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4. Ecofeminismo
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O ecofeminismo também é bastante próximo do feminismo culturalista, embora as ecofeministas se diferenciem deste. Feministas culturalistas, como Mary Daly, têm uma abordagem em seus escritos que se aproxima de um entendimento ecofeminista. Ynestra King, Vandana Shiva e Maria Mies são alguma das ecofeministas mais famosas. As feministas culturalistas celebram a identificação mulher-natureza na arte, poesia, música nas comunidades. Elas identificam a mulher e a natureza contra a cultura (masculina). Então, por exemplo, são ativamente antimilitaristas. Culpam os homens pelas guerras e pontuam que a preocupação masculina é com feitos violentos.
As ecofeministas reconhecem que as feministas socialistas enfatizaram corretamente os aspectos econômicos e de classes da opressão que pesa sobre as mulheres, mas as criticam por ignorar a questão da dominação da natureza.
Feminismo e ecologia são a revolta da natureza contra a dominação humana. Pedem que repensemos a relação entre a humanidade e o resto da natureza, incluindo nós mesmos, enquanto seres naturais e incorporados. No ecofeminismo, a natureza é a principal categoria de análise – a inter-relacionada dominação da natureza – psique e sexualidade, opressão humana e os não-humanos, e a crucial posição histórica da mulher nisso. Esse é o ponto de partida do ecofeminismo, segundo Ynestra King. E realmente tem sido notado, segundo ela, que as mulheres estiveram na linha de frente das lutas pela proteção da natureza — o exemplo do movimento Chipko [Chipko Andolan] onde mulheres da aldeia se agarram a árvores como forma de impedir que as empreiteiras de as cortar em Tehri. Garhwal prova esse ponto, segundo elas.
Existem muitas correntes no ecofeminismo. As ecofeministas espiritualistas consideram seu espiritualismo como o principal, enquanto o ecofeminismo mundano acredita na intervenção ativa para deter as práticas destrutivas. Defendem que a dicotomia natureza-cultura deve ser dissolvida e nossa unidade com a natureza deve ser recuperada. A não ser que todos vivamos de modo mais simples, alguns de nós simplesmente não serão capazes de sobreviver. Para elas, existe espaço para os homens nesse movimento para salvar o planeta Terra. Existe uma corrente ecofeminista que é contra a ênfase na conexão mulher-natureza. As mulheres devem, segundo essa corrente, minimizar sua conexão especial com a natureza, que é socialmente construída e ideologicamente reforçada. A divisão atual do mundo entre masculino e feminino (cultura e natureza) – homens fazendo cultura e mulheres fazendo natureza (gravidez e educação infantil) – deve ser eliminada e a unidade enfatizada. Os homens devem trazer a cultura à natureza e as mulheres devem levar a natureza à cultura. Essa visão tem sido chamada de ecofeminismo social-construtivista. Pensadoras como Warren acreditam que é errado relacionar as mulheres à natureza, porque homens e mulheres são igualmente naturais e igualmente culturais. Mies e Shiva combinaram elementos do feminismo socialista (o papel do patriarcado capitalista), com elementos das feministas globalistas que acreditam que as mulheres têm mais a ver com a natureza em seu trabalho diário por volta do mundo, com o pós-modernismo que critica a tendência capitalista de homogeneizar a cultura global. Acreditavam que as mulheres do mundo têm similaridades o bastante para lutar contra os patriarcados capitalistas e a destruição que estes geram. Pegando exemplos das lutas de mulheres pela preservação da base da vida contra a destruição ecológica por interesses industriais ou militares, concluem que as mulheres estarão na vanguarda da luta pela preservação ecológica. Advogam uma perspectiva de subsistência na qual as pessoas não devem produzir mais do que o necessário para satisfazer as necessidades humanas, e as pessoas deveriam usar da natureza somente o necessário, não para fazer dinheiro, mas para satisfazer necessidades comunitárias. Homens e mulheres deveriam cultivar virtudes femininas tradicionais (o cuidar, a compaixão, o carinho) e se engajar na produção de subsistência, porque só uma sociedade como esta pode "conseguir viver em paz com a natureza, garantir a paz entre as nações, gerações, homens e mulheres". Mulheres são não-violentas por natureza, dizem, e apoiarão isso. Elas são consideradas as ecofeministas transformativas.
