordar essas questões, se produziu uma incontrolável agitação na maioria dos participantes da assembleia; surgiram, de toda parte, gritos de: “Basta! Não se deve falar nisso! Queremos uma luta pacífica e não a revolução! Nossa greve é econômica!” e outras coisas parecidas”.
“Uma vez, F. Kukschin, depois de um breve discurso, gritou da tribuna: “Abaixo a autocracia!” A multidão reagiu de um modo tão ruidoso contra esse grito, que exigiu não pouco trabalho por parte de um dos camaradas intelectuais para tranquilizá-la. Depois deste incidente, ficou demonstrada a necessidade de preparar os grevistas, educá-los devidamente sob o ponto de vista político, educação que deveria ser conduzida com muita habilidade e cautela. Essa educação realizava-se regularmente nas assembleias gerais diárias, e Talka(7)converteu-se numa “universidade para a educação política dos grevistas”, universidade que, trabalhando intensamente, levou ao fim a sua missão com grande êxito”.
E, entretanto, a greve de Ivanovo-Voznesensk pertencia, iniludivelmente, à categoria das greves políticas: apresentou palavras de ordem tais como a liberdade de imprensa, de reunião de associação, a inviolabilidade das pessoas e dos domicílios, e ainda a convocação da Assembleia Constituinte baseada no sufrágio universal direto, etc., etc. A quem se surpreender que, em tais condições, os operários pudessem mostrar o seu descontentamento ao ouvir o grito de “Abaixo a autocracia!” lembraremos a petição de Gapon, na qual figuravam todas essas exigências e apesar disso os operários dirigiram-se ao czar. Os preconceitos vencidos pelo proletariado petrogradense em janeiro de 1905, no restante da Rússia iam desaparecendo lentamente. Dois meses e meio depois, os operários de Ivanovo-Voznesensk, segundo esse mesmo camarada, em nada se pareciam com os anteriores; mas o trabalho de educação realizado entre eles foi preciso reproduzir, também, entre outros.
A constituição de classe organizada pelos operários de Ivanovo-Voznesensk demonstra que não eram dos “últimos”. Era de hábito os grevistas procederem à eleição de delegados para encaminhar as negociações com as autoridades e com os patrões. Mas, geralmente, cada fábrica tinha seus delegados e conduzia as negociações em separado. A inspeção de fábricas e os patrões conduziam os operários por este caminho.
“Eu, dizia cada patrão, estou disposto a falar com os “meus” operários; nada tenho que ver com os demais”.
Mas os operários de Ivanovo-Voznesensk compreenderam à maravilha essa manobra favorita da burguesia destinada a cindir as greves; elegeram cerca de 100 delegados, representantes de toda a massa grevista, e exigiram que as negociações se efetuassem com todos, de classe a classe. E os operários sustentaram essa posição de modo tão firme e unânime, que, quando um dos fabricantes propôs a volta ao trabalho dos “seus”, em condições muito vantajosas, esta capitulação foi unanimemente recusada sem vacilações.
Foi assim que surgiu na Rússia o primeiro Soviet de deputados operários, entre 13 e 15 de maio (antigo calendário) de 1905. Os operários entraram em ação como “classe”, pela primeira vez, de um modo completamente independente da influência dos “democratas”, ao contrário do que sucedera com os gaponistas. E, de acordo com isso, a reivindicação puramente classista da jornada de oito horas de trabalho foi adotada unanimemente pelo Soviet de deputados operários.
Essa reivindicação, naturalmente, não foi apresentada somente em Ivanovo-Voznesensk; nas greves de 1905 converte-se em exigência corrente. O fato de, em numerosos casos, os patrões se verem obrigados a fazer concessões neste ponto é muito mais curioso: os operários logravam a realização dessa palavra de ordem. Durante a primavera, o verão e o princípio do outono, os operários das destilarias de açúcar da região de Kiev, os tipógrafos de Samara, as oficinas de instrumentos médico-militares e a fábrica de projéteis de Petrogrado, a seção mecânica da expedição da fábrica de papéis do Estado, algumas fábricas de móveis e de óleos, os operários dos tramways de Tiflis, os mineiros do Extremo Oriente e os trabalhadores das jazidas petrolíferas de Bakú, conquistaram a jornada de oito horas de trabalho.
Admitamos que, em alguns casos, a coisa não passasse de promessa dos patrões — de introduzir a jornada de oito horas de trabalho — mas, ainda assim, essa concessão, sob o ponto de vista de princípio, constituía uma incomparável vitória do proletariado. O número de operários que quase alcançara a jornada de oito horas (a de oito e meia e nove horas) era ainda mais considerável: conseguiram a jornada de oito horas e meia uma parte dos operários têxteis (os das fábricas de Morozov) e os descarregadores no porto de Petrogrado; a jornada de nove horas: os trabalhadores das oficinas ferroviárias e a maior parte dos operários fabris de Varsóvia, de Berlianks, e os tipógrafos de Minsk. Finalmente, a jornada de dez horas foi obtida pela maioria dos operários fabris e pelos padeiros de Moscou.
Se nos recordarmos que todo o mundo considerava como um grande êxito da classe operária a introdução da jornada de dez horas nas fábricas inglesas em 1840, formaremos uma ideia da magnitude das conquistas dos trabalhadores russos, neste terreno, em 1905. Como antes, nesta questão, os patrões mostravam-se mais condescendentes que na dos salários, na qual se mantinham intransigentes. Apesar de tudo, os operários obtiveram concessões relativamente importantes a esse respeito. Em abril, os padeiros moscovitas — já aludimos ligeiramente a essa greve ao falar da “revolta das sociedades culturais” — conseguiram um aumento de 5% nas tarifas. A greve de Ivanovo-Voznesensk, de que já falamos, foi considerada como um fracasso, e, com efeito, os resultados não corresponderam à enorme energia empregada nesse movimento pelos operários; mas, assim mesmo, estes obtiveram um aumento de 15 a 20% dos salários; alem disso, uma das fábricas aceitou a instituição da “Constituição de fábrica”: a admissão e a dispensa dos operários foram confiadas a uma Comissão formada por representantes da administração e operários em números iguais.
No distrito de Schuisk os salários dos tecelões e tecelãs tiveram um aumento de 10%. Na fábrica têxtil de Prokorov(8), em Moscou, o salário médio mensal elevou-se de 14 rublos (maio de 1904) a 16,80 rublos (março de 1905), a 17,73 rublos (agosto de 1905), e finalmente a 19,54 rublos (novembro de 1905). Mas os que, naturalmente, receberam maiores benefícios foram os operários mais qualificados. Na fábrica de Putilov, o aumento de salários variou: para os fundidores, de 157 kopeks diários a 184; para os operários das oficinas mecânicas, de 197 a 225; para a seção de caldeiras de 143 a 176; para a oficina de canhões, de 220 a 252; para a de instrumentos, de 246 a 299. Aqui alcançou-se o máximo de aumento dos salários, 17,7%; nas oficinas mecânicas o aumento foi só de 14,2%, etc., etc. Mas as tarifas foram aumentadas em todas as partes, paralelamente à redução da jornada de trabalho para dez horas.
Os intelectuais, inclusive os revolucionários, prestavam pouca atenção a estas conquistas da classe operária, pois se achavam excessivamente ocupados pela luta estritamente política, e tudo era analisado sob este ponto de vista. Entretanto, o fato tinha grande importância justamente para a marcha e os resultados da luta política. A derrubada da autocracia era inconcebível sem a luta armada. O governo é, antes de tudo, um grupo ou destacamento de homens armados — dizia Engels —; sem opor aos destacamentos governamentais os destacamentos próprios, sem opor o exército revolucionário ao exército czarista, não se podia pensar em vitória e nem sequer numa luta de certa seriedade. Radicava-se entre os proletários a convicção que, mais tarde, na primavera de 1906, foi expressa por um proletário pouco consciente — que justamente por esta razão foi membro da Primeira Duma:
“Com a greve tudo se pode conseguir”.
Se a greve é dotada desta forca prodigiosa, que necessidade há de insurreição armada, tendo como contrapeso reivindicações que nem todos os setores da classe operária assimilaram completamente?” Os discursos sobre a insurreição pareciam destinados unicamente a “assustar”. Entretanto, este era o único plano real o único plano vital.
E como fato ex-professo, a teoria sobre a greve pôde vangloriar-se de um êxito brilhante: Foi por meio da greve que se arrebatou da autocracia a primeira concessão de princípios. A nenhum dos acontecimentos da revolução de outubro de 1905 pode-se aplicar o qualificativo de “espontâneo” com tanta propriedade como à greve de outubro. Pode-se afirmar, sem exagero, que, um mês antes desta, nenhuma só das organizações revolucionárias pensava que nos achávamos em vésperas de um novo e imenso vagalhão do movimento revolucionário, cuja crista se elevaria a uma altura maior que o “9 de janeiro”.
Absorvidas pela luta política corrente, como dissemos, essas organizações concentravam toda sua atenção nas eleições para a “Duma de Buliguin” que, parecia, seriam logo realizadas, e na campanha de boicote das mesmas. E, como é natural, o boicote se realizaria melhor nas cidades (as aldeias elegeriam fazendeiros e camponeses) e se preparava a ação em massa do proletariado para o dia da convocação da Duma, projetada para o dia 10 de janeiro de 1906 (velho calendário), precisamente um dia depois do “domingo sangrento”, que o operário russo não podia esquecer. Os três ou quatro meses que faltavam pareciam favorecer o desenvolvimento completo da agitação em favor do boicote e de uma nova ação política dos operários.
Esta agitação foi aproveitada imediatamente como uma “nova possibilidade revolucionária”, e deu origem aos galanteios democráticos — a que acima nos referimos — dos ministros de Nicolau II com os intelectuais burgueses. O governo, que concentrara toda a forca de resistência na luta contra o movimento operário, que fizera uma concessão aos elementos direitistas dos zemstvos com a “Duma de Buliguin”, resolveu fazer o mesmo com os elementos da extrema direita da intelectualidade urbana, personificada nos catedráticos: essa concessão foi a autonomia universitária.
Os catedráticos, desde muito tempo, aspiravam à autonomia. Em essência, a querela, neste ponto, era semelhante à querela sobre o “zemstvo investido de autoridade”, à questão da independência dos assuntos locais da administração burocrática. Os elementos dos zemstvos desejavam que o seu governador fosse “seu” e não um “burocrata” enviado da capital. Os catedráticos queriam que a Universidade fosse administrada por um reitor eleito por eles e não por um funcionário despachado de Petrogrado. Nem uns nem outros pensavam em evitar a autocracia; a única coisa que queriam era subordinar-se diretamente ao centro e não à ‘‘burocracia local”. Como todas as pessoas politicamente limitadas, supunham que todas as desordens da Universidade provinham deles, catedráticos, “não serem donos de sua casa”. Dê-se-lhes o poder, e no ensino superior reinarão “a tranquilidade e a harmonia”.
Se considerarmos o zemstvo como uma instituição inteiramente dos latifundistas e o ensino superior uma instituição de classe burguesa, tanto os elementos dos zemstvos como os catedráticos tinham, até certo ponto, razão: o eleito pelos fazendeiros locais teria mais autoridade entre eles que o funcionário enviado de Petrogrado; o catedrático burguês poderia exercer maior influência sobre a juventude burguesa que o “policia” — odiado por essa juventude — personificada pelo inspetor ou pelo curador do quadro.
Mais tarde, nos tempos pacíficos, a “autonomia” prestou, neste sentido, serviços à autocracia. Mas, em 1905, a juventude burguesa fora, também, arrastada pelo movimento da massa. Seus elementos dirigentes pertenciam, naqueles dias, ou aos social-democratas (menchevistas, geralmente) ou aos socialistas-revolucionários. Para a autocracia, nenhum deles era conveniente.
A autocracia pensava entregar o poder do ensino superior aos futuros kadetes e outubristas, mas a autonomia universitária foi parar nas mãos dos social-democratas e dos socialistas revolucionários. Os estudantes, no fim das férias de 1905, resolveram não continuar a greve, que mantinham desde 9 de janeiro, mas utilizar as aulas universitárias para o movimento revolucionário. Celebravam-se meetings em todas as faculdades superiores, — assistidos por milhares de pessoas — o que a Polícia não podia impedir, pois não tinha o direito de entrar na “Universidade autônoma” sem permissão das autoridades locais. Estas, naturalmente, chamariam a Polícia gostosamente, porém o estado de espírito dos estudantes não o permitia.
Logo depois do primeiro meeting, assistido por 3.000 pessoas, o reitor da Universidade de Moscou, Trubestkoi, protestou e quis fechá-la, mas as ondas passaram por cima da sua cabeça. A “Associação Acadêmica”, formada por catedráticos – uma das associações profissional-políticas de que acima falamos — não tardou em ver-se obrigada a aceitar os meetings no recinto das instituições superiores docentes como um fenômeno inevitável. A revolução conquistara a liberdade de tribuna. Os próprios conquistadores não compreendiam, repetimos, a oportunidade dessa conquista. Quase no dia seguinte aos primeiros meetings universitários, o novo avanço do movimento operário era um fato.
Já há três semanas se notavam os prenúncios da tormenta que se avizinhava. Em fins de agosto, estourou novamente a greve nas jazidas petrolíferas de Bakú; a causa era a falta de cumprimento, por parte dos industriais, das promessas feitas aos operários em fins de 1904. Para a luta contra a greve, foi empregado, nessa ocasião, um método novo naquela época, mas que se tornou depois comum: enviaram-se os “cem negros” mobilizados pela administração contra os grevistas. Este processo fora empregado antes em ocasiões menos importantes: em Kursk, durante a primavera, contra uma manifestação de estudantes; em Nijni-Novgorod, no verão, contra intelectuais e operários.
No estado em que se achava o Cáucaso, o fato assumiu um caráter de verdadeira carnificina. Bakú converteu-se em teatro de uma guerra civil, durante a qual foi incendiada toda a exploração de Balakano-Sabuchinski. A primeira consequência foi uma crise aguda do petróleo; este encareceu de 200-300%. O fechamento das fábricas da região industrial central, que trabalhavam com petróleo, foi outra consequência. Não olvidemos que a crise dos primeiros anos do século XX não fora ainda completamente liquidada e que o novo período de prosperidade industrial só se iniciou em 1907. As fábricas começaram a fechar, aumentou o desemprego, assim como a revolta entre os operários.
