Discurso na Reunião Conjunta do CEC de Toda a Rússia, do Soviete de Moscovo, dos Comités de Fábrica e dos Sindicatos de Moscovo[N323]

V. I. Lénine

29 de Julho de 1918

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Primeira Edição: em 1918 na brochura Reunião Conjunta do Comité Executivo Central de Toda a Rússia, do Soviete de Moscovo, dos Representantes dos Comités de Fábrica e dos Sindicatos de Moscovo e do Congresso de Toda a Rússia dos Representantes dos Sovietes. 29 de Julho de 1918. Em 1919 publicado no livro Quinta convocação do CEC de Toda a Rússia. Relatório taquigráfico..

Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1978, t2, p 652-664, Edições Avante! — Lisboa, Edições Progresso — Moscovo.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t.37 pp 1-19.
Transcrição: Partido Comunista Português
HTML: Fernando A. S. Araújo, março 2009.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo, 1977.


capa

(Aplausos que se transformam em ovação.)

Camaradas, por mais de uma vez tivemos de assinalar, tanto na imprensa do partido como nas instituições soviéticas e na agitação perante as massas, que o período que precede a nova colheita é a fase mais difícil, dura e crítica para a revolução socialista que se iniciou na Rússia. Agora, penso eu, nós devemos dizer que alcançámos o ponto supremo dessa situação crítica. Assim aconteceu em virtude de que já se definiram de maneira completa e definitiva os partidários do mundo imperialista, dos países imperialistas, por um lado, e os partidários da República Socialista Soviética, por outro. Antes de mais nada, é preciso dizer que no aspecto militar só agora se precisou definitivamente a situação da República Soviética. A insurreição checoslovaca era encarada de começo por muitos apenas como um dos episódios das revoltas contra-revolucionárias. Avaliámos insuficientemente as informações dos jornais acerca da participação do capital anglo-francês, acerca da participação dos imperialistas anglo-franceses nesta insurreição. Agora convém recordar como é que se desenvolveram os acontecimentos em Múrmansk, nas tropas siberianas, no Kuban, como é que os anglo-franceses, em aliança com os checoslovacos e com a participação mais directa da burguesia inglesa, tentaram derrubar os Sovietes. Todos estes factos mostram agora que o movimento checoslovaco foi apenas um dos elos há muito calculados a fim de estrangular a Rússia Soviética por meio de uma política sistemática dos anglo-franceses com o objectivo de arrastar novamente a Rússia para o círculo das guerras imperialistas. Essa crise deve ser resolvida agora pelas amplas massas da Rússia Soviética, porque surgiu agora perante nós como uma luta para defender a República Socialista Soviética não só dos checoslovacos como um atentado contra-revolucionário, não só dos atentados contra-revolucionários em geral, mas como uma luta contra a ofensiva de todo o mundo imperialista.

Desejaria lembrar, antes de mais, o facto de já há muito se ter estabelecido uma participação directa e imediata do imperialismo anglo-francês no motim checoslovaco; lembrarei o artigo de 28 de Junho publicado no órgão central do Partido Comunista Checoslovaco, Prúkopník Svobody[N324] e reproduzido na nossa imprensa:

«Em 7 de Março a Filial do Conselho Nacional recebeu do cônsul francês uma primeira contribuição no montante de 3 milhões de rublos.

Esse dinheiro foi entregue a um tal senhor Sip, colaborador da Filial do Conselho Nacional.

Em 9 de Março, ao mesmo senhor Sip foram pagos outros 2 milhões, em 25 de Março Sip recebeu 1 milhão, e em 26 de Março o vice-presidente do Conselho Nacional, senhor Bohumi Cermák, recebeu 1 milhão, e em 3 de Abril o senhor Sip recebeu novamente 1 milhão.

No total, o cônsul francês pagou à Filial do Conselho Nacional, de 7 de Março a 4 de Abril, 8 milhões.
Sem indicação de data foram pagos: ao senhor Sip, 1 milhão, ao senhor Bohumil Cermák. 1 milhão, e outra vez ao senhor Sip, 1 milhão.

Além disso, a uma pessoa não identificada foram pagos 188 000 rublos. Total, 3 188 000. Com os 8 milhões assinalados atrás obtém-se a soma de 11 188 000, que o governo francês pagou à Filial do Conselho Nacional.

Do cônsul inglês a Filial recebeu 80 000 libras esterlinas. Assim, de 7 de Março até ao dia da acção dos chefes do Conselho Nacional checo receberam dos governos francês e inglês cerca de 15 milhões, e foi por esse dinheiro que foi vendido o exército checoslovaco aos imperialistas franceses e ingleses.»

Naturalmente que a maioria de vós leu na altura esta notícia nos jornais, naturalmente que nunca duvidámos de que os imperialistas e financeiros da Inglaterra e da França se esforçariam por fazer todo o possível e o impossível para derrubar o Poder Soviético, para lhe causar toda a espécie de dificuldades. Mas então não se desenvolvia ainda toda a corrente de acontecimentos que mostram que aqui estamos em presença de uma campanha sistemática, persistente, evidentemente pensada há muito e que foi preparada durante meses por todos os representantes do imperialismo anglo-francês, uma campanha contra-revolucionária militar e financeira contra a República Soviética. Agora, quando consideramos os acontecimentos no seu conjunto, comparamos o movimento contra-revolucionário checoslovaco com o desembarque em Múrmansk, sabemos que os ingleses desembarcaram ali mais de 10 000 soldados, que eles, sob o pretexto da defesa de Múrmansk, de facto começaram a avançar e ocuparam Kem e Soróki, avançaram para leste de Soróki, começaram a fuzilar os nossos funcionários dos Sovietes; lemos nos jornais que muitos milhares de operários ferroviários e de operários em geral do extremo Norte fogem desses salvadores e libertadores, isto é, para dizer a verdade, desses novos violadores imperialistas, que despedaçam a Rússia do outro extremo — quando comparamos todos estes factos, torna-se clara para nós a ligação geral dos acontecimentos. Entretanto, nos últimos tempos recebemos novas informações mostrando o carácter da ofensiva anglo-francesa contra a Rússia.

