A rejeição pela Liga da resolução sobre a necessidade da confirmação dos seus estatutos pelo CC (p. 105 das actas da Liga) era, como toda a maioria do congresso observou imediatamente, «uma violação gritante dos estatutos do partido». Tal violação, se a considerarmos um acto cometido por homens de princípios, era puro anarquismo; mas na atmosfera da luta que se travou depois do congresso, ela dava inevitavelmente a impressão de um «ajuste de contas» da minoria do partido com a maioria do partido (p. 112 das actas da Liga); ela significava a recusa de submissão ao partido e de permanecer no partido. A recusa da Liga de adoptar uma resolução relativa à declaração do CC sobre a necessidade de modificar os estatutos (pp. 124-125) teve como consequência inevitável que se declarasse ilegítima uma reunião que queria ser considerada como reunião de uma organização do partido, embora recusasse submeter-se ao organismo central do partido. Os adeptos da maioria abandonaram imediatamente esta pretensa reunião de partido para não tomar parte numa comédia indigna.
O individualismo próprio de intelectuais, com o seu reconhecimento platónico das relações de organização, que se tinha já revelado nas hesitações sobre a questão do §1 dos estatutos, chegava deste modo na prática ao fim lógico, que eu previra já em Setembro, ou seja, com mês e meio de antecipação: a destruição da organização do partido. E naquele momento, na noite do mesmo dia em que terminou o congresso da Liga, o camarada Plekhánov declarou aos seus colegas dos dois organismos centrais do partido que não tinha coragem de «disparar contra os seus», que «era preferível dar um tiro na cabeça do que ir para a cisão», que era necessário, para evitar um mal maior, fazer o máximo de cedências pessoais, à volta das quais, propriamente falando (bem mais que à volta dos princípios que se tinham manifestado na falsa posição sobre o §1), prossegue esta luta encarniçada. Para caracterizar com maior exactidão esta viragem efectuada pelo camarada Plekhánov, e que teve uma certa projecção em todo o partido, considero mais conveniente apoiar-me, não em conversas privadas ou cartas privadas (este recurso deve usar-se apenas em última instância), mas na própria exposição do assunto que faz o próprio Plekhánov a todo o partido no seu artigo O Que não Se Deve Fazer do n° 52 do Iskra, escrito precisamente depois do congresso da Liga, depois da minha retirada da redacção do OC (l de Novembro de 1903) e antes da cooptação dos martovistas (26 de Novembro de 1903).
A ideia fundamental do artigo O Que não Se Deve Fazer é que, em política, não se deve ser rectilíneo, inoportunamente áspero e inoportunamente intransigente, que por vezes, para evitar a cisão, é indispensável fazer cedências tanto aos revisionistas (dos que se aproximam de nós ou dos inconsequentes) como aos individualistas anarquistas. É perfeitamente natural que estas teses abstractas, de ordem geral, tenham provocado a perplexidade geral entre os leitores do Iskra. Não se pode ler sem riso as magníficas e altivas declarações do camarada Plekhánov (em artigos posteriores) de que não o compreenderam em virtude da novidade das suas ideias, por não se conhecer a dialéctica. De facto, apenas puderam compreender o artigo O Que não Se Deve Fazer, quando este foi redigido, umas dez pessoas de dois arrabaldes de Genebra, cujos nomes começam pelas mesmas letras(1). A infelicidade do camarada Plekhánov foi ter lançado em circulação perante uns dez mil leitores uma série de alusões, censuras, sinais algébricos e enigmas dirigidos apenas a estas dez pessoas que tinham participado, depois do congresso, em todas as peripécias da luta contra a minoria. O camarada Plekhánov incorreu nessa infelicidade por ter infringido o princípio fundamental da dialéctica, que com tão pouca felicidade invocara: não há verdades abstractas, a verdade é sempre concreta. Por isso mesmo, era deslocado apresentar sob uma forma abstracta a ideia muito concreta de fazer uma cedência aos martovistas depois do congresso da Liga.
