MFA e Revolução Socialista

César Oliveira


CAPÍTULO II
LUTA DE CLASSES E ORGANIZAÇÃO POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA


capa

«Vale mais um erro cometido pelas massas revolucionárias que o melhor programa elaborado pelo melhor Comité Central.» - ROSA LUXEMBURGO

Sem teoria revolucionária não há revolução...

I

1. Quando se afirma, por exemplo como agora e em Portugal, que a «emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores» ou que «os sindicatos deverão ser a expressão de uma total independência dos partidos políticos» não quer dizer-se, com tais afirmações, que se defenda a inexistência de uma forte organização das classes trabalhadoras, a todos os níveis desde a fábrica, a empresa, o campo, o local de trabalho até ao sindicato e à organização política.

A movimentação colectiva e organizada dos trabalhadores tem hoje uma história que ultrapassa muito mais de um século. Neste longo período da marcha dos trabalhadores para a sua emancipação total uma série de experiências, extremamente ricas e diversificadas, vieram preencher o património colectivo dos trabalhadores de todo o mundo e, embora algumas dessas experiências tenham conduzido a fracassos e a enormes frustrações colectivas, não é menos verdade que têm ficado bem assinalados os marcos nos caminhos que levarão à vitória final e total dos trabalhadores.

2. Pensar que a teoria organizativa da movimentação colectiva e revolucionária do proletariado é alguma coisa que possa considerar-se como definitivamente construída é esquecer aspectos muito importantes do próprio processo do desenvolvimento histórico do capitalismo.

3. Queremos desde já deixar bem claro que consideramos efectivamente que sem organização, sem teoria revolucionária e sem uma teoria organizativa que corresponda adequadamente à expressão histórica que a luta de classe vai assumindo, não será possível às classes trabalhadoras autonomizarem a sua luta das forças políticas burguesas e caminharem decididamente para a sua completa emancipação.

No entanto, há que ter em conta que, como Marx genialmente notava, o próprio capitalismo se modifica em cada etapa do seu processo de desenvolvimento modificando-se também as formas pelas quais exerce o seu domínio sobre as classes trabalhadoras. Isto é as modificações que o capital introduz sucessivamente nas suas expressões económicas, sociais, culturais e políticas arrasta a modificação contínua do conjunto das relações sociais capitalistas, por isso mesmo, a expressão e o conteúdo da luta de classes.

Deste modo, as contradições entre o desenvolvimento do capitalismo e a luta das classes trabalhadoras têm assumido, desde o liberalismo económico até aos nossos dias, expressões muito diversas que, no fundamental, têm a ver com os seguintes aspectos:

Daí que nenhuma formação social (esclavagismo, feudalismo, capitalismo) possa desaparecer sem que se tenham esgotado todas as possibilidades da sua sobrevivência como formação social.

Ora esta possibilidade de sobrevivência do capitalismo depende, entre outros factores, da própria resposta que as classes trabalhadoras possam dar no processo de superação das contradições engendradas pelo capitalismo. E aqui surgem de facto uma série imensa de factores revolucionários que, não dependendo directamente das estruturas produtivas, podem acelerar ou travar o processo de destruição da dominação capitalista.

4. Ao longo deste período de mais de um século a luta das classes trabalhadoras jamais se realizou de um modo linear. E se bem soubermos entender a história do movimento operário bem poderemos verificar que a história das classes trabalhadoras produziu sempre novas soluções, teóricas e organizativas, face às próprias modificações materializadas pelo desenvolvimento do capitalismo.

Assim a I Internacional, ao deixar de corresponder aos interesses da luta do proletariado, soube criar «partidos políticos operários para cada nação» no Congresso que em 1872 realizou em Haia, na Holanda. Isto porque ao liberalismo e ao capitalismo concorrencial foi pouco a pouco sucedendo a concentração industrial e, com ela, a concentração operária.

No entanto logo que o reformismo, o legalismo e o parlamentarismo invadiram por completo as perspectivas e a prática política dos partidos sociais-democratas, criados a partir de 1872, as próprias contradições entre os interesses do proletariado e a teoria e a prática da social-democracia reformista foram suficientes para criar alternativas revolucionárias: bolcheviques, sindicalismo revolucionário, anarco-comunismo, etc. Não estamos aqui a colocar no mesmo pé de igualdade estas alternativas; no entanto, elas respeitam sobretudo às condições concretas que lhe estiveram na origem.

Ao iniciar a Segunda Guerra Mundial, perante o total acomodar da social-democracia europeia aos interesses da burguesia imperialista e belicista e, perante o fracasso do sindicalismo revolucionário francês, logo uma parte muito significativa do proletariado organizado soube criar, para as novas condições da luta de classes, uma resposta revolucionária adequada em Zimmerwald.

Por outro lado há que verificar na história do movimento operário que em situações de impasse ou conformismo houve sempre a criatividade revolucionária das massas trabalhadoras ou de grupos minoritários totalmente identificados com elas a perspectivar e a organizar, em termos revolucionários, os oprimidos e explorados (Sovietes na Rússia em 1917, retirada do Kuomitang e a Longa Marcha na China contra as ordens da III Internacional, Movimento 26 de Julho em Cuba, etc.). Isto para não falar nas alianças sociais e políticas que os revolucionários consequentes tiveram que pôr em marcha para atingir os seus objectivos. Veja-se a este propósito a própria política leninista e sobretudo a luta política conduzida na China por Mao Tsé-Tung.

Há que reparar também —e para o caso português isto é particularmente significativo— que as soluções de alternativa revolucionária corresponderam sempre à caracterização e especificidade que o processo de desenvolvimento do capitalismo e a evolução concreta da luta de classes ganharam em cada sociedade capitalista, em cada país.

