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5. Feminismo Socialista
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Mulheres marxistas ou socialistas que eram presentes na nova esquerda, no movimento estudantil contra a Guerra do Vietnã nos anos 60 entraram no movimento de libertação das mulheres assim que este surgiu espontaneamente. Influenciadas pelos argumentos feministas colocados dentro do movimento, levantaram questões sobre seu próprio papel no amplo movimento democrático, e a análise da questão da mulher colocada pela nova esquerda (essencialmente uma esquerda revisionista trotskista crítica da URSS e da China) das quais faziam parte. Ainda que fossem críticas dos socialistas e comunistas por ignorarem a questão da mulher, de forma diferente do feminismo radical não romperam com o movimento socialista, mas concentraram seus esforços em combinar o marxismo com ideias do feminismo radical. Contudo, também existe um amplo espectro entre elas. Em um extremo deste espectro, existe um setor que se denomina como feministas marxistas, que se diferenciam das feministas socialistas porque aderem mais intimamente aos escritos de Marx, Engels, Lenin e concentraram sua análise na exploração das mulheres no âmbito da economia política capitalista. Na outra ponta do espectro, existem aquelas que focaram em como a identidade de gênero é criada através das práticas de criação dos filhos. Focaram nos processos psicológicos e são influenciadas por Freud. Também são chamadas de feministas psi- canalíticas. O termo 'feminista' é usado por todas elas. Algumas feministas, que estão envolvidas em sérios estudos e militância política da perspectiva marxista também se chamam de feministas marxistas para denotar suas diferenças das feministas socialistas e seriedade sobre a questão da mulher.
Feministas marxistas como Mariarosa Dalla Costa e outras de um grupo feminista da Itália fizeram uma análise teórica do trabalho doméstico sob o capitalismo. Dalla Costa argumentou de forma detalhada que através do trabalho doméstico, as mulheres estão reproduzindo o trabalhador, uma mercadoria. Daí, de acordo com elas, é errado considerar que apenas valor de uso é criado através do trabalho doméstico. O trabalho doméstico também produz valor de troca – a força de trabalho. Quando a reivindicação salarial de trabalhadoras domésticas surgiu, Dalla Costa apoiou como um movimento tático para fazer a sociedade perceber o valor do trabalho doméstico. Ainda que a maioria não concordasse com sua conclusão de que trabalho doméstico cria mais valia, nem apoiasse a luta por salários para trabalho doméstico, ainda assim sua análise criou uma grande discussão nos círculos feministas e marxistas em todo o mundo e levou a uma maior consciência de como o trabalho doméstico serve ao capital. A maioria das feministas socialistas criticaram a reivindicação, mas foi longamente debatido. Inicialmente, a questão do trabalho doméstico (início dos anos 70) era uma parte importante de sua discussão, mas na década de 1980 tornou-se claro que uma grande proporção de mulheres estava trabalhando fora de casa ou por alguma parte de suas vidas trabalharam fora de casa. Até o início dos anos 80, 45% da força de trabalho total nos EUA era do sexo feminino. Então, o foco de estudo delas passou a ser a situação da mulher na composição da força de trabalho em seus países. Feministas socialistas analisaram como a mulher nos Estados Unidos sofria discriminação em seus trabalhos e no pagamento de salários. A segregação de gênero no trabalho (concentração feminina em certos tipos de trabalho que são mal pagos) também foi detalhadamente documentada por elas. Estes estudos foram úteis para expor a natureza patriarcal do capitalismo. Porém, para efeitos do presente artigo, apenas a posição teórica que elas tomam sobre a opressão e o capitalismo das mulheres serão considerados por nós. Iremos trabalhar com a posição apresentada por Heidi Hartmann em um artigo muito difundido e debatido, O casamento infeliz do marxismo com o feminismo; por uma união mais progressista para entender os fundamentos da posição do feminismo socialista.
