O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo
V. I. Lenine

Durante os últimos quinze ou vinte anos, sobretudo depois das guerras hispano-americana (1898) e anglo-boer (1899-1902) (9) , as publicações económicas, bem como as políticas, do Velho e do Novo Mundo utilizam cada vez mais o conceito de «imperialismo» para caracterizar a época que atravessamos. Em 1902, apareceu em Londres e Nova Iorque a obra do economista inglês J.A. Hobson O Imperialismo. O autor, que defende o ponto de vista do social-reformismo e do pacifismo burgueses - ponto de vista que coincide, no fundo, com a posição atual do ex-marxista K. Kautsky - faz uma descrição excelente e pormenorizada das particularidades económicas e políticas fundamentais do imperialismo. Em 1910, publicou-se em Viena a obra do marxista austríaco Rudolf Hilferding O Capital Financeiro (tradução russa: Moscovo, 1912). Apesar do erro do autor quanto à teoria do dinheiro e de certa tendência para conciliar o marxismo com o oportunismo, a obra mencionada constitui uma análise teórica extremamente valiosa da «fase mais recente do desenvolvimento do capitalismo» (tal é o subtítulo do livro de Hilferding). No fundo, o que se disse acerca do imperialismo durante estes últimos anos - sobretudo no imenso número de artigos publicados em jornais e revistas, assim como nas resoluções tomadas, por exemplo, nos Congressos de Chemnitz (10) e de Basileia que se realizaram no Outono de 1912 - nunca saiu do círculo das ideias expostas, ou, melhor dizendo, resumidas, nos dois trabalhos mencionados.

Nas páginas que seguem procuraremos expor sumariamente, da forma mais popular possível, os laços e as relações recíprocas existentes entre as particularidades económicas fundamentais do imperialismo. Não nos deteremos, por muito que ele o mereça, no aspecto não económico do problema. Quanto às referências bibliográficas e outras notas que nem a todos os leitores interessariam, dá-las-emos no final da brochura.

I - A Concentração da Produção e os Monopólios

O enorme incremento da indústria e o processo notavelmente rápido de concentração da produção em empresas cada vez maiores constituem uma das particularidades mais características do capitalismo. Os censos indústriais modernos fornecem os dados mais completos e exactos sobre o processo.

Na Alemanha, por exemplo, em cada 1000 empresas indústriais, em 1882, 3 eram grandes empresas, quer dizer, empregavam mais de 50 operários assalariados; em 1895 eram 6, e 9 em 1907. De cada 100 operários correspondiam-lhes, respectivamente, 22, 30 e 37. Mas a concentração da produção é muito mais intensa do que a dos operários, pois o trabalho nas grandes empresas é muito mais produtivo, como indicam os dados relativos às máquinas a vapor e aos motores elétricos. Se considerarmos aquilo a que na Alemanha se chama indústria no sentido lato desta palavra, quer dizer, incluindo o comércio, as vias de comunicação, etc., obteremos o seguinte quadro: grandes empresas, 30 588 num total de 3 265 623, isto é, apenas 0,9 %. Nelas estão empregados 5 700 000 operários, num total de 14 400 000, isto é, 39,4 %; cavalos-vapor, 6 600 000 para um total de 8 800 000, ou seja, 75,3 %; energia eléctrica, 1 200 000 quilowatts para um total de 1 500 000, ou seja, 77,2 %.

Menos da centésima parte das empresas tem mais de 3/4 da quantidade total da força motriz a vapor e eléctrica! Aos 2 970 000 pequenos estabelecimentos (até 5 operários assalariados), que constituem 91% de todas as empresas, correspondem unicamente 7% da energia eléctrica e a vapor! Algumas dezenas de milhares de grandes empresas são tudo, os milhões de pequenas empresas não são nada.

Em 1907 havia na Alemanha 586 estabelecimentos com 1 000 ou mais operários. Esses estabelecimentos empregavam quase a décima parte (1 380 000) do número total de operários e quase um terço (32 %) do total de energia eléctrica e a vapor (1*) . O capital-dinheiro e os bancos, como veremos, tornam ainda mais esmagador esse predomínio de um punhado de grandes empresas, e dizemos esmagador no sentido mais literal da palavra, isto é, milhões de pequenos, médios, e até uma parte dos grandes «patrões», encontram-se de facto completamente submetidos a umas poucas centenas de financeiros milionários.