Nessa atmosfera candente, declararam-se, uma após outra, em meados de setembro, as greves parciais. Merece atenção o ato de apesar da teoria pequeno-burguesa do “czar-fome" como chefe da revolução — se declararem em greve geral não os grupos de operários famintos e atrasados, porém, os setores que contavam já com um passado de luta gloriosa, que tinham obtidos grandes conquistas, cuja situação material não piorara mas relativamente melhorara, embora, naturalmente, não pudesse ser de modo nenhum satisfatória. Lembremos o aumento do salário, até dos operários mais qualificados, não superara 20%, enquanto o preço da vida aumentara de 25-30%(9). A luta grevista, na realidade, apenas ajudava o operário a manter-se no nível de existência que este conquistara em princípios do século XX.
Para que esse nível não baixasse, era necessário continuar lutando, renovando continuadamente as greves. Os que triunfaram nas greves anteriores, naturalmente, avançaram com passo firme por esse caminho e começaram sem dificuldades. Os tipógrafos de Moscou haviam conseguido já em 1902 um aumento considerável nos salários, e, desde então, contavam com a sua organização ilegal. A carestia de vida determinada pela guerra (não esqueçamos que a paz fora assinada há pouco tempo e a pressão da guerra sobre o mercado se fazia sentir com dureza); reduzira quase a zero todas as suas conquistas anteriores. Era preciso recorrer, novamente, à greve. O “Comitê Clandestino do Sindicato” — que naquela época se achava nas mãos dos menchevistas — esforçava-se por adiar o movimento para o dia marcado para a atração geral, o dia da convocação da Duma. Mas os operários “inconscientes”, como escrevia o correspondente moscovita do diário bolchevista O Proletário, os “economistas puros, e um pequeno grupo de operários que passara pela escola de Zubatov, como escreve o historiador menchevista do movimento(10), insistiram na declaração imediata da greve econômica.
O autor destas linhas teve oportunidade de assistir a uma das reuniões do Comitê de greve dos tipógrafos e não lhe pareceu que os membros do mesmo fossem “inconscientes”, do ponto de vista de classe. Seu conflito com os patrões era motivado “por uma vírgula”, como dizia humoristicamente o camarada Trotski: os compositores exigiam que se lhes pagasse por caracteres, mas a administração, por tradição, insistia em pagar por letras; a diferença orçava em 12%.
Aos compositores, não tardaram em unir-se os padeiros, grupo que há pouco tempo, em abril, tinha ganho uma grande greve e cujos motivos de queixa consistiam na falta de cumprimento das promessas feitas pelos patrões, naquela época. A marcha exterior do conflito está tão bem descrita no artigo do Proletário (n. 21, de 4 de outubro de 1905) a que aludimos, que vamos reproduzi-lo.(11)
“A greve dos compositores de Moscou foi iniciada, segundo nos comunicam, pelos operários inconscientes. Mas o movimento escapou-se-lhes das mãos, convertendo-se num vasto movimento sindical. Operários de outras profissões aderem. A ação inevitável dos operários nas ruas, embora não seja senão para informar os camaradas que ainda não estão avisados da greve, transforma-se em manifestação política com discursos e canções revolucionárias. A irritação, contida durante longo tempo, contra a indigna comédia das eleições “populares” para a Duma, manifesta-se. A greve de massas converte-se em mobilização dos combatentes da verdadeira liberdade. Os estudantes radicais, que adotaram recentemente, em Moscou, uma resolução análoga em tudo à petrogradense, aparecem em cena; essa resolução, na linguagem dos cidadãos livres, e não na linguagem aduladora dos funcionários, estigmatiza a Duma como um motejo ofensivo ao povo, incita à luta pela República, à convocação, pelo governo revolucionário provisório, de uma Assembleia realmente popular e Constituinte. Começa nas ruas a luta do proletariado e dos setores avançados da democracia revolucionária contra as tropas e a Polícia czarista.
Tal foi o desenrolar dos acontecimentos em Moscou. No sábado, 24 de setembro (7 de outubro), além dos compositores, já haviam deixado o trabalho os cigarreiros e os empregados dos bondes; começava a greve dos padeiros. Ao entardecer, realizaram-se grandes manifestações nas quais participaram, alem dos operários e estudantes, muitos outros elementos. Os cossacos e os gendarmes dissolviam continuamente os manifestantes, mas estes se agrupavam de novo, imediatamente. A multidão resistia à Polícia e aos cossacos; houve disparos de revólver e muitos policiais ficaram feridos.
No domingo, 25 de setembro (8 de outubro), os acontecimentos tomaram um aspecto ameaçador. Desde as 11 horas da manhã, começaram a formar-se grupos nas ruas. A multidão canta a Marselhesa. Improvisam-se meetings revolucionários. As tipografias, que se negam a secundar a greve, são depredadas. O povo assalta as padarias e casas de armas; os operários têm necessidade de pão para viver e armas para lutar pela liberdade (exatamente como diz a canção revolucionária francesa(12)).
Os cossacos só conseguem dispersar os manifestantes depois de uma resistência tenaz. Perto da casa do general governador(13) em Tverskaia, teve lugar uma verdadeira batalha. Nas proximidades da padaria de Filipov(14) havia um grupo de operários padeiros. Segundo declarou mais tarde a administração dessa padaria, os operários saíam pacificamente à rua — depois de abandonarem o trabalho — por solidariedade aos grevistas. Um destacamento de cossacos ataca o grupo. Os operários penetram na casa, sobem ao telhado, e, de cima, lançam pedras contra os soldados. É uma verdadeira batalha. Corta-se toda a comunicação. As tropas disparam contra os operários. Duas companhias de granadeiros efetuam um movimento envolvente, penetram na casa pelos fundos e tomam a posição inimiga. 192 padeiros são presos, dos quais 8 feridos; há dois operários mortos. Há, também, feridos entre os soldados e a Polícia; um capitão de gendarmes está gravemente ferido."
Os que presenciaram esse movimento não se esquecerão de um traço característico do mesmo: a ausência de medo — cada dia mais acentuada — da multidão. Antes, o povo corria em debandada ao ouvir o grito: “os cossacos!” os “dragões!”; agora, ataca os cossacos e os dragões. Já não é a multidão que tem medo deles, mas eles é que começam a temer aquela; as nagaikas, os sabres e as lanças não produzem mais efeito; cada vez com mais frequência ouvem-se tiros de fuzil e tem-se a impressão de que em breve falarão os canhões.
A revolução ainda não palpitava nas palavras de ordem e nos atos, porquanto elas surgiam espontaneamente como espontâneos eram os atos realizados pela massa. O estado de espírito, contudo, já era revolucionário. A massa não fazia ainda a revolução, não percebia achar-se no seu limiar, porém estava disposta a fazê-la.
No momento, o movimento não era senão local; limitava-se a Moscou. Os tipógrafos petrogradenses declararam-se em greve “por simpatia” aos de Moscou. Tratava-se, porém, de uma simples manifestação terminada dois dias depois. Quando Lenine escreveu seu artigo, a greve dos tipógrafos já pertencia, em rigor, ao passado. Até 5 de outubro, os jornais registraram apenas uma série de meetings e, nos centros de ensino superior, uma manifestação motivada pelo enterro de S. N. Trubetskoi, primeiro reitor eleito da Universidade de Moscou, uma manifestação de estudantes, etc., etc. Tudo isto, naquele período, era habitual, e nada significava de novo. Em 6 de outubro, entretanto, um breve telegrama de Moscou trouxe novidades:
“Ao entardecer, declararam-se em greve os maquinistas da linha de Moscou-Kazan. Às duas da tarde, começou a greve dos operários das oficinas ferroviárias da linha Moscou-Kazan”.
Seguramente, ninguém, ao ler esta notícia, pressentiu que começava a greve geral em todo o país. E, no entanto, assim foi. A greve de Moscou arrastou todo o país à luta, exatamente no momento em que os ferroviários se associaram a ela.
Os ferroviários eram dos grupos que conduziram a bom termo a greve em princípios do ano. Em fevereiro, como mostramos atrás, conseguiram a jornada de 9 horas nas oficinas e a“constituição de fábrica”: participação dos representantes operários na admissão e dispensa do pessoal. A luta ulterior, que visava aumento dos salários, foi cortada bruscamente pela administração das estradas de ferro, que declarou mobilizadas as linhas (continuava ainda a guerra, era exatamente nos dias de Mukden). Agora, terminara a guerra; as autoridades sentiram necessidade de fazer algumas concessões, e, em fins de setembro, autorizaram a reunião em Petrogrado de um congresso de delegados dos operários e de empregados ferroviários, com o fim de rever o Regulamento de Pensões.
Não se pode supor que o Ministério de Comunicações imaginasse ingenuamente que o Congresso se limitaria a isso: delimitaram-se, simplesmente, as funções do Congresso, afim de que as autoridades pudessem intervir, em qualquer momento. As previsões das autoridades justificaram-se: o Congresso exigiu a jornada de 8 horas, a Assembleia Constituinte, a anistia completa, tudo, em suma, que os “sindicatos profissional-políticos” exigiam, (entre eles também figurava o dos ferroviários). Justificou-se, alem disso, outra previsão das autoridades que consideravam o Congresso como um “emplastro”: os delegados, entre os quais predominavam os empregados e não os operários, mostraram-se, na prática, muito mais pacíficos que na teoria, e se pronunciaram contra a greve.
Tornou-se, então, evidente, que o importante não era o que o Congresso fazia em Petrogrado, porém, o que por fora pensavam dele. Para os ferroviários, o Congresso era uma espécie de Assembleia Constituinte; a massa dava aos trabalhos do Congresso as cores mais revolucionárias; cria sinceramente que este iria proclamar a República democrática e, quando circulou o boato de sua dissolução e da prisão dos delegados, essa crença aumentou. Em tais condições, nada custou aos seis maquinistas da linha de Kazan, membros das organizações revolucionárias, organizar a greve dos maquinistas.
A estes associaram-se, imediatamente, as oficinas e depósitos logo seguidos pelos telegrafistas e a “administração” (isto é seu “aparelho”, naturalmente; não é preciso dizer que a “administração’', isto é, os engenheiros que administravam a linha não se declararam em greve; porém, segundo parece, também não lutaram contra ela). Na verdade, não havia motivo. Desde que ninguém conduzia os trens, não havia necessidade de mandar telegramas a respeito dos concertos dos mesmos, nem de reparar o material; dentro de alguns dias, o movimento terminaria espontaneamente. Os que regressaram a Moscou pelo último trem puderam ver longas filas de operários das linhas, guarda-freios, vigias, etc., que se dirigiam à cidade: nada tinham que fazer na linha. Eram grevistas contra a vontade. Não tardaram a desempenhar o papel de grevistas como era preciso. Permanecer sentado em casa era insuportável; iam aos meetings, e em poucos dias a atmosfera revolucionária, em Moscou, atingiu o vermelho vivo.
Então, muitos, a começar pelo governo autocrático, viram, com clareza, pela primeira vez, o que significa a paralisação completa do transporte ferroviário na sociedade capitalista contemporânea.
“Apareceram boletins alarmantes das Bolsas de trigo de carne, de legumes, de pescado, de ferro e outras. Os preços dos produtos alimentícios, sobretudo da carne, subiram rapidamente. A Bolsa de Valores vacilava. A revolução fora sempre sua inimiga. Logo que se acharam frente a frente, a Bolsa perdeu a cabeça, precipitou-se ao telégrafo, mas este guardava um silêncio hostil. O correio negou-se, também, a funcionar. A Bolsa clamou à porta do Banco do Estado, porém este não se responsabilizava pela execução das letras. As ações das companhias ferroviárias e dos estabelecimentos industriais dispersaram, e como um bando de pássaros atemorizados, voando não para cima, mas para baixo. No reino sombrio das especulações bolsistas, culminava o pânico, o ranger dos dentes. A circulação monetária fazia-se com dificuldade. Os pagamentos da província não chegavam à capital. As firmas que pagavam pontualmente suspenderam os pagamentos. O número de letras protestadas crescia rapidamente. Os assinantes de notas e cheques, os fiadores e os endossantes agitaram-se, correram à direita e à esquerda, exigindo a violação das leis que haviam sido feitas para eles, porque a inimiga, a greve, que representava a revolução, violara todas as leis do câmbio e do movimento econômico"(15).
O golpe desferido contra o crédito era o mais sensível para a burguesia, porém, se não fosse rebatido em tempo, poderia converter-se num golpe mortal para o erário czarista. A renda baixava. Ninguém aceitava os papéis de valor russo nas Bolsas estrangeiras — onde eram oferecidos aos punhados... E. entretanto, a autocracia tinha absoluta necessidade de um novo empréstimo para “refazer-se” da guerra, para reconstruir a esquadra que fora a pique, para completar as reservas de armas e munições. Não foi em vão que se chamou um homem da Bolsa para “regularizar” os negócios: o czar recordou-se novamente de Witte.
Era, naturalmente, por acaso, que Nicolau chamara Witte exatamente no momento em que a greve dos ferroviários estalou em 8 de outubro. Mas, fosse como fosse, as vacilações de Nicolau em fazer concessões ao povo foram paralelas ao desenvolvimento da greve. À medida que a greve se ia estendendo, maiores eram as vacilações do czar. E em 17 de outubro, em que firmou o manifesto redigido por Witte, verificou-se a mais completa paralisação dos transportes e da indústria. Nesse dia, chegaram telegramas anunciando a greve geral de Sosnovitz, na fronteira alemã, de Askabad, da região do Cáspio, de Odessa e Yureva, de Tiflis e de Kazan, de Kurgan (no Ural) e de Novocherkask (na região da Don).
Achavam-se já em greve não só os operários ferroviários e fabris, mas também as instituições de ensino secundário, os bancos, os advogados e os juízes, os empregados das administrações municipais e os funcionários do Tribunal de Contas.
O espírito grevista propagou-se a todos os lugares onde chegavam o trem e o telégrafo. Eis aqui dois telegramas publicados pela imprensa, que podem ser considerados como típicos:
“Tambov, 17/X — Nota-se insuficiência de petróleo e produtos coloniais. Declararam-se em greve os operários das oficinas ferroviárias e de duas fábricas. Os alunos do Seminário, do Instituto e da Escola Real deixaram de assistir às aulas. Os centros docentes foram fechados. A situação geral é alarmante”. “Kurgan 17/X. — Abandonaram hoje o trabalho todos os operários empregados da Central Elétrica “Kurgan”. Também abandonaram o trabalho os operários dos moinhos de farinha”.
