A Revolução Alemã e a Burocracia Estalinista
(Problemas Vitais do Proletariado Alemão)

Léon Trotsky


14. O controlo operários e a cooperação com a URSS


Quando falamos das palavras de ordem do período revolucionário, elas não se devem compreender num sentido demasiado estreito. Só se podem criar Sovietes num período revolucionário. Mas quando ele começa? Não se pode saber olhando para o calendário. Só se pode sentir na acção. É preciso criar os Sovietes no momento onde se podem criá-los.(1)

A palavra de ordem de controlo operário sobre a produção se relaciona, em grande medida ao mesmo período que a criação dos sovietes. Mas aí também não se deve raciocinar de maneira mecânica. As condições particulares podem levar as massas a controlar a produção muito antes que elas estejam prontas a criar os Sovietes.

Brandler e a sua sombra esquerda, Urbahns, avançavam a palavra de ordem de controlo sobre a produção independentemente da situação política. O que teve por único resultado lançar o descrédito sobre essa palavra de ordem. Hoje, seria incorrecto rejeitar essa palavra de ordem, numa situação de crise política que sobe, unicamente porque não há ainda ofensiva de massa. Para a própria ofensiva, é preciso palavras de ordem precisando as perspectivas do movimento. Um período de propaganda deve inevitavelmente preceder a penetração da palavra de ordem nas massas.

A campanha para o controlo operário pode começar, segundo as circunstâncias, não sob o ângulo da produção mas sob o do consumo. A baixa do preço das mercadorias, prometida pelo governo Brüning quando ele diminuía os salários, não se realizou. Esta questão não pode deixar de tocar as camadas mais atrasadas do proletariado, que ainda estão muito afastadas da ideia da tomada do poder. O controlo operário sobre os custos da produção e os beneficios comerciais é a única forma real de luta pela baixa de preços. Dado o descontentamento geral, a criação de comissões operárias que, com a participação das donas de casa, examinarão por quais razões o preço da margarina aumenta, pode marcar o princípio efectivo do controlo operários sobre a produção. Evidentemente, trata-se aí de uma via de abordagem possível, tomada a título de exemplo. Ainda não está em causa a gestão da produção: a operária não chegará aí imediatamente, esta ideia lhe é ainda completamente estrangeira. Mas é mais fácil de passar do controlo sobre o consumo ao controlo sobre a produção, pois a gestão directa, paralelamente no decurso geral da revolução.

Com a crise actual, o controlo sobre a produção na Alemanha contemporânea implica um controlo não somente sobre as empresas em actividade, mas também sobre as empresas que funcionam a metade e sobre aquelas que estão fechadas. Para isso, é preciso associar ao controlo os operários que trabalham nessas empresas antes do seu despedimento. É preciso proceder da seguinte maneira: remeter as empresas fechadas em funcionamento sob a direcção de um comité de fábrica, em se baseando sobre um plano económico. O que levanta imediatamente a questão da gestão etática da indústria, quer dizer da expropriação dos capitalistas pelo Estado operário. Assim, o controlo operário não poderia ter uma situação prolongada, ''normal'', como as convenções colectivas ou a segurança social. O controlo operário é uma medida provisória, nas condições de extrema tensão da luta de classes, considerada somente como uma ponte para a nacionalização revolucionária da indústria.

Os brandleristas acusam a oposição de esquerda de lhes ter retomado a palavra de ordem de controlo operário sobre a produção após a terem ridiculizado durante vários anos. A acusação é surpreendente! Foi o partido bolchevique que, em 1917, foi o primeiro a defender em larga escala a palavra de ordem de controlo sobre a produção. Em Petrogrado, o Soviete dirigiu toda a campanha sobre esse ponto como sobre os outros. Como testemunha e actor desses acontecimentos, posso testemunhar que nós não sentimos de forma alguma a necessidade de solicitar as directivas de Brandler-Thalheimer, nem de recorrer aos seus conselhos teóricos. A acusação de ''plágio'' é formulada com uma certa imprudência.