Efectivamente não há um modo de produção capitalista puro e o capitalismo, como processo que se desenvolveu a partir de estruturas económicas e sociais muito concretas, específicas e desiguais de país para país, cria todo um conjunto de relações sociais que conduzem em cada sociedade a expressões e conjunturas sócio-políticas também concretas, específicas e desiguais.

Se a luta de classes é uma luta mundial, no quadro da última fase do capitalismo-imperialismo, não é menos verdade que os aspectos que ela toma em cada país e em cada continente determinam diversas alternativas políticas e obrigam as classes trabalhadoras a criar formas organizativas capazes de responderem, de um modo revolucionário, a cada fase do processo de dominação global de que são vítimas.

O mesmo se passa no plano da teoria revolucionária; como exemplos basta atentar na crítica a Bernstein e ao revisionismo alemão que desde a primeira década do nosso século foi realizada por Rosa Luxemburgo (a «águia do marxismo» como lhe chamava Lenine); nesses três fabulosos e magníficos escritos que tanto contribuíram para o triunfo do proletariado na Revolução Russa: as «Cartas de Longe», as «Teses de Abril» e «O Estado e a Revolução» de Lenine; na experiência e no Programa da Liga Spartacus na Alemanha de 1918/19/20; nos comunistas holandeses como Görter e na extraordinária capacidade de criação política do grande marxista e revolucionário italiano António Gramsci («arrumado» por muitos na prateleira da História).

E não deixa de ser curioso verificar que grande parte da teoria e da prática revolucionária e organizativa que veio a revelar-se correcta e adequada como resposta às condições concretas em que decorria a luta de classes partiu, na generalidade dos casos, de

posições minoritárias: Pois Lenine não foi colocado em minoria no Partido Bolchevique? E não foram apenas as vozes de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht que iniciaram o processo que levou à Liga Spartacus? E quantos foram os comunistas chineses que, com Mao Tse-Tung, abandonaram o Kuomitang E não foram apenas 12 cubanos que subiram a Sierra Maestra?

5. O processo de desenvolvimento do capitalismo leva à formação de uma grande massa de trabalhadores cuja existência é um dado fundamental para a própria sobrevivência do capitalismo. De facto são os trabalhadores que produzem mais-valia (trabalho não pago) que vai proporcionar a acumulação do capital necessário à existência do próprio sistema capitalista. O proletariado existe, como tal, para ser explorado.

O processo de desenvolvimento capitalista conduz ao crescimento incessante do número de trabalhadores, isto é, de uma classe que, não possuindo os meios de produção, é sistematicamente excluída dos poderes através dos quais o conjunto da sociedade é guiada e dirigida.

Esta exclusão total abre também um processo de contradições totais entre a massa de produtores e os «poderes» do capital que implica que os trabalhadores sejam os agentes de transformação revolucionária do próprio capitalismo de modo a assegurarem um novo poder que corresponda à sua importância como força social maioritária. A única saída para o proletariado deixar de existir é, ele próprio, destruir o sistema que necessita da sua existência como força de trabalho.

A revolução, o novo poder dos trabalhadores explorados — o socialismo— depende portanto da capacidade dos agentes históricos da transformação do próprio capitalismo — o proletariado. Outras classes, outras fracções de classe são arrastadas à exploração desenfreada do capitalismo e assim, o proletariado, ganha aliados possíveis.

Daqui se conclui que a existência de uma força social maioritária, no conjunto da população activa numa determinada sociedade, é a condição essencial da transformação e da revolução social.

6. Mas uma força social maioritária pode existir em si, isto é, sem ter uma consciência colectiva que permita o reconhecimento colectivo de sua própria força social, a consciência da sua exploração, a verificação da sua completa exclusão do aparelho do Estado capitalista e burguês, a compreensão da opressão social, cultural e ideológica a que está submetida.

Daí que as classes trabalhadoras sejam cada vez mais classes alienadas quanto maior for a sua incapacidade de serem aquilo que historicamente realmente são: os agentes da transformação revolucionária; isto é, enquanto a sua consciência colectiva não as determinar, colectivamente, a reconhecerem-se a si próprias como força social revolucionária, as classes trabalhadoras, terão sempre um comportamento político alienado, portanto diferente daquela que é próprio de si próprias.

Esta falta de consciência colectiva, esta ausência de consciência de classe, fazem com que as próprias classes trabalhadoras confundam os seus interesses com os de outras classes sociais, sejam vítimas da dominação política, cultural e ideológica de forças políticas ao serviço da burguesia e do capitalismo, ainda que muitas vezes defendam, abstractamente os interesses do povo trabalhador.

Ora, as classes trabalhadoras só poderão autonomizar-se de outras forças sociais e políticas (no que respeita à diferenciação de objectivos) quando deixarem de ser uma classe em si e passarem a ser uma classe para si. Isto é, quando possam definir, clara e diferenciadamente, os seus objectivos históricos, quando possam definir os seus interesses tácticos e estratégicos de modo àqueles poderem ser apenas um momento no processo de transformação revolucionária do sistema capitalista. A passagem de uma classe em si a uma classe para si envolve fundamentalmente a separação dos interesses das classes trabalhadoras dos das outras classes sociais e exige um comportamento social e colectivo que possa, em cada fase e aspecto da luta de classes, cimentar a sua diferenciação e permitir novos estádios de luta e de consciência colectiva em ordem à sua completa emancipação.

7. Duas condições, no entanto, são essenciais a esta necessidade histórica de classes trabalhadoras para si: a maturação de uma consciência de classe revolucionária e a organização política (fabril, sindical e política) das classes trabalhadoras, que acompanha sempre, em menor ou maior grau, a própria luta concreta.

Só a consciência de classe permite ao proletariado e aos trabalhadores o autoconhecmiento da sua força como força social que não encontra na organização da produção, no aparelho de Estado, nos aparelhos culturais e ideológicos o espaço não apenas para se exercer colectivamente porque o próprio processo capitalista exige a sua exclusão, como também para deixar de ser alienada.