A cedência, que o camarada Plekhánov apresentou como um novo lema de combate, é legítima e imprescindível em dois casos: ou quando aquele que cede está convencido da razão dos que querem obter essa cedência (os políticos honestos, neste caso, reconhecem franca e abertamente o seu erro), ou quando a cedência a uma exigência insensata ou prejudicial para a causa é feita para evitar um mal maior. Ressalta com toda a clareza do artigo que examinamos que o autor pensa no segundo caso: fala abertamente de fazer uma cedência a revisionistas e a individualistas anarquistas (ou seja, aos martovistas, como o sabem agora todos os membros do partido pelas actas da Liga), cedência imprescindível para evitar a cisão. Como vedes, a ideia pretensamente nova do camarada Plekhánov resume-se inteiramente a uma sabedoria da vida nada nova: as pequenas contrariedades não devem prejudicar um grande prazer, uma pequena tolice oportunista e uma pequena frase anarquista são preferíveis a uma grande cisão no partido. O camarada Plekhánov, ao escrever este artigo, percebia claramente que a minoria representa a ala oportunista do nosso partido, que ela combate com métodos anarquistas. O camarada Plekhánov formulou um projecto: lutar contra esta minoria através de cedências pessoais, algo semelhante (mais uma vez, si licet parva componere magnis) à luta da social-democracia alemã contra Bernstein. Bebel declarava publicamente nos congressos do seu partido que não conhecia homem mais sensível à influência do ambiente que o camarada Bernstein (não o senhor Bernstein, como gostava de dizer antigamente o camarada Plekhánov, mas o camarada Bernstein): acolhê-lo-emos entre nós, faremos dele um delegado ao Reischstag, combateremos o revisionismo, mas não combateremos o revisionista com inoportuna aspereza (à la Sobakévitch(2) - Parvus), antes o «mataremos com delicadezas» (kill with kindness), como o caracterizava, se bem me lembro, o camarada M. Beer numa reunião social-democrata inglesa ao defender o espírito de cedência dos alemães, o seu espírito pacífico, delicado, flexível e prudente, contra os ataques do Sobakévitch-Hyndman inglês. De igual modo, o camarada Plekhánov queria «matar com delicadezas» o pequeno anarquismo e o pequeno oportunismo dos camaradas Axelrod e Mártov. A verdade é que, juntamente com alusões bem claras aos «anarquistas individualistas», o camarada Plekhánov se expressou em termos deliberadamente pouco claros relativamente aos revisionistas, de modo a fazer crer que tinha em vista os partidários da Rabótcheie Dielo que passavam do oportunismo para a ortodoxia, e não Axelrod e Mártov, que começavam a passar da ortodoxia para o revisionismo. Mas isto foi apenas um ardil militar(3) inocente, uma má obra de fortificação, incapaz de resistir ao fogo da artilharia da publicidade feita no partido.
Pois bem, quem se inteirar da conjuntura concreta do momento político que descrevemos, quem penetrar na psicologia do camarada Plekhánov, compreenderá que eu não podia então proceder senão como procedi. Digo-o para aqueles partidários da maioria que me censuraram por ter cedido a redacção. Quando o camarada Plekhánov fez uma viragem depois do congresso da Liga, e de partidário da maioria passou a partidário da reconciliação a qualquer preço, eu era obrigado a interpretar essa viragem no melhor sentido. Talvez o camarada Plekhánov quisesse apresentar no seu artigo um programa de boa e honesta paz? Qualquer programa deste tipo resume-se a um reconhecimento sincero pelas duas partes dos erros cometidos. Qual o erro da maioria indicado pelo camarada Plehkánov? - Uma aspereza deslocada, digna de Sobakévitch, para com os revisionistas. Não sabemos a que se referia o camarada Plekhánov ao dizer isto: se à sua tirada humorística sobre os burros, se àquela alusão, da maior imprudência na presença de Axelrod, ao anarquismo e ao oportunismo; o camarada Plekhánov preferiu exprimir-se «abstractamente», aludindo, além disso, a Fulano. É uma questão de gosto, bem entendido. Mas eu reconheci abertamente a minha própria aspereza tanto na minha carta a um iskrista como no congresso da Liga. Como poderia eu deixar de reconhecer tal «erro» na maioria? Quanto à