Em toda a parte os ferroviários davam o sinal e tudo se paralisava.
Witte expôs o problema a Nicolau, nos seguintes termos: ou aniquilar tudo aquilo, implantando a ditadura militar ou ceder, dando a Constituição. Nicolau, naturalmente, desejava com toda alma a primeira hipótese. Mas os homens nos quais não podia deixar de ter confiança, o famoso Trepov — que lançara, havia pouco tempo, a “ordem”: “não economizar balas” — e Nicolau Nicolaievitch — futuro generalíssimo na guerra imperialista e que, depois, se tornou não menos famoso — afirmaram unanimemente dispor de tantas balas quantas se quisesse, mas com o auxílio das mesmas era impossível pôr em marcha um só dos trens paralisados pelos grevistas.
Na conferência com Witte, o Ministro da Guerra e o general Trepov, sob as ordens do qual se achava a guarnição de Petrogrado, declararam que nesta cidade havia um número suficiente de tropas para sufocar a insurreição — se estalasse — mas que não se contava com elementos para restabelecer o movimento de trens, embora fosse somente entre Petrogrado e Peterhov, (onde, naquela época, vivia Nicolau). A autocracia era impotente ante a greve ferroviária, e isto lhe produzia pânico. Os ministros dificilmente podiam ir ver o czar pois eram obrigados a dirigir-se a Peterhov em vaporzinhos que, no outono, jogavam horrivelmente. E tudo isso causava um efeito tão grande, a ponto dos generais ajudantes examinarem a possibilidade da fuga de Nicolau e Alexandra Fedorovna(16) para o estrangeiro com os meninos, os quais constituíam “um obstáculo”. No entanto, os soldados do regimento de Semenov e a cavalaria da Guarda fuzilavam o povo nas ruas petrogradenses e nem um só regimento aderira aos operários. O chefe de todos esses regimentos, Nicolau Nicolaievitch, quando soube que era acusado de partidário de uma ditadura militar, armou-se de revólver e encaminhou-se para o gabinete do czar. Contavam os palacianos que Nicolau “grande” ameaçou suicidar-se diante de Nicolau “pequeno”. Não sabemos com exatidão os gestos que o grão-duque fez com esse revólver no gabinete do czar, porém este ato foi nas vésperas da assinatura do manifesto.
Agora sabe-se (graças às Memórias de Witte) que, além da falta de confiança nas tropas, a conduta de Nicolau “grande” era determinada por sua convicção de que, com o auxílio da Constituição, se podia apaziguar o movimento operário. Nicolau Nicolaievitch, nas vésperas das jornadas de outubro, fez amizade com o Gaponista da extrema direita Usrhakov, um provocador pouco mais ou menos como Gapon. Era um operário da fábrica de papel-moeda que estivera anteriormente em relação com as autoridades, inclusive ministros (fora felicitar Witte quando este regressava, depois da assinatura do Tratado de Portsmouth), e que agora se dispunha a ser conselheiro político dos grão-duques. Esse Uschakov contou a Nicolau Nicolaievitch que os operários (razoáveis) lutam por todos os meios contra os revolucionários, mas que isso era inútil, pois, como os operários não têm direitos nem liberdade de ação, a não ser por meios ilegais, seguem os revolucionários que os dirigem, valendo-se dos mesmos recursos ilegais. Bastaria dar aos operários a possibilidade de agir legalmente, para seguirem Uschakov e seus companheiros.
Estas palavras muito impressionaram Nicolau “grande”, e, por assim dizer, abriram-lhe os olhos:
“Eis a maneira de acabar com as greves!”
E, convenceu-se definitivamente da necessidade de “outorgar imediatamente à população os fundamentos firmes de uma liberdade civil baseados no princípio da inviolabilidade efetiva da personalidade, da liberdade de consciência, de palavra, de reunião e de associação”, como se dizia no projeto do manifesto de Witte, referendado por Nicolau “pequeno”.
Tanto Uschakov como seu aluno de “puro sangue” não tardaram a sofrer um amargo desengano: não ocorreu aos operários utilizar esses “fundamentos firmes” para o trabalho “pacífico”. As tentativas realizadas para criar organizações amarelas não tiveram êxito. É possível que o conselho de Uschakov fosse exequível antes de “9 de janeiro”; mas, naqueles momentos, em que os operários já contavam com organizações próprias, não era mais possível orientarem-se no barco da Monarquia autocrática no sentido da ação “pacífica”; pois já começavam a organizar o seu governo revolucionário provisório.
A ideia do governo revolucionário, como a da insurreição armada, já encontrara expressão na imprensa bolchevista há muito tempo. A partir do momento em que a intelectualidade burguesa se apropriou da palavra de ordem da Assembleia Constituinte e a adulterou (em vez de um órgão supremo da revolução, pensava-se numa assembleia convocada pelo czar para elaborar uma Constituição), Lenine sugeriu a questão de saber a quem competia convocar essa Assembleia. O czar não, naturalmente, mas um poder gerado pela insurreição armada, o governo revolucionário provisório. Aos menchevistas esta ideia parecia “insolente” e suscetível de intimidar a burguesia, sem a qual não concebiam a revolução “burguesa”. Por isto, apressaram-se em lançar a palavra de ordem da “autonomia revolucionária”. Deixando na sombra a questão do poder central, agitavam-se em favor da posse do poder, em cada localidade, pelos revolucionários, suprimindo as autoridades locais, governadores, chefes de Polícia, etc.
A discussão em torno destas questões achava-se em seu apogeu no verão de 1905; já vimos um modelo da agitação menchevista no manifesto lançado pela Iskra depois da sublevação do Potenkin. Dir-se-ia que a História queria dar uma lição. Em Petrogrado surgiu, por iniciativa dos menchevistas, o órgão da "autonomia revolucionária"; viveu paralelamente com as antigas autoridades e foi dissolvido por estas sem grande esforço.
O Soviet (conselho) de deputados operários apareceu espontaneamente em Petrogrado, em consequência das greves, como surgira no verão em Ivanovo-Voznesensk. Surgira parcialmente em Moscou, antes das jornadas de outubro, sob a forma de Soviet dos deputados dos operários tipógrafos, mas desagregou-se com a determinação da greve. Em Petrogrado. teve lugar no dia 18 de outubro a primeira assembleia do Soviet (assim mesmo parcial, pois havia unicamente deputados das fábricas do bairro de Nevski). Em seu nome, foi lançado um manifesto que dizia:
“Propomos a cada fábrica, a cada oficina, a cada profissão que elejam deputados na proporção de 1 por 500 operários. A reunião dos deputados da fábrica ou da oficina constituirá o Soviet da fábrica ou da oficina. A reunião dos deputados de todas as fábricas e oficinas constituirá o Soviet geral de Petrogrado. Desde que exista a coesão no nosso movimento, o Comitê dar-lhe-á organização, unidade, forca. O Soviet é o representante das necessidades dos operários petrogradenses, perante o restante da sociedade; determinará o que devemos fazer durante as greves e nos indicará o momento de terminá-las".
A princípio, tratava-se, pois, de um Comitê de greve destinado a unificar as forcas dos grevistas, exatamente como em Ivanovo-Vosnesensk. Mas, em Petrogrado, desde o início, a coisa era muito mais complexa, pois o aspecto político — que em Ivanovo era secundário — na greve geral de outubro de 1905 ocupava lugar preeminente. O primeiro motivo da greve ferroviária foi político. Luta pela inviolabilidade do seu Congresso que, na opinião dos operários, estava ameaçado. Os demais grupos do proletariado, que se associaram aos ferroviários, seguiram a mesma direção. Eis aqui, como modelo, a resolução tomada pelos tipógrafos (os quais, fixemos bem isso, se achavam sob a influência dos menchevistas) apresentada ao Soviet de Petrogrado em 14 de outubro:
“A greve geral política proclamada pelo Soviet de deputados operários é o primeiro passo dado pela classe operária no caminho da luta decidida contra a autocracia czarista.
Considerando que a luta passiva, a cessação do trabalho é insuficiente, decidimos: converter o exército da classe operária em greve em exército revolucionário; organizar imediatamente grupos de combate. Que esses grupos se encarreguem de armar as massas operárias, mesmo que seja por meio do saque às casas de armas e o desarmamento da Policia e dos soldados, sendo possível".
Portanto, até os operários que se achavam sob a influência menchevista compreendiam que começava a luta pelo poder entre o czarismo e a classe operária. Toda a massa operária de Petrogrado o compreendia. Esta ideia é expressa com extrema simplicidade por um operário têxtil da fábrica de Maskvel:
“Não, viver assim é impossível. Recordando toda a nossa luta desde J884, todas as greves de 1885, 1888, 1896(17), a luta ininterrupta do ano de 1905, todos os operários de nossa fábrica compreenderam que nossa situação piora de dia para dia. Mas não há outra saída senão empunhar o cacete e destruir tudo que nos impeça viver. A autocracia impede-nos de lutar pela vida. O jugo patronal foi decuplicado pela águia bicéfala. Tendo suportado tudo, reconhecemos a necessidade de esmagar a autocracia”.
O estado de espírito dos operários petrogradenses era, por conseguinte, puramente bolchevista, proletário e revolucionário; a organização bolchevista da capital errou ao colocar-se, nos primeiros instantes, à margem do Soviet, considerando-o como obra dos menchevistas.
Este erro foi rapidamente emendado; a partir de 15 de outubro (a primeira reunião plenária teve lugar a 14), os representantes da facção bolchevista passam a fazer parte do Soviet. Este iniciou a sua situação dando alguns passos que nada tinham de revolucionários, mandando uma delegação à Duma municipal de Petrogrado, que era composta dos representantes dos comerciantes ricos e dos intelectuais acomodados, e, principalmente de funcionários médios e superiores. O presidente da organização proletária dirigiu-se a essa respeitável assembleia num discurso em que pediu, e exigiu, ao mesmo tempo, que a Duma municipal votasse um crédito para armar a classe operária. A assembleia burguesa naturalmente, negou-se a satisfazer a exigência do proletariado. Dirigir-se a essa assembleia era o mesmo que se dirigir a Nicolau.
O estado de espírito das massas era tal, tanto em Petrogrado como em Moscou, que o momento era azado para se falar em insurreição. O primeiro fracasso da revolução operária foi a greve de outubro não se transformar em insurreição armada. Por que sofreu este fracasso?
Antes de mais nada, recordemos que a greve rebentou espontaneamente e as organizações operárias não estavam preparadas para ela. Os dirigentes do movimento, inexperientes ainda nos combates revolucionários, não percebiam que na revolução só há um momento de apogeu, que se não pode deixar passar, porque não se repete.
Não só em Petrogrado, onde o leme se achava nas mãos dos menchevistas, mas em Moscou, onde se encontrava nas mãos do Comitê bolchevista, que o mantinha firmemente, consideraram que o dia 17 de outubro obtivera um êxito suficiente, e apressaram em tocar a retirada: fizeram justamente o que a autocracia visava com o seu manifesto, a qual decidiu “conceder a liberdade a todos”, não porque houvesse capitulado definitivamente, mas porque tinha necessidade de respirar.
A autocracia encarregou-se de demonstrar claramente no dia seguinte ao da vitória da classe operária, que, substancialmente, nada havia mudado. No dia 17, Nicolau assinou o seu manifesto e no dia 18 um vendaval de pogroms varreu todo o país, pogroms dirigidos contra os intelectuais e hebreus. Não se decidiam atacar os operários senão isoladamente, nas pessoas dos deputados operários. O plano dos pogroms era tão idêntico em todas as partes, que esta circunstância era suficiente para nenhuma pessoa razoável crer no caráter “espontâneo” dos mesmos. Grupos de vendeiros e especuladores, pertencentes à categoria de “cidadãos leais”, com popes à frente e acompanhados de uma turba de esfarrapados, com um retrato de Nicolau — procedente do comissariado de Polícia, — e a bandeira tricolor, percorriam as ruas em “manifestação patriótica”, entoando o hino “Deus proteja o czar”.
Nas circunstâncias criadas pela greve vitoriosa, quando o grito “abaixo a autocracia!” brotava dos lábios, quando ressoava nas ruas as notas da A Marselhesa e a bandeira tricolor se transformava em bandeira vermelha com a rapidez do relâmpago (o público arrancava as faixas brancas e azul), essas “manifestações patrióticas” constituíam uma provocação evidente e grosseira. Os “patriotas” exigiam, naturalmente, que os transeuntes se descobrissem ante o retrato do czar: os que a isso se negassem eram imediatamente espancados, excitando-se desse modo o espírito bélico da multidão. A Polícia contemplava tudo isso com olhos inocentes, como se não houvesse perturbação da ordem pública, ou desaparecia misteriosamente como se a terra a tragasse. Pouco a pouco, as mãos foram-se desatando; espancavam-se não só os que se não queriam descobrir, mas também os que o faziam de má vontade ou com extrema lentidão se, na sua passeata, encontrassem alguém que houvesse discursado em meetings, agrediam-no; depois, acabavam apresentando-se nos domicílios dessas pessoas, destruindo-os. Se se encontravam com uma manifestação revolucionária, a agressão tomava um caráter de massa, e, no caso de resistência da parte dos “vermelhos”, a Polícia — que a terra tragara — reaparecia com a mesma fantástica rapidez, desta vez acompanhada de cossacos e de infantaria. Onde a resistência estava de certo modo organizada, as metralhadoras entravam em ação, e os “patriotas”, depois disso, devastavam e saqueavam sem contemplação.
Se acrescentarmos que não só o retrato do czar procedia do comissariado de Polícia, mas ainda frequentemente os que o conduziam também eram policiais, (em Odessa, por exemplo, o governador Neidgardt, sentado no seu coche, conduziu-o por toda a cidade), que foram interceptadas ordens da Polícia recomendando “prestar apoio” às “manifestações patrióticas”, nenhuma dúvida subsistirá sobre o caráter organizado de todo o movimento. As revelações do ex-diretor do departamento de Polícia, Lopukin, que brigara com os superiores e descobriu os seus segredos, fornecem uma prova documental. Pode-se comprovar que as proclamações incitantes aos pogroms foram impressas no próprio departamento de Polícia, com o material tipográfico confiscado durante as buscas efetuadas contra as imprensas revolucionárias; que essas proclamações eram distribuídas por intermédio dos oficiais da gendarmeria, que, às vezes, desempenhavam até o papel de autores.