Pelas próprias razões geográficas se compreende que a forma dessa ofensiva do imperialismo contra a Rússia não pode ser a mesma que na Alemanha. Não há uma fronteira comum com a Rússia, como com a Alemanha; não há a mesma quantidade de tropas. O carácter predominantemente colonial e naval da força armada da Inglaterra há já muito, no decurso de muitos decénios, obrigou os ingleses, nas suas campanhas de conquista, a proceder de uma forma diferente, a tentar cortar principalmente as fontes de abastecimento do país sobre o qual se lançaram, e a preferir o método de estrangulamento, sobre o pretexto de ajuda, ao método da violência armada directa, imediata, súbita e brutal. Nos últimos tempos verificou-se, através das informações que temos, que, sem dúvida alguma, a ajuda do imperialismo anglo-francês foi aproveitada por Aléxeev. Conhecido há muito pelos soldados e operários russos, que há pouco se apoderou da stanitsa(1*) Tikhorétskaia. Ali a insurreição tomou formas mais precisas e, mais uma vez, pelos vistos, porque nisto também andou a mão do imperialismo anglo-francês.

Finalmente, ontem recebemos notícias de que o imperialismo anglo-francês conseguiu realizar uma manobra espectacular em Baku. Conseguiram obter a maioria no Soviete de Baku, cerca de 30 votos, contra o nosso partido, contra os bolcheviques e contra aqueles socialistas-revolucionários de esquerda, infelizmente pouco numerosos, que não seguiram a aventura ignominiosa e a traição pérfida dos socialistas-revolucionários de esquerda moscovitas[N325], e ficaram com o Poder Soviético contra o imperialismo e a guerra. E foi contra esse núcleo fiel ao Poder Soviético, que até aqui constituía a maioria no Soviete de Baku, que o imperialismo anglo-francês obteve desta vez a superioridade de 30 votos, graças à passagem para o seu lado, contra nós, de enorme parte do partido Dachnaktsutiun[N326], dos arménios semi-socialistas. (Lê o telegrama.)

«Em 26 de Julho, o destacamento de Adjikabul recuou, por ordem do comissário do povo Korgánov, de Adjikabul para posições perto de Aliat. Depois da retirada do destacamento de Chemakhá e de Marazá, o inimigo passou à ofensiva através do vale do rio Pirsagat. Perto da aldeia de Kubalá deu-se o primeiro choque com a vanguarda.

Ao mesmo tempo, do lado de Kurá, a sul, começou a avançar, em direcção à estação de Pirsagat, numerosa cavalaria. Em tal situação, para conservar a estação de Adjikabul era preciso dispor em três direcções todas as forças disponíveis: para oeste de Adjikabul, para norte e para sul do Vale de Navagui-Pirsagat. Tal extensão da frente ter-nos-ia privado de reservas e, dada a falta de cavalaria, não teria permitido assestar um golpe ao inimigo e até teria colocado o grupo de Adjikabul numa situação difícil, no caso de ruptura da frente a partir do Norte ou do Sul. Devido a esta situação, bem como afim de conservar as forças das tropas, foi dada ordem para a retirada do destacamento de Adjikabul para posições perto de Aliat. A retirada foi realizada com completa ordem. Foram dinamitadas as importantes instalações da via e da estação de Adjikabul, bem como as cisternas de querosene e de petróleo. No Daguestão, em ligação com a ofensiva geral, o inimigo revela actividade. Em 24 de Julho, o inimigo atacou com grandes forças em quatro direcções. Depois de um combate de 24 horas, ocupámos as trincheiras do inimigo, o adversário dispersou-se no bosque, a noite impediu que nós o perseguíssemos. Em 24 de Julho, chegaram de Churá notícias sobre os combates, com êxito para nós; o teatro das operações militares são os subúrbios da cidade; o inimigo actua de forma tenaz e organizada, as forças do inimigo são comandadas por ex-oficiais daguestanianos; nas operações de combate perto de Churá participam activamente os camponeses do Daguestão.

Os partidos de direita ergueram a cabeça em Baku e conduziram uma enérgica agitação a favor de que se chame os ingleses. A agitação é apoiada fortemente pelo comando do exército e é levada às unidades na frente. A agitação anglófila desorganizou o exército. Nos últimos tempos a orientação inglesa tem tido um grande êxito no seio das massas desesperadas e esgotadas.

Sob a influência da actividade provocatória mentirosa dos partidos de direita, aflotilha de guerra do Cáspio adoptou várias resoluções contraditórias em relação aos ingleses. Enganada pelos mercenários ingleses e por agentes voluntários, ela até aos últimos tempos confiava cegamente na sinceridade do apoio inglês.

As últimas informações falam sobre o avanço dos ingleses na Pérsia e sobre a tomada por eles de Recht (Guilan). Em Recht, os ingleses lutaram durante 4 dias contra Kutchuk-Khan e bandos turco-alemães que se juntaram a ele, chefiados pelos mussavatistas, que fugiram de Baku. Depois do combate de Recht, os ingleses pediram-nos ajuda, mas os nossos plenipotenciários na Pérsia recusaram-na. Os ingleses venceram em Recht. Mas eles quase não têm forças na Pérsia. Verificou-se que têm apenas 50 homens em Enzeli. Eles precisam de gasolina e propõem-nos, em troca, automóveis. Não podem avançar sem gasolina.