Noutro país avançado do capitalismo contemporâneo, os Estados Unidos da América do Norte, o aumento da concentração da produção é ainda mais intenso. Neste país, a estatística considera à parte a indústria, na acepção estrita da palavra, e agrupa os estabelecimentos de acordo com o valor da produção anual. Em 1904, havia 1900 grandes empresas (num total de 216 180, isto é, 0,9 %), com uma produção de um milhão de dólares e mais; estas empresas empregavam 1 400 000 operários (num total de 5 500 000, ou seja, 25,6 %), e o valor da produção ascendia a 5 600 milhões (em 14 800 milhões, ou seja, 38%). Cinco anos depois, em 1909, os números correspondentes eram: 3 060 empresas (num total de 268 491, isto é, 1,1%) com 2 milhões de operários (num total de 6 600 000, isto é, 30,5%) e 9 000 milhões de produção anual (em 20 700 milhões, isto é, 43,8%) (2*) .

Quase metade da produção global de todas as empresas do país nas mãos de uma centésima parte do total das empresas! E essas 3 000 empresas gigantescas abarcam 258 ramos da indústria. Daqui se infere claramente que, ao chegar a um determinado grau do seu desenvolvimento, a concentração por si mesma, por assim dizer, conduz diretamente ao monopólio, visto que, para umas quantas dezenas de empresas gigantescas, é muito fácil chegarem a acordo entre si e, por outro lado, as dificuldades da concorrência e a tendência para o monopólio nascem precisamente das grandes proporções das empresas. Esta transformação da concorrência em monopólio constitui um dos fenómenos mais importantes - para não dizer o mais importante - da economia do capitalismo dos últimos tempos. É necessário, portanto, que nos detenhamos e a estudemos mais em pormenor. Mas antes disso devemos eliminar um equívoco possível.

A estatística americana indica: 3 000 empresas gigantes em 250 ramos indústriais. Parece que correspondem apenas 12 grandes empresas a cada ramo da produção.

Mas não é assim. Nem em todos os ramos da indústria existem grandes empresas; por outro lado, uma particularidade extremamente importante do capitalismo chegado ao seu mais alto grau de desenvolvimento é a chamada combinação, ou seja, a reunião numa só empresa de diferentes ramos da indústria, que ou representam fases sucessivas da elaboração de uma matéria-prima (por exemplo, a fundição do minério de ferro, a transformação do ferro fundido em aço e, em certos casos, a produção de determinados artigos de aço) ou desempenham um papel auxiliar uns em relação aos outros (por exemplo, a utilização dos resíduos ou dos produtos secundários, a produção de embalagens, etc.).

«A combinação», diz Hilferding, «nivela as diferenças de conjuntura e garante, portanto, à empresa combinada uma taxa de lucro mais estável. Em segundo lugar, a combinação conduz à eliminação do comércio. Em terceiro lugar, permite o aperfeiçoamento técnico e, por conseguinte, a obtenção de lucros suplementares em comparação com as empresas «simples» (isto é, não combinadas). Em quarto lugar, fortalece a posição da empresa combinada relativamente à «simples», reforça-a na luta de concorrência durante as fortes depressões (dificuldade nos negócios, crise), quando os preços das matérias-primas descem menos do que os preços dos artigos manufaturados.» (3*)

O economista burguês alemão Heymann, que consagrou uma obra às empresas «mistas», ou seja, combinadas, na indústria siderúrgica alemã, diz: «As empresas simples perecem, esmagadas pelo preço elevado das matérias-primas e pelo baixo preço dos artigos manufaturados.» Daí, resulta o seguinte:

«Por um lado, ficaram as grandes companhias hulheiras com uma extração de carvão que se cifra em vários milhões de toneladas, solidamente organizadas no seu sindicato hulheiro; seguidamente, estreitamente ligadas a elas, as grandes fundições de aço com o seu sindicato. Estas empresas gigantescas, com uma produção de aço de 400 000 toneladas por ano, com uma extração enorme de minério de ferro e de hulha, com a sua produção de artigos de aço, com 10.000 operários alojados nos barracões dos bairros operários, que contam por vezes com caminhos-de-ferro e portos próprios, são os representantes típicos da indústria siderúrgica alemã. E a concentração continua avançando sem cessar. As diferentes empresas vão aumentando de importância cada dia; cada vez é maior o número de estabelecimentos de um ou vários ramos da indústria que se agrupam em empresas gigantescas, apoiadas e dirigidas por meia dúzia de grandes bancos berlinenses. No que se refere à indústria mineira alemã, foi demonstrada a exatidão da doutrina de Karl Marx sobre a concentração; é verdade que isto se refere a um país no qual a indústria se encontra defendida por direitos alfandegários proteccionistas e pelas tarifas de transporte. A indústria mineira da Alemanha está madura para a expropriação.» (4*)