Só a organização permite tornar social e revolucionariamente útil e eficaz essa consciência de classe. Ora, a organização depende da consciência de classe, mas também de uma «inteligência revolucionária» que vá criando não apenas as condições para a generalização da consciência de classe colectiva e revolucionária, mas também para permitir as respostas de classe à evolução concreta das situações concretas em que se processa, em cada sociedade capitalista, a luta de classes.

II

1. Há que situar a falta de consciência de classe das classes trabalhadoras portuguesas em dois planos distintos ainda que altamente interdependentes: no próprio processo de desenvolvimento do capitalismo em Portugal e nas tácticas políticas mais dominantes na tradicional «oposição» portuguesa nos últimos anos.

Será pois porventura pertinente que comecemos por analisar a táctica política geral das «oposições» portuguesas e tentar descortinar, nessa análise, o que foi correspondendo às modificações operadas na sociedade portuguesa.

Como é óbvio não cabe, no contexto deste nosso livro, produzir longas e exaustivas análises. Apenas se pretende fixar alguns pontos que possam servir para uma discussão que se quer pública e profundamente séria. Explicar as razões que determinaram a inexistência duma consciência de classe é, pois, por ora, o nosso objectivo.

2. Os anos trinta foram marcados em Portugal por três factores extremamente importantes:

  1. consolidação do corporativismo e do fascismo português alicerçado no apoio de um sistema de alianças das burguesias nacionais, na destruição sistemática de qualquer expressão organizada ou reivindicativa das classes trabalhadoras, na política do condicionamento industrial (que no fundo impedia o crescimento do operariado e o predomínio das relações sociais capitalistas) e na organização, mais eficaz, da exploração das riquezas e da mão-de-obra dos territórios coloniais.
  2. progressivo desaparecimento do predomínio do anarco-sindicalismo no movimento operário português, mormente após a repressão que se seguiu à tentativa de greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934 — os atentados à Casa de Espanha, ao Rádio Clube Português e a Salazar em 1937 são já um acto «quase desesperado» dos anarquistas. Coincide o desaparecimento do anarco-sindicalismo a «linha política da frente popular» contra o fascismo (Dimitrov em 1935) que sucede, na III Internacional, à palavra de ordem «classe contra classe» (que tão maus resultados produzira na Alemanha). Quer dizer, a alternativa política ao anarco-sindicalismo que se tornou dominante no movimento operário português pôde construir-se fundamentalmente na aliança das forças democráticas contra o fascismo.
  3. consolidação na Europa do fascismo e do nazismo e derrota em Espanha da possibilidade de uma revolução socialista com o consequente triunfo do fascismo espanhol.

O eclodir da Segunda Guerra Mundial acentuou a necessidade da união de esforços de todas as correntes democráticas e o aproximar do triunfo dos Aliados veio permitir em Portugal a convergência progressiva entre as várias expressões políticas democráticas.

3. Em Setembro de 1945 Salazar toma consciência do isolamento em que ficara com a vitória na guerra mundial das forças democráticas. Num discurso que quase colheu de surpresa a grande maioria dos políticos portugueses, Salazar promete ao país uma consulta democrática de modo a ser escolhido, pelo povo português, o regime político em que queria viver.

O M. U. D. (Movimento de Unidade Democrática) que em parte se situa na continuação da M. U. N. A. F., criado anos antes com pouco êxito e minado por contradições internas, é a expressão não apenas da resposta dos «democratas» ao desafio lançado por Salazar como também o espelho da imagem da resistência popular na Europa ocupada pelos exércitos nazis.

O M. U. D. foi o maior movimento organizado de massas criado pelas forças de oposição ao fascismo salazarista.

Beneficiando da euforia da derrota dos regimes totalitários, dos acordos de Yalta (afastamento da hipótese na Europa Ocidental de uma revolução socialista, com a criação das zonas de influência e com a «partilha» do mundo), dos sofrimentos que a «candonga», o «mercado negro» e o racionamento tinham acarretado para a população, o M. U. D., congregou, na generalidade do país, massas populacionais consideráveis e todas as forças políticas — os próprios anarquistas participam do M. U. D. (através de Alberto Dias).

O fundamental dos objectivos políticos do M. U. D. centrava-se na conquista das liberdades fundamentais, na exigência de eleições livres, através de uma aliança política, por estes objectivos, das classes trabalhadoras, da pequena e média burguesia e de todos os portugueses honestos e de boa-vontade.

No contexto histórico de 1945 e face ao desenvolvimento das forças produtivas em Portugal não pode deixar de considerar-se adequada e correcta a actuação do M. U. D.

A acção e a linha política do M. U. D. estende-se, assumindo outras formas, até meados da década de 1950 e congregou, até ao início da guerra-fria, a grande massa dos antifascistas portugueses. Quando da candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência da República é bem claro, na sua proclamação ao país, «o apoio à média e pequena burguesia pelo embaratecimento do crédito»; é ainda a aliança de classes atrás aludida e que se mantém até 1969, como dominante, na oposição democrática.

O M. U. D. Juvenil foi a manifestação do espírito do M. U. D. que até mais tarde sobreviveu (mas grande parte da sua vida decorre no contexto da guerra-fria) e deve considerar-se como a expressão mais alta e actuante dos movimentos clandestinos da juventude portuguesa.

4. Entretanto, a burguesia portuguesa não dormia mesmo após a fascismo ter fechado as possibilidades abertas pelo M. U. D.

O ministro Ferreira Dias lança o alarme ao denunciar o atraso económico-social; esta denúncia entronca-se na «lei de electrificação do país», nas tentativas de restauro da rede rodoviária nacional, na criação da Sacor, da Mabor, na melhoria dos portos de mar, no acelerar do processo corporativo; enfim, na criação de certas infra-estruturas fundamentais, para, no início dos anos 50, ser viável o I Plano de Fomento Nacional.