Em 25 de Julho realizou-se a segunda reunião do Soviete de Deputados sobre a questão da situação política e militar, e os partidos de direita colocaram a questão dos ingleses. O Comissário Extraordinário do Cáucaso, camarada Chaumián, invocando a resolução do V Congresso dos Sovietes e o telegrama de Stáline em nome do Conselho de Comissários do Povo Central, declarou ser inadmissível convidar os ingleses e exigiu que fosse retirada da discussão a questão do apelo aos ingleses. Por uma maioria insignificante de votos a exigência do camarada Chaumián foi rejeitada, a propósito do que o camarada Chaumián, como representante do poder central, expressou um protesto resoluto. Foi escutado o relatório dos delegados que tinham visitado a frente. Por uma maioria de 259 votos dos socialistas-revolucionários de direita, dos dachnaks de direita e dos mencheviques, contra 236 votos dos bolcheviques, dos socialistas-revolucionários de esquerda e dos dachnaks de esquerda, foi aprovada a resolução sobre o convite aos ingleses e sobre a formação de um governo de todos os partidos soviéticos que reconhecem o poder do Conselho de Comissários do Povo. A resolução encontrou uma violenta condenação da parte do sector da esquerda. Chaumián declarou que considera a disposição aprovada como uma vergonhosa traição e uma negra ingratidão em relação aos operários e camponeses da Rússia e que ele, como representante do poder central, se eximia de qualquer responsabilidade pela decisão aprovada. Em nome das fracções dos bolcheviques, dos socialistas-revolucionários de esquerda e dos dachnaks de esquerda foi declarado que não entrariam num governo de coligação e que o Concelho de Comissários do Povo se demitiria. O camarada Chaumián declarou, em nome das três fracções de esquerda, que um poder que com o convite aos imperialistas ingleses rompeu de facto com o Poder Soviético da Rússia, não encontraria nenhum apoio por parte da Rússia Soviética. Com a sua política de traição, o Soviete de Deputados local, que convidou os ingleses, perdeu a Rússia e os partidos que apoiam o Poder Soviético.

Os partidos de direita estão na mais plena confusão em relação à decisão do Conselho de Comissários do Povo de se demitir. Após a chegada da informação acerca da situação que se criara, o estado de espírito nas regiões e na frente mudou bruscamente. Os marinheiros compreenderam que tinham sido enganados de facto pelos traidores, os quais querem romper com a Rússia e liquidar o Poder Soviético. As massas mudam a sua atitude em relação aos ingleses. Ontem, em relação com a demissão do Conselho de Comissários do Povo, efectuou-se uma reunião extraordinária do Comité Executivo. Foi decidido que todos os comissários do povo permaneçam nos seus postos e realizem o trabalho que realizavam antes até que a questão do poder seja resolvida na reunião do Soviete de 31 de Julho. O Comité Executivo resolveu tomar medidas urgentes para o combate à contra-revolução que amadurece. Os inimigos realizam o seu trabalho sob a capa dos partidos anglo-franceses. O Bureau de Imprensa do Conselho de Comissários de Povo de Baku.

Tal como vós observais constantemente também nas nossas fracções que, chamando-se a si próprias socialistas, nunca romperam relações com a burguesia, também ali se pronunciaram desta vez pelo convite às tropas inglesas para defender Baku[N327]. Já sabemos muito bem o que significa tal convite às tropas imperialistas para defenderem a República Soviética. Sabemos que convite era esse, feito pela burguesia, por uma parte dos socialistas-revolucionários e pelos mencheviques. Sabemos que convite era esse, feito pelos chefes dos mencheviques em Tiflís, na Geórgia.

Nós podemos dizer agora que o partido dos bolcheviques-comunistas foi o único partido que não convidou os imperialistas e não entrou numa aliança de rapina com eles, mas só recuou perante eles quando os violadores avançavam. (Aplausos.) Sabemos que a situação dos nossos camaradas comunistas no Cáucaso era especialmente difícil, porque eles foram completamente traídos pelos mencheviques, que entraram em aliança directa com os imperialistas alemães sob o pretexto, naturalmente, da defesa da independência da Geórgia.

Todos sabeis bem que essa independência da Geórgia se tornou um puro engano: o que de facto existe é a ocupação e a completa conquista da Geórgia pelos imperialistas alemães, é a aliança das baionetas alemãs com o governo menchevique contra os operários e camponeses bolcheviques, e é por isso que tinham mil vezes razão os nossos camaradas de Baku, os quais, sem fechar de modo nenhum os olhos ao perigo da situação, disseram a si próprios: nunca estaríamos contra a paz com uma potência imperialista nas condições de concessão de uma parte do nosso território se isso não nos vibrasse um golpe, não ligasse as nossas tropas por uma aliança com as baionetas dos violadores e não nos tirasse a possibilidade de continuar a nossa actividade socialista transformadora.

Mas se a questão se coloca de tal modo que, ao convidar os ingleses pretensamente para defender Baku, convidam uma potência que agora engoliu toda a Pérsia e há já muito se aproxima sorrateiramente com as suas forças armadas para conquistar o Sul do Cáucaso, isto é, se renderam ao imperialismo anglo-francês — nesse caso não podemos ter, nem por um minuto, dúvidas e vacilações acerca de que os nossos camaradas de Baku, por mais difícil que fosse a sua situação, ao recusar-se a tal conclusão da paz deram um passo de que só são dignos socialistas de facto e não em palavras. Uma recusa resoluta a qualquer acordo com os imperialistas anglo-franceses é o único passo correcto que podiam dar os camaradas de Baku, porque é impossível convidá-los sem transformar o poder socialista independente, ainda que seja num território separado, em escravo da guerra imperialista.

Por isso não temos a menor dúvida sobre que significado tem o acontecimento de Baku na rede geral dos acontecimentos. Ontem foi recebida a informação de que uma parte das cidades da Ásia Central está envolvida numa insurreição contra-revolucionária, com a participação evidente dos ingleses, que se entricheiraram na Índia e que, tendo submetido inteiramente o Afeganistão, criaram há já muito um ponto de apoio tanto para alargar as suas possessões coloniais, para estrangular as nações, como para atacar a Rússia Soviética. E agora, quando se tornaram claros para nós esses elos isolados, definiu-se completamente a actual situação militar e estratégica geral da nossa república. Múrmansk no Norte, a frente checoslovaca no Leste, o Turquestão, Baku e Astracã no Sudeste — nós vemos que quase todos os elos do círculo forjado pelo imperialismo anglo-francês estão unidos entre si.