Tal é a conclusão a que teve de chegar um economista burguês consciencioso, o que é uma excepção. Há que observar que considera a Alemanha como um caso especial, em consequência da protecção da sua indústria por elevadas tarifas alfandegárias. Mas esta circunstância não fez mais do que acelerar a concentração e a constituição de associações monopolistas patronais, cartéis, sindicatos, etc. É de extraordinária importância notar que no país do livre câmbio, a Inglaterra, a concentração conduz também ao monopólio, ainda que um pouco mais tarde e talvez com outra forma. Eis o que escreve o Prof. Hermann Levy, em Monopólios, Cartéis e Trusts, estudo especial feito com base nos dados relativos ao desenvolvimento económico da Grã-Bretanha:

«Na Grã-Bretanha são precisamente as grandes proporções das empresas e o seu elevado nível técnico que trazem consigo a tendência para o monopólio. Por um lado, a concentração determinou o emprego de enormes capitais nas empresas; por isso, as novas empresas encontram-se perante exigências cada vez mais elevadas no que respeita ao volume de capital necessário, e esta circunstância dificulta o seu aparecimento. Mas, por outro lado (e este ponto consideramo-lo mais importante), cada nova empresa que queira manter-se ao nível das empresas gigantes criadas pela concentração representa um aumento tão grande da oferta de mercadorias que a sua venda lucrativa só é possível com a condição de um aumento extraordinário da procura, pois, caso contrário, essa abundância de produtos faz baixar os preços a um nível desvantajoso para a nova fábrica e para as associações monopolistas.» Na Inglaterra, as associações monopolistas de patrões, cartéis e trusts, só surgem, na maior parte dos casos - diferentemente dos outros países, nos quais os impostos aduaneiros protecionistas facilitam a cartelização -, quando o número das principais empresas concorrentes se reduz a «umas duas dúzias». «A influência da concentração na formação dos monopólios na grande indústria surge neste caso com uma clareza cristalina. (5*)

Há meio século, quando Marx escreveu O Capital , a livre concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma «lei natural». A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um facto. Os economistas publicam montanhas de livros em que descrevem as diferentes manifestações do monopólio e continuam a declarar em coro que o marxismo foi refutado. Mas os factos são teimosos - como afirma o provérbio inglês - e de bom ou mau grado há que tê-los em conta. Os factos demonstram que as diferenças entre os diversos países capitalistas, por exemplo no que se refere ao proteccionismo (11) ou ao livre câmbio, trazem consigo apenas diferenças não essenciais quanto à forma dos monopólios ou ao momento do seu aparecimento, mas que o aparecimento do monopólio devido à concentração da produção é uma lei geral e fundamental da presente fase de desenvolvimento do capitalismo. No que se refere à Europa, pode-se fixar com bastante exatidão o momento em que o novo capitalismo veio substituir definitivamente o velho: em princípios do século XX. Num dos trabalhos de compilação mais recentes sobre a história da «formação dos monopólios» lemos:

«Podem-se citar alguns exemplos de monopólios capitalistas da época anterior a 1860; podem-se descobrir ai os germes das formas que são tão correntes na atualidade; mas tudo isso constitui indiscutivelmente a época pré-histórica dos cartéis. O verdadeiro começo dos monopólios contemporâneos encontramo-lo, no máximo, na década de 1860. O primeiro grande período de desenvolvimento dos monopólios começa com a depressão internacional da indústria na década de 1870 e prolonga-se até princípios da última década do século.» «Se examinarmos a questão no que se refere à Europa, a livre concorrência alcança o ponto culminante de desenvolvimento nos anos de 60 a 70. Por essa altura, a Inglaterra acabava de erguer a sua organização capitalista do velho estilo. Na Alemanha, esta organização iniciava uma luta decidida contra a indústria artesanal e doméstica e começava a criar as suas próprias formas de existência.»

