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A semana passada, fiz um esboço sobre as primeiras épocas do comunismo norte-americano. Apesar de que omiti muitas coisas, tocando só alguns pontos importantes, não podemos passar por alto o ano de 1922, o IV Congresso da Internacional Comunista, a legalização do movimento comunista clandestino e o começo do trabalho aberto. Falei sobre os aspectos negativos nos primeiros tempos do movimento e das enfermidades infantis que padecia, como ocorre quase sempre com os movimentos jovens, particularmente a virulenta e infantil doença do ultra-esquerdismo. Porém, estes aspectos negativos, o irrealismo da maior parte do trabalho foi amplamente eclipsado pelo lado positivo — a criação, pela primeira vez nos Estados Unidos, de um partido político revolucionário baseado nas doutrinas bolcheviques. Essa foi a grande contribuição do comunismo pioneiro. Um grupo de pessoas organizou um novo partido político. Assimilaram alguns dos ensinamentos básicos do comunismo. Habituaram-se a proceder de forma disciplinada, o que é pré-requisito para a construção de um sério partido político de trabalhadores.
O incipiente movimento comunista demonstrou de uma maneira poderosa a predominante influência das idéias sobre qualquer outra coisa. Isto foi demonstrado notavelmente na luta pela supremacia entre os IWW (Industrial Workers of the World) e o jovem Partido Comunista. Nos dias de pré-guerra a IWW era um movimento operário militante bastante grande. Entrou na guerra inquestionavelmente como a organização que agrupava a maioria do proletariado militante. Não obstante, o núcleo do Partido Comunista provinha do Partido Socialista. Um grande número deles eram de origem pequeno-burguesa, uma alta percentagem eram jovens sem experiência na luta de classes. Milhares deles eram filhos de operários imigrantes que nunca haviam sido realmente assimilados na luta de classes da América do Norte.
No que concerne ao material humano as vantagens estavam todas do lado da IWW. Seus militantes haviam sido provados em muitas lutas. Tinham centenas de membros na prisão, e tratavam de olhar com certo menosprezo a este incipiente movimento que falava tão confiadamente em termos revolucionários. A IWW imaginava que suas ações e seus sacrifícios pesavam muito mais que as meras pretensões doutrinárias deste novo movimento revolucionário e que nada tinham a temer deste em termos de rivalidade. Estavam muito enganados.
Em uns poucos anos, em 1922, se demonstrou muito claramente que o Partido Comunista havia deslocado a IWW como organização líder da vanguarda. A IWW, com sua magnífica composição de militantes proletários, com todas as suas lutas heróicas por traz, não pôde correr parelho. Não havia ajustado sua ideologia às lições da guerra e da Revolução Russa. Não haviam adquirido o suficiente respeito pela doutrina, pela teoria. Esta é a razão pela qual sua organização degenerou, ao passo que esta nova organização, com seu pobre material, sua inexperiente juventude, que valorizou manter as idéias vivas do bolchevismo, sobrepujou completamente a IWW e a deixou para traz em pouco tempo.
A grande lição desta experiência é a insesatez de tomar superficialmente o poder das idéias ou imaginar que se pode encontrar algum substituto das idéias corretas na construção de um movimento revolucionário.
Depois de dar por terminada a disputa com os ultra-esquerdistas sobre a legalização, o partido saiu abertamente. Havia adquirido, como disse, completa hegemonia sobre a vanguarda proletária do país. Era considerado em todos os lugares, e apropriadamente, como o grupo mais avançado e revolucionário do país. O partido começou a atrair para suas fileiras alguns sindicalistas nativos. William Z. Foster, desgastando depois a glória de seu trabalho na greve do aço, e outros sindicalistas, um grupo consideravelmente grande, ingressaram no um pouco exótico, porém dinâmico Partido Comunista. Toda a orientação do partido começou a mudar. Da querela subterrânea, às disputas fora da realidade e os ajustes na doutrina, o partido se voltou ao trabalho sobre as massas. Os comunistas começaram a ocupar-se dos problemas práticos da luta de classes. O partido começou gradualmente a tornar-se “sindicalizado” e deu seus primeiros passos vacilantes na Federação Americana do Trabalho (AFL), a dominante, praticamente a única organização de trabalhadores nesse momento.
Enquanto levávamos adiante a batalha pela legalização do partido lutamos também por corrigir sua política sindical. esta batalha foi exitosa também; a posição sectária original foi rechaçada. Os comunistas pioneiros revisaram seus primeiros pronunciamentos sectários que haviam favorecido ao sindicalismo independente. Agora, dirigiam toda a força dinâmica do Partido Comunista dentro dos sindicatos reacionários. O principal crédito para esta transformação provinha também de Moscou, de Lenin, da Comintern. O grande escrito de Lenin “A Doença Infantil do Comunismo” clareou esta questão de maneira decisiva. Por volta de 1922-23 o partido estava bem encaminhado para a penetração sobre o movimento sindical e, rapidamente começou a adquirir uma séria influência sobre alguns sindicatos em várias partes do país. Isto se deu particularmente no sindicato do carvão. Em outros lugares o partido também fez sentir sua influência.