De acordo com Heidi Hartmann, feminismo e o marxismo são dois eixos de sistema de análises que se casaram, mas este casamento é infeliz porque apenas o marxismo é dominante, com seu poder analítico ao analisar o capital. Segundo ela, enquanto o Marxismo fornece uma análise do desenvolvimento histórico e do capital, não analisou as relações entre homens e mulheres. Defende que as relações entre homens e mulheres também são determinadas por um sistema que é patriarcal, que as feministas analisaram. Tanto a análise materialista-histórica do marxismo quanto a do patriarcado como uma estrutura histórica e social são necessários para compreender o desenvolvimento da sociedade capitalista ocidental e da posição da mulher neste processo, para entender como as relações entre homens e mulheres foram criadas e como o patriarcado moldou os rumos do capitalismo.
Ela é crítica do marxismo no que tange a questão da mulher. Afirma que o marxismo trabalhou com a questão da mulher apenas quando se relaciona com o sistema econômico. Afirma que mulheres são vistas como trabalhadoras, e Engels acreditava que a divisão sexual do trabalho seria destruída caso mulheres fossem incorporadas à produção, e todos os aspectos da vida das mulheres são estudados apenas em relação à forma como perpetuam o sistema capitalista. Até mesmo o estudo sobre trabalho doméstico trabalhou com a relação das mulheres com o capital, mas não com os homens. Ainda que os marxistas estejam cientes dos sofrimentos da mulher, focaram na propriedade privada e no capital como a origem da opressão da mulher. Em sua visão, os marxistas de outrora falharam ao levar em conta as diferenças das experiências do capitalismo no homem e na mulher e consideram o patriarcado um resquício das antigas sociedades. Ela afirma que o capital e a propriedade privada não oprimem a mulher enquanto tal, e disto se segue que sua abolição não irá acabar com a opressão da mulher.
Engels e outros marxistas não analisam corretamente o trabalho da mulher no âmbito familiar. Questiona quem se beneficia de seu trabalho. Não apenas os capitalistas, mas homens também se beneficiam. Uma abordagem materialista não deveria ter ignorado este ponto crucial. Prossegue com a afirmação de que os homens possuem interesse material em perpetuar a subordinação feminina. Mais tarde, sua análise sustentou que ainda que o marxismo nos ajude a entender a estrutura de produção capitalista, a sua estrutura ocupacional e sua ideologia dominante, seus conceitos, como exército de reserva, trabalhador assalariado, classe são cegos em relação ao gênero porque não traçam nenhuma análise sobre quem preenche estes espaços vazios, ou seja, quem será o trabalhador assalariado, quem estará no exército de reserva, etc. Para o capitalismo, qualquer um, independente de gênero, raça ou nacionalidade, pode preenchê-los. Isto, dizem, é onde a questão da mulher acaba por sofrer.
Algumas feministas analisaram o trabalho feminino usando a metodologia marxista, mas adaptando-a. Juliet Mitchell, por exemplo, analisou o trabalho da mulher no mercado, seu trabalho de reprodução, sexualidade e na criação dos filhos. De acordo com ela, o trabalho no mercado é produção e o resto é ideológico. Para Mitchell, o patriarcado opera no reino da reprodução, sexualidade e na criação dos filhos. Ela fez um estudo psicanalítico sobre como personalidades de gêneros são construídas para homens e mulheres. De acordo com Mitchell, "estamos lidando com duas áreas autônomas: o modo econômico do capitalismo e o modo ideológico do patriarcado". Hartmann discorda de Mitchell porque enxerga o patriarcado apenas como ideológico e não dá a ele uma base material.