Mas a infelicidade não está aí. A segunda parte da acusação é muito mais grave: até ao presente os ''trotskistas'' protestavam contra a campanha sobre a palavra de ordem de controlo sobre a produção, agora eles defendem essa palavra de ordem. Os brandleristas vêm aí a prova da nossa incoerência! De facto, eles só revelam a sua total incompreensão da dialéctica revolucionária, contida na palavra de ordem de controlo operário, em a reduzindo a uma receita técnica de ''mobilização das massas''. Eles condenam-se a eles mesmos, quando argumentam que repetem já há vários anos essa palavra de ordem que só é válida para o período revolucionário. O pica-pau que, durante anos, martelou a casca do tronco do carvalho, considera também, no fundo da sua alma, que o lenhador qua abateu a árvore com o machado, o copiou-o de maneira criminosa.

Para nós, a palavra de ordem de controlo está ligada ao período de duplo poder na indústria, que corresponde à passagem do regime burguês ao regime proletário. Não, responde Thalheimer, duplo poder significa ''igualdade (!) com os patrões''; os operários lutam pela direcção total das empresas. Os brandleristas não permitirão ''castrar'', - é formulado assim! - essa palavra de ordem revolucionárias. Para eles, ''controlo sobre a produção significa a gestão da produção pelos operários'' (17 de Janeiro). Mas porquê chamar gestão, controlo? Numa linguagem compreensível para todos, compreende-se controlo, a vigilância e a verificação por um organismo do trabalho de um outro organismo. O controlo pode ser muito activo, autoritário e geral. Mas é sempre um controlo. A própria ideia dessa palavra de ordem nasceu do regime transitório nas empresas, quando o patrão e a sua administração já não podem dar um passo sem a autorização dos operários; mas por outro lado, os operários ainda não criaram as premissas políticas da nacionalizações, eles ainda não adquiriram as técnicas de gestão, nem criaram os órgãos necessários. Não esqueçamos que se trata não somente da direcção das oficinas mas também do vazamento da produção, da operações de crédito, do abastecimento da fábrica em matérias-primas, em novos equipamentos.

É a força da pressão global do proletariado sobre a sociedade burguesa que determina a relação das forças na empresa. O controlo não é concebido senão no caso de uma superioridade indiscutível das forças políticas do proletariado sobre as do capital. É falso pensar que no decurso da revolução todos os problemas são resolvidos pela violência: podemos-nos apoderar das fábricas com a ajuda da Guarda vermelha; mas para as gerir as novas premissas jurídicas e administrativas são necessárias; é preciso conhecimentos, hábitos, organismos apropriados. Tudo isso torna necessário um período de aprendizagem. Durante esse período o proletariado tem interesse em deixar a gestão entre as mão de uma organização experiente ao mesmo tempo forçando-a a abrir todos os seus livros de contas e instaurando um controlo vigilante sobre todas as suas ligações e acções.

O controlo operário começa numa empresa. O comité de fábrica é o órgão de controlo. Os órgãos de controlo nas fábricas devem entrar em ligação umas com as outras, seguindo as ligações económicas existentes entre as empresas. Nesse estádio, ainda não há plano económico global. A prática do controlo operário prepara os elementos desse plano.

Inversamente, a gestão operária da indústria a uma escala muito mais importante parte de cima, mesmo no seu início porque ela é inseparável do poder e dum plano económico geral. Os órgãos de gestão não são mais os comités de fábrica mas os Sovietes centralizado. O papel dos comités de fábrica continua importante, mas no domínio da gestão da indústria, trata-se de um papel auxiliar e não de um papel dirigente.

Na Rússia, a etapa do controlo operário não dura, porque a intelectualidade técnica, convencida, seguindo a burguesia, que a experiência dos bolcheviques não duraria senão algumas semanas, tentando todas as formas de sabotagem e se recusava qualquer acordo. A guerra civil que transforma os operários em soldados, deu um golpe mortal à economia. Também a experiência da Rússia traz relativamente poucas coisas sobre o controlo operário como regime particular da indústria. Mas um outro ponto de vista tem tanto mais valor: ela prova que num país atrasado, um proletariado jovem e inexperiente, cercado pelo inimigo, conseguiu resolver o problema da gestão da indústria, apesar dos actos de sabotagem, não somente dos poderosos mas também do pessoal técnico e administrativo. Do que a classe operária alemã não seria capaz!

O proletariado, dissemos, tem interesse que a passagem da produção capitalista privada à produção capitalista de Estado e socialista se faça com menos agitação económica possíveis e evitando todo desperdício inútil do bem nacional. Eis porquê o proletariado deve se mostrar pronto e criar um regime de transição nas fábricas, as oficinas e os bancos, ao mesmo tempo que se aproximam do poder e mesmo depois de se ter apoderado do poder por uma luta ousada e decidida.