No entanto, a base teórica para o argumento de Van- dana Shiva em defesa da agricultura de subsistência é, na verdade, reacionária. Ela faz uma crítica incisiva da Revolução Verde e do seu impacto como um todo, mas da perspectiva de que é uma forma de "violência patriarcal ocidental" contra as mulheres e a natureza. Ela contrapõe sabedoria não-ocidental à racionalidade/ciência patriarcal e ocidental. Os imperialistas usaram os desenvolvimentos na agrociência para forçar os camponeses a aumentar a produção (para evitar uma Revolução Vermelha) e para ficarem amarrados ao mercado patrocinado pela MNC de insumos agrícolas, como sementes, fertilizantes, pesticidas. Mas Shiva está rejeitando toda a agrociência e defendendo práticas tradicionais de forma acrítica. Afirma que a cultura indiana tradicional com sua unidade dialética entre Purusha e Prakriti era superior ao dualismo filosófico ocidental entre homem e natureza, homem e cultura, etc. Assim, afirma que nessa civilização, em que a produção era de subsistência, para satisfazer as necessidades vitais básicas do povo, as mulheres tinham conexão mais próxima com a natureza. A Revolução Verde quebrou essa ligação.
Na verdade, o que a Shiva glorifica é a pequena economia camponesa pré-capitalista com suas estruturas feudais e desigualdades extremas. Nesta economia, as mulheres labutavam exaustivamente por longas horas sem o menor reconhecimento. Ela não leva em conta as condições das mulheres dalit e das mulheres de outras castas que trabalhavam nos campos e casas dos senhores de terra feudais daquele tempo, abusadas, exploradas sexualmente e não-pagas na maior parte do tempo. Além disso, a vida de subsistência não era baseada em "o bastante para todos", tendo-se em conta que as mulheres eram privadas mesmo das necessidades mais básicas nesse período pré-capitalista glorificado, não tinham nenhum acesso aos meios de produção e tampouco eram independentes. Essa falta de independência é interpretada por ela e por Mies como rejeição das mulheres do Terceiro Mundo à autodeterminação e autonomia para que valorizem a própria conexão com a comunidade. O que as mulheres valorizam como estruturas de apoio quando não têm qualquer alternativa está sendo projetado, por Shiva, como uma rejeição consciente da autodeterminação. De fato, elas [Mies e Shiva] estão apoiando a economia patriarcal pré-capitalista de subsistência em nome do ecofeminismo da oposição à ciência e tecnologia ocidentais.
Uma falsa dicotomia foi criada entre ciência e tradição. Essa é uma forma de culturalismo ou pós-modernismo que está envolvida na defesa das culturas patriarcais tradicionais das sociedades do Terceiro Mundo e na oposição ao desenvolvimento básico das massas em nome do ataque ao paradigma de desenvolvimento do capitalismo. Nós nos opomos ao destrutivo e indiscriminado empurrão à agrotecnologia que deu o faminto agronegócio imperialista (inclusas nisto sementes geneticamente modificadas, etc.), mas não somos contra aplicar ciência e agrotecnologia para aprimorar a produção agrícola. Sob as atuais relações de classe até a ciência é serva do imperialismo, mas sob um domínio democrático/socialista não vai ser assim. É importante reter o que há de positivo na nossa tradição, mas glorificá-la como um todo é antipovo.
As ecofeministas idealizam a relação entre mulheres e natureza e perdem uma perspectiva classista. As mulheres das classes mais altas, seja nos países capitalistas avançados ou em países atrasados como a Índia raramente mostram qualquer sensibilidade à natureza de tão absorvidas que estão na cultura global consumista encorajada pelo imperialismo. Elas não pensam no imperialismo como um sistema mundial de exploração. Não têm demonstrado nenhum desejo para mudar seus privilégios e modo de vida básico para reduzir a destruição do ambiente. Para as mulheres camponesas, a destruição da ecologia levou a incontáveis dificuldades para cumprir a realização de suas tarefas diárias, como a aquisição de combustível, água, forragem para o gado. Despejos e deslocamentos forçados pela tomada de suas terras para grandes projetos também as afeta consideravelmente. Portanto, esses aspectos podem e têm se tornado importantes para mobilizá-las em lutas. Mas disto não podemos concluir que as mulheres, ao contrário dos homens, têm uma tendência "natural" à preservação da natureza. A luta contra o capitalismo monopolista, que está implacavelmente destruindo a natureza, é uma luta política, uma tarefa popular, na qual o povo como um todo, homens e mulheres devem participar. E mesmo que as ecofeministas citem a luta de Chipko, de fato há muitas outras lutas em nosso país em que ambos homens e mulheres se mobilizaram no que podem ser consideradas questões ecológicas e por seus direitos. A agitação em Narmada, a mobilização dos camponeses em Orissa contra grandes projetos de mineração, contra o projeto de míssil nuclear ou a luta dos tribais em Bastar e Jharkhand contra a destruição das florestas e grandes projetos siderúrgicos são exemplos disto.
Inclusão | 30/09/2019 |