Segundo ela, a base material do patriarcado é o controle do homem sobre a força de trabalho da mulher. Eles têm esse controle ao negar o acesso da mulher aos recursos produtivos da sociedade (negando-a um trabalho com um salário que sustente as condições de vida) e restringindo sua sexualidade. Tal controle operaria não apenas dentro do ambiente familiar, mas também no local de trabalho. Em casa, ela serve ao marido e no trabalho serve a seu chefe. Aqui é importante notar que Hartmann não faz distinção entre homens das classes dominantes e outros homens. Hartmann conclui então que não existe nem puro patriarcado, nem puro capitalismo. Produção e reprodução são combinados em uma totalidade da sociedade da forma que ela é organizada e daí temos o que ela denomina como capitalismo patriarcal. Neste sentido, há uma grande parceria entre o patriarcado e o capitalismo. Ela considera que o marxismo subestimou a força e a flexibilidade do patriarcado e superestimou a força do capital. O patriarcado se adaptou e o capital é flexível quando encontra modos de produção anteriores e os adaptou para que supram as necessidades de acúmulo de capital.
O papel da mulher no mercado de trabalho e seu trabalho em casa são determinados pela divisão sexual do trabalho e o capitalismo os utilizou para tratar as mulheres como trabalhadoras secundárias e dividir a classe operária. Outras feministas socialistas não concordam com a posição de Hartmann de que existam dois sistemas autônomos operando, um sendo o capitalismo na esfera da produção e outro sendo o patriarcado na esfera da reprodução e ideologia, e chamam de teoria dos dois sistemas. Iris Young, por exemplo, acredita que o sistema dual de Hartmann que faz do patriarcado uma espécie de fenômeno universal que existe anteriormente ao capitalismo e em todas as sociedades conhecidas, torna a análise a-histórica e periga ter inclinações raciais e culturais. Iris Young e outras feministas socialistas argumentam que existe somente um sistema que é o patriarcado capitalista. Segundo Young, o conceito pode ajudar a analisar mais nitidamente que não é a classe, por esta ser cega em relação a gênero, mas a divisão do trabalho. Argumenta que a divisão sexual do trabalho é central, fundamental para a estrutura das relações de produção.
Entre feministas socialistas recentes mais influentes estão Maria Mies (que também é ecofeminista) que também foca na divisão do trabalho – "a divisão hierárquica do trabalho entre homens e mulheres e sua configuração formam uma parte integral das relações de produção dominantes, isto é, relações de classe de uma época e sociedade particular e de uma mais ampla divisão do trabalho nacional e internacional". De acordo com ela, uma explicação materialista nos obriga a analisar a natureza da interação das mulheres e dos homens com a natureza e, através disso, construir sua própria natureza humana e social. Neste sentido, é crítica de Engels por não considerar este aspecto. Feminilidade e masculinidade são definidos de forma diferente em cada período histórico. Assim, em tempos antigos, no que ela chama de sociedades matrísticas, as mulheres eram significantes por serem produtivas – elas eram produtoras ativas de vida. Sob condições capitalistas, isto mudou e agora são donas de casa, sem qualidades criativas e produtivas. As mulheres como produtoras de crianças e leite, como costureiras e agricultoras, tiveram uma relação com a natureza diferente da dos homens.
Os homens se relacionam com a natureza através de ferramentas. A supremacia masculina não surgiu de uma contribuição econômica superior, mas do fato que inventaram ferramentas destrutivas sob as quais, controlaram mulheres, a natureza e outros homens. Posteriormente, acrescenta que foi com a economia pastoral que as relações patriarcais se estabeleceram. Os homens aprenderam o papel do sexo masculino na fecundação. Seu monopólio sobre as armas e seu conhecimento do papel do macho na reprodução levou a mudanças na divisão do trabalho. As mulheres não eram mais importantes coletando alimentos ou produzindo, mas seu papel era cuidar das crianças. Então, conclui que "podemos atribuir a divisão assimétrica do trabalho entre homens e mulheres a este modo predatório da produção, ou melhor, apropriação, que se baseia no monopólio masculino sobre meios de coerção, ou seja, armas e violência direta por meio do qual as relações permanentes de exploração e dominação entre os sexos foram criadas e mantidas". Para sustentar isto, a família, Estado e religião tiveram um grande papel. Ainda que Mies defenda que devemos rejeitar o determinismo biológico, ela mesma acaba guinando em direção a ele.