O período que se estende de 1945 a 1968 é marcado pela luta, nem sempre detectável e extremamente complexa, entre a burguesia industrial esclarecida, apoiada num capital financeiro crescente, e a burguesia latifundiária e conservadora apoiada por sectores económicos cujo destino histórico era, como foi, a decadência progressiva.

O início da Guerra Colonial, e a crise político- -social aberta em 1958 e só encerrada, com feroz repressão, em 1963; o início da emigração maciça para a Europa, o agudizar da crise da agricultura e a busca de uma mão-de-obra barata e dócil pelo capital estrangeiro, aceleram no princípio dos anos 60 as transformações das estruturas económicas e sociais do país.

Tais transformações traduzem-se pela implantação de novas indústrias e pelo desenvolvimento de companhias e empresas com uma maior dimensão, no crescimento urbano acelerado da região de Lisboa e da zona litoral do país, no crescimento progressivo da classe operária e na diminuição da população rural (emigração e maior oferta de emprego na indústria) na ligação da actividade económica nacional a sistemas de integração económica da Europa (E. F. T. A.). Acentua-se neste período a penetração de relações sociais capitalistas nos campos, sobretudo em actividades viradas para a industrialização de certa produção agrícola.

A Guerra Colonial facilitou este processo de relativo desenvolvimento industrial ao permitir que as burguesias portuguesas se sentissem «sacudidas» e apelassem para os investimentos estrangeiros, para a implantação gradual das multinacionais.

Ao chegar ao poder, Marcelo Caetano ensaia uma nova fase, no processo do desenvolvimento do capitalismo português (Rogério Martins, Xavier Pintado, João Salgueiro, etc., são respostas a esta nova necessidade) mas tal tentativa resulta apenas num breve ensaio logo interrompido, no plano político, por uma retomada, cada vez em maior escala, de uma política repressiva face aos trabalhadores e cada vez mais violenta. De facto, a «evolução na continuidade» não era alternativa às contradições que se agudizavam no seio do bloco social dominante e assim cada vez mais a tónica da actuação política marcelista se foi centrando na continuidade.

A crise aberta pela Guerra Colonial afectou progressivamente o apoio político do capitalismo ao fascismo português, alargou-se às próprias Forças Armadas, cansadas por uma guerra que inevitavelmente conduzia à derrota militar e ao desprestígio.

O dilema, ou apoiar um regime que levaria o capitalismo português a perder posições em África ou na Europa ou apoiar uma alternativa política ao fascismo que permitisse a salvaguarda dos seus interesses, colocava-se há longo tempo aos sectores mais esclarecidos e dinâmicos do capital industrial e financeiro (Champallimaud, Bulhosa, etc.).

As Forças Armadas resolveram também, em 25 de Abril, este dilema.

5. Foram bem poucos os momentos de expressão colectiva de movimentos autónomos da luta das classes trabalhadoras portuguesas desde o fracasso da greve geral de 1934.

Com excepção de 41/42 e 43, das greves de 58/59 que acompanham o processo da eleição presidencial, da greve dos trabalhadores rurais que começou no Alentejo e alastrou ao Ribatejo em 62/63, pouco há, de facto, até 1969/70, que afirme uma prática social e política autónoma dos trabalhadores portugueses.

A nível sindical, com excepção de um esforço de conquista dos sindicatos corporativos nas sequelas do M. U. D., estes estiveram sempre na mão de burocratas lacaios do fascismo e do capitalismo até 1969. Isto apenas para uma parte da organização sindical corporativa.

A prática política dominante das oposições cifrou-se quase sempre pela preparação, de quatro em quatro anos, de actos eleitorais em que apareciam sempre — quase sempre em distritos litorais — candidaturas democráticas.

Até 1969 a meta dominante a atingir foi sempre o grande sonho da renovação do M. U. D., isto é, sempre se pensou que a intervenção política da oposição democrática se prolongaria para além dos «actos eleitorais» e que o próprio processo político das «campanhas» teria as consequências produzidas em 1945 num contexto muito particular.

No entanto, essa intervenção política, pública e globalizadora, ignorou as transformações operadas no país a partir do final da Segunda Guerra Mundial; de facto, até 1969, a expressão política da intervenção democrática realizou-se sempre na base de uma «aliança frentista» que fazia «atrelar» num mesmo «carro político» forças sociais com interesses políticos que não coincidiam. Essa política frentista, baseada no essencial na luta pelas liberdades fundamentais, pela realização de eleições livres, impediu a clarificação política no terreno da luta de classes em Portugal, mistificando e alienando a eventualidade de uma linha proletária.

É verdade que as condições altamente repressivas e as condicionantes em que decorria a luta política democrática em Portugal em nada favoreciam a adopção de outras linhas políticas.

Como o trabalho político clandestino não era susceptível de chegar a grandes massas da população trabalhadora esta, apenas percebia, quando percebia, uma linha política que pouco lhe dizia no dia-a-dia, que não respondia à sua situação concreta, que não a ganhava no caminho do advento da formação da sua consciência de classe.

Por outro lado, como o fascismo representou para as classes trabalhadoras a destruição sistemática das condições que poderiam conduzir à constituição de uma memória colectiva de classe, as classes trabalhadoras portuguesas viram-se «cortadas» de uma tradição de luta proletária e a expressão política e pública das oposições democráticas em nada facilitou a formação, junto de um operariado jovem e a crescer, de uma consciência de classe efectiva e actuante; por isso, as classes trabalhadoras não conseguiram autonomizar a sua luta do sistema de alianças com a média e pequena burguesia veiculada através das candidaturas.

Se nas décadas de 40 e 50 tal aliança correspondia a uma situação objectiva no processo de desenvolvimento do capitalismo em Portugal, a oposição democrática não teve em conta, no seu conjunto e na década iniciada em 1960, as transformações por que passou a sociedade portuguesa e a que deveriam corresponder novas opções políticas.