As autoridades locais que, por candidez ou por excesso de consciência policial, se negavam a prestar apoio ao pogrom, eram logo demitidas. E o poder central “nada sabia”, e o Ministro do Interior, Durnovo, policial inato, escutava “com assombro” o que Witte lhe contava a propósito da atuação do departamento de Polícia que se achava debaixo de suas ordens.
Assinalaram-se pogroms em 110 pontos do “Império russo”. Neles morreram de 3.500 a 4.000 pessoas, e foram feridas dez mil. Nas províncias longínquas é que se realizaram os pogroms mais cruéis: em Odessa, morreram setecentas pessoas; em Tomsk, onde, ante os olhos do governador e do bispo, mais de 1.000 pessoas foram encerradas num teatro que depois foi incendiado. Em Moscou e Petrogrado, não se conseguiu organizar pogroms, mas vários deputados operários e alguns intelectuais foram espancados. Agora, que os culpados dos pogroms que sobreviveram à vitória da massa popular foram fuzilados (muitos deles caíram sob os golpes dos revolucionários terroristas), e suas correrias de “patriotas” foram varridas para sempre pela mão férrea do Exército Vermelho, não há necessidade de perder tempo com palavras de indignação. Na História, como em toda a ciência, o que é preciso não é chorar ou rir, mas compreender.
Se examinarmos os pogroms como uma das táticas da autocracia na luta contra a revolução, nos convenceremos da força que ainda possuía o mecanismo da Rússia czarista. Organizar em poucos dias, a um sinal do centro, mais de mil ações em lugares que se achavam a mil verstas um do outro, pode ser equiparado à greve ferroviária, com a diferença desta ter sido preparada pelo estado de espírito da massa popular enquanto no primeiro caso o estado de espírito não teve função. A administração czarista esforçava-se em apresentar os pogroms como uma “explosão de indignação” dos “ortodoxos russos” contra os “diabos revolucionários”; mas isto está desmentido pela geografia desses pogroms. Se se tratasse efetivamente de uma explosão espontânea da massa reacionária contra a atuação revolucionária, os pogroms teriam sido tanto mais forte., quanto mais forte fosse o movimento revolucionário na localidade Mas vimos que, precisamente nos centros de intenso revolucionarismo, em Moscou e Petrogrado, não se conseguiu organizar pogroms. Ao mesmo tempo executaram-se os pogroms mais implacáveis em numerosas aldeias do “limite de residência-’, onde não havia nenhuma ação revolucionária, porém onde se achava a vítima favorita dos “pogromistas” — os judeus.
Se a indignação não nos impedisse de raciocinar, teríamos compreendido, já em outubro-novembro de 1905, ao observar os pogroms, o pouco que a greve ferroviária desorganizara a autocracia. Esta estava intimidada, suas concessões eram uma consequência do pânico e não da perda da forca material. Este pânico podia e devia ser utilizado, mas era preciso agir com a rapidez do raio: cada dia perdido dobrava a forca do inimigo e, nas mesmas proporções, diminuía as nossas. Para um ataque de tal rapidez, eram necessárias massas acostumadas às ações e que concentrassem toda a energia numa só palavra de ordem, como sucedeu em fevereiro de 1917; eram necessárias organizações absolutamente maduras, que soubessem firmemente onde achar os amigos e os inimigos, que concentrassem todos os seus esforços num ponto determinado: assim também foi em 1917, quando, em rigor, existia um partido revolucionário, pois os apêndices dos bolchevistas — como os “internacionalistas” e os “S.R. de esquerda” — não tinham grande significação independente. Em 1915, existiam três organizações que disputavam a vanguarda das colunas revolucionárias: os bolchevistas, os menchevistas e os socialistas-revolucionários.
As massas não compreendiam ainda o contra-revolucionarismo dos menchevistas e os socialistas revolucionários não eram então um partido contrarrevolucionário, embora muito prometessem neste sentido, como veremos ao examinar o movimento camponês. Dir-se-ia que eles tinham igual direito de “dirigir” as massas, que, para dizer a verdade, desorientadas, não sabiam que direção tomar. Veremos logo que as greves se entrecruzavam e se atrapalhavam mutuamente, e que, a cada instante, os fins imediatos, sugeridos pela luta do dia, relegavam para segundo plano a finalidade fundamental, a preparação da insurreição armada.
O pânico da autocracia, contudo, não passava com tanta rapidez como se poderia supor, e — depois que a greve chegou ao ponto morto — manteve-se, de um lado, pelas notícias chegadas das aldeias, e de outro, pelas comunicações relativas aos acontecimentos que tinham lugar no Exército.
O movimento camponês estava intimamente ligado à alternativa das colheitas. Os princípios e fins do ano agrícola, primavera e outono, eram sempre acompanhados de uma agravação do movimento camponês. Se no verão se acalmou e inspirou algumas ilusões aos autores da Constituição de Buliguin, no outono devia-se esperar uma nova explosão, com a particularidade de ter outro caráter comparada à da primavera, pois não se tratava do recrutamento de mão de obra, mas da liquidação da colheita. Examinaremos depois, no capítulo seguinte, a composição, os processos de ação e os fins do movimento camponês: bastam-nos aqui os resultados do mesmo e a impressão que produziram nas esferas superiores, entre os elementos que rodeavam Nicolau.
O movimento iniciou-se em meados de outubro — o “contágio” psicológico originário da greve geral ferroviária não oferece a menor dúvida — e manteve-se em alguns lugares até fins de novembro. O movimento estendeu-se, principalmente, pelas regiões das terras adubadas: províncias de Tambov, Kursk, Voronelc, Ukrania (províncias de Kiev, Chernigorsk. Podolsk) e principalmente a região do Volga (províncias de Saratov, Sarnara e Simbirsk). Contrariamente ao movimento da primavera, que tomou um caráter grevista, no outono predominaram resolutamente os pogroms.
“Num breve espaço de tempo, foram incendiadas, devastadas e completamente destruídas mais de 2.000 casas senhoriais; os danos sofridos pelos fazendeiros foram, em dez das províncias em que se desenrolaram os acontecimentos, segundo os dados oficiais, de 29 milhões de rublos ouro(18)”.
As devastações tiveram lugar nas províncias de Tambov e de Saratov, mas, onde mais rapidamente se fizeram sentir os seus efeitos foi em Zarkoie-Selo.
“Em certa ocasião — conta Witte em suas Memórias — fui a Zarkoie-Selo com o objetivo de informar a sua majestade. Encontrei-me com Trepov na sala de audiência, e este, depois de travar conversação a respeito das insurreições dos camponeses disse-me que, para pôr termo a essa calamidade, o único meio seria alienar as terras dos grandes fazendeiros em proveito dos camponeses. Expressei as minhas dúvidas sobre a oportunidade de tomar essa resolução precipitada e pouco debatidamente depois de 17 de outubro, nas vésperas da convocação da Duma. Respondeu-me Trepov que os próprios fazendeiros ficariam contentes como uma tal medida. “Eu mesmo — disse o general — sou fazendeiro e de boa vontade daria metade das minhas terras, pois estou convencido de que só assim poderei conservar a outra metade”.
O monarca, durante a audiência, não me falou disto, porém entregou-me umas notas com projetos, dizendo me: “Examinai estas proposições no Conselho dos Ministros”. Tratava se de uma nota e de um projeto do professor Migulin, nas quais se falava da necessidade de uma alienação obrigatória de terras em benefício dos camponeses, como medida que era preciso adotar como vontade e ordem direta do monarca autocrata”.
Witte resistia, não porque se achasse livre do pânico agrário; ao contrário, de sua passagem pelo Ministério ficou um projeto de reforma agrária (no qual figura, digamos, o projeto do professor Migulin a que acabamos de aludir; a firma do professor era ilegível, e Nicolau escreveu ao lado da mesma, de eu punho e letra, com a sua caligrafia característica, e entre parêntesis, o nome do professor, como atualmente o fazem as datilógrafas nos documentos oficiais; Nicolau tinha receio de a que Witte não decifrasse o apelido, tão prezado, de um “salvador da pátria”, por assim dizer). Se Witte resistia, era por não querer uma repetição do 19 de fevereiro, uma “graça” de Nicolau aos camponeses. Eis porque insistia em que o parcelamento não fosse decretado pelo czar, mas mediante uma resolução da Duma, criada e convocada por ele, Witte. Mas de todas as partes ressoavam vozes apregoando a necessidade de apressar-se pois não havia tempo a perder.
“Então (em dezembro) — continua o relato de Witte — chegou a Petrogrado o general ajudante Dubassov, homem bravo, nobre e honrado. Acabava de regressar da província de Chernigorsk e de Kursk, para onde fora a mandado com atribuições especiais devido às desordens camponesas desenroladas nessas províncias. Dubassov veio ver-me e, falou-me detalhadamente da situação e pronunciou-se pela cessão aos camponeses da parte das terras de que os fazendeiros se tinham apossado. À minha observação de não me resolver à alienação obrigatória sem o caso ser examinado na Duma ou no Conselho de Estado, depois da abertura dessas instituições, respondeu que naquele momento a medida podia acalmar os camponeses; do contrário, estes se apossariam de todas as terras e nada se poderia fazer contra eles”.
Só a derrota da revolução operária em dezembro reanimou Zarkoie-Selo, e, quando Witte apresentou o “seu” projeto de reforma agrária, em fevereiro, Nicolau acolheu-o com frieza e obrigou mesmo Witte a depor Kutler que o elaborara. Naquele momento, devia-se atenuar outro pânico em Zarkoie-Selo suscitado pelo movimento nas tropas.
Os acontecimentos de julho repetiram-se em proporções grandiosas. A parte mais proletária das forcas militares não podia permanecer indiferente ante a vitória do proletariado. A insurreição dos marinheiros em Cronstadt começou, exatamente, um mês depois do manifesto. Esse movimento era tão espontâneo como a greve de outubro. Iniciou-se com meetings e com a entrega de “declarações coletivas”. Quando foram presos os encarregados de fazer a entrega e os seus companheiros os libertaram à forca, começaram os choques com as tropas que permaneceram “fiéis ao dever”, embora a dita fidelidade não tardasse em manifestar-se demasiado inconsistente.
A agitação estendeu-se rapidamente, surgindo uma espécie de greve geral entre os marinheiros. As autoridades acharam incontinenti um meio para combater o movimento: embriagaram os elementos revoltosos menos conscientes e, depois de tê-los posto, deste modo, fora de combate, sufocaram sem grandes dificuldades o movimento da minoria consciente, que se achava desorganizada e não contava com nenhum plano predeterminado. Em Cronstadt, tudo terminou em três dias. No entanto, apenas começavam a se tranquilizar em Zarkoie-Selo, a insurreição estalou de novo em Sebastopol.
Aqui havia mais experiência, mais preparação; o movimento parecia mais sólido que o de Cronstadt e suscitava grandes esperanças. As organizações revolucionárias trabalharam durante muito tempo entre os marinheiros, apoiando-se nos operários do porto de Sebastopol, entre os quais fora feita uma propaganda muito intensa, que produzira seus efeitos. A agitação dos social-democratas era auxiliada por esses operários; a própria organização tinha uma tendência menchevista muito acentuada. A organização propusera-se como fim criar um Soviet de deputados marinheiros; nem se pensava na insurreição armada. Mas o estado dos marinheiros era tal que, segundo comunicaram os gendarmes locais, “já nos primeiros dias de novembro circulavam boatos de que em meados do mês estalaria uma rebelião de marinheiros”. Era muito confusa a ideologia desse movimento: atiravam contra os oficiais, prendiam os generais e, ao mesmo tempo, percorriam as ruas com a bandeira vermelha entoando o “Deus proteja o czar”. Entretanto, houve um momento em que o movimento espontâneo assumiu um caráter tão agudo, que as autoridades se apressaram em retirar da cidade as tropas que ainda se não haviam associado à insurreição, e se dispunham a mandá-las para Balaklava(19). Era necessário dar uma finalidade determinada à massa em ebulição, mas isto ninguém soube fazer.
O caráter consciente do movimento, em comparação com o de Cronstadt, distinguia-se unicamente por não ter sido possível desorganizá-lo com meios tão simples. Mas, por fim, a iniciativa passou às mãos das autoridades. Colocou-se à frente da insurreição o oficial de marinha Schmidt, um cândido sonhador, dizendo-se social-democrata, discípulo do populista Mikailovski, falava da união de todos os partidos socialistas, e enviou um telegrama a Nicolau concebido nos seguintes termos:
“A gloriosa esquadra do mar Negro, fiel ao czar, exige de vós, majestade, a convocação imediata da Assembleia Constituinte e deixa de submeter-se aos vossos ministros”.
Este telegrama leal não impediu que o czar chamasse o desventurado Schmidt de “traidor” e perguntasse impacientemente.
“Vai custar muito liquidá-lo?”
Tanto para ele como para os seus generais, o importante era a insubordinação em massa dos marinheiros; os sentimentos destes, porém, não os preocupavam. Enquanto Schmidt mandava o seu telegrama, os marinheiros realizavam comícios, e as autoridades, reanimando-se um pouco, preparavam o ataque. Este foi efetuado em 15 de novembro. Antes disto, houve um momento em que os sublevados poderiam ter-se apoderado de toda a esquadra; mas deixaram escapar o momento. Agora, quase toda a esquadra se achava em mãos das autoridades, que não vacilavam em pôr a pique os navios que se atreviam a içar a bandeira vermelha. Ao mesmo tempo, em terra, os quartéis dos marinheiros foram bombardeados e tomados. Schmidt, feito prisioneiro, foi mais tarde fuzilado em companhia de 3 marinheiros considerados cabeças do movimento.
A autocracia, nessa ocasião, revelou-se forte sob o ponto de vista material e de organização. Não podia, porém, deixar de convencer-se de que, nesse particular, era forte, devido, principalmente, aos erros de seus adversários. Sebastopol esteve a ponto de se transformar na “primeira fortaleza vermelha” da República russa; se à frente do movimento não se achasse um intelectual tipo de Chekov, que sonhava realizar a revolução sem derramamento de sangue, mas um militar autêntico, Nicolau teria ficado sem a esquadra do mar Negro. Não havia, contudo para as autoridades, garantia alguma de que essas felizes circunstâncias se repetissem sempre. De todas as partes chegavam notícias de “desordens” militares: de Grozno e de Samara, de Rostov e Iaroslavski, de Kursk, de Rembertov (perto de Riga) de Viborg e Ostrolenski (na Polônia), de Vladivostok, de Irkusk e de Karbin.