Diversas de suas propostas para a transformação social, como a das feministas radicais, são direcionadas para uma transformação das relações entre homens e mulheres e acerca da responsabilidade de criar os filhos. A preocupação central das feministas socialistas, segundo ela, é a liberdade reprodutiva. Isso significa que as mulheres devem ter o controle se teriam ou não filhos. A liberdade reprodutiva inclui o direito às medidas seguras de controle de natalidade, ao aborto seguro, creches, um salário decente que consiga criar condições para se cuidar dos filhos, cuidado médico e moradia. Também inclui a liberdade da orientação sexual, ou seja, o direito de ter filhos fora da norma sociocultural que afirma que as crianças só podem ser criadas em uma família composta por uma mulher e um homem. A mulher fora destas normas deveriam ter o direito de ter e cuidar de crianças. E a criação dos filhos, a longo prazo, deve se transformar de uma tarefa feminina para uma tarefa de homens e mulheres. As mulheres não devem sofrer por não poder ter filhos ou à maternidade compulsória.
Mas reconhecem que para garantir as medidas acima, a estrutura salarial da sociedade deve mudar, o papel da mulher deve mudar, a heterossexualidade compulsória deve acabar, o cuidado de crianças deve se tornar algo coletivo e tudo isto não é possível dentro do sistema capitalista. O modo de produção capitalista deve ser transformado, mas não sozinho, o modo de procriação deve ser transformado conjuntamente. Entre as escritoras mais recentes, uma contribuição importante veio de Gerda Lerner. Em seu livro, A Criação do Patriarcado, oferece uma explicação detalhada acerca das origens do patriarcado. Ela discorre que é um processo histórico, que não é um momento na história, devido, não a uma causa, mas um processo que se deu por mais de 2500 anos, desde mais ou menos 3100 AC até 600 AC. Afirma que Engels, em seu trabalho pioneiro, deu grandes contribuições para nossa compreensão da posição da mulher na sociedade e na história. Definiu as principais questões teóricas para os próximos cem anos. Fez proposições a respeito da historicidade da subordinação das mulheres, mas não foi capaz de fundamentar suas proposições. A partir de seu estudo das sociedades e Estados antigos, ela conclui que foi a apropriação das capacidades sexuais e reprodutivas das mulheres pelos homens que foi a base da propriedade privada; precedeu a propriedade privada. Os primeiros estados (a Mesopotâmia e o Egito) foram organizados na forma patriarcal. Leis antigas institucionalizaram a subordinação sexual da mulher (controle do homem sobre a família) e a escravidão, e foram forçadas com o poder do Estado. Isto foi feito com o uso da força a dependência econômica da mulher e privilégios de classe para mulheres das classes altas. Pelo seu estudo da Mesopotâmia e outros estados antigos, traçou como as ideias, símbolos e metáforas foram desenvolvidas para que se incorporasse as relações patriarcais na civilização ocidental. Os homens aprenderam a dominar outras sociedades, ao dominar suas próprias mulheres. Mas as mulheres continuaram a desempenhar papéis importantes como sacerdotisas, curandeiras, etc., como se nota nos rituais de adoração a deusas. E foi apenas mais tarde que a desvalorização da mulher na religião tomou lugar.
Feministas socialistas utilizam termos como "marxismo mecanicista", "marxismo tradicional", "marxismo economicista", para aqueles que advogam a teoria marxista, concentrando seu estudo e análise na economia e política capitalistas e se diferenciam destas. Criticam todos os marxistas por não considerarem a luta contra a opressão da mulher como o aspecto central da luta contra o capitalismo. De acordo com elas, organizar mulheres (projetos de organização feministas) deve ser considerado trabalho político socialista e atividades políticas socialistas devem ter um lado feminista nelas.
