Os Espiritualistas Perante a Paz e o Marxismo
ou A Perfectibilidade do Espírito, pelo Socialismo

Eusínio Gaston Lavigne


Prefácio de Aníbal Vaz De Melo


capa

Belo Horizonte, Vila Betânia, Julho, 55.

Meu caro amigo Eusínio Lavigne, o meu grande abraço fraternal.

Acabo de ler os originais de OS ESPIRITUALISTAS PERANTE A PAZ E O MARXISMO. Livro empolgante, formidável mesmo. Deixou-me uma impressão indelével. Livro corajoso, intrépido, sadio, testemunhando uma alta cultura social, cientifica, filosófica e literária.

Após a leitura, mais convicto fiquei de que, depois de Jesus, Lênin e Stálin foram os homens que mais trabalharam pela redenção da Humanidade. Sempre pensei assim, como você e Sousa do Prado. Jesus foi comunista antes de Marx, Engels, Lênin e Stálin. A Primeira Internacional realizou-se no silencia daquela Igreja grande dos “homens do Caminho” — as Catacumbas de Roma. A Igreja nasceu pobre, no meio de pobres, operários, lavadeiras, prostitutas, escravos, tecelões e pescadores. A Noite de Natal, a casa de Nazaré, a escolha dos primeiros apóstolos, são testemunhos eloquentes destas palavras. — Jesus era filho natural de um humilde carpinteiro; trabalhou na oficina do pai; quando saiu para pregar a Boa Nova do Reino, escolheu para discípulos 12 homens anônimos do povo, trabalhadores. O Cristianismo foi um movimento pela redenção das massas, uma luta heroica contra os vendilhões do Templo, contra todos que, poucos e astutos, exploravam os muitos de boa-fé. Por isso mesmo, vamos encontrar no Velho Testamento o núcleo do marxismo. “Ganharás o pão com o suor do teu rosto” (Gêneses, III, 19). Aí está a base da dialética de Lênine. São Paulo, no Novo Testamento, o confirma. “Quem não trabalha não deve comer.” E este preceito figura no texto da Constituição dos Sovietes. O fundamento do capitalismo é a propriedade privada. O fundamento do Comunismo é o trabalho. Mas a vida, diz Berdiaeff, repousa sobre a energia e não sobre a lei. “Ora a terra nada produz. O que produz é a energia, quer dizer, o trabalho aplicado à terra”, como ensina Henri Perrín-Jaquet. Portanto, materialistas não somos nós — os marxistas — que vamos buscar na Bíblia o fundamento da nossa doutrina.

Vem muito a propósito transcrever aqui, como corroboração ao que pensamos e temos escrito — Você, o Sousa do Prado e eu — as últimas palavras de Mauriac, no Congresso Católico de Florença, há pouco ali realizado. Disse ele, entre outras coisas, num resumo que acabo de ler na nota internacional do DIÁRIO DE NOTICIAS, do Rio. Edição de 3 do corrente:

Quando Marx disse que era preciso não apenas compreender, mas transformar o mundo, enunciou uma verdade cristã. O Reino de Deus começa aqui mesmo, na Terra, e a nós cabe fazer disso um ideário, e não, como em tantos casos, uma mistificação, A classe privilegiada, na qual nasci, e à qual economicamente pertenço, faz correr o sangue para garantir a sua perpetuidade. É necessário que os cristãos entendam que um mundo novo está surgindo, e, se teimarmos em o repelir, ou em o envolver apenas em preces, seremos nós os repelidos. É um mundo que nós preparamos, é um mundo cristão, na sua essência, mas é preciso que o seja na sua totalidade, para não desmentir pelos atos o mistério da sua origem e da sua finalidade.