minoria, o camarada Plekhánov indicava claramente o erro dela: revisionismo (cf. as suas observações sobre o oportunismo no congresso do partido e sobre o jauressismo no congresso da Liga) e anarquismo, que tinha conduzido à cisão. Podia eu opor-me a que, através de cedências pessoais, e, em geral, de toda a espécie de «kindness» (amabilidade, delicadeza, etc.), se conseguisse o reconhecimento desses erros e se desfizesse o mal por eles causado? Podia eu impedir esta tentativa, quando o camarada Plekhánov, no seu artigo O Que não Se Deve Fazer, procurava directamente convencer a «ter piedade dos adversários» revisionistas, e que apenas eram revisionistas «em virtude de uma certa falta de espírito de consequência»? E se não acreditava nesta tentativa, poderia eu agir de outro modo que não fosse fazer uma cedência pessoal relativamente ao OC e passar para o CC para defender a posição da maioria(4)? Negar absolutamente a possibilidade de tais tentativas e tomar sobre mim só a responsabilidade da cisão iminente era coisa que não podia fazer, pelo simples facto de eu próprio me ter inclinado, na minha carta de 6 de Outubro, a explicar a disputa «por uma irritação pessoal».
Quanto a defender a posição da maioria, considerava e continuo a considerar que é meu dever político. Era difícil e arriscado confiar, a esse respeito, no camarada Plekhánov, porque tudo indicava que o camarada Plekhánov estava disposto a interpretar dialecticamente a sua frase «um dirigente do proletariado não tem o direito de ceder às suas inclinações combativas quando estas são contrárias aos cálculos políticos», interpretá-la dialecticamente no sentido de que, já que era necessário disparar, o mais vantajoso (de acordo com o estado da atmosfera de Genebra em Novembro) era disparar contra a maioria... Era imprescindível defender a posição da maioria porque o camarada Plekhánov - rindo-se da dialéctica, que exige um exame concreto e multilateral -, ao tratar da boa(?) vontade do revolucionário, torneou modestamente a questão da confiança no revolucionário, da fé no «dirigente do proletariado» que dirigia uma determinada ala do partido. Ao falar do individualismo anarquista e recomendar que «de vez em quando» se fechassem os olhos às infracções à disciplina, se cedesse «por vezes» ao relaxamento próprio de intelectuais, «que se radica num sentimento que nada tem de comum com a fidelidade à ideia revolucionária», o camarada Plekhánov esquecia sem dúvida que importava igualmente ter em conta a boa vontade da maioria do partido, que é preciso deixar precisamente aos militantes práticos o cuidado de definir a medida das cedências a fazer aos individualistas anarquistas. E tão fácil a luta literária contra os pueris absurdos anarquistas como é difícil o trabalho prático com um individualista anarquista numa mesma organização. Um literato que se encarregasse de estabelecer a medida em que é possível ceder ao anarquismo na prática apenas daria provas duma desmedida fatuidade literária, duma fatuidade realmente doutrinária. O camarada Plekhánov observava majestosamente (para se dar importância, como dizia Bazárov(5)) que no caso de nova cisão os operários deixariam de nos compreender e, ao mesmo tempo, ele próprio inaugurava uma interminável série de artigos no novo Iskra, que, pelo seu significado actual e concreto, ficavam necessariamente incompreensíveis não só para os operários, mas, em geral, para toda a gente. Não admira, pois, que um membro do CC(6) que tinha lido as provas do artigo O Que não Se Deve Fazer prevenisse o camarada Plekhánov de que o seu plano prevendo uma redução até certo ponto da publicação de determinados documentos (actas do congresso do partido e do congresso da Liga) ficava prejudicado justamente por este artigo, que excitava a curiosidade e lançava para o julgamento da rua(7) algo de excitante e, ao mesmo tempo, inteiramente obscuro, provocando inevitavelmente perguntas perplexas: «Que se passou?» Não admira que precisamente este artigo do camarada Plekhánov, em consequência do carácter abstracto dos seus raciocínios e da falta de clareza das suas alusões, tenha provocado o regozijo nas fileiras dos inimigos da social-democracia: um cancan nas páginas da Revolutsiónnaia Rossia(8) e também os louvores entusiastas dos consequentes revisionistas da Osvobojdénie. A fonte de todos estes divertidos e tristes mal-entendidos, de que o camarada Plekhánov se desembaraçou mais tarde de modo tão divertido e tão triste, foi precisamente a violação do princípio fundamental da dialéctica: é preciso analisar as questões concretas da maneira mais concreta. O regozijo do senhor Struve, em particular, era perfeitamente natural: pouco lhe importavam os «bons» objectivos (kill with kindness) que o camarada Plekhánov visava (mas que podia não alcançar); o senhor Struve aplaudia e não podia deixar de aplaudir a viragem para a ala oportunista do nosso partido, que começara no novo Iskra, como toda a gente vê agora. Os democratas burgueses russos não são os únicos a saudar cada viragem, por mais pequena e provisória que seja, para o oportunismo em todos os partidos sociais-democratas. É muito raro que haja uma confusão absoluta na apreciação que vem de um inimigo inteligente: diz-me quem te elogia, e dir-te-ei onde está o teu erro. O camarada Plekhánov em vão conta com um leitor desatento, procurando apresentar as coisas como se a maioria se tivesse oposto terminantemente à cedência pessoal relativamente à cooptação, e não à passagem da ala esquerda para a ala direita do partido. A questão não consiste, de modo nenhum, no facto de o camarada Plekhánov, para evitar a cisão, ter feito uma cedência pessoal (o que é muito de elogiar), mas no facto de que tendo reconhecido inteiramente a necessidade de discutir com os revisionistas inconsequentes e com os individualistas anarquistas, ele tenha preferido discutir com a maioria, de quem divergia, quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. A questão não consiste de modo nenhum no facto de o camarada Plekhánov ter alterado a composição pessoal da redacção, mas no facto de ter traído a sua posição de discutir com o revisionismo e o anarquismo, no facto de ter deixado de defender esta posição no OC do partido.
No que diz respeito ao CC, que era então o único representante organizado da maioria, o camarada Plekhánov divergiu naquele momento com ele exclusivamente quanto à medida das cedências práticas que era possível fazer ao anarquismo. Passou-se cerca de um mês depois do dia l de Novembro, quando a minha retirada deixou as mãos livres à política do kill with kindness. O camarada Plekhánov tinha todas as possibilidades de verificar, por toda a espécie de contactos, o que vale esta política. O camarada Plekhánov publicou nesta ocasião o seu artigo O Que não Se Deve Fazer, que foi - e continua a ser - o único bilhete de entrada, por assim dizer, dos martovistas na redacção. As palavras de ordem: revisionismo (com o qual se deve discutir poupando o adversário) e individualismo anarquista (que se deve amimar matando-o com delicadezas), figuram neste bilhete em itálico destacado. Fazei o favor de entrar, senhores, matar-vos-ei com delicadezas - eis o que diz o camarada Plekhánov neste cartão de convite aos seus novos colegas de redacção. Naturalmente, ao CC não restava senão dizer a sua última palavra (que é o que significa ultimato: a última palavra sobre a possível paz) sobre a medida das cedências práticas admissíveis, do seu ponto de vista, ao individualismo anarquista. Ou quereis a paz, e então eis um certo número de lugares para vós que testemunham a nossa delicadeza, o nosso espírito de paz, o nosso espírito de cedência, etc. (e mais não podemos dar, se queremos garantir a paz no partido, paz no sentido não de não haver discussões, mas no sentido de o partido não ser destruído pelo individualismo anarquista), tomai estes lugares e iniciai novamente pouco a pouco a viragem das posições de Akímov para as de Plekhánov. Ou quereis manter e desenvolver o vosso ponto de vista, virar definitivamente (mesmo que seja apenas no domínio das questões de organização) para Akímov, convencer o partido de que vós é que tendes razão e não Plekhánov, e então formai o vosso próprio grupo literário, obtende uma representação no congresso e começai, através de uma luta honesta, de uma polémica aberta, a conquistar a maioria. Esta