As notícias mais alarmantes eram as do Extremo Oriente. Nesta região, distante, achava-se ainda, apesar da assinatura da paz, o “exército da ativa” de ontem, a única forca militar organizada de importância que restava a Nicolau, fora a de Petrogrado: as tropas restantes estavam disseminadas em pequenos grupos, numa imensa extensão.
Os reservistas engajados, que constituíam a maioria do exército da Manchúria, não podiam compreender por que, uma vez firmada a paz, eram mantidos a milhares de verstas do seu país; viviam constantemente agitados e, finalmente, começaram a desengajar-se espontaneamente, tomando os trens que se dirigiam à Rússia. O comando mostrava-se indeciso diante desse fenômeno; como o estado de espírito do exército era unânime, apoiar- se nas forcas “fiéis ao seu juramento” era impossível. Tentaram apoiar-se nos Khun-Guzi (“bandidos chineses”), organizados por um general russo, porém a única coisa que se conseguiu foi um copioso derramamento de sangue.
Esse estado de espírito apoderou-se até mesmo dos oficiais, entre os quais havia, também, não poucos reservistas. Em fins de novembro, telegrafavam de Irkusk, primeiro centro de importância no caminho tomado pelas massas que se dirigiam para a Rússia:
“Celebrou-se ontem, no teatro local, com a assistência de representantes da imprensa, um meeting de todas as tropas da guarnição de Irkusk. Reuniram-se cerca de 4.000 soldados. Um suboficial presidia. Muitos discursos foram pronunciados por soldados e oficiais. Decidiram reclamar a melhoria da situação dos soldados, do ponto de vista econômico, do serviço e direito e, no caso de não serem atendidos, declarar greve pacífica. A guarnição expressou unanimemente, também, o desejo de associar-se à exigência do povo russo, relativa a abolição da pena de morte, à suspensão do estado de guerra, à convocação da Assembleia Constituinte por meio do sufrágio universal direto e secreto. Reina grande entusiasmo na cidade, os soldados e os cossacos são alvos de calorosas manifestações de simpatia da população. Nem parece que os “cem negros existem”.
Os chamados “dias de liberdade” — assim foi batizado o período compreendido entre outubro e dezembro de 1905 — foram, por conseguinte, dias de inquietação para a autocracia. Mas a gente acaba por se acostumar a tudo. O que mais devia tranquilizar a autocracia, seguramente, era sentir-se cada vez mais forte no seu centro em Petrogrado. A revolução rugia em todo o país, mas havia onde refugiar-se, pois, na Capital, os seus fracassos eram contínuos.
O primeiro fracasso foi a revolução não conseguir dar o seu presidente ao Soviet, poder revolucionário em embrião. Duas circunstâncias o impediram. A primeira eram as discrepâncias entre as três organizações revolucionárias, os bolchevistas, os menchevistas e os socialistas revolucionários. A segunda consistia em que as três organizações não saíram da clandestinidade senão em outubro. Até os fins deste mês, não apareceram em Petrogrado, abertamente, os jornais social-democratas, o bolchevista Novaia-Jisn (Nova Vida) e o menchevista Nachalo (O começo), com a divisa:
“Proletários de todos os países, uni-vos!”
Era motivo de grande entusiasmo para o proletariado russo ver a divisa da luta proletária internacional estampada visivelmente nos jornais que se vendiam profusamente nas ruas. Mas apenas vários meses de franca propaganda permitiram às massas conhecer a fisionomia dos partidos que publicavam esses jornais. Antes disso, conheciam os partidos apenas de nome e pelos militantes que falavam nas assembleias representando os mesmos; porém, nas condições de clandestinidade, os chefes, naturalmente, raramente apareciam, e unicamente em determinados círculos.
Alguns dos chefes, o camarada Lenine, por exemplo, nem mesmo se encontravam na Rússia. Até à greve de outubro não haviam chegado. Em suma: os camaradas do partido, que poderiam ter sido elevados ao posto de presidente do Soviet, não o foram, por estes ou aqueles motivos; e, como consequência, o cargo foi cair, casualmente, como no caso Schmidt, nas mãos de um tal Nosar, advogado, que se ocupava com negócios ligados a acidentes no trabalho e que, como tal, era muito popular entre os operários. Nosar adotou o apelido de um operário Irustalev, passando, assim, à História, com o duplo apelido de Irustalev-Nosar. A imprensa reacionária, vendo esse nome unido a todas as ações do Soviet, imaginou tratar-se de um autêntico chefe do proletariado petrogradense e fez grandes elogios a Irustalev. Era, na realidade, um orador fogoso e confuso, não muito superior a Schmidt, quanto ao preparo político, e, se se inscreveu na facção menchevista, na verdade, nem menchevista era.
É muito natural que os defeitos do Soviet parecessem, a um presidente como esse, sublimadas qualidades.
“As reivindicações positivas do programa não apareceram de uma vez na bandeira do Soviet, escrevia ele mais tarde. O Soviet não era um partido político, nem um círculo de conspiradores à maneira dos carbonários. Seus membros não eram recrutados nas filas políticas de doutrina comum, para apresentar-se com um programa também comum. O Soviet era uma organização proletária eletiva. O programa do Soviet, toda a sua atuação sua tática, eram determinadas pelos deputados, pela influência e estado de espírito de toda massa operária(20).”
Não percebia Irustalev que a tática do governo revolucionário provisório — e o Soviet era-o em embrião —, devia ser determinada, não pelo “estado de espírito”, mas pelos interesses da massa operária e da revolução que esta massa fazia, nem que a existência, num tal organismo, de uma disciplina de partido, de maneira alguma, converteria em carbonário. O proletariado elegeria homens de partido se os conhecesse. Mas as organizações de partido acabavam de quebrar a casca e o proletariado ainda não podia conhecer os seus chefes. Dos militantes salientes, o que se achava mais perto do Soviet era o camarada Trotski (naquele tempo redator do Nachalo) mas, assim mesmo, este não pôde desempenhar o papel de presidente suplente, a não per nos últimos dias do Soviet, quando este não podia fazer outra coisa senão morrer com honra.
Sem formas concretas de organização, nem orientação política coerente, o Soviet, naturalmente, não podia tomar imediatamente impulso determinado. A energia grevista que transpirava era exuberante e não demorou em evidenciar-se quanto fora precipitada a cessação da greve depois do dia 17: uma semana mais tarde tornou-se possível e mesmo necessário reiniciar-se o combate. O objetivo da luta, o proletariado determinou-o acertadamente. Já antes de outubro, como vimos, os operários aproximaram-se muito da jornada de 8 horas; este lema já era popularíssimo a 19 de janeiro. O movimento desenrolou-se tão espontaneamente como a greve de outubro; em 27-28 de outubro os metalúrgicos instauraram, por via revolucionária, a jornada de 8 horas em seu ramo (a de 9 horas já fora conquistada pela maioria). O Comitê Executivo do Soviet só teve que mencionar a iniciativa dos metalúrgicos, e “sem discussão”, no dia 29, adotou a resolução de começar, a partir do dia 31, a luta pela jornada de 8 horas em todos os estabelecimentos petrogradenses. Os patrões, aturdidos ainda pela recente greve geral, e que continuavam sob a impressão produzida pela brilhante vitória do proletariado sobre Nicolau (vitória que, como veremos adiante, era acolhida simpaticamente pela burguesia) durante os primeiros dias mantiveram-se numa atitude passiva. Mas, 3 dias depois, a luta foi interrompida por iniciativa do próprio Soviet, que declarou uma nova greve política.
Precisamente nas vésperas da luta pela jornada de 8 horas fora sufocada a insurreição dos marinheiros de Cronstadt. Corriam boatos que estes seriam julgados em Conselho de Guerra sumaríssimo, e que 600 marinheiros estavam sob ameaça de fuzilamento. O proletariado não podia permitir esses horrores; o estado de espírito dos operários exigia que se tomasse a defesa dos marinheiros e — o que era ainda melhor — o Soviet poderia justificar isso do ponto de vista político.
“Se arrebatarmos os camaradas marinheiros das garras da autocracia — dizia um deputado — se os salvarmos da morte, prepararemos com isto a morte da própria autocracia. Com a nossa defesa, conseguiremos amigos entre as forcas armadas”.
Isto era inteiramente justo. Mas, como se podia dar apoio? O remédio estava preparado: “Com a greve tudo se pode conseguir!” Entrementes, declarou-se o estado de guerra na Polônia. Em 2 de novembro o Soviet anuncia que a greve do proletariado petrogradense durará até que o governo ponha os presos de Cronstadt em liberdade e levante o estado de sítio na Polônia.
Era um “gesto” magnífico. Os operários sustentaram a greve com grande firmeza.
“Na greve de novembro, o Soviet não teve que despender esforço para conseguir a adesão dos não-grevistas ao movimento. Todos os operários abandonaram o trabalho”, relata Irustalev em sua História do Soviet Petrogradense de 1905.
Não há, porém, nada que, baseado no “estado de espírito”, possa durar. No dia 14 (e a greve foi declarada em 2 de novembro) foi necessário propor a liquidação da greve no Comitê Executivo do Soviet, pois o “estado de espírito desfalecia” O Soviet rejeitou a proposição do Comitê Executivo mas, no dia seguinte, 5, viu-se forçado a decretar a cessação da greve, apesar da Polônia continuar em estado de sítio, e os marinheiros de Cronstadt na prisão (soube-se, então, que não seriam julgados por um Conselho de Guerra sumaríssimo, e, sim, pelos tribunais ordinários). Sem essa decisão, a greve ter-se-ia liquidado por si mesma, o que teria um efeito desmoralizador.
O pior do caso era que, devido a essa ação magnífica, embora estéril, foi necessário, naturalmente, interromper a luta pela Jornada de 8 horas. Não há nada mais perigoso, quando a luta se encontra no zênite, para modificar repentinamente a direção o ataque. Só um milagre pode, em tais casos, evitar a derrota.
Desgraçadamente, o milagre não se deu. Ao reiniciarem a luta pelas 8 horas, os operários não se encontraram mais com a passividade dos patrões, e, sim, com a mais ativa e desabrida resistência. Uma parte das fábricas foi fechada sem contemplações “até que os operários voltassem ao trabalho nas condições anteriores”; noutras, afixou-se um aviso em que se ameaçava com a dispensa no caso de ser ulteriormente introduzida a jornada de 8 horas por via revolucionária.
Em sua História, Irustalev-Nosar explica essa mudança de atitude dos patrões pelo fato destes agirem sob a pressão do governo de Witte, assustado, segundo ele, pela intervenção do proletariado no caso de Cronstadt. É pouco provável que essa intervenção fracassada impressionasse Witte; isto, em primeiro lugar; depois, em momentos recentes ainda, os patrões estavam solidários com os operários na luta contra o governo.
“Por ocasião da greve de outubro, os patrões não só não opuseram nenhum obstáculo à celebração de meetings nas fábricas, como também pagaram a metade dos salários à maioria dos operários durante os dias de greve e, em alguns estabelecimentos, os trabalhadores chegaram a receber o salário todo. Por participar da greve nenhum operário foi despedido. Na fábrica Putilov e em outras, a administração pagava inteiramente o salário aos deputados do Soviet nos dias em que estes se achavam ocupados nas reuniões do mesmo. A administração da fábrica Obukov punha o seu vaporzinho à disposição dos deputados do Soviet para a suas viagens à cidade”.
“A primeira greve — escrevia o Pravo — ficará como uma página brilhante na História do movimento de emancipação, como uma recordação dos grandes serviços prestados pelo proletariado à luta pela emancipação política e social do povo(21)”.
Há outra explicação muito mais verossímil. A retirada do proletariado destruiu a sua reputação de invencível. Retiraram-se ante o governo sem nada conseguir, diziam os capitalistas: por que não se retirarão ante nós? E a jornada de 8 horas, naturalmente, arranhava-lhes mais os bolsos que a exigência da Assembleia Constituinte.
O fracasso teve também suas consequências positivas: no Soviet, decaiu a confiança na força onipotente da greve.
“Até os partidários da greve geral política, como meio universal de luta pelo poder, acrescentaram à sua fórmula a da “insurreição armada”. “Contra a força só um meio: a força”.
“Agora, é necessário passar à organização combativa de nossas fábricas e ao seu armamento. Formai em cada fábrica decúrias com decuriões eleitos, centúrias com centuriões, e acima dessas centúrias colocai um comandante. Levai a disciplina nessas organizações a um grau tão elevado que possam entrar em ação ao primeiro sinal. Recordai que, na ação decisiva, só podemos contar conosco: a burguesia liberal já começa a manter uma atitude de desconfiança e mesmo adversa em relação a nós. Os intelectuais democratas vacilam. A “Associação das Associações'’, que aderiu a nós de tão boa vontade na primeira greve, sente muito menos simpatia pela segunda”.
Mas, ao dizer isto, Irustalev-Nosar esquecia que, para a insurreição armada, é preciso um movimento de muito maior impulso que para a greve. E, agora, a pólvora não bastava nem mesmo para a greve. Isto já fazia prever o fracasso da insurreição de Petrogrado. Além disso, a simpatia ou a aversão da “burguesia liberal”, a confiança ou desconfiança que se pudesse ter nos “intelectuais democratas” não desempenhava, nesse caso, nenhum papel de importância. A primeira tinha medo do proletariado, os segundos aproximavam-se deste, quando o viam forte. A exteriorização das debilidades do mesmo animaria a primeira e afastaria os segundos(22).
A partir da segunda metade de novembro, a existência do Soviet de Petrogrado volta a ser cada vez mais precária. Mas ainda tem forca para outro “belo gesto”. No dia 23 de novembro apareceram nos jornais de Petrogrado, sem exclusão dos burgueses, as seguintes linhas:
“O Comitê” Executivo do Soviet de Deputados Operários, em sua reunião de 22 de novembro, considerou necessário, em vista da bancarrota iminente, que a classe operária e todos os elementos pobres da população retirem os seus depósitos das Caixas Econômicas e exijam que todos os pagamentos, inclusive os dos salários, se efetuem em metal”.