Porém, simultaneamente com este trabalho prático e progressivo, o partido caiu em algumas aventuras oportunistas. Aparentemente nenhum partido pôde corrigir totalmente um desvio, porém, deve haver um verdadeiro esforço por corrigí-lo. A vara está torcida para traz. Deste modo, o jovem partido que pouco antes se havia dedicado ao refinamento da doutrina no isolamento subterrâneo, distanciado, sem ter nada que ver com o movimento sindical — sem causar prejuízos ao movimento político, a pequena-burguesia e aos farsantes —, este mesmo partido mergulhava agora em uma série de aventuras no campo da política operária e camponesa. A tentativa da direção do partido, através de uma série de manobras e combinacões, para formar um grande partido operário-campones da noite para o dia, sem o suficiente apoio no movimento das massas trabalhadoras, sem a suficiente força dos próprios comunistas, colocou o partido em desordem. Uma nova luta interna se precipitava.
A série de novas lutas fracionais que começaram no ano 1923, seis meses aproximadamente depois da liquidação da velha discussão sobre a legalização, continuaram tempos depois quase que ininterruptamente até que os trotskystas foram expulsos do partido em 1928. A luta se encarniçou até a primavera de 1929 quando a direção Lovestone, que nos havia expulso, foi expulsa também. Logo, a stalinizada Comintern freiou as lutas fracionais expulsando a todo aquele que tivesse uma atitude independente e elegendo uma nova direção que saltava cada vez que soava a campainha. Conseguiram assim um pacífico monolitismo no partido através de medidas burocráticas. Lograram a paz da paralisia ideológica e a decadência.
As lutas fracionais que convulsionaram o partido em todo este tempo não impediram à organização fazer grandes trabalhos na luta de classes, desenvolvendo suas atividades em muitos campos. Fundaram pela primeira vez no país um jornal revolucionário. Este foi um grande feito para um partido de não mais de dez ou quinze mil membros. O trabalho propagandístico foi desenvolvido em grande escala. O trabalho de defesa operária foi organizado com uma extensão e fundamento nunca conhecidos anteriormente. Muitas inovações de natureza progressiva foram introduzidas dentro do movimento operário pelo Partido Comunista nesse período.Virtualmente, cada greve que começava caía sob a direção do partido. Notavelmente a grande greve de Passic em 1926, que atraiu a atenção de todo o país, esteve completamente sob a direção dos comunistas, que se tornaram cada vez mais os líderes sem rival de toda tendência progressiva e militante que surgira no movimento operário norte-americano.
Uma grande quantidade de comentaristas e observadores experts, complementados por uns poucos renegados desiludidos, tratam de mostrar este histórico período, das primeiras épocas do comunismo norte-americano, como nada mais que uma mescla de estupidezes, erros, fraudes e corrupção. Esta é uma falsa e absurda apreciação deste período. A explicação sobre as lutas fracionais na primeira época do Partido Comunista reside em causas mais sérias que a má vontade de alguns indivíduos. Creio que se alguém estuda o desenvolvimento cuidadosamente, com algum conhecimento sobre os fatos, pode deduzir certas leis da luta fracional que podem ajudá-lo a compreender o aparecimento do fracionarismo em outras organizações políticas operárias, especialmente nas novas. E por conseguinte, vale a pena mencionar — embora os sabichões presumidos nunca o fazem — que as lutas fracionais não eram monópolio do Partido Comunista. Desde o início da política, cada organização há sido presa das lutas fracionais. Os problemas fracionais dos primeiros comunistas chamaram a atenção; alguns aspectos negativos deles, as velhacarias praticadas, foram escritas e contadas como se semelhantes coisas não houvessem ocorrido nunca em nenhuma outra parte. Perversões da história são a especialidade de intrometidos como Eugene Lyons, Max Eastman e outros frívolos que nunca puseram um pé nas lutas reais da classe operária. Recentemente, uniram-se com renegados como Benjamin Gitlow, quem se desiludiu e se frustrou tanto que correu aos braços da mesma democracia norte-americana contra a qual começou lutando como um jovem rebelde. Que lastimosa cena realiza um homem abraçando doutrinas dos mestres que quebraram seu espírito.