Após termo traçado a história da relação entre a esquerda e o feminismo nos Estados Unidos, uma história onde estes andaram separadamente, Hartmann acredita fortemente que a luta contra o capitalismo não pode ser vitoriosa a não ser que questões feministas também sejam levadas em consideração. Ela propõe uma estratégia que coloca que a luta pelo socialismo deve ser uma aliança com grupos com interesses distintos (por exemplo, os interesses das mulheres são diferentes dos interesses da classe operária em geral) e, em seguida, afirma que as mulheres não devem confiar nos homens em libertá-las após a revolução. As mulheres devem ter suas próprias organizações separadas e sua própria base de poder. Jovens também apoiam a formação de grupos autônomos de mulheres, mas acham que não há questões relativas às mulheres que não envolvam também um ataque ao capitalismo. No que diz respeito à estratégia que pretende construir, ela diz que não há necessidade de um partido de vanguarda para efetivar a revolução e que organizações de mulheres devem ser independentes da organização socialista. Jagger coloca isto claramente quando escreve que "o objetivo do feminismo socialista é derrubar todo a ordem social do que algumas chamam de patriarcado capitalista em que as mulheres sofrem estranhamento em todo aspecto de sua vida. A estratégia do feminismo socialista é apoiar algumas organizações socialistas 'mistas'. Além de também formar grupos de mulheres independentes e, por fim, um movimento independente de mulheres comprometido com igual dedicação à destruição do capitalismo e da dominação masculina. O movimento de mulheres irá participar de coalizões com outros movimentos revolucionários, mas não desistirá de sua independência revolucionária".
Elas realizaram agitação e propaganda em questões de anticapitalismo e contra a dominação masculina. Uma vez que identificam o modo de reprodução (procriação, etc.) como a base da opressão da mulher, incluíram-no no conceito marxista da base da sociedade. Então, acreditam que muitos dos assuntos levantados como a luta contra o estupro, contra o assédio sexual, pelo direito do aborto são anticapitalistas e que questionam a dominação masculina. Apoiaram os esforços em desenvolver uma cultura de mulheres que encorajasse o espírito coletivo, e também apoiam tentativas de construção de instituições alternativas, como unidades de saúde e encorajam morar em comunidades ou algo semelhante. Nisto, elas são próximas às feministas radicais. Porém, diferente das feministas radicais que com isso objetivam permitir às mulheres que se refugiem do patriarcado e da cultura branca, as feministas socialistas não acreditam que algum retiro como esse é possível dentro do quadro do capitalismo. Resumindo, as feministas socialistas enxergam isto como meios de organizar e ajudar mulheres, enquanto as radicais enxergam como um fim de separação completa dos homens. Feministas socialistas, tal qual as radicais, acreditam que as tentativas de mudar a estrutura familiar, que identificam como pilar da opressão da mulher, devem começar desde já. Então, encorajam a viver em comunidades, ou algo que se aproxime disto, um local onde as pessoas tentem superar as diferenças de gênero dividindo tarefas, cuidando de crianças, onde lésbicas e heterossexuais possam conviver juntos. Ainda que estejam cientes que isso é apenas parcial, e que não se pode ser vitorioso dentro da sociedade capitalista, elas acreditam que vale a pena o esforço. As feministas radicais afirmam que estes esforços são "viver em revolução". Isso implica que este ato é a própria revolução. As feministas socialistas compreendem que a transformação não virá gradualmente, que haverá períodos de refluxo, mas estes são preparações necessárias. Então é esta a prioridade delas.