Em dezembro, as somas retiradas das Caixas Econômicas de Petrogrado ultrapassaram de 4 milhões de rublos as somas depositadas. Em toda a Rússia, as retiradas superaram a 86 milhões. Era este um dos golpes mais sensíveis assestados pelo proletariado petrogradense contra a autocracia, depois do 17 de outubro. As quantias, naturalmente, eram retiradas não só sob influência da resolução do Soviet, mesmo em Petrogrado: os depositantes principais das Caixas Econômicas não eram o proletariado e os setores afins da população, mas a pequena burguesia, cujo estado de espírito era, em grande parte, reacionário. Se retiravam os depósitos era porque nesses “dias tormentosos” a pequena burguesia preferia guardar o dinheiro em casa. Mas, sob o ponto de vista revolucionário, tratava-se de um passo muito importante para fortalecer, com esse movimento, a autoridade do Soviet, e obrigar o governo a reconhecer que a agitação do primeiro dia ia muito além dos limites dos setores operários.
Num momento de intenso entusiasmo revolucionário, isto reforçaria a autoridade do Soviet e o pânico do governo. Achávamo-nos, no entanto, num momento de refluxo, e a autocracia recalcara o pânico. O único resultado que podia colher o golpe certo, mas não mortal, desferido pelo Soviet, era recordar-lhe que chegara o momento de “terminar” com ele.
Para sufocar a revolução operária, que rugia em toda a Rússia (em dezembro, precisamente, a insurreição de Moscou atingiu o seu apogeu), o governo de Witte tinha necessidade de firmar suas posições em Petrogrado. E isto tornou-se aqui mais fácil que em outro lugar. Em 26 de novembro, Irustalev-Nosar foi preso. Esse golpe não ocasionou transtornos sérios quanto à organização: o sucessor de Irustalev foi “Iavonski” (pseudônimo que o camarada Trotski empregava naquela época). O Soviet tinha, afinal, à frente, um verdadeiro chefe político; mas esse chefe teve que conduzir um exército já derrotado. À prisão de seu presidente, os operários petrogradenses responderam com algo parecido à “expressão de simpatia”. A fábrica do Báltico tomou a seguinte resolução:
“... em relação à prisão do presidente Irustalev, os operários da fábrica do Báltico declaram que estão dispostos a tudo, inclusive ir à greve (!), se a Assembleia Geral do Soviet de Deputados Operários tomar esta decisão”.
Basta comparar o princípio de novembro, quando Petrogrado se levantou Como um só homem em defesa dos marinheiros de Cronstadt, com esta quase-promessa de “inclusive” ir à greve (e isto ainda sob a autoridade do Soviet) em defesa de seu presidente, para se compreender a distância a que se haviam retirado as ondas da revolução e como a autocracia se achava certa da vitória em Petrogrado.
Em 2 de dezembro, o Soviet publicou o seu famoso manifesto, que era uma espécie de testamento. O documento começava com as palavras “o Governo acha-se às bordas da bancarrota”, e terminava com a repetição da resolução de 22 de novembro relativa às Caixas Econômicas, completando-a com a “decisão” do proletariado de “não permitir o pagamento das dívidas contraídas, em razão dos empréstimos negociados pelo governo czarista, quando aberta e encobertamente se achava em guerra com todo o povo”.
É característico que o manifesto não faça um apelo à insurreição, da qual, em sua declaração sobre a prisão de Irustalev-Nosar, o Soviet ainda falava. As organizações revolucionárias, que assinaram no pé do documento, viram-se obrigadas a fazê-lo Por conta própria, uns dias depois. Na assembleia, sem partido como sempre fora o Soviet, já não havia o “estado de espírito” adequado para isso.
No dia seguinte, 3 de dezembro, o Soviet foi detido.
“Detive-o declarava Witte depois, triunfalmente — sem nenhum incidente e sem verter uma gota de sangue".
Depois de toda a exposição, o leitor não se surpreenderá que, com a detenção, não mais do presidente, porém de toda sua representação(23), o proletariado respondesse apenas com uma greve parcial. Mais da terça parte dos operários petrogradenses, mesmo depois deste acontecimento, não julgou necessário abandonar o trabalho, apesar da insurreição de Moscou, e a linha de Nicolau(24) continuou funcionando, o que ajudou consideravelmente o governo a sufocar a insurreição moscovita. Não lhe foi possível organizar um novo Soviet no lugar do que fora detido.
“O plenário do segundo Soviet parece que não se reuniu uma só vez”, diz um dos membros do mesmo em suas Memórias. “A revolução (em Petrogrado) decaía acentuadamente”.
Dá-se deste fato uma explicação, que se converteu em clássica, à sua maneira: o proletariado petrogradense sofrerá muita fome durante as greves de outubro e novembro, e já era incapaz de realizar esforços revolucionários sérios.
Como não queremos “chorar nem rir, mas compreender”, vamo-nos deter um pouco nesta questão.
Que significa o “esgotamento” do proletariado na luta grevista? Nas condições da Europa ocidental isto significa: toda organização operária conta com a sua “caixa de combate”, com a sua caixa de resistência, por meio da qual se sustentam os operários durante as greves. A extinção dessa caixa condena os operários e suas famílias à fome; nisto consiste o “esgotamento” dos operários por uma greve prolongada, obrigando-os a capitular.
Os operários russos, em 1905, contavam com essas “caixas de combate”? Os camaradas, que se recordam dessa época sorrirão, seguramente, ouvindo esta pergunta. Não só não havia uma só “caixa de combate” como também nada que com ela; se parecesse. O “Comitê para os sem-trabalho”, anexo ao Soviet de Petrogrado, pode ser considerado como embrião das mesmas. Nada há que permita afirmar que a queda do movimento do proletariado petrogradense, em fins de 1905, tivesse relação com o esgotamento dos recursos desse Comitê, recursos, por outro lado, tão insignificantes, que nenhum papel poderiam exercer.
A explicação, portanto, tem que ser procurada na situação material de cada operário. Havia, na realidade, um esgotamento tão grande que nos possa explicar o desespero e a cessação da luta? Eis alguns dados que desenterramos dos arquivos da fábrica Putilov, relativos aos salários dos metalúrgicos petrogradenses.
No mês de outubro de 1905, cada operário de Putilov percebeu, em média, 44 rublos, 81 kopeks contra 45 rublos e 44 kopeks no mês correspondente do ano de 1904; em novembro, 44,56 contra 47,65, em 1904. E em dezembro achamos uma diferença enorme: 28,84 contra 42,04 em dezembro do ano anterior.
A greve mais esgotante, para o metalúrgico petrogradense, foi precisamente a de dezembro, na qual o proletariado tomou parte pouco ativa “em consequência do esgotamento”. O “esgotamento” dos meses precedentes, esse mesmo esgotamento que, segundo se pretende, impedira o proletariado de Petrogrado de entrar em ação em dezembro, era tão insignificante, que seria uma ofensa para esse proletariado atribuir-lhe uma importância qualquer. O operário russo não vendia a sua liberdade por três ou quatro rublos por mês.
Os anos, de 1918-1919 mostraram-nos a que privação pode o proletariado resignar-se quando luta pela vitória da sua causa. Em dezembro de 1905, o que não havia em Petrogrado era justamente esperança. O esgotamento não era material, mas político. O proletariado estava cansado de combater, do mesmo modo que o homem que não consegue organizar o seu trabalho se fatiga. Das ações do proletariado depois de 17 de outubro não se obtivera nenhum resultado, e, isto, entre os elementos menos consistentes, engendrava a decepção. E vale a pena combater-se, em geral, se só se obtêm golpes? Não há melhor meio de se desorganizar um exército que o levar a pequenos combates sem resultado.
Constituiria, naturalmente, um grande erro, seria uma atitude inteiramente antimarxista, procurar em tudo isto defeitos de caráter individual. Os homens atuam numa situação objetiva determinada. Os dirigentes do movimento de Petrogrado contavam com um proletariado dotado de um certo grau de organização e de consciência política. Tanto uma como outra era muito mais elevada na capital que no resto da Rússia; contudo, até que ponto era frágil a organização vê-se no fato de, ao formar-se o Soviet, existirem somente quatro sindicatos; quando se dissolveu havia dezesseis. O resultado principal do trabalho do Soviet é representado por esse aumento de sindicatos. O Soviet deixou o proletariado petrogradense mais unido, o que já era um resultado positivo. Se se acrescentar a isto o fato de ser o Soviet uma grandiosa escola de consciência política, que depois dele, fora inconcebível, não só um 9 de janeiro, porém mesmo uma greve espontânea semieconômica, semipolítica, como aquela que começou em outubro, compreenderemos que a existência do Soviet não foi inútil.
Para o restante da Duma, o aparecimento em Petrogrado de um centro de combate proletário era um exemplo colossal; neste sentido, o Soviet teve um destino melhor que o de Ivanovo-Vosnesensk, que foi um fenômeno isolado. Seguindo o exemplo de Petrogrado, surgem Soviets em Rostov sobre o Don (em princípios de novembro), em Odessa, em Nicolaiev, em Samara, em Revel, em Bakú, em Sormovo, na fábrica de Votkin, em Novorosisk, em Taganrog, em Yuzuvk, em Tver, etc. Em todas estas localidades apareceram, em fins de novembro, ou princípios de dezembro, muito mais tarde que na capital.
Depois da queda de Petrogrado, Moscou foi a cidade principal da revolução. Aqui começou a greve de outubro. Aqui a revolução operária de 1905 recebeu o golpe de graça.
Por sua consciência e grau de organização, o proletariado de Moscou estava mais atrasado que o de Petrogrado. Esta cidade concorreu com 1.033.000 grevistas, sobre um total de 298.000 operários; Moscou, em 540.000 sobre 567.000. Cada operário petrogradense, portanto, esteve três vezes e meia em greve, ao passo que nem todo o proletário moscovita tomou parte nela uma vez. É preciso observar que na região de Moscou predominava a indústria têxtil; em Petrogrado, a metalúrgica. Nas outras províncias, a proporção ainda era menor (413.000 grevistas sobre um total de 543.000 operários).
O proletariado moscovita, porém, embora fosse mais atrasado, conservava melhor as suas forcas: desde a vitória de outubro até dezembro não teve nenhum fracasso. Revelou-se, ao mesmo tempo, de um modo favorável, a debilidade relativa da intelectualidade de Moscou. Enquanto em Petrogrado, onde a intelectualidade era muito numerosa, o partido operário tinha que sustentar uma forte concorrência de “democratas” de toda natureza e, em virtude disso, caminhava a esmo, “sem partido”, em Moscou os social-democratas, — precisamente os bolchevistas — davam o tom, e a própria constituição do Soviet foi uma vitória do partido sobre os “sem partido”, porquanto o Soviet substituiu o Comitê de greve, onde os elementos da “Associação das Associações” tinham uma considerável influência.
Os competidores dos bolchevistas, em Moscou, eram, então, unicamente, os socialistas revolucionários que, embora não fossem revolucionários, eram dignos dessa denominação. O papel das “personalidades fortuitas” foi insignificante e nenhuma figura semelhante à de Irustalev-Nosar serviu de ornamento ao Soviet de Moscou. O ditador efetivo do movimento revolucionário foi o Comitê Social-Democrata com o falecido camarada Schantser (“Marat”) à frente. Foi esse Comitê que organizou a mais importante das manifestações moscovitas, o enterro do camarada Bauman, assassinado pelos “cem negros” em 18 de outubro, em que participaram 200.000 pessoas e cujo desfile Moscou inteira assistiu. A manifestação causou uma impressão tão forte aos “cem negros”, que estes só ao entardecer resolveram atacar os manifestantes, na obscuridade e com o auxílio dos cossacos.
Esta grande centralização do movimento moscovita tinha o seu lado perigoso: um golpe magistral da reação contra o centro podia deter toda a máquina, decapitar a revolução; se se conseguisse separar o centro da periferia, todo o movimento perderia o seu caráter organizado. Como veremos, por infelicidade, sucedeu uma e outra coisa. O fato do proletariado moscovita conservar a sua galhardia revolucionária tinha também o seu lado negativo. O ardor "grevístico” que, já em outubro, desaparecera na vanguarda petrogradense, em Moscou existia ainda em toda sua plenitude. A frase “com a greve tudo se pode conseguir” era justamente de um operário moscovita. Moscou não, conhecia os fracassos e as decepções que os petrogradenses encontraram neste caminho e que lhes serviram de lição. Entre novembro e dezembro, houve uma greve fracassada dos empregados dos Correios e Telégrafos, na qual se depositaram muitas; esperanças injustificáveis. As autoridades estavam preparadas e, apesar dos grevistas se manterem firmes e unânimes, o movimento encontrou uma atitude de resistência tenaz. Isto demonstrou uma vez mais o papel desempenhado pelo medo e pelo pânico da autocracia na vitória de 17 de outubro. Mas este fracasso não desmoralizou o proletariado, na expressão usual da palavra; pelo contrário, alentou-o, porquanto um novo e considerável grupo, afim do proletariado, se incorporou à massa revolucionária. O grupo dos empregados dos Correios e Telégrafos não era o único e nem o mais inesperado: os bolchevistas, tinham conseguido influenciar com a sua agitação grupos tais como o dos carniceiros do “Okotni-Riad"(25) que, desde o ano de 1879, era um dos pontos de apoio da reação; depois que, em 1878, os carniceiros agrediram uma manifestação de estudantes, o nome de okotnoriadsets(26)nos lábios dos intelectuais era equivalente a “pogromista". Agora, até estes elementos se achavam nas filas da massa grevista.
Era ainda mais importante o fato da propaganda social-democrata começar a influenciar a guarnição de Moscou. Essa guarnição era muito menos numerosa que a petrogradense e, por sua composição, muito mais democrática. Não havia nela regimentos de guarda com oficiais procedentes da classe dos fazendeiros ricos, e nem soldados procedentes da classe camponesa remediada(27). Havia, em Moscou, a infantaria ordinária – embora denominada “granadeiros” — com uma oficialidade burguesa e soldados vindos da classe camponesa média. Só o regimento de cavalaria, o de dragões de Sumski (depois de hussares), tinha, em Moscou, uma composição de hábitos granadeiros. Em compensação, havia, nessa cidade, tropas proletárias, tais como os batalhões de sapadores, de ferroviários. Em Petrogrado, residência do czar, não existiam dessas tropas “perigosas”; recordemos que em outubro a guarnição petrogradense não dispunha de um só batalhão de ferroviários.