6. Em 1969 em Lisboa no entanto foi possível, e pela primeira vez em Portugal, tornar pública uma clara opção socialista, discutida amplamente nas bases do movimento CDE, alargada a sectores profissionais até aí retirados da discussão política. Socialismo e social-democracia deixaram de ser identificáveis, pela própria prática política de C. E. U. D. e C. D. E.

Tal facto foi possível na presença de uma ruptura até aí sempre mantida; a CDE pôde assim veicular publicamente uma opção que no essencial se traduziu:

Não interessa discutir os erros que a seguir se cometeram ou os impasses a que chegou uma parte dos militantes que se bateram pela orientação da CDE/1969. Muito menos interessa discutir a arrogância e a desonestidade política com que agora o M. D. P./C. D. E. se apropria de um passado que não foi exclusivo nem coutada privativa dos homens que são agora este partido.

Interessa, no fundo, verificar que a orientação seguida dizia respeito às transformações sócio-económicas produzidas em Portugal e que a partir de então foi possível não apenas a conquista de numerosos sindicatos corporativos por militantes socialistas e antifascistas, como também a generalização de processos reivindicativos do operariado fabril do litoral, traduzidos nos últimos anos do fascismo pela agudização da luta contra a carestia de vida, pelo aumento de salários, etc.

Do mesmo modo os grupos políticos de extrema- -esquerda revolucionária não surgiram em Portugal, a partir de 1969 por acaso e, de facto, o seu aparecimento corresponde a necessidades políticas que não encontravam satisfação no quadro do tradicional sistema de alianças de classes da oposição democrática nem na sua prática política.

Se o processo de desenvolvimento das forças produtivas em Portugal correspondeu ao efectivo crescimento da classe operária e dos trabalhadores assalariados (hoje cerca de 2/3 da população activa portuguesa), não é menos verdade que as condições gerais da luta democrática e revolucionária em Portugal não foram susceptíveis de contribuir para dotar as classes trabalhadoras de condições que permitissem o advento de uma consciência de classe; essa consciência era o único modo de sustentar uma prática política organizada, ao nível do próprio aparelho produtivo que, definindo objectivos a curto, a médio e a longo prazo, mas radicalmente diversos das forças políticas burguesas, poderia coordenar e fazer a síntese política das lutas parciais que nos primeiros meses de 1974 se generalizaram um pouco por toda a parte.

7. Após o 25 de Abril é esse o aspecto que ressalta: a ausência de coordenação e de síntese de uma luta maciça e «volumosa» das classes trabalhadoras portuguesas, expressa numa enorme capacidade de movimentação de luta e de criação revolucionária dos trabalhadores portugueses.

A falta de coesão, a pouca clarividência política, o carácter desconexo e anárquico de grande maioria das greves e das movimentações colectivas explica-se exactamente por isto que acabamos de afirmar: inexistência de uma consciência de classe colectiva, ausência de organização na fábrica, na empresa, no local de trabalho como parte de uma política geral e globalizadora, incapacidade de definir uma táctica política autónoma que permita o avanço para o socialismo, para a revolução e que exprima desde o local de trabalho às superstruturas políticas, uma linha política revolucionária e de massas.

III

1. O sujeito histórico de transformação radical da sociedade capitalista é o proletariado, classe produzida pelo capitalismo que este próprio sistema exclui, sistematicamente, da riqueza que ele próprio produz, dos centros de decisão económica, do poder político, cultural e ideológico.

São as contradições entre aqueles que vendem a sua força de trabalho e os que se apropriam da riqueza produzida (porque detêm os meios de produção, só possíveis com a acumulação do «valor» de trabalho não pago) que determinam a existência concreta de uma luta de classes entre a burguesia e o proletariado. Estas contradições mais claramente expressas na actividade produtiva directa, existem também em todos os domínios da vida nas sociedades capitalistas.

2. A luta da classe operária contra as condições em que se exerce a sua exploração, opressão e dominação é fundamentalmente um dado da divisão do trabalho, da própria existência de uma sociedade dividida entre exploradores e explorados. Essa luta tem assumido significados, conteúdos e formas de organização muito diversas que correspondem ao desenvolvimento concreto do capitalismo e das forças produtivas numa dada sociedade.

Nos artigos anteriores procurámos mostrar, exactamente, a dinâmica da própria expressão e do conteúdo da luta de classes do proletariado nos contextos da evolução e desenvolvimento das forças produtivas.

As alternativas revolucionárias a períodos de conteúdos de luta e a formas organizativas de impasse, de reformismo ou legalismo (em que a iniciativa pertenceu sempre às burguesias que pretenderam, e pretendem, sempre integrar, no seu próprio projecto, a expressão e o conteúdo da luta das classes exploradas) revelaram-se muito diversas na história do movimento operário.

Do mesmo modo as quatro revoluções socialistas (URSS, CHINA, CUBA e VIETNAME) arrancando de situações concretas diferentes e produzindo-se em conjunturas também diferentes, realizaram-se sob formas organizativas distintas, com alianças de classe diferenciadas e com conteúdos muito específicos.

3. Se o ponto de partida para a revolução socialista é a sociedade burguesa e classista e se o conteúdo e organização da luta de classes corresponde ao desenvolvimento do capitalismo, é forçoso considerar que o marxismo constitui a partir de 1848/50 a base fundamental teórica da revolução. No entanto há que considerar que o marxismo é fundamentalmente uma metodologia de análise e uma teoria que teve, mormente no século XX, diferentes aplicações no próprio processo revolucionário.