alternativa, claramente exposta aos martovistas no ultimato do Comité Central de 25 de Novembro de 1903 (ver Estado de Sítio e Comentário às Actas da Liga(9)), está plenamente de acordo com a carta, minha e de Plekhánov, datada de 6 de Outubro de 1903, dirigida aos antigos redactores: ou irritação pessoal (e então podia-se, no pior dos casos, «cooptar»), ou divergências de princípio (e então era preciso começar por convencer o partido e só depois falar de alterações na composição pessoal dos centros). O CC podia deixar aos próprios martovistas o cuidado de solucionar este dilema delicado, tanto mais que precisamente naquela altura o camarada Mártov escrevia na sua profession de foi(10) (Uma Vez Mais em Minoria) as linhas seguintes:
«A minoria aspira a uma só honra: dar o primeiro exemplo da história do nosso partido de que é possível ser “vencido” e não constituir um novo partido. Esta posição da minoria decorre de todas as suas opiniões sobre o desenvolvimento do partido no domínio da organização; decorre da consciência dos fortes laços que a unem ao anterior trabalho do partido. A minoria não acredita na força mística das “revoluções no papel” e vê na profundidade com que a vida justifica as suas aspirações a garantia de que conseguirá, por uma propaganda puramente ideológica no seio do partido, fazer triunfar os seus princípios de organização» (sublinhado por mim).
Que magníficas, que orgulhosas palavras! E como foi amargo convencermo-nos na prática de que eram apenas palavras... Queira desculpar-me, camarada Mártov, mas agora, em nome da maioria, declaro aspirar a essa «honra» que você não mereceu. Será de facto uma grande honra, pela qual vale a pena bater-se, porque as tradições do espírito de círculo legaram-nos uma herança de cisões extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra: ou um soco ou um beijo na mão.
O grande prazer (de ter um único partido) devia pesar mais, e pesou mais, do que as pequenas contrariedades (sob a forma de querelas mesquinhas acerca da cooptação). Retirei-me do OC, o camarada Igrek (delegado por mim e por Plekhánov ao Conselho do partido, pela redacção do OC) retirou-se do Conselho. Os martovistas responderam à última palavra do CC sobre a paz com uma carta (cf. as publicações citadas) equivalente a uma declaração de guerra. Então, mas só então, eu escrevi uma carta à redacção (n° 53 do Iskra) sobre a publicidade(11). Se falamos de revisionismo, se discutimos sobre a inconsequência e o individualismo anarquista, sobre o fracasso de diversos dirigentes, então, senhores, contemos tudo sem nada esconder - era esse o conteúdo da minha carta sobre a publicidade. A redacção respondeu-lhe com injúrias violentas e um magnífico sermão: não te atrevas a vir com «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo» (n° 53 do Iskra). Bom, digo para mim, com que então «minúcias e querelas mesquinhas próprias da vida de círculo» ... es ist mir recht, senhores, nisso estou de acordo convosco. Porque isso quer dizer que incluís directamente entre as querelas mesquinhas de círculos toda a história da «cooptação». E é verdade. Mas que estranha dissonância quando no editorial do mesmo n° 53 a mesma redacção (parece ser a mesma) começa a falar do burocratismo, de formalismo, etc.(12) Não te atrevas a levantar a questão da luta pela cooptação para o OC, porque isso são querelas mesquinhas. Mas nós levantaremos a questão da cooptação para o CC, e a isso não chamaremos querela mesquinha, mas divergência de princípio quanto ao «formalismo». Não, digo para mim, caros camaradas, permiti-nos não vo-lo permitir. Então quereis disparar contra a minha fortaleza, e exigis de mim que vos entregue a minha artilharia! Brincalhões! E assim escrevo e publico, fora do Iskra, a minha Carta à Redacção (Porque Me Retirei da Redacção do «Iskra»?(13)), relatando brevemente como se passaram os factos e perguntando uma e outra vez se é possível a paz na base da divisão seguinte: o Órgão Central para vós, o Comité Central para nós. Nenhuma das partes se sentirá «estranha» no seu partido, e discutiremos a viragem para o oportunismo, discutiremos primeiro na literatura, e depois talvez no terceiro congresso do partido.