A agitação começou, em outubro, a influenciar as tropas de Moscou. Chamava a atenção, no enterro de Bauman, um grupe de homens em uniforme militar seguindo a bandeira do Comitê local; entre eles brilhavam as dragonas douradas dos “tenentes da reserva”. Os sapadores e os artilheiros eram os que estavam mais influenciados; os primeiros eram considerados pelos revolucionários como “dos seus”. Mas a agitação exerceu influência até sobre os cossacos de “segundo turno”, entre os quais, como no exército da Manchúria, eram numerosíssimos os reservistas mobilizados, pertencentes à categoria de pequenos proprietários. Arrancados de seus lares, ficavam descontentes; os serviços de polícia, a que se entregavam, repugnava-os, e simpatizavam sinceramente com os revolucionários, quando estes falavam das necessidades camponesas e atacavam os chefes.
Em fins de novembro e princípios de dezembro iniciou-se na guarnição de Moscou uma conspiração que tomou formas proporções nunca vistas em Petrogrado. Começou com as “solicitações coletivas” dos sapadores e do regimento de reserva de Troitse-Sergueiev; mas não parou aí. Em 2 de dezembro estalou uma verdadeira sublevação no regimento de granadeiros de Rostov. Uma parte dos oficiais foi lançada à rua, outra presa, e o regimento fechou-se no quartel, onde a direção estava em mãos de um Comitê de soldados, composto de vinte pessoas escolhidas por eleição. Ao mesmo tempo, outros regimentos de granadeiros começaram a visitar-se mutuamente ao som da A Marselhesa.
As exigências dos soldados eram puramente profissionais; reduziam-se, em geral, à formulação dos direitos do soldado, expressos em 1917, no famoso “prikaz n. 1”. Mas o importante era tratar-se de uma massa militar, que não se submetia ao governo e, sobretudo, seriamente armada: o regimento de Rostov contava com oito metralhadoras. Deve-se levar em conta que, naquele período, as próprias autoridades não dispunham de artilharia; em razão da pouca confiança depositada nos artilheiros, os canhões foram concentrados no acampamento de Kodinskaia(28), onde se achavam guardados por forcas de infantaria (nas quais — como depois se viu — também não se podia ter confiança). Uma ação decisiva dos operários, naquele momento, teria dado um incomparável impulso ao movimento: os agitadores intelectuais não inspiravam confiança aos soldados. Mas a ação dos operários não se deu nesses dias; e só começou em 7 de dezembro, quando a sublevação do regimento de Rostov já fora sufocada e as autoridades, avisadas a tempo, desarmaram e encerraram nos quartéis todos os regimentos pouco seguros .
Aí foi que se sentiu a fraca preparação das massas para a etapa seguinte da luta, a etapa pós-grevista. A sublevação do regimento de Rostov não foi o sinal de ação, porque se esperava que o sinal fosse dado pelo Comitê e este, temendo, justificadamente, desorganizar o movimento e ser culpado de um putsch isolado, esperava, por sua vez, ordens do centro. Em Moscou, entretanto, ignorava-se a sorte do Soviet de Petrogrado, o qual, como já vimos, no seu manifesto, não incitava à insurreição. Em 4 de dezembro, soube-se em Moscou que o Soviet — mais exatamente o seu Comitê Executivo — fora detido. O Soviet de Moscou resolveu, por maioria de votos, declarar greve. O Comitê, porém, deliberou não agir sem consultar, antes, as fábricas mais importantes. Esta consulta durou dois dias. No decorrer desses dias, em 5 de dezembro, a conferência da organização moscovita do partido reconheceu a necessidade de ação:
“teve grande importância, decisiva talvez, a declaração de um delegado da conferência nacional ferroviária, que se celebrava naqueles mesmos dias, anunciando que esta tomava a resolução de aderir à greve geral política”, diz um dos participantes.
A greve ferroviária tinha importância decisiva, porque, no caso de se efetuar, se tornaria impossível o transporte de tropas de vários lugares para Moscou; por outro lado, o Estado de espírito da guarnição dessa cidade parecia (em parte o era na realidade) favorável à ação.
Como os meetings nas fábricas atestavam o “entusiasmo” geral das massas operárias e a decisão das mesmas a favor da luta armada, a segunda decisão do Soviet, depois da consulta, era simples formalidade. Mas, graças a ela, em 7 de dezembro, pela manhã, apareceu um manifesto “a todos os operários, soldados e cidadãos” que terminava com o seguinte apelo:
“À luta valorosamente, camaradas operários, soldados e cidadãos! Abaixo o criminoso governo czarista! Viva a greve geral e a insurreição armada!”
Ao pé do manifesto, figuravam, como no de Petrogrado, depois da assinatura do Soviet de Moscou, as de todas as organizações revolucionárias da localidade. O sindicato nacional ferroviário, neste ínterim, lançou um manifesto declarando a greve geral política dos ferroviários, a partir de 7 de dezembro .
Tudo isso gastou 3 dias, um tempo enorme para a revolução; basta recordar que duas revoluções francesas, a de 1830 e 1848 (fevereiro), em três dias começaram e terminaram. Se, entretanto, os ferroviários tivessem respondido unanimemente ao apelo do seu sindicato, como em outubro, a insurreição de Moscou teria ainda esperança de obter vitória. Dubassov, o governador de Moscou, recentemente nomeado, só contava, na realidade, com os dragões de Sumski e com quatro centenas de cossacos. Nicolau, o “grande”, comandante das forcas da capital, ao pedido de remessa de tropas de Petrogrado, respondeu:
“Em Petrogrado, não há forcas disponíveis para serem enviadas a Moscou”.
Dubassov teve que se arranjar como pôde.
Mas esse homem, que noutros tempos teve um êxito militar (começou a sua carreira em 1877, fazendo saltar aos ares um encouraçado turco), foi acompanhado pela fortuna na guerra civil. No mesmo dia em que enviava aquele telegrama desesperado a Nicolau — que provocou uma resposta não menos desesperada — podia comunicar ao Ministro do Interior:
“Acabam de ser presos 6 delegados ferroviários”.
O próprio Dubassov não sabia o que tinha nas mãos. Na noite de 7 para 8 foram presos, na realidade, não os delegados ferroviários, mas o órgão dirigente de todo o movimento, que era composto dos representantes autorizados das três organizações principais, dos social-democratas, dos socialistas revolucionários e do sindicato ferroviário. Fora também preso, entre eles, o “ditador moscovita”, V. L. Schantse.
Sucedeu o pior que se podia esperar: o movimento foi decapitado. Ao mesmo tempo, a Comissão Executiva do Comitê social-democrata moscovita (bolchevista), que devia dirigir tecnicamente todas as operações, ficou separada da periferia. Não tendo nem sequer um batalhão à sua disposição, o Comitê não se decidia a dar um golpe central. Só contava com “piquetes de defesa” (drugini), muito fracos, (de 300 a 400 homens em toda Moscou), mal armados, e cuja missão consistia em proteger os meetings. A importância desses piquetes era mais psicologia; os “cem negros” afirmavam:
“O comitê dispõe de 17.000 homens em seus piquetes, armados dos pés à cabeça”, e os temiam.
Como forca combativa real, porém, podiam servir unicamente para as manifestações. A guerra de guerrilhas — atacar a Polícia, os gendarmes, não deixar um instante em repouso as forcas pouco consideráveis de Dubassov — era a única tática que se podia adotar. Entretanto, os destacamentos de guerrilheiros deviam dispor de um refúgio qualquer onde pudessem descansar, renovar as suas munições, etc., etc. Deduzia-se disto a necessidade de levantar barricadas destinadas a servir de base às guerrilhas, principalmente nos bairros operários.
A rede de barricadas surgiu com uma rapidez fulminante: em 9 de dezembro,
“ao sair, com os camaradas, da reunião do Comitê Executivo, no qual se discutira sobre a conveniência de recomendar ou não a construção de barricadas, encontramos toda a Sadovia Triumfalnaia constelada de uma larga fila de barricadas”, conta o participante nos acontecimentos acima aludido.
As barricadas eram construídas não só pelos operários, mas também pela pequena burguesia, em parte contagiada pelo entusiasmo dos operários, e, em parte, movida por motivos de “defesa”: não permitir a passagem dos soldados e, sobretudo, dos cossacos, atrás dos quais viria indubitavelmente o pogrom dos “cem negros”.
O movimento impregnou-se de um caráter defensivo, e a insurreição armada vive e unicamente pode viver se tiver um caráter ofensivo. A cidade dividiu-se numa série de bairros cercados por barricadas, de pequenos “Porto Artur”, o mais ameaçador dos quais era Presnia(29). Quase todos se achavam completamente cortados uns dos outros e sem nenhum contacto com o Comitê Executivo. Nenhuma direção central era possível .
O sítio, na verdade, era duplo: todos esses “Porto Artur” mantinham o centro bloqueado, onde se achava encurralado Dubassov com as tropas “fiéis”, nada mais de 1.500 sabres e baionetas. Os insurretos tiveram uma indiscutível superioridade numérica, contando os 800 homens do regimento de Rostov com suas metralhadoras, e os sapadores em número idêntico. O centro sitiado desfrutava, contudo, de uma vantagem: em primeiro lugar, a de ser centro, e, os que o ocupavam, a de atacar os bairros por turnos. Depois, como em todo sítio, a questão resolvia-se em favor daquele que recebesse mais rápido auxílio.
Ambas as partes esperavam ansiosamente esse auxilio. Circulavam nos bairros repletos de barricadas notícias relativas à “insurreição” dos operários petrogradenses, que haviam tomado o arsenal, etc., etc. Vimos quanto a realidade estava distante disso. O adversário era mais feliz. Já em 9 de dezembro, Dubassov, privado, como sabemos, da possibilidade de utilizar a artilharia de Moscou, conseguiu, devido à linha de Nicolau não secundar a greve, trazer uma bateria montada de Tver — que não se achava influenciada pela propaganda — fazendo-a entrar em ação imediatamente. O grão-duque Nicolau, ao mesmo tempo, persuadido de que em Petrogrado tudo se achava tranquilo, mandou a Moscou o regimento de Semionov e os granadeiros munidos de baterias de campanha. Chegou também um regimento da Polônia, que se “sublevara” recentemente, mas fora “reprimido”, e que ansiava por pagar o seu “crime”. Começou um ataque decidido contra os bairros repletos de barricadas — na realidade, contra a única cidadela vermelha que resistia — Presnia.
Nos outros bairros, os druginiki (membros das “drugina”’) depois de esgotadas as munições, e mais fatigados que as tropas de Dubassov (apesar do regimento de Sumski avançar lentamente), de acordo com o Comitê, cessaram de lutar logo que se convenceram da impossibilidade de contar com o apoio de Petrogrado, e com a passagem da guarnição às fileiras insurretas.
A defesa heroica de Presnia acrescentou uma página gloriosa à História da Revolução Russa, mas não pôde modificar, a situação. Em 19 de dezembro, a insurreição podia ser considerada sufocada. Esta insurreição justificou as esperanças que se depositaram nas guerrilhas; graças a essa tática, pôde-se resistir durante 10 dias; só devido a ela, as perdas da revolução foram menores do que as da reação; enquanto as tropas tiveram 35 mortos, os druginiki tiveram somente 13. Mas as perdas da população foram muito maiores. Os hospitais de Moscou registraram mais de 1.000 mortes. Havia entre eles operários que caíram vitimados pelas descargas feitas contra as manifestações; o fogo foi sumamente cerrado em 10 de dezembro na Tverskaia, fazendo os schrapnells dezenas de mortos. Mas a maioria das vítimas eram habitantes pacíficos alcançados pelas balas em suas próprias casas, ou nas ruas dos bairros de barricadas, durante o “sítio”. Esta dura lição mostrou à população a impossibilidade de permanecer “neutra” durante a guerra civil.
O “triunfo” foi, naturalmente, assinalado por fuzilamentos. Mas é preciso dizer que, devido à tática das guerrilhas, as tropas de Dubassov dispuseram de um campo de ação menos vasto que muitos de seus predecessores. Para os versalheses, em 1871, em Paris, era fácil fuzilar, pois cada barricada era tenazmente defendida pela população operária dos arredores, das casas, dos telhados, etc. Mas, que se podia fazer contra uma população que, evidentemente, não participava de maneira direta da insurreição armada? Que fazer, quando os disparos eram feitos por uns druginiki místicos que desapareciam como por encanto, antes mesmo que as “forcas da ordem” surgissem? Somente os oficiais do regimento de Semionov venceram a dificuldade com honra. No bairro Presnia, encontraram um indivíduo embriagado (“um operário”, diziam eles), que lhes apontou todos os “agitadores”. Em consequência da denúncia desse bêbedo, foram fuziladas 17 pessoas, entre as quais duas mulheres (“colegiais” segundo o oficial) ; destarte, valendo-se de delações, fuzilaram, em Presnia, 120 pessoas; na linha de Yazan, onde se vingaram das greves ferroviárias, fuzilaram outras 129 pessoas. Entre os fuzilados, o número de aderentes as organizações revolucionárias era insignificante.
Como vê o leitor, o que sucedeu em Moscou, em dezembro de 1905, não corresponde exatamente à ideia da insurreição armada, que se alicerçava em exemplos anteriores, mesmo que só fosse baseada nas insurreições de Paris a que aludimos: a de julho de 1830 e as de fevereiro e junho de 1848. Nestas houve realmente uma luta entre as massas populares armadas e as tropas. Em Moscou, em dezembro, houve algo parecido a uma guerra sui generis entre a administração czarista e os partidos revolucionários, com a particularidade de tanto uma parte como a outra apoiarem-se nas forcas organizadas de que dispunham. E, como as tropas revolucionárias eram insignificantes, não podiam empregar outro processo senão o das guerrilhas.
Pareceu-nos, nessa época, ser este um novo modo de luta revolucionária armada, o único possível nas condições técnicas do século XX. Pensávamos mesmo que toda a evolução da técnica militar conduzia à substituição da luta de massas pelos ataques dos destacamentos de guerrilheiros.
A guerra dissipou esta ilusão: as jornadas de outubro de 1917, em Moscou, mostraram que a insurreição armada das massas é perfeitamente realizável em nossos dias. Durante os dias de outubro, nas ruas de Moscou, combateram, não grupos: de druginiki, mas a guarda vermelha, formada por operários, ao lado das tropas que se associaram à insurreição, e a torrente avassaladora do movimento popular arrastou tropas cada dia mais numerosas à luta pela revolução.