«Inicia-se uma transformação profunda com o craque de 1873, ou, mais exatamente, com a depressão que se lhe seguiu e que - com uma pausa quase imperceptível em princípios da década de 1880 e com um ascenso extraordinariamente vigoroso, mas breve, por volta de 1889 - abarca vinte e dois anos da história económica da Europa.» «Durante o breve período de ascenso de 1889 e 1890 foram utilizados em grande escala os cartéis para aproveitar a conjuntura. Uma política irrefletida elevava os preços ainda com maior rapidez e em maiores proporções do que teria acontecido sem os cartéis, e quase todos esses cartéis pereceram ingloriamente, enterrados «na fossa do craque». Decorrem outros cinco anos de maus negócios e preços baixos, mas já não reinava na indústria o estado de espírito anterior: a depressão não era já considerada uma coisa natural, mas, simplesmente, uma pausa antes de uma nova conjuntura favorável.

«E o movimento dos cartéis entrou na sua segunda época. Em vez de serem um fenómeno passageiro, os cartéis tornam-se uma das bases de toda a vida económica; conquistam, uma após outra, as esferas indústriais e, em primeiro lugar, a da transformação de matérias-primas. Em princípios da década de 1890, os cartéis conseguiram já, na organização do sindicato do coque que serviu de modelo ao sindicato hulheiro, uma tal técnica dos cartéis que, em essência, não foi ultrapassada. O grande ascenso de fins do século XIX e a crise de 1900 a 1903 decorreram já inteiramente, pela primeira vez - pelo menos no que se refere às indústrias mineira e siderúrgica - sob o signo dos cartéis. E se então isso parecia ainda algo de novo, agora é uma verdade evidente para a opinião pública que grandes sectores da vida económica são, regra geral, subtraídos à livre concorrência.» (6*)

Assim, o resumo da história dos monopólios é o seguinte: 1) Décadas de 1860 e 1870, o grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma excepção, não são ainda sólidos, representando ainda um fenómeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida económica. O capitalismo transformou-se em imperialismo.

Os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados de venda. Fixam a quantidade de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre as diferentes empresas, etc.

O número de cartéis era na Alemanha de aproximadamente 250 em 1896 e de 385 em 1905, abarcando cerca de 12 000 estabelecimentos (7*) . Mas todos reconhecem que estes números são inferiores à realidade. Dos dados da estatística da indústria alemã de 1907 que citamos acima deduz-se que mesmo esses 12 000 grandes estabelecimentos concentram seguramente mais de metade de toda a energia a vapor e eléctrica. Nos Estados Unidos da América do Norte, o número de trusts era de 185 em 1900 e de 250 em 1907. A estatística americana divide todas as empresas indústriais em empresas pertencentes a indivíduos, a sociedades e a corporações. A estas últimas pertenciam, em 1904, 23,6%, e, em 1909, 25,9 %, isto é, mais da quarta parte do total das empresas. Nos referidos estabelecimentos trabalhavam 70,6 % dos operários em 1904, e 75,6 % em 1909, isto é, três quartas partes do total. O valor da produção era, respectivamente, de 10 900 e 16 300 milhões de dólares, ou seja, 73,7 % e 79 % do total.

Nas mãos dos cartéis e trusts concentram-se frequentemente sete ou oito décimas partes de toda a produção de um determinado ramo indústrial. O sindicato hulheiro da Renânia-Vestefália, no momento da sua constituição, em 1893, concentrava 86,7 % de toda a produção de carvão daquela bacia, e em 1910 dispunha já de 95,4 % (8*) . O monopólio assim constituído garante lucros enormes e conduz à criação de unidades técnicas de produção de proporções imensas. O famoso trust do petróleo dos Estados Unidos (Standard Oil Company) foi fundado em 1900. «O seu capital era de 150 milhões de dólares. Foram emitidas ações ordinárias no valor de 100 milhões de dólares e ações privilegiadas no valor de 106 milhões de dólares. Estas últimas auferiram os seguintes dividendos no período de 1900 a 1907: 48%, 48%, 45%, 44%, 36%, 40%, 40% e 40%, ou seja, um total de 367 milhões de dólares. De 1882 a 1907 foram obtidos 889 milhões de dólares de, lucros líquidos, dos quais 606 milhões foram distribuídos a título de dividendos e o restante passou a capital de reserva.» (9*) «No conjunto das empresas do trust do aço (United States Steel Corporation) trabalhavam, em 1907, pelo menos 210 180 operários e empregados. A empresa mais importante da indústria alemã, a Sociedade Mineira de Gelsenkirchen (Gelsenkirchener Bergwerksgesellschaft), dava trabalho, em 1908, a 46 048 operários e empregados» (10*) . Em 1902, o trust do aço produzia já 9 milhões de toneladas (11*) . Em 1901 a sua produção constituía 66,3%, e 56,1% em 1908, de toda a produção de aço dos Estados Unidos (12*) . A sua extração de minério de ferro constituía 43,9% e 46,3%, respectivamente. (13*)