Como resposta a esta menção de paz, todas as baterias do inimigo abriram fogo, incluindo o Conselho. Choviam os projécteis. Autocrata, Schweitzer, burocrata, formalista, supercentro, unilateral, rígido, obstinado, estreito, desconfiado, intratável... Muito bem, meus amigos! Acabastes? Já não tendes mais nada de reserva? São bem más as vossas munições...
É a minha vez de falar. Vejamos o conteúdo dos novos pontos de vista do novo Iskra em matéria de organização, e a relação destes pontos de vista com a divisão do nosso partido em «maioria» e «minoria», cujo verdadeiro carácter já mostrámos ao analisar os debates e votações do segundo congresso.
Notas de rodapé:
(1) Trata-se provavelmente de dois subúrbios de Genebra, Carouge e Cluse, onde viviam os partidários da maioria e da minoria. (retornar ao texto)
(2) Sobakévitch: personagem da obra de N. V. Gógol Almas Mortas; um latifundiário explorador, que se isolou na sua quinta e que falava grosseira e rudemente de todas as pessoas conhecidas do seu círculo. (retornar ao texto)
(3) Quanto às cedências aos camaradas Mártov, Akímov e Brúker, nem sequer se falou disso depois do congresso do partido. Não ouvi dizer que eles também tivessem exigido a «cooptação». Duvido mesmo que o camarada Starover ou o camarada Mártov tivessem pedido a opinião do camarada Brúker quando nos enviaram os seus papéis e «notas» em nome de «metade do partido»... No congresso da Liga, o camarada Mártov, com a mais profunda indignação dum lutador político intransigente, rejeitava até a ideia de «unidade com Riazánov ou Martínov», a possibilidade de um «acordo» com eles ou até de uma acção comum (na qualidade de redactor) «ao serviço do partido» (p. 53 das actas da Liga). O camarada Mártov condenou severamente no congresso da Liga as «tendências martinovistas» (p. 88), e quando o camarada Ortodox aludiu delicadamente a que talvez Axelrod e Mártov «reconhecessem também aos camaradas Akímov, Martínov e outros o direito de se reunirem para elaborar para seu próprio uso uns estatutos e de aplicá-los como lhes aprouvesse» (p. 99), os martovistas puseram-se a renegar, como Pedro renegou Cristo (p. 100: «os receios do camarada Ortodox» «em relação aos camaradas Akímov, Martínov, etc.» «são destituídos de fundamento»). (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(4) O camarada Mártov, falando sobre esse ponto, disse com muita precisão que eu me tinha passado avec armes et bagages (com armas e bagagens - N. Ed.). O camarada Mártov gosta de fazer comparações militares: expedição contra a Liga, combate, feridas incuráveis, etc., etc. Tenho de reconhecer que também tenho um grande fraco pelas comparações militares, sobretudo agora, quando se acompanha com tanto interesse as notícias do Pacífico. Mas, se falamos em termos militares, camarada Mártov, as coisas aconteceram do seguinte modo. Nós conquistámos dois fortins no congresso do partido. Vós atacaste-los no congresso da Liga. Já depois do primeiro ligeiro tiroteio, um colega meu, chefe de uma das fortalezas, abre as portas ao inimigo. Eu, naturalmente, reúno a minha pequena artilharia e retiro-me para outro forte, muito mal fortificado, para «entricheirar-me» contra um inimigo numericamente muito superior. Chego até a propor a paz: como lutar contra duas potências? Porém, os novos aliados respondem à proposta de paz bombardeando o meu último reduto. Respondo ao fogo. E, naquele momento, o meu antigo colega - o chefe da fortaleza - exclama com magnífica indignação: olhai, boa gente, quão pouco amor à paz tem este Chamberlain! (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(5) Bazárov: protagonista do romance de I. S. Turguéniev Pais e Filhos. (retornar ao texto)
(6) Alude-se a F. Léngnik. (retornar ao texto)