Porque metodologia de interpretação das sociedades capitalistas que fundamenta uma visão do mundo científica, o marxismo é essencialmente um método aberto, criativo, pois o seu cerne é constituído pela análise concreta das situações concretas. O importante contributo que LENINE, MAO TSÉ-TUNG, CHE GUEVARA, ROSA LUXEMBURGO, HO CHI-MIN, GIAP, K. LIEBKNECHT, PANNEOKEK, FIDEL DE CASTRO e outros têm dado reside substancialmente, quanto a nós, na aplicação efectiva de situações concretas (na análise, na definição dos projectos revolucionários nos conteúdos e na organização da luta de classes) da metodologia marxista. O revisionismo e o reformismo residem essencialmente na integração na sociedade burguesa dos objectivos revolucionários do proletariado (abdicando da revolução socialista) e de modo nenhum na aplicação concreta a situações concretas do marxismo. Aplicar o marxismo à situação concreta da luta de classes de modo a perspectivar e a organizar, em termos revolucionários, a acção das classes exploradas é a garantia primeira da revolução socialista.

4. Vimos em textos anteriores que, sem consciência de classe e sem organização, não seria possível às classes trabalhadoras caminharem decisivamente para o socialismo.

A existência da consciência de classe depende da própria luta de classes, da organização, da «informação política» dos trabalhadores, dos projectos políticos alternativos a exploração e dominação burguesas, da teoria revolucionária, da correlação de forças de classe. Estes factores que de modo nenhum podem separar-se ou compreenderem-se separadamente inscrevem-se no próprio desenvolvimento das forças produtivas de cada sociedade e no quadro do capitalismo internacional e do sistema imperialista e, portanto, na luta de classe mundial.

5. No anterior artigo procurámos mostrar que, pelo próprio desenvolvimento do capitalismo português e pela prática política das oposições que se centrou, a partir de 1935/6, num frentismo permanente, no qual a unidade antifascista escondia os antagonismos de classe e impedia o desenvolvimento de uma actuação operária autónoma da burguesia, a classe operária e os trabalhadores portugueses encontram-se hoje desprovidos de uma organização autónoma e generalizada, fundada numa consciência de classe revolucionária que envolva a definição e a prática de um projecto alternativo às forças da burguesia.

6. Por outro lado, a inexistência de uma consciência de classe revolucionária das classes trabalhadoras portuguesas, a complexidade do processo da luta de classes em Portugal, a confusão ideológica e política imperante, o colaboracionismo entre classes com interesses antagónicos e a necessidade de uma prática revolucionária de massas (como condição para a construção da memória de classe e da organização das massas exploradas portuguesas) conferem especial importância, certamente (e desejavelmente) de carácter transitório, às tarefas que impendem sobre os intelectuais revolucionários portugueses.

7. O desenvolvimento do capitalismo em Portugal realizou-se de uma forma complexa e lenta através da coexistência de relações sociais capitalistas com sobrevivências muito ligadas à produção manufactureira e artesanal e a formas agrárias do antigo regime aristocrático, senhorial e latifundiário que começou a ser derrubado em 1820.

O processo da evolução das forças produtivas portuguesas, porque complexo, lento e «pouco clarificado», tem vindo, desde 1945, a expressar quer o predomínio das relações sociais capitalistas, quer a importância do capital industrial e financeiro. Por outro lado o crescimento e importância da força social e política das classes trabalhadoras e do proletariado industrial (maioritários no cômputo da população total activa portuguesa) coexiste com uma pequena burguesia industrial e agrícola, congregando larga parte da população, cujo peso político não pode ser ignorado.

A definição de um projecto político revolucionário que subtraia a pequena burguesia à esfera de influência política das forças da burguesia colocando-a ao lado do proletariado e das classes trabalhadoras, parece ser uma necessidade decorrente da análise da situação da luta de classes em Portugal. No entanto, a aliança estratégica revolucionária entre a classe revolucionária (o proletariado industrial e os trabalhadores) com a pequena burguesia terá de ser realizada sob a direcção do proletariado industrial e agrícola. Mostrar à pequena burguesia que só poderá escapar do domínio do capital monopolista por uma aliança com as forças revolucionárias é, nas condições concretas da sociedade portuguesa de hoje, uma tarefa importante.

Estes são factores a ter muito em conta ao considerarmos as classes trabalhadoras como os únicos agentes da transformação radical da sociedade capitalista portuguesa e para a qual a sua organização é um factor decisivo.

8. Ao considerarmos as classes trabalhadoras organizadas como agentes únicos do processo de transformação revolucionária da sociedade capitalista, estamos implicitamente a afirmar que a sua organização terá de permitir o desenvolvimento pleno da acção colectiva das massas trabalhadoras, terá de corresponder ao desenvolvimento das forças produtivas, terá de adequar-se ao desenvolvimento da consciência de classe revolucionária e colectiva. Numa palavra: a organização revolucionária das massas trabalhadoras portuguesas terá de ser produto da expressão da própria luta de classes em Portugal.

Se a despolitização das massas trabalhadoras portuguesas cria boas condições para a possibilidade da sua acção revolucionária e para a construção de uma organização que exprima uma prática política adequada à situação de classe e aos objectivos revolucionários do proletariado — a sociedade sem classes — porque de facto se verifica a inexistência de aparelhos burocrático-reformistas de enquadramento massivo e permanente das classes trabalhadoras, não é menos verdade que a compreensão do processo político e revolucionário português é restrita a uma camada pequeníssima de trabalhadores e aos intelectuais revolucionários; o analfabetismo, a ignorância, o antifascismo permanente e mistificador, a falta de informação são, entre outros factores, os principais responsáveis destes factos.

Daqui decorre que seja extremamente actual e pertinente a seguinte questão: como construir desde já uma teoria organizativa que permita a curto ou a médio prazo uma organização de massas revolucionárias em Portugal?

Esta questão implica duas outras: como assegurar desde já formas organizativas que apontem para essa organização de massas? Que papel desempenham aqui os intelectuais revolucionários? .