As relações na indústria no momento da revolução alemã serão diferentes dos que conheceu a Rússia? Não é fácil responder a esta questão, sobretudo para um observador exterior. O curso real da luta de classes pode não deixar lugar para o controlo operário como etapa particular. Se a luta se desenvolve num situação muito tensa, marcada por uma pressão crescente dos operários por um lado, pela multiplicação dos actos de sabotagem dos patrões e da administração por outro lado, acordos, mesmo de curta duração, serão impossíveis. A classe operária deverá então tomar posse simultaneamente do poder e da gestão completa das empresas. A paralisia parcial da indústria e a presença de um exército considerável de desempregados tornam este ''atalho'' bastante provável.

Em contrapartida, a existência de potentes organizações no seio da classe operária, a educação dos operários num espírito não de improvisação mas de acção sistemática, a lentidão com a qual as massas se radicalizam e se juntam ao movimento revolucionário, são factores que fazem pender a balança a favor da primeira hipótese. Seria portanto falso rejeitar previamente a palavra de ordem de controlo operário sobre a produção.

Em qualquer caso, a palavra de ordem de controlo operário tem para a Alemanha ainda mais do que para a Rússia um sentido diferente daquele da gestão operária. Como muitas outras palavras de ordem transitórias, ela mantém uma grande importância, independentemente da questão de saber em que medida será realizada e se será de maneira geral.

Quando ela está em condições de criar as formas transitórias de controlo operários, a vanguarda do proletariado liga à sua causa as camadas mais conservadoras do proletariado e neutraliza certos grupos da pequena-burguesia, sobretudo os empregados técnicos, administrativos e bancários. Se os capitalistas e toda a camada superior da administração manifestam uma hostilidade irredutível e recorrem à sabotagem da economia, a responsabilidade das medidas severas que daí decorrem, repousará, aos olhos do povo, não sobre os operários mas sobre as classe inimigas. Tal é a significação política complementar da palavra de ordem de controlo operários, além do seu significado económico e administrativo indicado acima. De qualquer modo, o apogeu do cinismo político é atingido por aqueles que avançaram a palavra de ordem de controlo operários num período não revolucionários, lhe conferindo assim um carácter puramente reformista e que agora nos acusam de hesitações centristas porque nós nos recusamos identificar controlo operário e gestão operária.

Os operários que se erguem até aos problemas de gestão da indústria não quererão nem poderão se inebriar com as palavras. Nas fábricas, eles têm o hábito de lidar com material muito menos maleável que as frases, e eles compreenderão o nosso pensamento melhor que os burocratas: o verdadeiro espírito revolucionário, não consiste em utilizar a violência em todo o lado e a cada momento, e ainda menos a se enibriar de palavras sobre a violência. Onde a violência é necessária, é preciso utilizá-la ousadamente, de maneira decidida e até ao fim. Mas é preciso conhecer os limites da violência, é preciso saber a que momento se torna necessários combinar a violência e as manobras tácticas, os golpes e os compromissos. Quando dos dias de aniversário de Lénine, a burocracia repete frases aprendidas de cor sobre o ''realismo revolucionários'', para poder troçar disso mais livremente o resto do ano.

Os teóricos prostituídos do reformismo esforçam-se em ver nos decretos de excepção contra os operários, a aurora do socialismo. Do ''socialismo militar'' dos Hohenzollern ao socialismo policial de Brüning! Os ideólogos de esquerda da burguesia sonham com uma sociedade capitalista planificada. Mas o capitalismo já demonstrou que no que respeita a planificação, ele é somente capaz de esgotar as forças produtivas no interesse da guerra.

À parte essas questões, há ainda uma: de que maneira resolver o problema da independência da Alemanha em relação ao mercado mundial, enquanto que o montante actual das suas importações e das suas exportações é considerável?

Nós propomos começar pela esfera das relações germano-soviéticas, quer dizer pela elaboração de um importante plan de cooperação entre as economias alemã e soviética, em ligação com o segundo plano quinquenal e como complemento a este. Dezenas e centenas de fábricas poderiam ser lançadas em pleno rendimento. O desemprego na Alemanha poderia ser totalmente liquidado – é pouco provável que isso necessite mais de dois ou três anos – sobre a base de um plano económico, englobando os dois países em todos os domínios.