O relatório de uma comissão governamental americana sobre os trusts diz: «A grande superioridade dos trusts sobre os seus concorrentes baseia-se nas grandes proporções das suas empresas e no seu excelente equipamento técnico. O trust do tabaco, desde o próprio momento da sua fundação, consagrou inteiramente os seus esforços a substituir em todo o lado, e em grande escala, o trabalho manual pelo trabalho mecânico. Com este objectivo adquiriu todas as patentes que tivessem qualquer relação com a elaboração do tabaco, investindo nisso somas enormes. Muitas patentes foram, a princípio, inutilizáveis, e tiveram de ser modificadas pelos engenheiros que se encontravam ao serviço do trust. Em fins de 1906 foram constituídas duas sociedades filiais com o único objectivo de adquirir patentes. Com este mesmo fim, o trust montou as suas próprias fundições, as suas fábricas de maquinaria e as suas oficinas de reparação. Um dos referidos estabelecimentos, o de Brooklyn, dá trabalho, em média, a 300 operários; nele se experimentam e se aperfeiçoam os inventos relacionados com a produção de cigarros, pequenos charutos, rapé, papel de estanho para as embalagens, caixas, etc. «Há outros trusts que têm ao seu serviço os chamados developping engineers (engenheiros para o desenvolvimento da técnica), cuja missão consiste em inventar novos processos de produção e experimentar inovações técnicas. O trust do aço concede aos seus engenheiros e operários prémios importantes pelos inventos susceptíveis de elevar a técnica ou reduzir os custos. (14*)

Está organizado do mesmo modo o aperfeiçoamento técnico na grande indústria alemã, por exemplo na indústria química, que se desenvolveu em proporções tão gigantescas durante estes últimos decénios. O processo de concentração da produção tinha dado origem, já em 1908, na referida indústria, a dois «grupos» principais, que, à sua maneira, foram evoluindo para o monopólio. A princípio, esses grupos constituíam «duplas alianças» de dois pares de grandes fábricas com um capital de 20 a 21 milhões de marcos cada uma: por um lado, a antiga fábrica Meister, em Höchst, e a de Cassella, em Frankfurt am Main, por outro, a fábrica de anilina e soda de Ludwigshafen e a antiga fábrica Bayer, em Elberfeld. Um dos grupos em 1905 e o outro em 1908 concluíram acordos, cada um por seu lado, com outra grande fábrica. Daí resultaram duas «triplas alianças» com um capital de 40 a 50 milhões de marcos cada uma, entre as quais se iniciou já uma «aproximação», se estipularam «convénios», sobre os preços, etc. (15*)

A concorrência transforma-se em monopólio. Daí resulta um gigantesco progresso na socialização da produção. Socializa-se também, em particular, o processo dos inventos e aperfeiçoamentos técnicos.

Isto nada tem já que ver com a antiga livre concorrência entre patrões dispersos que se não conheciam e que produziam para um mercado ignorado. A concentração chegou a tal ponto que se pode fazer um inventário aproximado de todas as fontes de matérias-primas (por exemplo, jazigos de minérios de ferro) de um país, e ainda, como veremos, de vários países e de todo o mundo. Não só se realiza este inventário, mas também associações monopolistas gigantescas se apoderam das referidas fontes. Efectua-se o cálculo aproximado da capacidade do mercado, que estes grupos «partilham» entre si por contrato. Monopoliza-se a mão-de-obra qualificada, contratam-se os melhores engenheiros; as vias e meios de comunicação - as linhas férreas na América e as companhias de navegação na Europa e na América - vão parar às mãos dos monopólios. O capitalismo, na sua fase imperialista, conduz à socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim dizer, os capitalistas, contra sua vontade e sem que disso tenham consciência, para um novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de concorrência e a socialização completa.