9. Todas as condições organizativas e todas as formas de organização que possam ser avançadas desde já têm de ser dirigidas para a construção de um Partido Revolucionário das massas trabalhadoras que seja efectivamente criação das próprias massas em luta e dirigido pela fracção mais consciente e revolucionária das massas trabalhadoras portuguesas.

Enquanto uma fracção importante dos trabalhadores e nomeadamente do proletariado industrial estiverem sob a influência de forças políticas reformistas ou sob a esfera de influência da unidade antifascista, a constituição de um partido revolucionário de massas é irrealizável em Portugal. Os grupúsculos políticos que se auto-intitulam partidos revolucionários dos trabalhadores e do proletariado são de jacto exteriores às massas trabalhadoras portuguesas e como tal tenderão sempre à burocracia, à luta ideológica estéril por falta de implantação real, à auto-afirmação, não tendo, de facto, existência relevante.

A organização revolucionária dos trabalhadores portugueses só poderá transformar-se numa expressão política organizada em partido revolucionário quando a própria luta de classes e acção de massas impuserem a necessidade da sua constituição. Isto significará que as classes trabalhadoras portuguesas, pelo menos numa sua fracção importante, escaparam à influência das forças reformistas e à ideologia burguesa dominante.

A constituição imediata de um partido revolucionário ou os que já se «constituíram» apenas diz respeito às frustrações dos intelectuais revolucionários, à reprodução dos vícios burocráticos herdados da contra-revolução mundial, ao desconhecimento da situação concreta da luta de classes em Portugal, à incapacidade de levar por diante uma táctica que ao mesmo tempo permita bater os reformismos nos seus próprios terrenos e organizar as massas trabalhadoras «despolitizadas».

O papel revolucionário dos intelectuais não-reformistas portugueses só pode ser um: contribuir para o esclarecimento político das classes trabalhadoras portuguesas, proporcionar-lhes condições de informação política e de organização que conduzam a uma consciência de classe generalizada e revolucionária de modo a serem as próprias massas trabalhadoras a criarem o seu partido revolucionário e a dirigirem a sua organização. Só assim os intelectuais revolucionários não serão exteriores às massas trabalhadoras. Só assim a «inteligência revolucionária» poderá ter uma função política importante, ao serviço efectivo da revolução socialista, escapando à tendência de cúpula dirigista, recusando-se a si própria uma função de direcção teórica burocrática.

Para que os intelectuais possam cumprir um papel revolucionário é fundamental que actuem nos locais onde estão de jacto as massas trabalhadoras, que esclareçam, informem e discutam, sem a pretensão de representarem os trabalhadores. Informando, pondo à disposição das classes trabalhadoras as suas análises políticas, promovendo debates de esclarecimento, criando condições organizativas que permitam a expressão dos interesses das próprias massas trabalhadoras e aceitando que a direcção efectiva da luta revolucionária pertence de facto aos trabalhadores, podem assim, os intelectuais revolucionários, colocarem-se ao lado da luta revolucionária dos trabalhadores portugueses.

10. Há que encontrar formas organizativas diversificadas que permitam às classes trabalhadoras portuguesas e sobretudo ao proletariado industrial desenvolverem uma luta que sirva de momento quatro objectivos principais:

  1. permitir o desenvolvimento e a expressão do estádio actual da luta de classes em Portugal de modo às classes trabalhadoras adquirirem pela própria prática, a consciência de que os interesses soo autónomos dos interesses das forças da burguesia (quaisquer que elas sejam) e de que da sua luta autónoma e unificada depende a solução definitiva da sua exploração e dominação.
  2. permitir o advento de uma consciência de classe que faça avançar as classes trabalhadoras para a revolução socialista o que implica a unificação de esforços entre a pequena fracção revolucionária dos trabalhadores e os intelectuais revolucionários.
  3. permitir a unificação da luta económica, política, cultural e ideológica escapando assim aos esforços das burocracias e dos reformismos para parcelizar e dividir as tarefas políticas, económicas e culturais o que implica uma saída lenta mas progressiva e radical da sua esfera de influência.
  4. a compreensão de que a luta pela sociedade sem classes, pela revolução socialista, terá de comportar alianças estratégicas e alianças tácticas e que passará também pela definição de objectivos a curto e médio prazo, os quais servirão para fazer o avanço qualitativo e permanente das lutas dos trabalhadores para a criação das condições que permitirão a conquista do poder. Isto implica uma síntese política global e permanente realizada numa organização política global: um movimento que exprima as aspirações revolucionárias das massas.

11. Da movimentação massiva dos trabalhadores (na fábrica e nos aparelhos sindicais) da existência de uma coligação de forças num Governo Provisório que é de facto uma saída lógica, ao nível político e com carácter provisório, para o bloco social dominante— o capitalismo industrial liderado pelo capital financeiro, da existência de uma pequena burguesia numerosa num contexto geral de crise do capitalismo português e perante a inexistência de uma organização autónoma das classes trabalhadoras, decorrerão as formas organizativas adequadas ao grau de desenvolvimento das forças produtivas em Portugal.

Julgamos que a curto prazo haverá a tendência entre os trabalhadores portugueses de acorrerem aos sindicatos, como forma organizativa mais unificadora e já anteriormente instituída num contexto político diferente, mas nos quais é possível por agora construir e organizar uma acção revolucionária de massas.

Por outro lado, a diversidade de situações na actividade agrícola onde os pequenos proprietários rurais irão ter um peso político importante obrigará a formas organizativas, na luta por objectivos comuns e que terão de congregar assalariados rurais e pequenos proprietários, nomeadamente nas zonas do Norte e do Centro e nas regiões agrícolas do litoral.

