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Primeira Edição: Publicado pela primeira vez de forma abreviada no livro: F. Engels, Politisches Vermachtnis. Aus unveröffentlichten Briefen, Berlim, 1920; deforma completa, em russo, na revista Bolchevik, n.° 10, 1932. Publicado segundo o manuscrito. Traduzido do alemão.
Fonte: Obras Escolhidas em três tomos, Editorial "Avante!" - Edição dirigida por um colectivo composto por: José BARATA-MOURA,
Eduardo CHITAS, Francisco MELO e Álvaro PINA, tomo II, pág: 468-471.
Tradução: José BARATA-MOURA e João Pedro GOMES.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Editorial
"Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.
Londres, 20 de Junho de 1873
Começo por responder à sua carta, pois a de Liebknecht está ainda em poder de Marx, que de momento não a consegue encontrar.
Não foi Hepner mas sim a carta de Yorck para ele, assinada pelo Comité, que nos fez temer que o facto da sua detenção fosse aproveitado pelas autoridades do partido, infelizmente todas Lassalle, para transformar o Volksstaat num «honrado» N[euer] Soc[ial]-Dem[okrat][N246]. Yorck confessou claramente essa intenção e, como o Comité é que pretendia empregar e destituir os redactores, o perigo era seguramente muito grande. O iminente desterro de Hepner deu a esses planos um novo impulso. Nestas circunstâncias tínhamos de saber em absoluto onde estávamos e daí esta correspondência...
No que respeita à posição do Partido em relação ao lassallianismo, V. pode naturalmente julgar melhor que nós a táctica a seguir, sobretudo nos casos particulares. Mas contudo há também que considerar o seguinte. Quando alguém, como V., se encontra de certo modo numa posição de concorrência em relação à Associação Geral de Operários Alemães, acontece-lhe facilmente dar demasiada atenção ao concorrente e habituar-se a pensar nele em primeiro lugar em todos os casos. Porém, tanto a Associação Geral de Operários Alemães como o Partido Operário Social-Democrata em conjunto, continuam a ser uma muito pequena minoria da classe operária alemã. Mas, em nossa opinião, que vimos confirmada através de uma longa prática, a táctica certa na propaganda não é arrebatar aqui e ali ao adversário pessoas isoladas ou grupos mas sim actuar sobre a grande massa que ainda não participa. Uma única força nova que tenhamos arrancado nós próprios do material bruto tem mais valor que dez trânsfugas de Lassalle que trazem sempre consigo para o partido o germe da sua orientação falsa. E se conseguíssemos conquistar unicamente as massas, sem os chefes locais, a coisa ainda passaria. Mas assim tem-se sempre de aguentar com todo um montão de tais chefes que estão presos às suas declarações públicas anteriores ou às concepções que tiveram até aqui e que agora têm de demonstrar antes do mais que não renegaram os seus princípios, mas que é antes o Partido Operário Social-Democrata que prega o verdadeiro lassallianismo. Este foi o azar que aconteceu em Eisenach[N320], nessa altura talvez inevitável; mas esses elementos prejudicaram incondicionalmente o partido, e não sei se, mesmo sem a entrada deles, o partido não seria hoje pelo menos tão forte como o que é. Seja como for, eu consideraria uma infelicidade se estes elementos recebessem reforço.
Não nos podemos deixar enganar pela gritaria em favor da «unificação». Aqueles que mais andam com esta palavra na boca são os maiores fomentadores de discórdia, tal como precisamente agora os bakuninistas suíços do Jura, instigadores de toda a cisão, não gritam por mais nada a não ser pela unificação. Estes fanáticos da unificação ou são cabeças limitadas que querem misturar tudo numa papa indeterminada que só precisa de assentar para produzir de novo as diferenças numa oposição muito mais aguda, porque então se encontrarão todos num só tacho (na Alemanha têm um belo exemplo disto nas pessoas que pregam a conciliação entre operários e pequenos burgueses); ou então são gente que, consciente ou (como, p. ex., Mulberger) inconscientemente, quer desvirtuar o movimento. Por isso, em certos momentos, os maiores sectários e os maiores zaragateiros e patifes são quem mais alto grita pela unificação. Na nossa vida, ninguém nos trouxe mais problemas e traições do que esses que gritam pela unificação.