(7) Discutimos com paixão, acaloradamente, em certo recinto fechado. De repente, um de nós salta, abre de par em par uma janela que dá para a rua e começa a gritar contra os Sobakévitch, os individualistas anarquistas, os revisionistas, etc. Naturalmente que na rua se reuniu uma multidão de curiosos folgazões e os nossos inimigos sentiram uma maldosa alegria. Os outros participantes na discussão aproximaram-se também da janela, manifestando o desejo de contar as coisas como se passaram, desde o princípio e sem aludir a coisas que ninguém sabe. Então, fecha-se a janela de golpe: não vale a pena, dizem, falar de querelas mesquinhas (Iskra, n° 53, p. 8, segunda coluna, linha 24 a contar de baixo). A verdade, camarada Plekhánov, é que teria sido melhor não começar no «Iskra» a falar de «querelas mesquinhas»! (Nota do Autor)
(No Iskra n.° 53, de 25 de Novembro de 1903, ao mesmo tempo que a Carta à Redacção do «Iskra» de V. I. Lénine, foi publicada a resposta da redacção, redigida por Plekhánov. Na sua carta, Lénine propunha que se discutissem nas páginas do jornal as divergências de princípio entre os bolcheviques e mencheviques. Mas Plekhánov recusou-se, qualificando essas divergências de «querelas da vida de círculo». (retornar ao texto)
(8) Revolutsiónnaia Rossia (Rússia Revolucionária): jornal ilegal dos socialistas-revolucionários. Foi editado desde os fins de 1900 na Rússia pela «União dos Socialistas-Revolucionários». De Janeiro de 1902 a Dezembro de 1905 publicou-se no estrangeiro (Genebra) como órgão oficial do partido dos socialistas-revolucionários. (retornar ao texto)
(9) Deixo por esclarecer, naturalmente, a confusão que fez Mártov, no seu Estado de Sítio, em torno desse ultimato do CC, referindo-se a conversas particulares, etc. Este é o «segundo método de luta», que defini no parágrafo anterior e que só um especialista em neuropatologia poderia analisar com esperanças de êxito. Basta dizer que nele o camarada Mártov insiste no acordo com o CC para que não sejam publicadas as negociações, acordo que, apesar de todas as pesquisas, ainda não foi encontrado. O camarada Travínski, que conduzia as negociações em nome do CC, comunicou-me por escrito que me considerava autorizado a publicar fora do Iskra a minha carta à redacção.
Uma só expressão do camarada Mártov me agradou especialmente: «bonapartismo da pior espécie». Na minha opinião, o camarada Mártov pôs em circulação esta categoria com muita oportunidade. Vamos ver serenamente o que significa esse conceito. No meu modo de ver, significa a tomada do poder por meios formalmente legais, mas, na realidade, contra a vontade do povo (ou do partido). Não é assim, camarada Mártov? E se é assim, deixo tranquilamente à opinião pública que decida de que lado estava esse «bonapartismo da pior espécie», se do lado de Lénine e Igrek, que podiam aproveitar-se do seu direito formal de não deixar entrar os martovistas, apoiando-se, além disso, na vontade do II congresso, mas que não fizeram uso desse direito; ou se do lado dos que ocuparam a redacção de modo formalmente correcto («cooptação unânime»), mas sabendo que esse acto não correspondia, na realidade, à vontade do II congresso e temendo a comprovação dessa vontade pelo III congresso. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(10) Profissão de fé. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(11) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 93-97. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(12) Como se verificou mais tarde, a «dissonância» explicava-se muito simplesmente por uma dissonância na composição da redacção do OC. Sobre «querelas mesquinhas» escreveu Plekhánov (ver a sua confissão em Um Triste Mal-Entendido, n° 57), enquanto o editorial O Nosso Congresso foi escrito por Mártov (Estado de Sítio, p. 84). Cada um puxa para o seu lado. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(13) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 8, pp. 98-104. (N. Ed.) (retornar ao texto)