Eles representam estas lutas fracionais como algo monstruoso. Se entusiasmam especialmente quando encontram algo não exatamente recomendável desde um ponto de vista moralista. Nem sequer se detém a considerar, ao menos mencionar, a ética e a moral de Tammany Hall ou do Partido Republicano ou das totalmente desonestas, corruptas e hipócritas lutas de camarilhas fracionais que vemos no Partido Socialista. Só quando encontram algo “fora de foco” nos primeiros tempos da história do partido Comunista, levantam suas mãos horrorizados.
Não se dão conta que, inconscientemente, estão fazendo homenagem ao Partido Comunista pelo seguinte: alguém tem o direito de esperar algo melhor do Partido Comunista, inclusive de seus precoces dias de juventude e raquitismo, que as organizações políticas estáveis da burguesia e pequena-burguesia. Nisto está muito mais que o núcleo da verdade. Os meios devem servir aos fins. Tudo o que viole a verdade ou a conduza honorável no movimento revolucionário proletário, está em contradição com os grandes fins do comunismo, está fora de lugar, sobressai como uma pústula. Estas características nas organizações políticas burguesas e pequeno-burguesas — todos eles sistematicamente mentirosos, ladrões e enganadores — são próprias destas organizações como parte de um todo.
As lutas fracionais que marcaram o curso inteiro do movimento comunista durante seus primeiros dez anos tiveram várias causas. Não eram um bando de fascínoras que se juntaram e começaram a lutar pelos despojos; de maneira alguma. Não haviam despojos. A grande maioria chegou ao comunismo pioneiro com propósitos e motivos sinceros de organizar um movimento pela emancipação dos trabalhadores de todo o mundo. Estavam preparados para realizar sacrifícios e arriscar-se por seus ideais e o fizeram. Esta é a verdade daqueles que retomaram as bandeiras da Revolução Russa de 1917 e construiram o grande movimento, que no momento da Convenção de Chicago de 1919 tinha entre cinquenta e sessenta mil membros. Isto é especialmente verdade para aqueles que depois que começaram as tremendas perseguições, permaneceram no partido apesar das prisões, das deportações, da dureza e das privações da clandestinidade e das dificuldades econômicas. Todos esses chorões que permaneceram à margem porque eram incapazes de realizar tais sacrifícios ou arriscar-se dessa maneira, tratam de demonstrar os comunistas pioneiros como elementos moralmente corruptos. Eles simplesmente andaram em círculos. Os melhores elementos foram cooptados pelo partido em seu início. Mais adiante passaram à prova das perseguições e da dureza dos tempos de clandestinidade. Não, as lutas fracionais tiveram por detrás algo mais do que a má intenção de alguns indivíduos. Havia, em minha opinião, alguns velhacos, porém isso não prova nada. Se pode encontrar uma ou duas maçãs podres em qualquer barril. As causas da longa luta fracional foram mais profundas.
Em minha primeira conferência expliquei as tremendas contradicões implícitas na composição do partido. Por um lado se mantinham os membros predominantemente estrangeiros, com sua aproximação irreal sobre o problema de construir um movimento em um país onde todavia não estavam assimilados; com sua fanática concepção que tinham para controlar o movimento, não por ganância pessoal, e sim para preservar a doutrina que pensavam que só eles compreendiam. Por outro lado, havia um grupo numericamente menor de norte-americanos que, não entendiam as doutrinas do comunismo tanto quanto os estrangeiros — e isso também ocorria —, estavam convencidos de que o movimento devia ter uma orientação norte-americana e uma direção nativa desse país. Esta grande contradição aumentou a luta fracional.
Depois havia outro fator: a falta de uma direção experimentada e com autoridade. O movimento se desenvolveu da noite para o dia, em seguida da vitória de 1917 na Rússia. Todos os dirigentes do Partido Socialista rechaçavam o bolchevismo e permaneciam nos canais seguros do reformismo. Hillquit e Berger, todos os grandes nomes do partido, deram as costas a Revolução Russa e as aspirações dos jovens revolucionários no movimento. Inclusive Debs, quem expressou simpatia, permaneceu no partido de Hillquit e Berger na hora de decidir-se. O novo movimento tinha que encontrar novos dirigentes; aqueles que chegavam à primeira fila eram na maioria homens desconhecidos, sem grande experiência e sem grande autoridade pessoal. Se requereram muitas e prolongadas lutas fracionais para ver quem eram os líderes mais qualificados e quem as figuras acidentais. As direções trocavam rapidamente de uma convenção a outra. Temporariamente os passivos eram atirados a um canto, atropelados nessas ferozes lutas fracionais, onde o que não conseguia manter-se em pé era adormecido de um golpe. Muitos que pareciam ter habilidade para dirigir um ano, e eram eleitos de acordo com isto, seriam colocados de lado, e no segundo ano superados por homens desconhecidos até o momento. Tudo isto foi um processo de seleção de líderes em meio às lutas internas. Havia outra forma de fazê-la? Não sei. Um corpo de líderes com autoridade, capazes de manter uma continuidade com o firme apoio do partido. Não sei como ou onde essa classe de dirigentes pode ser consolidada se não através de lutas internas. Engels escreveu uma vez que os conflitos internos eram uma lei própria do desenvolvimento de todo partido político. Certamente foi a lei do desenvolvimento comunista norte-americano dos primeiros tempos. E não só do jovem partido comunista, mas sim também dos primeiros dias de seus autêntico sucessor, o movimento trotskysta.