Naturalmente que qualquer direcção do partido quer ver êxitos, e isso é bom. Mas há circunstâncias em que se tem de ter a coragem de sacrificar o êxito momentâneo a coisas mais importantes. Sobretudo num partido como o nosso, cujo êxito final é tão absolutamente certo e que durante a nossa vida e diante dos nossos olhos se desenvolveu de forma tão colossal, o êxito momentâneo de modo nenhum é necessário sempre e incondicionalmente. Veja, p. ex., a Internacional. Depois da Comuna, teve o êxito mais colossal. Os burgueses amedrontados consideravam-na omnipotente. O grande conjunto dos seus membros cria que continuaria eternamente assim. Nós sabíamos muito bem que a bolha teria de rebentar. Toda a canalha se pendurava nela. Os sectários que nela estavam tornaram-se arrogantes, abusavam da Internacional na esperança de que se lhes permitiria os maiores disparates e baixezas. Não o tolerámos. Sabendo bem que a bolha acabaria um dia por rebentar, tratava-se para nós não de adiar a catástrofe mas sim tomar cuidado para que a Internacional dela saísse limpa e não desvirtuada. A bolha rebentou na Haia[N251], e V. sabe que a maioria dos membros do Congresso voltou a casa abatida pela desilusão. E, no entanto, quase todos estes desiludidos, que julgaram encontrar na Internacional o ideal da fraternidade e da conciliação universais, tinham em casa zaragatas muito mais amargas do que a que rebentou na Haia! Agora, os zaragateiros sectários pregam a conciliação e acusam-nos de intratáveis e de ditadores! E, se na Haia tivéssemos adoptado uma atitude conciliadora, se tivéssemos silenciado o rebentar da cisão — qual era a consequência? Os sectários, nomeadamente os bakuninistas, teriam, durante um ano, tempo de cometer em nome da Internacional disparates e infâmias ainda muito maiores; os operários dos países mais desenvolvidos afastar-se-iam com repugnância; a bolha não rebentaria, antes se esvaziaria lentamente, ferida por alfinetadas; e o congresso seguinte, que teria de trazer a crise, tornar-se-ia um escândalo das mais ordinárias questões pessoais, em virtude de na Haia se ter já sacrificado o princípio! A Internacional estaria então realmente destruída — destruída pela «unificação»! Em vez disso, livrámo-nos honrosamente dos elementos nocivos — os membros da Comuna presentes à última decisiva sessão afirmam que nenhuma sessão da Comuna tinha deixado neles uma impressão tão terrível como essa sessão de julgamento dos traidores do proletariado europeu; durante dez meses permitimos que mostrassem todas as suas forças para mentir, para caluniar, para intrigar — e onde estão eles? Agora são eles próprios, os pretensos representantes da grande maioria da Internacional, que declaram que não ousam vir ao próximo Congresso. (Mais pormenores num artigo que com esta envio ao V[ol]ksst[aat].(1)) E, se tivéssemos de fazê-lo outra vez, não agiríamos, nas grandes linhas, de forma diferente — erros tácticos cometem-se sempre, naturalmente.
De qualquer forma, creio que, entre os lassallianos, os elementos capazes com o tempo irão ter por si próprios convosco e que, por isso, seria pouco inteligente colher o fruto antes de estar maduro, como quer a gente da unificação.
De resto, já o velho Hegel disse que um partido demonstra ser vitorioso quando se cinde e consegue aguentar a cisão[N321]. O movimento do proletariado tem necessariamente de atravessar diversos estádios de desenvolvimento; uma parte das pessoas fica agarrada a cada um dos estádios e não continua; isso só por si bastaria para explicar por que motivo a «solidariedade do proletariado» na realidade por toda a parte se realiza em diversos agrupamentos partidários que travam entre si um combate de morte, tal como as seitas cristãs no Império Romano durante as piores perseguições.
V. também não deve esquecer que, se, p. ex., o Neuer tem mais assinantes que o V[ol]ksst[aat], toda a seita é necessariamente fanática e através desse fanatismo, especialmente em regiões onde é nova (como a Associação Geral de Operários Alemães no Schleswig-Holstein, p, ex.), obtêm êxitos momentâneos muito maiores que o partido, que representa simplesmente o movimento real, sem a extravagância das seitas. Em contrapartida, o fanatismo também não dura muito tempo.
Tenho de terminar, pois o correio está a partir. Muito rapidamente só mais uma coisa: M[arx] não pode ocupar-se do Lassalle [N322] antes de estar pronta a tradução francesa(2) (por volta de finais de Julho), e depois precisa positivamente de descanso, pois está muito fatigado...
Notas de rodapé:
(1) Friedrich Engels, Da Internacional (Ver Karl Marx/Friedrich Engels, Werke, Dietz Verlag, Berlin 1962, Bd. 18, S. 472-475. - Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(2) Trata-se do primeiro volume de O Capital. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N246] Neuer Social-Demokrat (Novo Social-Democrata): jornal alemão publicado em Berlim de 1871 a 1876; órgão da Associação Geral de Operários Alemães, criada por Lassalle. O jornal lutou contra a direcção marxista da Internacional e do Partido Operário Social-Democrata alemão; apoiou os bakuninistas e os representantes de outras correntes antiproletárias. (retornar ao texto)
[N251] O Congresso da Haia da Associação Internacional dos Trabalhadores realizou-se de 2 a 7 de Setembro de 1872. Nele participaram 65 delegados de 15 organizações nacionais. O trabalho do Congresso foi pessoalmente dirigido por Marx e Engels. O Congresso coroou o combate de muitos anos de Marx e Engels e dos seus companheiros de luta contra todos os tipos de sectarismo pequeno-burguês no movimento operário. Foi condenada a actividade cisionista dos anarquistas e os seus dirigentes (Bakúnine, Guillaume e outros) foram expulsos da Internacional. As decisões do Congresso da Haia lançaram as bases para a criação no futuro de partidos políticos da classe operária independentes nos diferentes países. (retornar ao texto)
[N320] Em Eisenach, no congresso pangermânico dos sociais-democratas da Alemanha, Áustria e Suíça em 7-9 de Agosto de 1869, foi fundado o Partido Operário Social-Democrata alemão, cujo programa, no geral, era no espírito das reivindicações da Internacional; contudo, faziam-se nele uma série de concessões aos lassallianos. (retornar ao texto)
[N321] G. W. F. Hegel, Phänomenologie des Geistes, «Die Wahrheit der Anfklärung» (Fenomenologia do Espírito, «A verdade do iluminismo»). (retornar ao texto)
[N322] Em 1872-1873 Liebknecht e Hepner pediram repetidamente a Marx que escrevesse uma brochura ou um artigo para o Volksstaat criticando as concepções de Lassalle.
Inclusão | 08/02/2011 |