Tanto as feministas radicais quanto as socialistas enfrentaram fortes ataques de mulheres negras por ignorarem essencialmente a situação da mulher negra e concentrarem todas suas análises na situação da mulher branca e de classe média, teorizando a partir daí. Por exemplo, Joseph, aponta para a condição das mulheres negras escravas que nunca foram consideradas "femininas". No campo e nas fazendas, na labuta e nas punições eram tratadas de forma igual aos homens. A família negra nunca poderia se estabilizar sob as condições de escravidão e homens negros dificilmente estavam em condições de dominar suas mulheres, já que eram escravos. Mais tarde, mulheres negras também tiveram que trabalhar e muitas se ocuparam como empregadas domésticas em casas de brancos ricos. Os assédios que enfrentavam lá, as longas horas de trabalho fizeram de suas experiências muito diferentes das mulheres brancas. Daí não concordarem com as concepções da família como a fonte da opressão (para os negros era uma forma de resistência ao racismo), da dependência da mulher ao homem (mulheres negras dificilmente podem depender de homens negros, dado às altas taxas de desemprego entre eles) e o papel reprodutivo da mulher (elas reproduziam o trabalho dos brancos e crianças através de seu emprego nas casas de brancos). O racismo é uma situação onipresente para elas e isso as trazia em aliança mais com os homens negros do que com as mulheres brancas. Em seguida, ela argumenta que as próprias mulheres brancas se envolviam na perpetuação do racismo, para as quais feministas deveriam dar o discernimento das coisas. Inicialmente, as mulheres negras dificilmente participaram do movimento feminismo até que nos anos 80, lentamente, um movimento feminista negro se desenvolveu, tentando combinar a luta contra a dominação masculina com a luta contra o racismo e o capitalismo. Estas críticas e outras similares de mulheres do Terceiro Mundo fez surgir uma corrente dentro do feminismo chamada feminismo global. Em tal contexto, o pós-modernismo conseguiu também acumular seguidoras entre as feministas.
Basicamente, se formos analisar os principais escritos teóricos das feministas socialistas podemos constatar que estão tentando juntar a teoria marxista com a teoria do feminismo radical e a sua ênfase está em provar que a opressão da mulher é a força central e motriz da luta na sociedade. Os escritos teóricos eram predominantemente oriundos da Europa e dos Estados Unidos e focaram na situação dos países capitalistas avançados. Todas suas análises se relacionam ao capitalismo nestes países. Mesmo sua compreensão do marxismo é limitada ao estudo da dialética de uma economia capitalista. Há uma tendência em universalizar a experiência e estrutura dos países capitalistas avançados para o mundo inteiro. Por exemplo, no Sul da Ásia e na China, que tiveram um longo período feudal, vemos que a opressão das mulheres nesse período foi muito mais grave.
A perspectiva maoísta sobre a questão da mulher na Índia também identifica o patriarcado como uma instituição que se constituiu como a causa da opressão da mulher na sociedade de classes. Mas não o enxerga como um sistema separado, com suas próprias leis motoras. O entendimento é de que o patriarcado assume diferente conteúdo e forma em diferentes sociedades, dependendo do seu nível de desenvolvimento e da história e condição específica daquela sociedade particular; que tem sido e está sendo usado pelas classes dominantes para servir aos seus interesses. Assim, não há um inimigo separado para o patriarcado. As mesmas classes dominantes, sejam imperialistas ou feudais, e o Estado que estas controlam, são os inimigos das mulheres porque são estas classes dominantes que mantém e perpetuam a família patriarcal, a discriminação de gênero e a ideologia do patriarcado dentro da sociedade. Recebem o apoio de homens comuns, sem dúvida, que absorvem as ideias patriarcais, que são as ideias das classes dominantes e oprimem as mulheres. Mas a posição de homens comuns e daqueles das classes dominantes não podem ser comparadas como idênticas.