Uma vez que um movimento se há desenvolvido através da experiência, da luta e dos conflitos internos, até o ponto de consolidar um núcleo de dirigentes que gozem de ampla autoridade, capazes de trabalhar juntos e mais ou menos homogeneos em suas concepções políticas, as lutas fracionais tendem a diminuir. Se tornam mais raras e menos destrutivas. Tomam diferentes formas, com mais conteúdo ideológico e são mais instrutivas para os militantes. A consolidação de uma direção como a anteriormente citada, converte-se em um poderoso fator para mitigar e as vezes prevenir as lutas fracionais futuras. Nós, no incipiente movimento comunista, consolidamos eventualmente uma direção estável, porém, de estrutura peculiar que de novo refletia a contradição na composição do partido. Logo após quatro ou cinco anos dando voltas, ficou bem claro quem eram os líderes do movimento comunista norte-americano; e não eram as pessoas que haviam dirigido em 1919/20. Muito poucos integrantes do velho staff dirigente sobreviveram nestas batalhas internas.
A direção que finalmente se ergueu no jovem movimento comunista — e este é um aspecto muito interessante de sua história — não se consolidou como um grupo homogeneo. Isto era assim porque o partido mesmo não era homogeneo. Apesar de sua direção unificada, com autoridade e influência sobre todo o partido, os principais líderes eram, por sua vez, líderes de fracões, que refletiam as contradições dentro do partido. A nova luta fracional que começou em 1923, principalmente sobre a questão do aventureirismo no movimento operário-camponês, e logo estendida a todos os problemas de nosso trabalho prático, nossa aproximação aos trabalhadores norte-americanos, métodos de trabalho sindical, eram um reflexo claro das contradições na composição social do partido e as distintas origens e histórias de cada grupo.
A luta esteve organizada por Foxter e eu, contra o que era nesse momento a maioria: Ruthemberg, Lovestone, Pepper, etc. De imediato foi evidente que a composição de nosso grupo era a de uma fração sindical proletária. Apoiando-nos estava a grande maioria — praticamente toda — dos sindicalistas, trabalhadores norte-americanos experimentados, militantes e os estrangeiros mais norte-americanizados.
Pepper, Ruthemberg e Lovestone tinham mais intelectuais e trabalhadores estrangeiros menos assimilados. Os líderes típicos dessa fração, incluindo a sua típica segunda linha de líderes, eram jovens de colégio, jovens intelectuais sem experiência na luta de classes. Lovestone era o exemplo que mais se sobressaía. Eram tipos muito inteligentes. Sem dúvida alguma, tinham mais conhecimentos teóricos que os líderes da outra fração e sabiam como aproveitar ao máximo suas vantagens. Eram duros de tratar. Porém, nós sabíamos uma ou duas coisas. Incluindo coisas nunca aprendidas nos livros, e lhes criamos muitos problemas. Esta luta pelo controle do partido foi feroz, sem nada que calar-se por parte de ambos os setores, levando-a de um ano a outro sem considerações sobre quem teria a maioria nesse momento. As vezes a luta se focalizava no que se apresentava como questões sem importância. Por exemplo: onde devia estar o centro de operacões nacional do Partido? Nossa fração dizia Chicago, a outra Nova Iorque e pelejavamos sobre isso. Porém, não porque fossemos tipos tão estúpidos, como nos apresentam os intriguentos. Pensávamos que se pudéssemos transladar nosso quartel general a Chicago, isto tenderia a dar ao partido uma orientação mais norte-americana. Queríamos proletarizar e norte-americanizar o partido. Suas insistências sobre Nova Iorque tinham motivações políticas também. Nova Iorque tinha fortes elementos pequeno-burgueses no partido; os intelectuais jogavam um papel mais importante ali. Estavam mais cômodos nesse lugar — quero dizer, em um sentido político. E portanto, a disputa pela localização do quartel central do partido é realmente compreensível se vai-se ao fundo dela.