Vemos agora perfeitamente que os latifundiários, capitalistas e kulaques, os quais, por razões para eles bastante legítimas, ardem todos de ódio ao Poder Soviético, intervieram também aqui, sob formas que diferem um pouco das formas da intervenção dos latifundiários, capitalistas e kulaques na Ucrânia e noutros lugares separados da Rússia. Como lacaios do imperialismo anglo-francês, eles chegaram a tudo, fizeram todo o possível, custasse o que custasse, contra o Poder Soviético. Eles não podiam fazê-lo com as forças da própria Rússia e decidiram actuar não por meio de palavras, não por meio de apelos, no espírito dos senhores Mártov, mas recorreram a métodos de luta mais enérgicos, a acções militares. E é a esta circunstância que vós deveis dedicar, sobretudo, a vossa atenção; é nisso que temos de concentrar toda a nossa agitação, toda a propaganda, e devemos, em conformidade com isso, deslocar o centro de gravidade de todo o nosso trabalho soviético.

O facto de que actuam agora as forças imperialistas da outra coligação, não a alemã, mas a anglo-francesa, que conquistou uma parte do território e se apoia nela, é o facto fundamental. Se até agora a situação geográfica os impedia de atacar directamente a Rússia, agora o imperialismo anglo-francês, que há já quatro anos inunda todo o mundo em sangue pelo domínio sobre todo o mundo, chegou por uma via de rodeio, directamente à Rússia para estrangular a República Soviética e para precipitar a Rússia na guerra imperialista. Sabeis perfeitamente, camaradas, que desde o início da Revolução de Outubro nos colocámos como objectivo principal por fim à guerra imperialista, mas nunca criámos ilusões de que se possa derrubar o imperialismo internacional com as forças do proletariado e das massas revolucionárias de um só país, por mais heróico que seja o seu estado de espírito, por mais organizados e disciplinados que sejam — isso só pode ser feito com os esforços conjuntos do proletariado de todos os países.

Mas nós fizemos com que num dos países fossem rompidas todas as ligações com os capitalistas do mundo inteiro. O nosso governo não tem nem um só fio que o ligue a quaisquer capitalistas, e nunca os terá, qualquer que seja o caminho que vai seguir a nossa revolução. Nós fizemos com que o movimento revolucionário contra o imperialismo desse um enorme passo em frente em oito meses do nosso poder, e que num dos principais centros do imperialismo, na Alemanha, as coisas chegassem, em Janeiro de 1918, a um choque armado e ao esmagamento sangrento desse movimento[N328]. Nós fizemos a nossa obra revolucionária como nenhum governo revolucionário em nenhum país, à escala internacional, mundial, mas não nos enganámos pensando que isso pudesse ser conseguido com as forças de um só país. Nós sabíamos que os nossos esforços levavam inevitavelmente a uma revolução mundial e que era impossível terminar a guerra, iniciada pelos governos imperialistas, com as forças destes governos. Só se pode por fim à guerra com os esforços de todo o proletariado, e a nossa tarefa, quando chegámos ao poder como partido comunista proletário, no momento em que nos outros países continuava ainda o domínio capitalista burguês — a nossa tarefa imediata era, repito, conservar este poder, este facho do socialismo, para que ele continuasse a lançar o maior número possível de faíscas sobre o incêndio crescente da revolução socialista.

Por toda a parte esta tarefa era extraordinariamente difícil, e nós cumprimos esta tarefa graças ao facto de que o proletariado tomou exactamente a defesa das conquistas da república socialista. Esta tarefa levou a uma situação especialmente dura e crítica, porque a revolução socialista, no sentido directo dessa palavra, não começou ainda em nenhum país, embora em países como a Itália e a Áustria ela se tenha tornado incomparavelmente mais próxima. Mas já que ela não começou ainda, temos perante nós um novo êxito do imperialismo anglo-francês e, portanto, mundial. Se no Ocidente continua a manter-se o imperialismo alemão como força militar imperialista de rapina, o imperialismo anglo-francês obteve a possibilidade de se entrincheirar no Nordeste e no Sul da Rússia, mostrando-nos de modo patente e evidente que essa força está pronta a arrastar de novo a Rússia para a guerra imperialista, está pronta a esmagar a Rússia — Estado socialista independente —, o qual continua o seu trabalho socialista e a propaganda numa dimensão até agora nunca vista no mundo. O imperialismo anglo-francês obteve um grande êxito contra isto, e, tendo-nos rodeado com um círculo, dirigiu todos os esforços para esmagar a Rússia Soviética. Nós sabemos perfeitamente que este êxito do imperialismo anglo-francês está indissoluvelmente ligado à luta de classes.

Nós sempre dissemos — e as revoluções confirmam-no — que quando as coisas chegam aos fundamentos do poder económico, do poder dos exploradores, à sua propriedade, que põe à sua disposição o trabalho de dezenas de milhões de operários e camponeses, que dá aos latifundiários e capitalistas a possibilidade de enriquecer — quando, repito, as coisas chegam à propriedade privada dos capitalistas e latifundiários, eles esquecem-se de todas as suas frases sobre o amor à pátria e sobre a independência. Nós sabemos perfeitamente que os democratas-constitucionalistas, os socialistas-revolucionários de direita e os mencheviques bateram o recorde no que respeita a alianças com as potências imperialistas, no que respeita à conclusão de tratados de rapina, no que respeita à entrega da pátria ao imperialismo anglo-francês. São exemplos disso a Ucrânia e Tiflís. Prova suficiente disto é a aliança dos mencheviques, dos socialistas-revolucionários de direita, com os checoslovacos. E a intervenção dos socialistas-revolucionários de esquerda, que tiveram a ideia de arrastar a República da Rússia para a guerra no interesse dos guardas-brancos de Iaroslavl[N329], mostra-nos de modo bastante claro que quando se trata dos lucros de classe a burguesia trai a pátria e entra em transacções sem princípios contra o seu povo com quaisquer estrangeiros. A história da revolução russa mostrou-nos essa verdade uma e outra vez, depois da história da revolução nos ter mostrado, no decurso de mais de cem anos, que tal é a lei dos interesses de classe, da política de classe da burguesia em todos os tempos e em todos os países. Por isso, não admira nada que o agravamento actual da situação internacional da República Soviética esteja ligado ao agravamento da luta de classes dentro do país.