A produção passa a ser social, mas a apropriação continua a ser privada. Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de um reduzido número de indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre concorrência formalmente reconhecida, e o jugo de uns quantos monopolistas sobre o resto da população torna-se cem vezes mais duro, mais sensível, mais insuportável.

O economista alemão Kestrier consagrou uma obra especial à «luta entre os cartéis e os estranhos», quer dizer, os empresários que não fazem parte dos cartéis. Intitulou essa obra Da Coação à Organização, quando devia ter falado, evidentemente para não embelezar o capitalismo, da coação à subordinação às associações monopolistas. É esclarecedor lançar uma simples olhadela ainda que mais não seja à lista dos meios a que recorrem as referidas associações na luta moderna, actual, civilizada, pela «organização»: 1) privação de matérias-primas («...um dos processos mais importantes para obrigar a entrar no cartel»); 2) privação de mão-de-obra mediante «alianças» (quer dizer, mediante acordos entre os capitalistas e os sindicatos operários para que estes últimos só aceitem trabalho nas empresas cartelizadas); 3) privação de meios de transporte; 4) privação de possibilidades de venda; 5) acordo com os compradores para que estes mantenham relações comerciais unicamente com os cartéis; 6) diminuição sistemática dos preços (com o objectivo de arruinar os «estranhos», isto é, as empresas que não se submetem aos monopolistas, gastam-se durante um certo tempo milhões para vender a preços inferiores ao do custo: na indústria da gasolina deram-se casos de redução de preço de 40 para 22 marcos, quer dizer, quase metade!); 7) privação de créditos; 8) declaração do boicote.

Não nos encontramos já em presença da luta da concorrência entre pequenas e grandes empresas, entre estabelecimentos tecnicamente atrasados e estabelecimentos de técnica avançada. Encontramo-nos perante o estrangulamento, pelos monopolistas, de todos aqueles que não se submetem ao monopólio, ao seu jugo, à sua arbitrariedade. Eis como este processo se reflecte na consciência de um economistas burguês:

«Mesmo no terreno da atividade puramente económica - escreve Kestner -, produz-se uma certa deslocação da actividade comercial, no anterior sentido da palavra, para uma actividade organizadora e especulativa. Não é o comerciante que, valendo-se da sua experiência técnica e comercial, sabe determinar melhor as necessidades do comprador, encontrar e, por assim dizer, "descobrir" a procura que se encontra em estado latente, aquele que consegue os maiores êxitos, mas o génio (?!) especulativo que antecipadamente sabe ter em conta ou, pelo menos, pressentir, o desenvolvimento no terreno da organização, a possibilidade de se estabelecerem determinados laços entre as diferentes empresas e os bancos ...»

Traduzido em linguagem comum, isto significa: o desenvolvimento do capitalismo chegou a um ponto tal que, ainda que a produção mercantil continue «reinando» como antes, e seja considerada a base de toda a economia, na realidade encontra-se já minada e os lucros principais vão parar aos «génios» das maquinações financeiras. Estas maquinações e estas trapaças têm a sua base na socialização da produção, mas o imenso progresso da humanidade, que chegou a essa socialização, beneficia ... os especuladores. Mais adiante veremos como, «baseando-se nisto», a crítica filistina reacionária do imperialismo capitalista sonha com voltar atrás, à concorrência «livre», «pacífica» e «honesta».

«Até agora, a subida duradoura dos preços como resultado da constituição dos cartéis - diz Kestner - só se observou nos principais meios de produção, sobretudo na hulha, no ferro e na potassa; pelo contrário, não se verificou nunca nos artigos manufacturados. O aumento dos lucros motivado por esse fenómeno vê-se igualmente limitado à indústria dos meios de produção. Há que completar esta observação com a de que a indústria de transformação das matérias-primas (e não de produtos semi-manufaturados) não só obtém da constituição de cartéis vantagens sob a forma de lucros elevados, em prejuízo das indústrias dedicadas à transformação ulterior dos produtos semi-manufaturados, como adquiriu sobre esta última uma certa relação de dominação que não existia sob a livre concorrência.» (16*)

A palavra que sublinhamos mostra o fundo da questão, que os economistas burgueses reconhecem de tão má vontade e só de vez em quando e que tanto se empenham em não ver e em silenciar os defensores actuais do oportunismo, com Kautsky à cabeça. As relações de dominação e a violência ligada a essa dominação, eis o que é típico da «fase mais recente do desenvolvimento do capitalismo», eis o que inevitavelmente tinha de derivar, e derivou, da constituição de monopólios económicos todo-poderosos.