Esta longa e fastidiosa luta pode ser descrita aproximadamente — e creio que assim será — pelos historiadores objetivos e honestos do futuro, como uma luta entre as tendências pequeno-burguesas e proletárias no partido, com a tendência proletária sem a suficiente clareza do programa para desenvolver a batalha, com todas as suas implicações. Agora, vocês não devem esquecer, éramos praticamente novatos, só nos havíamos familiarizado — e não muito bem familiarizado — com as doutrinas do bolchevismo. Não tínhamos nenhuma bagagem de experiência em política; não tínhamos a ninguém que nos ensinasse; tivemos que aprender tudo na luta através de golpes na cabeça. A cambaleante fração proletária cometeu um montão de erros e fez muitas coisas contraditórias no calor da luta. Porém, a essência de sua direção era, em minha opinião, historicamente correta e progressiva.
A medida que a luta se desenvolvia, as duas frações principais — Foster e Cannon de um lado e Ruthenberg, Lovestone e Pepper do outro — produziram divisões posteriores. De todo modo, a divisão estava implícita desde o começo porque havia também estratificações dentro da fração Foster-Cannon. O grupo vinculado a mim mais de perto era dos comunistas pioneiros, homens do partido desde o início, quem havíam adotado os princípios do comunismo antes que a ala de Foster. A ala de Foster era mais sindicalista em sua experiência, mais limitada em suas concepções, menos aplicada nas questões político-teóricas. No curso da luta fracional esta divisão implícita se formalizou. Assim, no partido se enfrentaram três fracões: a fração de Foster, a de Lovestone (Ruthenberg morreu em 1927) e a de Cannon. Esta divisão continuou até que nos expulsaram do partido, em 1928.
Todas estas frações lutaram interminavelmente por idéias que não estavam completamente claras para elas. Como disse antes, as nossas eram insinuações; sabíamos perfeitamente o que queríamos, porém carecíamos de experiência política, de educação doutrinária e de conhecimento teórico para formular nosso programa com suficiente precisão, como para levar as coisas a uma solução apropriada. Recordem a grande batalha que tivemos contra a oposição pequeno-burguesa no Socialist Workers Party (Partido Socialista dos Trabalhadores-SWP) um par de anos atrás. Se vocês estudarem esta batalha para ver como se desenvolveu, verão de que maneira tiramos proveitos da experiência da mais antiga luta entre a fração pequeno-burguesa e a proletária no velho Partido Comunista. Desde esse momento, ganhamos mais experiência, estudamos vários livros e adquirimos um conhecimento político-teórico mais profundo. Isto nos permitiu ver as questões claramente e prevenirmo-nos na luta contra Burnham, Schatman e companhia, de cair em um imbróglio sem princípios, sem solução a vista, como se passava nos velhos tempos.
Estes líderes que mencionei — Ruthenberg, Lovestone, Cannon, Foster —, essas quatro pessoas estavam sempre no Comitê Político do Partido. Foram sempre dirigentes do partido reconhecidos e com autoridade; quer dizer, eram dirigentes de fracões, que se fizeram parte da direção do partido.
Cada fração era tão forte, o peso estava distribuído com tanta igualdade entre as frações, que nenhuma delas podia ser quebrada ou eliminada. Muita gente estava aferrada a cada um deles, muitos dos funcionários capazes do Partido. Isto se viu, por exemplo, quando o grupo de Lovestone obteve a maioria do partido com a ajuda e o garrote da Comintern: não podiam fazer o que queriam, ou seja, colocar-nos de lado, particularmente desde que o trabalho sindical e de massas estava virtualmente monopolizado pelas outras frações. Muitos dos organizadores do Partido, escritores e funcionários, estavam intimamente conectados comigo, e não podiam ser susbstituidos. A fração de Foster era igualmente poderosa, especialmente no campo sindical. Não podiam desfazer-se de nós sem romper o Partido.
Desta forma, poderia dizer-se que o Partido esteve dividido virtualmente em três províncias, de um certo modo. Cada fração obteve a suficiente solidez para trabalhar em certos campos com uma autoridade praticamente ilimitada e sob um controle mínimo. A fração de Foster ocupou o território do trabalho sindical de forma total. Nós, organizamos a Internacional Labor Defense e a manejamos virtualmente como desejamos. Isto foi quando a gente de Lovestone tinha uma leve maioria. Estavam no controle do aparato do partido porém não tinham a força suficiente para prescindir de nós; portanto, este peculiar equilibrio do poder continuou durante vários anos. Naturalmente não era um Partido realmente centralizado, no sentido bolchevique da palavra. Havia uma coalisão de três frações. No fundo isso era o Partido.