Dissemos muitas vezes que o período até à nova colheita é, neste sentido, no sentido do agravamento da crise dos víveres, o mais duro. Caiu sobre a Rússia o flagelo da fome, que se agravou de modo inaudito exactamente porque o plano dos abutres imperialistas consiste em cortar a Rússia das regiões cerealíferas. Neste sentido, as suas aspirações são calculadas de modo totalmente correcto e consistem exactamente em encontrar nas zonas cerealíferas um apoio social de classe, em encontrar regiões com o predomínio dos kulaques, dos camponeses ricos que se enriquecem com a guerra, que vivem à custa do trabalho dos outros, à custa do trabalho dos pobres. Vós sabeis que esses elementos acumularam dezenas e centenas de milhares de rublos, que eles têm enormes reservas de cereais. Vós sabeis que são essas pessoas, que enriqueceram com a calamidade do povo, que tinham tanto mais bases para pilhar e aumentar os seus lucros quanto maior fosse a miséria do povo na capital, que são esses elementos kulaques que constituíram o apoio principal e mais sério do movimento contra-revolucionário da Rússia. Aqui a luta de classes chegou ao mais profundo da sua fonte. Não restou uma única aldeia por onde não tenha passado a luta de classes entre os pobres do campo e uma parte do campesinato médio, que não tem excedentes de cereais, que já os comeu há muito, que não participou na especulação — a luta de classes entre esta enorme maioria de trabalhadores e um punhado de kulaques; essa luta de classes penetrou em cada aldeia.

Quando determinávamos os nossos planos políticos e publicávamos os nossos decretos — naturalmente, a enorme maioria dos presentes conhece-os —, quando, repito, escrevíamos e aplicávamos os decretos sobre a organização dos pobres do campo, vimos claramente que as coisas chegavam à questão mais radical e decisiva de toda a revolução, à questão mais radical e decisiva, a do poder, à questão de saber se o poder fica nas mãos do proletariado, se este une a si todos os pobres do campo, com os quais não tem nenhumas discordâncias, se ele saberá atrair para o seu lado os camponeses, com os quais não tem divergências, se unirá toda essa massa dispersa, desunida, pulverizada por aldeias, que neste aspecto está pior do que o operário da cidade, se a unirá contra o outro campo, o campo dos latifundiários, dos imperialistas e dos kulaques.

E diante dos nossos olhos os pobres dos campos começaram a unir-se com uma rapidez extraordinária. Dizem que a revolução ensina. Com efeito, a luta de classes ensina, na prática, que qualquer falsidade na posição de algum partido conduz imediatamente este partido ao lugar que merece. Vimos com toda a evidência a política do partido dos socialistas-revolucionários de esquerda, os quais, devido à falta de carácter e de cabeça, vacilaram no momento em que a questão dos víveres se colocou de uma maneira tão aguda, e o partido socialista-revolucionário de esquerda desapareceu como partido, tendo-se transformado em fantoche nas mãos dos guardas brancos de Iaroslavl. (Aplausos.)

Camaradas, esta agudização de luta de classes em ligação com a crise dos víveres, exactamente quando se definiu a riqueza da nova colheita, mas que não pode ser realizada, e quando os habitantes horrivelmente famintos de Petrogrado e de Moscovo são empurrados pelos elementos kulaques e pela burguesia, que dizem entre os esforços mais desesperados: ou agora, ou nunca — isto torna compreensível a onda de insurreições que passa por toda a Rússia. Deu-se a insurreição de Iaroslavl. E nós vemos a influência dos anglo-franceses; vemos os cálculos dos latifundiários e da burguesia contra-revolucionários. Ali onde se levantou a questão dos cereais entravavam a realização do monopólio dos cereais, mas sem isto não pode haver socialismo. É precisamente nisto que a burguesia deve unir-se, e nisto a burguesia tem um apoio mais profundo do que o mujique do campo. O combate decisivo entre as forças do socialismo e a sociedade burguesa dar-se-á em qualquer caso, desta ou daquela maneira, hoje ou amanhã, com este ou aquele motivo. Só nos socialistas entre aspas, como, por exemplo, os nossos socialistas-revolucionários de esquerda, pode haver toda a espécie de vacilações. Quando nesta questão, nesta questão fundamental, se notam vacilações nos socialistas, isso mostra que são socialistas entre aspas e que nada valem. A revolução conduz tais socialistas ao ponto de se transformarem de facto em simples fantoches com os quais jogam os generais franceses, fantoches cujo papel foi mostrado pelo ex-CC do ex-partido dos socialistas-revolucionários de esquerda.

Camaradas, deste esforço conjunto do imperialismo anglo-francês e da burguesia russa contra-revolucionária decorre que a guerra civil no nosso país venha agora de um lado que nem todos esperavam e de que nem todos tinham clara consciência, e ela fundiu-se num laço indissolúvel com a guerra externa. A insurreição dos kulaques, o motim dos checoslovacos, o movimento de Múrmansk, são uma só guerra que caiu sobre a Rússia. Nós escapámos da guerra por um lado, sofrendo um prejuízo enorme, depois de concluir uma paz incrivelmente dura, sabíamos que concluíamos uma paz forçada, mas dizíamos que poderíamos continuar a nossa propaganda e a nossa construção, e decompondo com isto o mundo imperialista. Soubemos fazê-lo. A Alemanha conduz agora conversações sobre quantos milhares de milhões cobrar à Rússia na base da Paz de Brest, mas ela reconheceu todas as nacionalizações feitas no nosso país com o decreto de 28 de Junho[N330]. Ela não levantou a questão da propriedade privada da terra na república, é preciso sublinhar isto em contraposição à mentira inaudita difundida por Spiridónova e outras dirigentes semelhantes dos socialistas-revolucionários de esquerda, mentira que foi proveitosa aos latifundiários e é agora repetida pelos elementos mais obscuros e atrasados dos cem-negros; esta mentira deve ser refutada e desmascarada.