Depois, escreve o diretor da revista católica ETUDES,

R. P. Daniel:

Muitas vezes, falta-nos a esperança porque não participamos do sofrimento dós trabalhadores. Os cristãos devem ter o sentimento agudo de que é para eles um dever participar da vida da Cidade, e, nela, da vida dos que lutam. Deus julgará os cristãos pela maior ou menor participação na vida, nos sofrimentos e “as lutas da classe menos protegida. O mundo tem os olhos voltados para nós'', e, se não estivermos à altura da nossa missão, os que historicamente nos acompanharam e acompanham, em breve decidirão abandonar-nos, como amorosos desiludidos, buscando uma nova fonte de esperança. Se a Igreja se não ocupar senão da vida interior, os proletários irão buscar noutras doutrinas motivos e metafísicas de ação. Os cristãos que desprezam os Evangelhos deviam ser punidos como outrora Ambrósio proibiu a entrada de Teodósio na Igreja, por ter permitido o massacre de uma população inocente. E a condenação à miséria econômica é um massacre, e os cristãos que dele participem deviam ser punidos pela sua ofensa aos princípios, e o seu desprezo à sua aplicação no mundo temporal.

A verdade, meu caro amigo Eusínio Lavigne, a verdade é que a experiência político-social-econômica do Ocidente foi um fracasso nestes vinte séculos de Cristianismo. Atestam esta verdade o sofrimento inenarrável de milhões de homens desajustados em todo o mundo, a impiedade, a fome, a miséria, o ódio, a guerra, a prostituição e a loucura viva de milhões de seres humanos espalhados pela Terra.

A gigantesca experiência soviética é a primeira grande e formidável experiência em massa, a primeira e grande tentativa de colmeização que se processa na História da vida humana e social. A cooperação substituindo a competição. Se o individualismo falhou, é justo que experimentemos agora o coletivismo. E essa é a experiência dos Sovietes, que tentam dar novo sentido à vida, fazendo-a melhor do que tem sido até aqui. Por isso mesmo um grande poeta do nosso século iniciava assim um de seus poemas: — “Santa Rússia, jamais houve na História feito mais belo que o teu, ó suave Cristo das Nações...

Cristo das Nações” — mas que formidável síntese de um pensamento exato.

Finalizando quero agradecer ao meu nobre amigo e irmão os felizes e agradáveis momentos que passei lendo e saboreando as páginas de OS ESPIRITUALISTAS PERANTE A PAZ E O MARXISMO, para, então, recordar o pensamento do padre Ricardo Lombardi — a grande trombeta de Deus nos auditórios da Europa: — “O Comunismo prepara o mundo para o Evangelho(1), pensamento que reafirma a grande profecia do nosso Euclides da Cunha: “A Rússia tem uma missão histórica a cumprir: — recristianizar o mundo.

Por mais incrível e paradoxal que nos pareça, a União Soviética vai, sim, recristianizar o mundo pela aplicação da Sociologia avançada do Evangelho: — vai libertar o Homem da era atômica da injustiça social para atingir o primado da Justiça Econômica, dentro do princípio da liberdade individual.

Não importa que a União Soviética de hoje seja uma nação materialista. Ela não crê no Deus antropomorfo do Ocidente, mas acredita nos postulados da Ciência e a Ciência, no seu progresso continuo, caminha para Deus, porque avança para a Unidade.

Na União Soviética todos os deuses morreram, para apenas sobreviver um ídolo: — a criança, a Humanidade do Futuro!

E lembramo-nos desse adorável Novalis: — onde existe o culto à criança, aí existe uma nova Idade de Ouro.

No mundo de amanhã não haverá materialistas por falta de matéria no seu antigo conceito clássico, isto é, tudo aquilo que ocupa lugar no espaço; a matéria hoje só existe em função da energia, que é igual à massa multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, na fórmula einsteiniana.

Assim o Deus da Bíblia — o Deus de Moisés e de Jesus — é o mesmo Deus de São Paulo, de Spinoza, de Einstein e de São João, isto é, o Deus-Energia e o Deus-Luz.

As conquistas da Ciência são divinas e sagradas! Físicos e químicos, astrônomos e matemáticos, a balança, a retorta e a máquina são também poderosos e maravilhosos instrumentos da Fé a serviço do Espírito e de Deus!

Cordialmente, o
ANÍBAL VAZ DE MELO
(Professor Catedrático da Universidade de Minas Gerais)

continua>>>


Notas de rodapé:

(1) Ver o jornal católico “O DIÁRIO”, de Belo Horizonte, edição de 18-9-49, pág. 3. (retornar ao texto)

Inclusão 15/08/2018