As feministas socialistas ao enfatizarem a reprodução estão desvalorizando a importância do papel da mulher na produção social. A questão crucial é que sem que as mulheres obtenham o controle sobre os meios de produção e sobre os meios de produzir necessidades e riqueza como poderia a subordinação da mulher acabar? Isto não é apenas uma questão econômica, mas também uma questão de poder, um problema político. Embora isto possa ser considerado no contexto da divisão sexual do trabalho, na prática, sua ênfase são nas relações dentro da família heterossexual e na ideologia do patriarcado. Sob outro lado, a perspectiva marxista salienta o papel das mulheres na produção social e a supressão do direito de desempenhar um papel significativo na produção social tem sido a base para sua subordinação na sociedade de classes. Então, estamos preocupados com a forma de como a divisão do trabalho, relações com os meios de produção e o próprio trabalho em uma determinada sociedade está organizada para entender como as classes dominantes exploraram a mulher e a subordinaram. Normas patriarcais e o domínio ajudou a intensificar a exploração da mulher e reduzir o valor de seu trabalho.
Apoiando o argumento dado por Firestone, as feministas socialistas insistem no papel da mulher na reprodução para construir todo seu argumento. Elas pegam a seguinte citação de Engels: "de acordo com a concepção materialista, o fator decisivo na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida imediata. Porém, esta produção e reprodução possuem um duplo caráter: de um lado, a produção de meios de existência, de produtos alimentícios, vestimentas, habitação e instrumentos necessários para fabricar tudo isto; de outro lado, a produção do homem mesmo, a continuação da espécie. A ordem social em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção" (Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado). A partir desta citação, afirmam que em suas análises, apenas se concentraram na produção, ignorando a reprodução que se dá concomitantemente. A citação de Engels dá o quadro básico de uma formação social. O materialismo histórico, nosso estudo da história, torna claro que nenhum aspecto pode ser isolado ou mesmo compreendido sem levar outros em consideração. O fato é que, através da história, as mulheres tiveram um importante papel na produção social e ignorar isto e assegurar que o papel da mulher na esfera da reprodução é o aspecto central e que deveria ser o foco principal está, na realidade, aceitando o argumento das classes dominantes patriarcais que o papel social da mulher na reprodução é o mais importante e nada mais é. As feministas socialistas também distorcem e esvaziam de sentido o conceito de base e superestrutura em sua análise. Firestone diz que (e outras feministas socialistas também, como Hartmann) a reprodução é parte da base. Disto se segue que todas relações sociais conectadas a ela devem ser consideradas como parte da base — família, relações entre homens e mulheres, etc. Se todas as relações econômicas e reprodutivas são parte da base, o conceito de base se torna tão amplo que perde seu significado e não pode ser uma ferramenta de análise como concebe o materialismo histórico.
A divisão sexual do trabalho tem sido uma ferramenta útil para analisar o viés patriarcal nas estruturas econômicas de sociedades específicas. Mas as feministas socialistas que estão promovendo o conceito de divisão sexual do trabalho como sendo mais útil que propriedade privada fazem uma confusão, histórica e analítica. A primeira divisão do trabalho foi entre homens e mulheres. E foi devido a causas naturais e biológicas – o papel da mulher em carregar filhos. Mas isto não significou desigualdade entre eles – a dominação de um sexo sobre outro. A participação das mulheres na sobrevivência do grupo era muito importante – a coleta de alimentos, a descoberta do cultivo e cuidado de plantas, a domesticação de animais foram essenciais para a sobrevivência e o avanço do grupo. Ao mesmo tempo, teve lugar uma futura divisão de trabalho que não se baseava no sexo. A invenção de novas ferramentas, o conhecimento de domesticação de animais, de cerâmica, do metal, da agricultura, tudo isto e muito mais contribuíram para uma divisão mais complexa do trabalho.