Nos centros urbanos urge unificar na luta urbana (transportes, habitação, tempos livres e sua utilização, saúde e assistência, ensino) a pequena burguesia urbana (funcionalismo, empregados, etc.) com os trabalhadores sob a direcção efectiva do proletariado industrial. Há que propor e organizar a discussão da necessidade da criação de cooperativas de produção de modo a subtrair os pequenos industriais da dominação de influência da burguesia e do capital monopolista, tornando-os desde já aliados de facto das classes trabalhadoras.

Por outro lado, a luta e organização nos locais de trabalho crescerá na justa medida em que novas formas de exploração e dominação forem sendo adoptadas pelo capitalismo e na directa medida em que os trabalhadores e a classe operária tomarem consciência dos perigos e limitações da futura e quase inevitável burocracia sindical.

Todavia torna-se imperioso desde já criar condições organizativas que permitam, numa organização política criativa e em contínua transformação, uma unificação e uma síntese políticas permanentes e que ao mesmo tempo, faça alinhar os intelectuais revolucionários ao lado dos trabalhadores.

Tudo isto, que por certo representará um esforço de discussão e organização gigantesco, terá de ser realizado num âmbito verdadeiramente nacional de modo a possibilitar simultaneamente um conjunto de soluções regionais diversificadas e a definição de linha de actuação, de uma prática política e de uma perspectivação revolucionária à escala nacional. Organizar a discussão, envolver o maior número de pessoas na discussão e ligar essa discussão à prática política, é caminhar também para a organização revolucionária de massas.

12. Nesta ordem de ideias parece-nos que a organização nos locais de trabalho (fábricas e empresas), sendo essencial para o prosseguimento de uma luta que directamente afronta a exploração e dominação capitalista, poderá ser um instrumento de controlo da própria acção sindical e um auxiliar importante na luta contra a burocracia e contra o reformismo das organizações políticas, ao mesmo tempo que permite a luta contra as estruturas fascistas da empresa, contra os ritmos de trabalho, pela melhoria das condições de trabalho, etc.

A criação de COMISSÕES DE FÁBRICA E DE EMPRESA é uma necessidade que decorre da própria situação concreta de exploração, dominação e repressão.

Nas zonas rurais parece ser mais viável e urgente a constituição de sindicatos de assalariados agrícolas e a unificação dos assalariados agrícolas na luta com os pequenos proprietários por uma reforma agrária antilatifundiária e pela criação de cooperativas de produção agrícola. As COMISSÕES PARA A REFORMA AGRÁRIA E PARA O SOCIALISMO, poderão ser formas organizativas capazes de exprimirem aquela aliança estratégica já atrás referida.

Nos centros urbanos há que unificar nos COMITÉS POPULARES DE BAIRRO a pequena burguesia urbana e os trabalhadores, sob a direcção destes últimos, na luta por melhores condições de habitação, transporte, saúde e assistência, por um ensino ao serviço das classes trabalhadoras, pela utilização dos tempos livres de forma a criar uma cultura e instituições culturais ao serviço da transformação revolucionária da sociedade capitalista portuguesa.

Os pequenos industriais e o operariado que também por eles é explorado deverão encontrar formas de discussão em torno de um projecto económico e político que assegure de facto quer os interesses da classe operária quer o alinhar ao seu lado da pequena burguesia industrial numa luta contra a burguesia e o capital monopolista.

A reestruturação sindical, quer pela luta por sindicatos de indústria ou actividade, quer pela organização interna dos sindicatos de modo a serem asseguradas formas organizativas que permitam o seu total controlo, desde o local de trabalho, pelos trabalhadores, parece ser tarefa urgente e necessária. A existência de sindicatos que pelo menos por agora escapem à burocracia e à «ditadura dos permanentes sindicais» transferindo o poder de decisão dos dirigentes para as bases sindicais organizadas é, na fase actual da luta de classes, uma exigência da própria luta revolucionária. SINDICATOS DE BASE, TOTALMENTE CONTROLADOS POR TODOS OS TRABALHADORES SINDICALIZADOS, deverá ser um objectivo permanente de luta.

A existência de um movimento político que parta das realidades concretas, que possa ir ganhando terreno por intermédio de alternativas concretas às forças políticas da burocracia, do reformismo e da burguesia, que recuse uma luta ideológica desligada do desenvolvimento concreto da luta de classes, que permita pela sua organização interna a sua permanente transformação organizativa e adequar-se, a cada instante, ao próprio processo da luta de classes, é também uma exigência necessária.

De facto há que dar ao conjunto das lutas uma perspectiva que, partindo da síntese política permanente das lutas parciais, possa lançar linhas de actuação adequadas à própria capacidade de luta das massas exploradas. Há que buscar um espaço político, uma organização, que pela riqueza da sua diversidade interna, pela ausência de apriorismos ideológicos, pela aplicação permanente do marxismo, pela recusa ao dogmatismo e ao «ideologismo», possa abrir caminho para a construção de um partido político de massas que contribua decisivamente para a revolução socialista em Portugal. Um organização política assim concebida é a melhor garantia para que seja possível construir a via portuguesa para a revolução socialista, isto é, uma via que, partindo da situação concreta gerada pelo desenvolvimento das forças produtivas em Portugal assegure uma criatividade permanente quer das formas organizativas quer dos conteúdos de luta. Recusando a transposição mecânica de formas organizativas e de modelos revolucionários, recusando que o marxismo possa ser concebido como uma ideologia paralisante ou como um sistema acabado; uma organização política em construção permanente e colhendo em todas as revoluções socialistas e na produção teórica dos revolucionários a experiência e os ensinamentos necessários, poderá levar a médio prazo à construção de um PARTIDO REVOLUCIONÁRIO DE MASSAS. Partido revolucionário que será criação das próprias massas em

luta e cujo projecto e programa político realizará a aliança estratégica entre a pequena burguesia e as classes trabalhadoras portuguesas, sob a direcção do proletariado e no qual os intelectuais revolucionários estarão ao serviço efectivo dos trabalhadores.


Inclusão: 23/05/2020