De facto, nós, apesar de toda a dureza da paz para nós, conquistámos uma construção socialista interna livre e demos nesse caminho passos que se tomam agora conhecidos na Europa Ocidental e constituem elementos de propaganda, incomensuravelmente mais poderosos do que antes.

E eis que as coisas se apresentam de tal modo que, tendo por um lado saído da guerra contra uma coligação, nós sofremos agora o ataque do imperialismo por outro lado. O imperialismo é um fenómeno mundial, é uma luta pela partilha do mundo inteiro, de toda a terra, uma luta para a submissão a este ou àquele punhado de abutres. Agora, o outro grupo de abutres, o anglo-francês, lança-se contra nós e diz: arrastar-vos-emos outra vez para a guerra. A sua guerra funde-se num todo com a guerra civil, e é isso que constitui a fonte principal das dificuldades do momento actual, quando a questão militar, dos acontecimentos militares surge novamente em cena como questão fundamental e principal da revolução. Nisso é que está toda a dificuldade, porque o povo está cansado da guerra, esgotado pela guerra como nunca. Esse estado de extrema fadiga e esgotamento do povo russo pela guerra quero compará-lo com um homem que foi espancado até ficar meio morto e do qual não se pode esperar nem uma manifestação de energia nem uma manifestação de capacidade de trabalho. Do mesmo modo, essa guerra de quase quatro anos que caiu sobre o país dilapidado, torturado e enxovalhado pelo tsarismo, pela autocracia, pela burguesia e por Kérenski, provocou no povo russo, por muitas razões, uma grande repugnância, constituiu a maior fonte das enormes dificuldades que atravessamos.

Por outro lado, tal viragem dos acontecimentos reduziu tudo a uma determinada guerra. Caímos novamente na guerra, encontramo-nos em guerra, e esta guerra não é apenas uma guerra civil contra os kulaques, os latifundiários e os capitalistas, que se uniram agora contra nós; agora já enfrentamos o imperialismo anglo-francês; ele não está ainda em condições de mover contra a Rússia as suas hostes, impedem-no as condições geográficas, mas ajuda os nossos inimigos com tudo o que pode, com todos os seus milhões, com todas as suas relações diplomáticas e forças. Encontramo-nos em estado de guerra, e podemos sair vencedores nesta guerra; mas aqui temos que lutar contra um dos inimigos mais difíceis de vencer: é preciso combater o estado de cansaço provocado pela guerra, o ódio e a repugnância em relação à guerra; temos que superar esse estado, porque de outro modo não resolveremos a questão que não depende da nossa vontade, isto é, a questão da guerra. O nosso país voltou a cair na guerra, e o desenlace da revolução depende agora completamente de quem vencerá nesta guerra, da qual os checoslovacos são as figuras principais, mas de facto os dirigentes, motores e impulsionadores nesta guerra são os imperialistas anglo-franceses. Toda a questão da existência da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, toda a questão da revolução socialista da Rússia se reduziu à questão da guerra. Nisso reside a fonte da enorme dificuldade, dado o estado em que o povo saiu da guerra imperialista. A nossa tarefa é para nós perfeitamente clara. Qualquer engano seria um enorme prejuízo; nós consideramos como crime ocultar esta dura verdade aos operários e camponeses. Pelo contrário, que cada um saiba essa verdade da forma mais patente e clara possível.

Sim, nós tivemos exemplos em que as nossas tropas mostraram uma fraqueza criminosa, por exemplo, quando da tomada de Simbirsk pelos checoslovacos, quando os nossos recuaram; sabemos que as tropas se cansaram na guerra, sentem repugnância por ela, mas é também natural e inevitável que o imperialismo, enquanto não sofrer uma derrota à escala mundial, tente arrastar a Rússia para a guerra imperialista, procurando transformá-la numa matança. Quer o queiramos quer não, a questão coloca-se assim: encontramo-nos em guerra, e o destino da revolução resolver-se-á pele desenlace dessa guerra. Essa deve ser a primeira e a última palavra da nossa agitação, de toda a nossa actividade política, revolucionária e transformadora. Fizemos muita coisa em breve tempo, mas é preciso levar tudo até ao fim, Toda a nossa actividade deve ser subordinada inteira e completamente à questão da qual depende agora o destino da revolução e o seu desenlace, o destino da revolução russa e internacional. Naturalmente que o imperialismo de todo o mundo não sairá da guerra actual sem uma série de revoluções; esta guerra não pode terminar senão com a vitória final do socialismo. Mas a nossa tarefa agora consiste em apoiar, defender e conservar essa força do socialismo, esse facho socialista, essa fonte do socialismo que influencia activamente todo o mundo; esta tarefa, dado o actual curso dos acontecimentos, é a tarefa militar.

Mais de uma vez atravessámos tal situação, e muitos diziam que apesar do muito que nos custou a paz, apesar dos muitos sacrifícios que ela nos exigiu, apesar dos esforços do inimigo para nos tirar cada vez mais territórios, apesar de tudo isso a Rússia por enquanto beneficia da paz e pode consolidar as suas conquistas revolucionárias. Neste caminho fomos até mesmo mais longe do que imaginavam muitos de nós. Por exemplo, o nosso controlo operário já foi muito além das formas nas quais se manifestara inicialmente, e actualmente chegamos à transformação da administração do Estado em ordem socialista. Avançámos muito no terreno do nosso trabalho prático, já temos uma completa administração operária na indústria, mas as circunstâncias não nos deram a possibilidade de prosseguir pacificamente este trabalho; elas levaram-nos novamente a uma situação de guerra, e nós temos que pôr em tensão todas as nossas forças e chamar todos às armas. Se encontrássemos entre os comunistas quaisquer vacilações nesta questão, isso seria uma vergonha.