Tudo isso deve ser analisado no contexto de toda a sociedade e sua estrutura – o desenvolvimento de clãs e estruturas de parentesco, de interação e conflitos com outros grupos e do controle sobre os meios de produção que se desenvolveram. Com a geração de excedentes, com guerras e sub-jugação de outros grupos que poderiam ser levados ao trabalho, o processo de afastar a mulher da produção social aparenta ter iniciado. Isto levou à concentração dos meios de produção e do excedente econômico nas mãos de chefes de clãs e tribos que começou a manifestar-se enquanto dominação masculina. Tenha este controle dos meios de produção se mantido comunal na forma, ou desenvolvido na forma de propriedade privada, tenha a posterior formação de classe ocorrido plenamente ou não, isto é diferente em distintas sociedades. Devemos estudar os fatos particulares de sociedades em específico. Baseado nas informações que eram disponíveis naquele tempo, Engels traçou o processo na Europa Ocidental em tempos antigos, e é nosso deve traçar este processo em nossas respectivas sociedades. A instituição plenamente desenvolvida do patriarcado apenas poderia surgir depois, isto é, a defesa de ou justificativa ideológica da retirada da mulher da produção social e limitação do seu papel à reprodução em relacionamentos monogâmicos, só poderia vir após o desenvolvimento pleno da sociedade de classes e do surgimento do Estado. Daí o mero fato da divisão sexual do trabalho não explicar a desigualdade. Afirmar que a divisão sexual do trabalho é a base da opressão da mulher ao invés da sociedade de classes ainda deixa uma questão no ar. Se não encontramos quaisquer razões materiais e sociais para a desigualdade somos obrigados a aceitar o argumento que homens possuem algo inato que os leva ao poder e à dominação. Tal argumento já se destrói porque implica que não existe motivo para lutar por igualdade. Nunca poderia ser realizada. A tarefa de parir filhos em si não pode ser a razão desta desigualdade, porque, como dissemos anteriormente, foi um papel que fora louvado e acolhido na sociedade primitiva. Outras razões materiais tiveram que surgir para darem origem à desigualdade, razões estas que as feministas radicais e socialistas não estão investigando.
No campo da ideologia, as feministas socialistas fizeram análises detalhadas expondo a cultura patriarcal na sociedade, o mito da maternidade. Mas uma ênfase unilateral por parte de algumas delas, que focam exclusivamente nos fatores psicológicos e ideológicos as faz perder de vista a estrutura socioeconômica mais ampla na qual estas ideologia e psicologia estão baseadas.
Em questões organizacionais, as feministas socialistas estão à direita das radicais e anarcafeministas. Evidentemente, existe uma estratégia colocada, mas não se trata de uma estratégia para uma revolução socialista. É uma estratégia completamente reformista porque não aborda a questão de como o socialismo pode ser alcançado. Se, como elas acreditam, não são os partidos socialistas ou comunistas que deveriam fazê-lo, então os grupos de mulheres deveriam levar adiante uma estratégia de como derrubar o domínio da burguesia monopolista. Elas restringem suas atividades práticas a um pequeno grupo de organização, construindo comunidades alternativas, propaganda geral e mobilização em torno de demandas específicas. É uma forma de prática economicista. Estas atividades em si são úteis para organizar pessoas em um primeiro momento, mas não são suficientes para derrubar o capitalismo e levar a cabo o processo de libertação da mulher. Isto implica um importante trabalho de organização que envolve confronto com o Estado — seus serviços de inteligência e sua força armada. As feministas socialistas deixaram essa questão de lado, encaminhando isto para os partidos revisionistas e revolucionários a quem criticavam. Daí toda sua orientação ser reformista, empreendendo limitada organização e propaganda dentro do atual sistema. Um grande número das teóricas do feminismo radical e socialistas foram absorvidos em trabalhos com grandes salários, das camadas médias, especialmente nas universidades e isto se reflete no elitismo que se infiltrou em seus escritos e no distanciamento dos movimentos de massas. Também se reflete no campo da teoria. Uma feminista marxista declara, "na década de 1980, no entanto, muitas feministas socialistas e marxistas que trabalhavam em ou perto de universidades e faculdades não só haviam sido completamente integradas às classes médias executivas, como também abandonaram a análise de classe do materialismo histórico..."
Inclusão | 30/09/2019 |