Não podíamos solucionar o problema por conta própria. Nenhuma fração podia vencer as outras decisivamente. Nenhuma abandonaria o Partido, nenhuma era suficientemente capaz de formular seu programa, como para obter uma real maioria no Partido. Estávamos ante um estancamento, um empate, uma luta fracional desmoralizante, sem fim, sem solução a vista. Eram dias desalentadores. Para qualquer revolucionário normal era extremamente angustiante sustentar, não só por semanas e meses, senão durante anos e anos, uma luta fracional. Há gente que gosta das lutas fracionais; em todas as frações havia gente que só despertava quando a luta fracional começava. Assim se mantinham vivos. Quando chegava o momento de fazer algum trabalho construtivo — demonstrações, piquetes, circulação em maior medida de nossa imprensa, ajuda aos prisioneiros pela luta de classes — eles não tinham interesse nesta rotina. Porém, quando se anunciava a realização de um encontro da fração, eles estavam sempre nas primeiras poltronas.
Há certas pessoas anormais em todos os movimentos. Estávamos cheios deles. Podia escrever alguns capítulos biográficos sob o título “ Os Lutadores Profissionais de Fração que Conheci”. Este tipo de gente nunca pode liderar um movimento político. Quando o movimento finalmente toma fôlego e retoma o caminho mais claramente, os lutadores profissionais fracionais ficam de fora do lugar na direção. Em última instância os dirigentes se constrõem. Estes líderes de nossas velhas fracões não eram anjos, devo admitir, não eram em absoluto. Eram lutadores muito duros, politicamente falando. Lutavam com tudo o que tinham a seu alcance. Porém, eram canalhas egoístas como os que representavam os diletantes como Eugene Lyons e M. Eastman, e toda essa gente rabugenta que se manteve ao lado do movimento, e o mediu por questões de moralidade abstrata? Claro que não. Nem sequer Gitlow, que agora tardiamente apóia esta tese, era um canalha desde o começo. Creio que alguns deles eram defeituosos de nascimento, porém, a grande maioria dos quadros dirigentes das frações eram homens que ingressaram no movimento por razões e propósitos honestos e idealistas. Isto inclue também os que mais tarde degeneraram, convertendo-se em stalinistas e chauvinistas. Sua degeneração foi um longo processo de evolução, pressão, desacordos, decepções, desilusão, etc. Aqueles que ingressaram no movimento nos duros dias de 1919, ou inclusive aqueles que se agruparam ao redor da Revolução Russa nos dias de guerra, fundaram o Partido em 1919 e suportaram as perseguições e as fugas nos dias de clandestinidade — eles eram muito superiores até mesmo de um ponto de vista moral aos políticos de Tammany Hall ou do Partido Republicano ou de qualquer outro movimento político burguês ou pequeno-burguês que se possa nomear.
Poderíamos ter solucionado nosso problema se houvéssemos tido a ajuda que necessitávamos. Quer dizer, a ajuda de gente com uma maior experiência e autoridade. O problema era muito grande para nós. Pode acontecer, e acontece nos mais avançados movimentos políticos, que os grupos locais removidos do centro caíam em querelas que se transformam em lutas fracionais e na formação de camarilhas, até que a situação se torne, por causa de sua inexperiência, insolúvel por suas próprias forças. Se têm uma direção nacional sensata, honesta e madura, capaz de intervir inteligentemente e de maneira justa, em 90% dos casos, estes atoleiros, podem ser resolvidos e os camaradas podem encontar as bases de uma unificação no trabalho conjunto. Agora, se nós, em todos estes anos, houvéssemos tido a ajuda da Internacional Comunista, a ajuda dos líderes russos, que metiam-se pouco, mas a que buscávamos, inquestionavelmente, teríamos resolvido nossos problemas. Todas as frações tinham boas pessoas nelas. Todas tinham gente talentosa. Em condições normais, com uma direção correta e a ajuda da Comintern, a grande maioria dos líderes das frações teriam se desenvolvido juntos e consolidado uma única direção. As direções destas três frações, unidas e trabalhando juntas sob a supervisão e direção dos líderes internacionais com mais experiência, teria produzido uma força poderosa para o comunismo. O Partido Comunista teria dado um salto adiante. Fomos à Comintern buscando ajuda, porém a real origem dos problemas estava alí, apesar de que naquele momento não soubéssemos. A Comintern, sem conhecimento nosso, começava seu processo de degeneração. A honesta e capaz ajuda que tivemos de Lenin, Trotsky e de toda a Comintern em 1921 e 1922, na discussão da clandestinidade e legalidade, nos capacitaram para solucionar nossos problemas e liquidar a velha luta fracional. No lugar de obter esta ajuda, nos anos seguintes, nos encontramos com a degeneração da Comintern, no começo de sua stalinização. A direção da Comintern se dirigia a nosso partido, como a qualquer outro, não com a intenção de clarear os problemas, e sim para manter a questão no vermelho vivo. Intencionavam remover, por cima, todos os independentes, aos batalhadores, aos obstinados, de maneira que pudéssem criar, a partir desse momento, um dócil partido stalinista. Estavam preparando a criação deste tipo de partido, aqui e em todos os cantos, sem pensar em utilizar nenhum dos líderes das frações. Íamos à Moscou a cada ano. A “Questão Norte-Americana” estava sempre na ordem do dia. Sempre havia uma “Comissão Norte-Americana” na Comintern. Nos viam brigando ante as comissões e rapidamente se convenceram de que ia ser algo duro acoplar a esta gente dentro do esquema que tinham em mente. Estavam desenvolvendo planos para desfazer-se da maioria dos dirigentes que mais se sobressaíam em todas as frações, e cozinhar uma nova fração que seria um instrumento de Stálin.