Não nos admiram as vacilações entre os camponeses. A massa camponesa não passou pela mesma escola de vida por que passou o proletariado, o qual está habituado por decénios a ver no capitalista o seu inimigo de classe e que soube juntar as suas forças para a luta contra ele. Sabemos que os camponeses não passaram por uma universidade assim. Durante algum tempo eles andaram ao lado do proletariado, agora observa-se neles um período de vacilações em que a massa camponesa se cinde. Nós conhecemos uma quantidade de casos em que os kulaques vendiam os cereais aos camponeses abaixo dos preços fixos para aparentar que os kulaques defendiam os interesses dos camponeses. Tudo isto não nos admira; mas um operário comunista não vacilará, a massa operária será inabalável, e se o meio camponês tem espírito de kulaque, isso é facilmente explicável. Ali onde não há bolcheviques, e dominam as autoridades checoslovacas, observámos o fenómeno seguinte: inicialmente os checoslovacos são acolhidos quase como libertadores, mas ao cabo de algumas semanas de domínio desta burguesia nota-se uma enorme viragem contra os checoslovacos a favor do Poder Soviético, porque os camponeses começam a compreender que todas as frases sobre a liberdade do comércio e sobre a Assembleia Constituinte significam só uma coisa: o poder dos latifundiários e capitalistas.

A nossa tarefa é cerrar ainda mais as fileiras proletárias e criar uma organização tal que nas próximas semanas tudo seja consagrado à solução da questão da guerra. Combatemos agora o imperialismo anglo-francês e tudo o que há de burguês e capitalista na Rússia, tudo o que faz esforços para frustrar toda a causa da revolução socialista e em arrastar-nos para a guerra. A questão está colocada de tal maneira que o que está em jogo são todas as conquistas dos operários e camponeses. Devemos estar certos de que encontraremos no proletariado uma ampla simpatia e apoio e o perigo será inteiramente rechaçado, e novas fileiras do proletariado levantar-se-ão em defesa da sua classe, para salvar a revolução socialista. Agora, a questão coloca-se de tal maneira que a luta se trava em torno de dois pontos fundamentais, todas as diferenças partidárias fundamentais se aplanaram no fogo da revolução. O socialista-revolucionário de esquerda, que sublinha fortemente o facto de que é de esquerda, que se oculta atrás da frase revolucionária mas que se subleva de facto contra o Poder Soviético, é o mesmo mercenário dos guardas brancos de Iaroslavl, é isso que ele é perante a história e a luta revolucionária. Actualmente estão na arena de luta apenas duas classes: trava-se uma luta de classes entre o proletariado, que defende os interesses dos trabalhadores, e aqueles que defendem os interesses dos latifundiários e dos capitalistas. Todas as frases acerca da Assembleia Constituinte, acerca dum Estado independente, etc, com as quais se tenta enganar as massas inconscientes, foram desmascaradas pela experiência do movimento checoslovaco e do movimento dos mencheviques caucasianos. Por detrás de todas essas frases estão as mesmas forças dos latifundiários e dos capitalistas, e precisamente do mesmo modo que a ocupação alemã traz o poder dos latifundiários e dos capitalistas, trá-lo também a insurreição checoslovaca. Eis por que se trava a guerra!

Camaradas! As fileiras do proletariado devem cerrar-se ainda mais estreitamente e dar nesta luta um exemplo de organização e de disciplina. A Rússia continua como antes a ser o único país que rompeu todos os laços com os imperialistas. É certo que nos esvaímos em sangue dessas graves feridas. Recuámos perante a fera imperialista, ganhando tempo, assestando-lhe ora aqui ora ali golpes parciais, mas mantivemo-nos independentes como República Socialista Soviética. Realizando o nosso trabalho socialista, marchámos contra o imperialismo de todo o mundo, e esta luta torna-se mais compreensível para os operários de todo o mundo, e a sua indignação que cresce cada vez mais aproxima-os da revolução futura. E a luta trava-se precisamente por isto, porque a nossa república é o único país no mundo que não andou de mãos dadas com o imperialismo, que não deixou matar milhões de pessoas pelo domínio dos franceses ou dos alemães sobre o mundo. A nossa república é o único país que saiu da guerra imperialista mundial por uma via violenta e revolucionária, que ergueu a bandeira da revolução socialista, mas arrastam-na novamente para a guerra imperialista, querem novamente levá-la para a frente. Que os checoslovacos lutem contra os alemães, que a burguesia russa escolha, que Miliukov decida, mesmo em acordo com Spiridónova e Kamkov, a questão de saber com que imperialistas desejam alinhar. Mas nós declaramos que a fim de impedir a solução dessa questão devemos estar prontos a sacrificar a nossa vida, pois trata-se da salvação de toda a revolução socialista. (Aplausos.) Sei que entre os camponeses das províncias de Sarátov, de Samara e de Simbirsk. onde se observava o maior cansaço e a maior incapacidade de realizar acções militares, se nota uma viragem. Tendo sofrido a invasão dos cossacos e dos checoslovacos, tendo experimentado na prática o que é a Assembleia Constituinte ou os gritos: abaixo a Paz de Brest, eles compreenderam que tudo isso leva ao regresso do latifundiário, leva a que o capitalista se sente no trono — e tornam-se agora os defensores mais ardentes do poder dos Sovietes. Não tenho nem sombra de dúvida de que as massas proletárias de Petrogrado e Moscovo, marchando à frente da revolução, compreenderão as circunstâncias, compreenderão como é ameaçador o momento que estamos a atravessar, serão mais resolutas ainda, e o proletariado rechaçará tanto a ofensiva anglo-francesa como a checoslovaca no interesse da revolução socialista. (Aplausos.)