Este fenômeno não se verificou em 1905. Nesse tempo, não se criou nenhuma guarda vermelha em Moscou (apareceu só na Finlândia)). A massa operária declarou-se em greve; a de Moscou, do mês de dezembro, foi maior do que a de outubro; durante os primeiros dias, os operários participaram das manifestações com entusiasmo, prestaram apoio aos druginiki, forneciam-lhes víveres, habitação, ocultavam-nos, etc., mas a massa operária só deu dezenas de combatentes para a luta de ruas, em cada bairro de barricadas.
Este fenômeno foi imediatamente observado. Dava-se dele uma explicação pouco convincente: não havia armas, nem preparação técnica. Ninguém, porém, se atreverá a afirmar que, em véspera de outubro de 1917, houvesse uma preparação séria em Moscou. No outono de 1905, grupos exercitavam-se no tiro. No tocante à aquisição de armas, não havia dificuldades insuperáveis. Desde os pogroms de fins de outubro, a Moscou burguesa estava repleta de armas. Todo habitante procurava uma arma de fogo qualquer para a defesa de seu lar contra os “pogromistas”, esperados a cada instante. Depois de dezembro, quando a Polícia de Dubassov começou a revistar as casas, os habitantes assustados puseram-se a entregar as armas às organizações do partido. O Comitê de Moscou recebeu, em poucos dias, cerca de 1.500 armas de fogo excelentes, fuzis, mausers, brownings, etc. Com uma pressão não muito forte, a massa operária poderia obter essas armas duas semanas antes. Também não seriam precisos esforços exagerados para libertar e conduzir à rua os soldados encerrados por Dubassov. Apoderar-se de alguns canhões, finalmente, não seria, também, impossível. Às autoridades, esta possibilidade causava muito medo.
“Será uma verdadeira infelicidade os revolucionários apoderarem-se mesmo de 2 canhões” — escrevia um general, comandante das forcas do distrito militar de Moscou — “embora não os pusessem em ação, seria um troféu para eles, o que produziria impressão muito forte. Neste sentido, a nossa negligência teria consequências terríveis”.
Mas, para isso, era preciso que a massa estivesse profundamente convencida de que a solução se achava unicamente nas armas. A ideia de que “com a greve tudo se pode conseguir” estava ainda fortemente enraizada nos cérebros. Seriam precisos anos inteiros de luta para arrancá-la.
A falta de preparação das massas — insistia-se sobretudo na falta de preparação técnica, como se a revolução pudesse ser preparada tecnicamente como a guerra internacional — serviu de pretexto aos menchevistas, com Plekanov à frente, para afirmarem aos bolchevistas, em tom de censura:
“Não havia necessidade de recorrer às armas”.
Conselho tão engenhoso como o recomendar a uma pessoa que não saiba nadar a nunca tomar banho no rio. Como, então, poderá aprender?
Se Moscou, que, do ponto de vista da consciência e da organização do proletariado, ocupava o segundo lugar, seguindo Petrogrado, não estava suficientemente preparada para uma ação armada das massas, ainda menos se poderiam esperar do proletariado das províncias, naturalmente mais atrasado.
Eis uma das características do movimento, dada por um dos seus participantes, num centro importante, em Kazan, onde existia uma organização social-democrata forte:
“O proletariado de Kazan não correspondeu de um modo ativo à insurreição de Moscou: nem com a insurreição (como em Sormovo), nem com a greve política (como em Samara). Nos piquetes de combate só havia algumas dezenas de homens. A destruição das organizações revolucionárias locais teve grande importância. Não se deve procurar a explicação ai. Os operários de Kazan, em sua maioria, achavam-se pouco unidos, mal organizados, e a onda revolucionária quase não atingia a massa. Em 1905, era fácil arrastá-la à luta econômica, porém essa massa era incapaz de ir à luta revolucionária ativa. Nisto se encontra a explicação do caráter intelectual da “revolução de Kazan, dos dias 19-21 de outubro, e da passividade das massas: 3 em dezembro. Era necessário trabalhar, trabalhar, trabalhar, entre os operários de Kazan”.
Movimentos semelhantes ao de Moscou tiveram lugar além de Sormovo (a que já aludimos), em diversos pontos da Rússia. Fundi-las, porém, numa insurreição, mesmo regional, não foi possível. Em Gorlovka (na região do Don) e em Temerik, perto de Rostov sobre o Don, os piquetes de combate operários ofereceram resistência mais tenaz.
A analogia com Presnia completava-se aí com a circunstância dos druginiki conseguirem escapar sem novidade, depois de resistirem a um bombardeio de 3 dias. Podia-se predizer um êxito à insurreição no Cáucaso do norte, que coincidiu com o movimento das tropas (com exceção da do Extremo Oriente), observado durante aqueles dias: levantaram-se os plastuni de Kuban (cossacos de infantaria). Mas, neste caso, achamo-nos em presença de um caso característico da absoluta ausência de coordenação entre os dois movimentos; o dos operários e o dos soldados: os plastuni não só não se associaram aos operários de Novorosisk, como ainda seguiram para a cidade, afim de dirigirem-se ao seu país, onde permaneceram até fevereiro. O movimento operário, ao mesmo tempo, era esmagado pelas tropas vindas de outros lugares.
Só pelo contacto entre a massa operária e os soldados é que se podem explicar as proporções atingidas pelo movimento na Sibéria, ou melhor, ao longo da linha férrea siberiana. A linha achava-se já, desde outubro, nas mãos dos Comitês ferroviários eleitos, cuja finalidade principal consistia na reorganização do retorno ao seu país dos soldados reservistas, desmobilizados do exército da Manchúria. O estado de espírito dos reservistas nos é conhecido: em seu manifesto, não tinham consideração alguma para com os seus chefes e nem mesmo para com o czar, que eram ameaçados de ser “convertidos em cinzas”. O seu objetivo, porem, era voltar no mais breve possível para casa, isto é, sair da Sibéria.
Ao movimento local era difícil apoiar-se neles, considerando que esse movimento representava, na realidade, os elementos ferroviários, que não eram do país e aos quais os pequeno-burgueses e os camponeses olhavam com aversão: em nenhum lugar, salvo nos “limites de residência”, houve pogroms tão ferozes como na Sibéria.
Nessa situação, não é de estranhar que os dois “trens punitivos” de Rennenkampf e de Meller-Zakomelski, uma forca insignificante do ponto de vista militar, conseguisse, por meio de um terror inaudito, “restabelecer a ordem” em toda a linha, no transcurso de duas semanas. Witte podia dar-se por satisfeito. Ele mesmo, entretanto, admirou-se de que Chita se “entregasse sem combate”, como comunicou a Nicolau. Em Moscou, a massa não soube pegar em armas, porém era forte por sua coesão; por isso, Witte resolveu, muito razoavelmente, não irritá-la; mas, na Sibéria, “esmagou a revolução” implacavelmente. Em 1905, na Sibéria, ainda não havia massa revolucionária.
Nos círculos revolucionários não se compreendia que dezembro marcasse uma nova etapa. Nesses círculos, não era conhecido ainda o papel que o pânico da autocracia desempenhara em todos os êxitos obtidos desde outubro. A partir de dezembro, o pânico desaparece definitivamente. Nicolau, o “pequeno”, resolveu que, fossem quais fossem as concessões, que, num momento de debilidade, o outro Nicolau, o “grande”, lhe arrancara com o seu revólver, elas ficariam dormindo no papel. Na sexta-feira, 23 de dezembro, recebeu uma delegação da “Liga do Povo Russo”, com Dubrovin à frente, que se apresentou com intenção de saber se o manifesto de 17 de outubro continuaria em vigor.
“Tranquilizai-vos, disse-lhes Nicolau; sairá o sol da verdade e triunfaremos. As leis fundamentais serão promulgadas”.
No primeiro momento, os “cem negros” ficaram quietos, pois não compreendiam, em sua candidez, que “as leis fundamentais” significavam o meio de explicar o manifesto de 12 de outubro, de modo que, nem de leve recordasse a Constituição.
O autor da carta, que nos inteirou do fato, pertencente à “Liga”, avistou Nicolau dois dias antes da entrevista e “levou a impressão” de que o
“monarca está animado, como se estivesse resolvido a fazer alguma coisa boa e se achasse tranquilo, prevendo o êxito futuro”.
Isto, dois dias depois do esmagamento definitivo de Presnia...
Nicolau regozijou-se antecipadamente; o verão de 1906 reservava ainda à autocracia alguns dias negros; porém, tinha razão em considerar o seu principal inimigo, o proletariado, afastado um pouco do campo de batalha...
Em 1906, os metalúrgicos, cada um dos quais estivera em greve, no ano anterior, três vezes e meia, não entram em greve nenhuma vez. De 252.000 operários, temos só 213.000 grevistas, 84,9%.
Os têxteis que, no ano anterior, haviam ficado um pouco atrás, se mantinham melhor, porém deram também menos de 1 grevista por operário. E, à medida que o ataque proletário se ia enfraquecendo, a burguesia levantava a cabeça. O patrão tornava-se mais insolente. É muito interessante comparar as greves, os seus fracassos e os seus resultados favoráveis no primeiro e no terceiro trimestre de 1906. No primeiro trimestre, temos 73.000 grevistas, 34.000 dos quais triunfaram, 11.000 foram vencidos e 28.000 chegaram a acordo por meio de um compromisso. No ultimo trimestre do mencionado ano, temos unicamente 8.000, num total de 37.000, que obtêm uma solução de compromisso, só 6.000 operários triunfantes e 23.000 vencidos. No primeiro trimestre do ano, os patrões triunfaram somente em 15% de todos os conflitos com os operários, e, no último, em 62,9%. A burguesia atacava, o operário batia em retirada....
Notas de rodapé:
(1) Residência imperial, onde o czar costumava passar o verão, situada às margens da baía de Cronstadt, no fundo do golfo da Finlândia. (retornar ao texto)
(2) Um dos mais ativos participantes do movimento dos zemstvos; e um dos organizadores do Partido kadete. Foi membro da Primeira Duma. (retornar ao texto)
(3) O Exercito russo teve na guerra 41.000 mortos e 57.000 inválidos, sem contar 148.000 feridos que se restabeleceram. A esquadra perdeu 12.000 marinheiros. (N. do A.). (retornar ao texto)
(4) Bairro de Moscou, situado nas margens do Moscowa, no qual viviam, principalmente, comerciantes. (retornar ao texto)
(5) Um dos mais notáveis chefes da Narodnaia Volia. Um os mais devotados partidários do terror. Foi condenado à morte e enforcado, em consequência da sua participação no atentado contra Alexandre II (1.º de maio de 1881). (retornar ao texto)
(6) Ivanovo-Voznesensk era chamada a “Manchester russa” por ser o mais importante centro têxtil do país. (retornar ao texto)
(7) Rio em cujas margens os grevistas se reuniam (N. do A.). (retornar ao texto)
(8) Esta fabrica têxtil — a mais importante de Moscou — estava situada no bairro Presnia. (retornar ao texto)
(9) Se fixarmos em 100 os preços da década 1880-1899, os de 1906 serão: Para os produtos farináceos 120,8; Idem, idem, animais 137,3; Idem, artigos manufaturados 139,9. (N. do A.). (retornar ao texto)
(10) Irustalev-Nosar — Historia do Soviet de Deputados Operários. (N. do A.). (retornar ao texto)
(11) O artigo é do camarada Lenine, que o publica como se fora transcrição de um comunicado de Moscou (N. do A.). (retornar ao texto)
(12) La Carmagnole. (retornar ao texto)
(13) A casa do general governador, atualmente ocupada pelo Soviet de Moscou, está situada na Praça de Skobeletski (hoje “Praça da Revolução”), perto de Tverskaia. (retornar ao texto)
(14) A padaria mais importante de Moscou, ora pertencente à “União de Cooperativas”. (retornar ao texto)
(15) L. Trotski: 1905, págs. 84-85 (edição francesa de L’Humanité, 1923. (N. do A.). (retornar ao texto)
(16) Esposa de Nicolau II. (retornar ao texto)
(17) Estas datas referem-se à fabrica Maskvel. (N. do A.). (retornar ao texto)
(18) Máslov: A Questão agrária na Rússia, pagina 354. (N. do A.) (retornar ao texto)
(19) Povoação marítima, situada a poucos quilômetros de Sebastopol. (retornar ao texto)
(20) Irustalev-Nosar: Historia do Soviet de deputados operários. (N. do A.). (retornar ao texto)
(21) Obra citada, págs. 127 e 160. Pravo, era um jornal burguês, então órgão principal dos futuros kadetes. (N. do A.). (retornar ao texto)
(22) Esta ultima dedução parece achar-se em contradição com a conduta dos “intelectuais democratas” em outubro de 1917, quando responderam à vitoria do proletariado com “valorosa sabotagem”. Não esqueçamos, porem, que, em outubro, os intelectuais não criam na força do proletariado; era um axioma que o poder dos Soviets não resistiria nem duas semanas. (N. do A.). (retornar ao texto)
(23) O Soviet era composto de 562 deputados, representantes de 147 fabricas, 34 oficinas e 16 sindicatos. Na realidade, foi detido o Comitê Executivo. (N. do A.). (retornar ao texto)
(24) Linha férrea entre Petrogrado e Moscou, atualmente denominada “linha de outubro”. (retornar ao texto)
(25) Mercado muito popular de Moscou, hoje pertencente ao Estado. (retornar ao texto)
(26) Isto é: homem do “Okotny Riad”. (retornar ao texto)
(27) Eram escolhidos, para a guarda, os recrutas mais robustos e de elevada estatura, o que era mais fácil de encontrar entre os originários das famílias de kulaks que entre os camponeses pobres. — (N. do A.). (retornar ao texto)
(28) Acampamento situado perto de Moscou e que atualmente se chama “Acampamento de Outubro”. Adquiriu uma triste celebridade em consequência da terrível catástrofe que ocorreu no mesmo durante as festas da coroação de Nicolau II, devido á incúria das autoridades. (retornar ao texto)
(29) Krasnaia Presnia, bairro operário de Moscou, onde se acham instaladas, principalmente, as fabricas têxteis. (retornar ao texto)
Inclusão | 20/01/2015 |