Citemos outro exemplo da dominação dos cartéis. Onde é possível apoderar-se de todas ou das mais importantes fontes de matérias-primas, o aparecimento de cartéis e a constituição de monopólios é particularmente fácil. Mas seria um erro pensar que os monopólios não surgem também noutros ramos indústriais em que a conquista das fontes de matérias-primas é impossível. A indústria do cimento encontra matéria-prima em toda a parte. Não obstante, também esta indústria está muito cartelizada na Alemanha. As fábricas agruparam-se em sindicatos regionais: o da Alemanha do Sul, o da Renânia-Vestefália, etc. Vigoram preços de monopólio: de 230 a 280 marcos por vagão, quando o custo de produção é de 180 marcos! As empresas proporcionam dividendos de 12 % a 16 %; não esquecer também que os «génios» da especulação contemporânea sabem canalizar grandes lucros para os seus bolsos, além daqueles que repartem sob a forma de dividendos. Para eliminar a concorrência numa indústria tão lucrativa, os monopolistas valem-se, inclusivamente, de diversas artimanhas: fazem circular boatos sobre a má situação da indústria; publicam nos jornais anúncios anónimos: «Capitalistas: não coloqueis os vossos capitais na indústria do cimento!»; por último, compram as empresas «estranhas» (quer dizer, dos que não fazem parte dos sindicatos) pagando 60, 80 e 150 mil marcos de «indemnização» (17*) . 0 monopólio abre caminho em toda a parte, valendo-se de todos os meios, desde o pagamento de uma «modesta» indemnização até ao «recurso» americano do emprego da dinamite contra o concorrente.

A supressão das crises pelos cartéis é uma fábula dos economistas burgueses, que põem todo o seu empenho em embelezar o capitalismo. Pelo contrário, o monopólio que se cria em certos ramos da indústria aumenta e agrava o caos próprio de todo o sistema da produção capitalista no seu conjunto. Acentua-se ainda mais a desproporção entre o desenvolvimento da agricultura e o da indústria, desproporção que é característica do capitalismo em geral. A situação de privilégio em que se encontra a indústria mais cartelizada, o que se chama indústria pesada, particularmente a hulha e o ferro, determina nos restantes ramos da indústria «a falta ainda maior de coordenação», como reconhece Jeidels, autor de um dos melhores trabalhos sobre «as relações entre os grandes bancos alemães e a indústria» (18*) .

«Quanto mais desenvolvida está uma economia nacional» escreve Liefmann, defensor descarado do capitalismo «tanto mais se volta para empresas arriscadas ou no estrangeiro, para as que exigem longo tempo para o seu desenvolvimento ou finalmente as que apenas têm uma importância local.» (19*) O aumento do risco vai de par, ao fim e ao cabo, com o aumento gigantesco de capital, o qual, por assim dizer, transborda e corre para o estrangeiro, etc. E juntamente com isso os progressos extremamente rápidos da técnica trazem consigo cada vez mais elementos de desproporção entre as diferentes partes da economia nacional, elementos de caos e de crise. «Provavelmente» vê-se obrigado a reconhecer o mesmo Liefmann, «a humanidade assistirá num futuro próximo a novas e grandes revoluções no campo da técnica, que farão sentir também os seus efeitos sobre a organização da economia nacional» ... a eletricidade, a aviação... «Habitualmente e regra geral nestes períodos de radicais transformações económicas desenvolve-se uma forte especulação...» (20*)

E as crises - as crises de toda a espécie, sobretudo as crises económicas, mas não só estas - aumentam por sua vez em proporções enormes a tendência para a concentração e para o monopólio. Eis algumas reflexões extraordinariamente elucidativas de Jeidels sobre o significado da crise de 1900, que, como sabemos, foi um ponto de viragem na história dos monopólios modernos:

«A crise de 1900 produziu-se num momento em que, ao lado de gigantescas empresas nos ramos principais da indústria, existiam ainda muitos estabelecimentos com uma organização antiquada segundo o critério actual, estabelecimentos "simples" (isto é, não combinados), que se tinham elevado sobre a onda do ascenso industrial. A baixa dos preços e a diminuição da procura levaram essas empresas "simples" a uma situação calamitosa que as gigantescas empresas combinadas ou não conheceram em absoluto ou apenas conheceram durante um brevíssimo período. Como consequência disto, a crise de 1900 determinou a concentração da indústria em proporções incomparavelmente maiores do que a de 1873, a qual tinha efetuado também uma certa selecção das melhores empresas, se bem que, dado o nível técnico de então, esta seleção não tivesse podido conduzir ao monopólio as empresas que tinham sabido sair vitoriosas da crise. É precisamente desse monopólio persistente e em alto grau que gozam as empresas gigantescas das indústrias siderúrgica e eléctrica actuais, graças ao seu equipamento técnico muito complexo, à sua extensa organização e ao poder do seu capital, e depois, em menor grau, também as empresas de construção de maquinaria, de determinados ramos da indústria metalúrgica, das vias de comunicação, etc.,) (21*)

O monopólio é a última palavra da «fase mais recente de desenvolvimento do capitalismo». Mas o nosso conceito da força efectiva e do significado dos monopólios actuais seria extremamente insuficiente, incompleto, reduzido, se não tomássemos em consideração o papel dos bancos.


Notas:

(1*) Números dos Annalen des deutschen Reichs, 1911, Zahn. (retornar ao texto)

(2*) Statistical Abstract of the United States, 1912, p. 202. (retornar ao texto)

(3*) O Capital Financeiro, pp.286-287, ed. em russo. (retornar ao texto)

(4*) Hans Gideon Heymann, Die gemischten Werke im deutschen Grosseisengewerbe, Stuttgart, 1904, S.256,278-279. (retornar ao texto)

(5*) S. Hermann Levy, Monopole, Kartelle und Trusts, Jena, 1909, S. 286, 290, 298. (retornar ao texto)

(6*) Th. VogeIstein, Die finanzielle Organisation der Kapitalistischen Industrie und die MonopoIbildungen, in Grundriss der Sozialökonomik, VI Abr, Tubingen, 1914. Ver do mesmo autor Organisationsformen der Eisenindustrie und der Textilindustrie in England und Amerika, Bd. I, Leipzig, 1910. (retornar ao texto)

(7*) Dr. Riesser, Die deutschen Grossbanken und ibre Konzentration im Zusammenhange mit der Entwicklung der Gesamtwirtschaf in Deutschand, 4 Aufl, 1912, S. 149; R Liefmann, Kartelle und Trusts und die Weiterbildung der volkswirtschaftlichen Organisation, 2 Aufl, 1910, S.25. (retornar ao texto)

(8*) Dr. Fritz Kestner, Der Organisationszwang. Eine Untersuchung uber die Kämpfezwischen Kartellen und Aussenseitern, Berlim, 1912, S. 11. (retornar ao texto)

(9*) R. Liefmann, Beteiligungs - und Finanzierungsgesellschaften. Eine Studie uber den modern Kapitalismus und das Effektenwesen, 1.ª ed, Jena, 1909, S. 212.(retornar ao texto)

(10*) Ibid, S. 218. (retornar ao texto)

(11*) Dr. S. Tschierschky, Kartell und Trust, Göttingen, 103, S. 13. (retornar ao texto)

(12*) Th. Vogelstein, Organisationsformen, S. 275. (retornar ao texto)

(13*) Report of the Commissioner of Corporations on the Tobacco Industry, Washington, 1909, p. 266. Extraído do livro do Dr. Paul Tafel Die nordamerikanischen Trusts und ibre Wirkungen auf den Fonschritt der Technik, Stuttgart, 1913, S. 48. (retornar ao texto)

(14*) Ibid, S. 48-49. (retornar ao texto)

(15*) Riesser, Ob. cit., pp. 547 e segs. da 3.ª edição. Os jornais dão conta (junho de 1916) da constituição de um novo trust gigantesco da indústria química da Alemanha. (retornar ao texto)

(16*) Kenner, Ob. cit., p. 254. (retornar ao texto)

(17*) L. Eschwege, «Zement», em Die Bank (12) , 1909, 1, pp. 115 e segs. (retornar ao texto)

(18*) Jeidels, Das Verbältnis der deutschen Grossbanken zur Industrie mit besonderer Berucksichtigung der Eisenindustrie, Leipzig, 1905, S. 271. (retornar ao texto)

(19*) Liefmann, Beteiligungs - etc. Ges., S. 434. (retornar ao texto)

(20*) Ibidem, S. 465-466. (retornar ao texto)

(21*) Jeidels, Ob.cit., S.108. (retornar ao texto)

Inclusão 05/12/2004