Notas de rodapé:

(1*) Stanitsa: Aldeia Cossaca (retornar ao texto)

Notas de fim de tomo:

[N323] A reunião conjunta do CECR do Soviete de Moscovo, dos comités de fábrica e sindicatos de Moscovo, realizada em 29 de Julho de 1918, foi convocada por causa da difícil situação económica e militar da República Soviética. A reunião aprovou por unanimidade a resolução sobre o relatório de Lénine proposta pela fracção comunista. A resolução considerava que a pátria socialista estava em perigo e exigiu que a actividade de todas as organizações de trabalhadores fosse orientada para as necessidades da defesa da República Soviética, se efectuasse uma ampla propaganda entre as massas operárias com o propósito de explicar a situação em que se encontrava o país, se intensificasse a vigilância em relação à burguesia contra-revolucionária, se transferisse um determinado número de funcionários responsáveis do Partido para cumprir cargos militares, para assegurar o abastecimentos de víveres e para desenvolver uma luta decidida pelo fornecimento de cereais. (retornar ao texto)

[N324] Prúkopnik Svobody (Pioneiro da Liberdade): órgão central dos grupos comunistas checoslovacos na Rússia Soviética. O jornal era semanal e editou-se em Moscovo de Junho de 1918 a Maio de 1919. Lénine refere-se ao artigo Os milhões da França publicado nesse jornal no dia 28 de Junho de 1918. (retornar ao texto)

[N325] Lénine refere-se à revolta contra-revolucionária dos socialistas-revolucionários de esquerda em Moscovo (6-7 de Julho de 1918) durante os trabalhos do V Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia. (retornar ao texto)

[N326] Dachnaktsutiun: partido nacionalista arménio, criado no começo dos anos 90 do século XIX, com o objectivo de libertar os arménios residentes no território turco do jugo do sultão. Depois da vitória da Revolução Socialista de Outubro os dachnaks formaram um bloco contra-revolucionário com os mencheviques, os socialistas-revolucionários e mussavatistas contra o poder soviético. No período de 1918 a 1920 os dachnaks encabeçaram o governo contra-revolucionário nacionalista burguês da Arménia, contribuindo com a sua actividade para a transformação desse país numa colónia dos imperialistas estrangeiros, num ponto de apoio dos intervencionistas ingleses e franceses e dos guardas brancos russos na sua luta contra a República Soviética. Os trabalhadores da Arménia, sob a direcção do Partido Bolchevique e com a ajuda do Exército Vermelho, derrubaram, em Novembro de 1920, o governo dachnakista. Com a vitória do poder soviético, as organizações do Dachnaktsutiun na Transcaucásia foram derrotadas e suprimidas. (retornar ao texto)

[N327] Na reunião extraordinária do Soviete de Baku realizada em 25 de Julho de 1918 discutiu-se, face à ofensiva das tropas turcas, a questão da situação militar e política em Baku. Os mencheviques, os dachnaks e os socialistas-revolucionários de esquerda, sob o pretexto da defesa de Baku, exigiram que se chamasse "em socorro" as tropas inglesas. Os bolcheviques representantes do poder soviético em Baku manifestaram-se decididamente contra essas propostas traiçoeiras. Todavia, a despeito dos esforços dos bolcheviques, foi aprovada por uma pequena maioria de votos a resolução que propunha chamar as tropas inglesas para a cidade de Baku. No dia 27 de Julho, a conferência dos bolcheviques de Baku resolveu não se render sem luta, organizar urgentemente a defesa de Baku e, sob a direcção do Conselho de Comissários do Povo, decretar a mobilização geral e exortar os operários a defenderem a cidade e o poder soviético. Mas os esforços heróicos dos comunistas do Azerbaijão e da parte progressista do proletariado de Baku foram frustados mercê da traição dos dachnaks, dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques. As tropas dachnaks abandonaram a frente de combate e as tropas turcas precipitaram-se para a cidade através da brecha aberta. O pode soviético de Baku, em resultado da arremetida dos intervencionistas estrangeiros e dos seus agentes, foi derrotado provisoriamente no dia 31 de Julho. Os agentes da Entente — os socialistas-revolucionários, os mencheviques e os dachnaks — constituíram um governo contra-revolucinário, a chamada ditadura do Centrocáspio. Os dirigentes do poder soviético no Azerbeijão foram presos e na noite de 19 para 20 de Setembro os 26 comissários de Baku (SG Chaumián, MA Azizbékov, PA Djaparidza, IT Fiolétov, ID Zévine, GN Korgánov, MG Vezírov e outros) foram mortos pelos invasores ingleses com a participação directa dos socialistas-revolucionários e dos mencheviques. (retornar ao texto)

[N328] A Grande Revolução Socialista de Outubro exerceu uma considerável influência sobre o progresso do movimento revolucionário na Alemanha. As exigências excessivas do governo alemão impostas nas negociações de paz com a delegação da Rússia Soviética na cidade de Brest-Litovsk provocaram a indignação dos operários alemães e uma greve política geral nos fins de Janeiro e começo de Fevereiro de 1918. Apesar de derrotada, essa greve teve grande importância. Lénine considerava essa greve como uma viragem na atitude do proletariado alemão. (retornar ao texto)

[N329] Lénine refere-se à revolta dos guardas brancos na cidade de Iaroslav, que foi iniciada a 6 de Julho de 1918. O levantamento foi organizado pela "União para a Defesa da Pátria e da Liberdade", de carácter contra-revolucionário, cujo dirigente era o socialista-revolucionário de direita BV Sávinkov. A revolta em Iaroslav, tal como os outros levantamentos contra-revolucionários na Rússia Soviética naquela altura, foi preparada pelos imperialistas da Entente com a participação activa dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários. A organização dessa revolta era um dos elementos do plano geral da intervenção contra a Rússia. O levantamento armado na cidade de Iaroslav coincidiu com a revolta armada dos socialistas-revolucionários de esquerda na cidade de Moscovo. O motim foi esmagado no dia 21 de Julho de 1918. (retornar ao texto)

[N330] Lénine refere-se ao decreto sobre a nacionalização da grande indústria, aprovado em 28 de Junho de 1918 pelo Conselho dos Comissários do Povo. Esse decreto nacionalizou todas as grandes empresas industriais com um capital de 200 mil rublos a 1 milhão de rublos e mais. Em conformidade com as disposições do mesmo decreto, foram nacionalizados todos os caminhos-de-ferro privados e empresas municipais (fornecimento de água, abastecimento de gás, carros-eléctricos, etc.) e entregues aos sovietes locais. (retornar ao texto)

 

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Inclusão 21/09/2009