Cada vez que viajávamos à Moscou íamos confiantes de que daquela vez conseguiríamos alguma ajuda, algum apoio, porque estávamos no caminho correto, porque eram corretos nossos propósitos. E a cada vez éramos desiludidos, cruelmente desiludidos. A Comintern invariavelmente apoiava a fração pequeno-burguesa contra nós. Cada vez que podiam golpeavam a fração proletária, que nos primeiros dias estava em maioria. Dirimimos o conflito pela primeira vez na Convenção de 1923 e conseguimos uma maioria de de 2 por 1. Estava muito claro que a maioria dos membros do Partido queriam a liderança da fração proletária. Inclusive mais tarde, depois da divisão formal da fração Foster-Cannon seguimos trabalhando, na maioria das vezes, em bloco contra a gente de Lovestone. Cada vez que aos membros do Partido se lhes davam uma oportunidade para expressar-se, mostravam que queriam que este bloco tivesse a direção dominante no Partido. Porém, a Comintern dizia que não. Queriam romper este bloco. E estavam especialmente ansiosos, por uma razão ou outra, em quebrar nosso grupo, o grupo de Cannon. Devem haver suspeitado algo. Tiveram que desviar-se bastante de seu caminho para quebrar-me. Distante do 5º Congresso da Comintern, em 1924 (não estive presente neste momento), me condenaram mediante uma resolução, por alguns erros que havia cometido. Outros na direção do Partido haviam cometido erros similares ou piores, porém a Comintern foi mais além e se esmerou em citar minha negligência, com o objetivo de debilitar meu prestígio.
Logo, a medida que passavam os anos, a campanha contra o trotskysmo cresceu. O requisito para ser parte da direção de qualquer dos partidos, o critério pelos quais os líderes eram qualificados em Moscou, era o de quem gritava mais contra Trotsky e o trotskysmo. Não nos davam nenhuma informação real sobre os fundamentos da luta no partido russo. Éramos enganados com documentos oficiais cheios de acusações e agravos; nada, ou quase nada, sobre a outra face da questão. Abusavam da confiança da base do Partido. De toda a forma, os dirigentes do Partido confiaram na Comintern, foram abusados em sua confiança, uma e outra vez. Cada vez que íamos a Moscou, em vez de regressar com uma solução, retornávamos com uma resolução destinada a fomentar a “paz” no Partido, porém ordenada de tal maneira que tornava a luta fracional mais quente do que nunca.
Não havia sinais de solução das lutas. Enquanto era firmada uma declaração de unidade, a guerra fracional a mandava pelos ares. O cinismo começou a perverter as filas do Partido. Que a declaração de um “acordo de paz” significava que “agora a luta fracional se porá realmente quente” se converteu em uma máxima.
As coisas chegaram a um ponto tal que tinha-se que ser reservado, que cuidar de cada passo, porque se trabalhava em uma atmosfera hostil. Se tornou necessário atuar com reserva cada vez que se acordava algo. Um ambiente de baixa moral começou a envolver o Partido, como uma névoa. O fato de que a degeneração da Comintern exercia uma influência determinante em nosso Partido é citado por muita gente superficial como uma prova do irrealismo do movimento norte-americano, de sua incapacidade para resolver seus problemas, etc. Esses intrigantes só mostram que não têm a menor idéia sobre o que é e deve ser uma organização revolucionária. A influência de Moscou era uma coisa perfeitamente compreensível e natural. A confiança e expectativas que o jovem Partido norte-americano pôs na direção russa era perfeitamente justificável porque os russos haviam feito uma revolução. Naturalmente, a influência e autoridade do partido russo no movimento internacional era a maior, como não acontecia com nenhum outro. Os mais sábios, os mais experimentados guiam aos recém ingressos. Assim será e assim deve ser em qualquer organização internacional.
Não há um desenvolvimento igual em todos os partidos em uma internacional. Havíamos visto na IV Internacional durante o tempo em que o camarada Trotsky estava com vida; Havíamos incorporado toda a experiência da revolução russa e da luta contra Stálin. A autoridade e o prestígio de Trotsky eram absolutamente imprescindíveis na IV Internacional. Sua palavra não tinha a força do comando burocrático, porém, tinha um tremendo poder moral. E não só isso. Como se demonstrou uma e outra vez, em cada dificuldade e disputa, sua paciência, sua sabedoria e seus conhecimentos eram aplicados construtiva e honestamente, e sempre ajudava a qualquer partido ou grupo que solicitava sua intervenção.
Nossa experiência no Partido Comunista era de um valor incalculável em nosso trabalho diário, e em todas as nossas comunicações e relações com grupos menos experimentados da IV Internacional. É natural que nosso Partido, precisamente porque assimilou uma grande experiência política, provavelmente exerça uma influência maior no movimento internacional que qualquer outro partido, agora que o camarada Trotsky não está mais conosco. Se uma seção da IV Internacional enfrentar uma situação revolucionária em um futuro próximo e demonstrar que tem uma direção de suficiente calibre como para levar adiante exitosamente uma revolução, então, a autoridade predominante e a influência, naturalmente se transferiria a esse partido. Por senso comum se converteria no partido líder da IV Internacional. Estas são simplesmente as conseqüências naturais e inevitáveis do desenvolvimento acidentado do movimento político internacional.
Nossa desgraça, nossa tragédia junto à Comintern, era que os grandes dirigentes da revolução russa, quem haviam realmente incorporado a doutrina do marxismo e haviam levado à frente uma revolução eram afastados para a margem do caminho pela reação contra a revolução de Outubro e a degeneração burocrática do PCUS. O PC nos Estados Unidos, como os partidos dos demais países, falhou em compreender as complicadas características da batalha. Brigávamos na obscuridade, pensando somente em nossas questões nacionais. Isso foi o que envenenou a luta fracional aqui. Foi o que causou a degeneração em lutas sem princípios e pelo controle. Só um programa internacional, compreendido a tempo, podia haver salvo ao velho PC norte-americano da degeneração. Não compreendemos isto até 1928. Então, já era demasiado tarde para salvar mais que um fragmento pequeno do Partido para seus originais fins revolucionários.
Cada uma das três frações que existiram no Partido desde 1923 até 1928 tiveram sua própria evolução. Os quadros fundadores do movimento trotskysta norte-americano provinham completamente da fração de Cannon. A totalidade da direção e praticamente todos os membros originais da Oposição de Esquerda provinham de nossa fração.
A fração de Lovestone foi expulsa brutalmente por Stálin em 1929. A gente de Lovestone se desenvolveu de maneira independente desde 1929 a 1939, e logo se desintegraram indo à burguesia como suportes da guerra “democrática”. A fração de Foster e os dirigentes secundários de algumas das outras frações se reuniram sobre a base de uma inquestionável lealdade a Stálin, em um abandono completo de sua independência. Eram homens de segunda e terceira linha. Tiveram que esperar nas sombras até que os reais lutadores fossem expulsos e lhes chegasse o tempo de ocupar seus lugares. Se converteram nos líderes oficiais, os líderes fabricados do PC norte-americano. Logo tiveram sua evolução natural, até lograr ser na atualidade a vanguarda do movimento social-chauvinista.
Uma coisa importante para recordar é que nosso moderno movimento trotskysta se originou no Partido Comunista e não em outro lugar. Apesar dos aspectos negativos do Partido nesses anos, apesar de suas debilidades, sua crueza, suas doenças infantis, seus erros; qualquer coisa que se diga retrospectivamente sobre as lutas fracionais e sua eventual degeneração; qualquer coisa que se diga sobre sobre a degeneração do PC neste país — se deve reconhecer que do Partido Comunista surgiram as forças para a regeneração do movimento revolucionário. Que do PC nos Estados Unidos surgiu o núcleo da IV Internacional neste país. Podíamos dizer também que os primeiros períodos do movimento comunista neste país provieram de nós que estávamos atados a ele por cadeias indissolúveis. Há uma continuidade ininterrupta desde os velhos dias do movimento comunista, com suas bravas lutas contra as perseguições, seus sacrifícios, erros, lutas fracionais e sua degeneração, em um eventual ressurgimento do movimento sob a bandeira do trotskysmo.
Não devemos render-nos, não podemos render-nos honrando a justiça, a verdade, a tradição dos primeiros anos do comunismo norte-americano. Isso nos pertence e sobre isso é que construímos.
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Inclusão | 10/10/2006 |
Última alteração | 25/12/2012 |