Os dirigentes da indústria capitalista alemã não podem, evidentemente, acertar um tal plano, porque ele implica a sua propria liquidação do ponto de vista social. Mas o governo soviético, com a ajuda das organizações operárias, dos sindicatos em primeiro lugar, e dos elementos progressistas entre os técnicos alemãs, pode e deve elaborar um plano susceptível de abrir grandiosas perspectivas. Como todos esses ''problemas'' de reparações e pfennigs suplementares parecerão mesquinhos em comparação às possibilidades que abrirão ao conjunção dos recursos em matérias-primas, em técnicas e em organização das economias alemã e russa.

Os comunistas alemãs desenvolvem uma grande propaganda à volta do sucesso que conheceu a edificação da URSS. É um trabalho indispensável. Mas, sobre isso, eles embelezam a realidade de maneira enjoativa, o que é completamente desnecessário. Mas o que é pior ainda, é que eles são incapazes de ligar os sucessos e as dificuldades da economia soviética aos interesses imediatos do proletariado alemão, ao desemprego, à baixa dos salários e ao impasse económico geral da economia alemã. Eles não querem nem sabem colocar o problema da cooperação germano-soviética sobre uma base que seja ao mesmo tempo rentável do ponto de vista económico e profundamente revolucionário.

No início da crise – há dois anos – colocámos esse problema na imprensa. Os estalinistas proclamaram imediatamente que nós acreditamos na coexistência pacífica do socialismo e do capitalismo, que nós queríamos salvar o capitalismo. Eles não tinham previsto nem compreendido uma só coisa: um plano económico concreto de cooperação poderia tornar-se um potente factor da revolução socialista, com a condição de fazer disso um sujeito de discussão nos sindicatos, nos comícios, nas fábricas, entre os operários das empresas ainda em actividade, mas também daquelas que estão fechada, com a condição de ligar essa palavra de ordem ao controlo operários sobre a produção, depois num segundo tempo ao da conquista do poder. O estabelecimento de uma cooperação económica planificada, real, ao nível internacional pressupõe a existência do monopólio do comércio exterior na Alemanha, a nacionalização dos meios de produção, a ditadura do proletariado. Assim teria sido possível mobilizar milhões de operários, desorganizados, sociais-democratas e católicos na luta pelo poder.

Os Tarnov procuram assustar os operários alemãs, explicando que a desorganização da indústria que resultaria da revolução, ocasionaria uma desorganização terrível, a fome, etc. É preciso não esquecer que esses mesmo individuos apoiaram a guerra imperialista que não podia trazer ao proletariado senão sofrimento, infelicidade e humilhações. Fazer recair sobre o proletariado os sofrimentos da guerra agitando a bandeira dos Hohenzollern? Sim. Sacrificar-se pela revolução sob a bandeira do socialismo? Não, nunca!

Quando nas discussões se afirma que ''nossos operários alemãs'' nunca aceitarão ''tais sacrifícios'', não se lisonjeia mas calúnia-se também os operários. Estes últimos são, infelizmente, demasiado pacientes. A revolução socialista não exigirá do proletariado alemão uma centésima parte das vítimas que a guerra dos Hohenzollern, Leipart e Wels consumiu.

De que caos partem os Tarnov? A metade do proletariado alemão já foi lançado para a rua. Mesmo se a crise diminui daqui a um ou dois anos, ela ressurgiria daqui a cinco anos, sob formas ainda mais terríveis, sem falar do facto que as convulsões que acompanham a agonia do capitalismo só podem conduzir a uma nova guerra. De qual caos les Hilferding têm medo? Se a revolução tivesse por ponto de partida uma indústria capitalista em plena expansão – o que de uma maneira geral é impossível – a substituição do antigo sistema económico poderia, efectivamente, durante os primeiros meses e mesmo os primeiros anos provocar uma baixa momentânea da economia. Mas de facto o socialismo na Alemanha actual deveria partir de uma economia cujas forças produtivas só trabalham a metade. A regularização da economia disporia à partida 50% de reservas, o que é largamente suficiente para compensar as hesitações dos primeiros passos, atenuar os tremores agudos do novo sistema e a preservar de uma queda momentânea da forças produtivas. Utilizemos sob reserva a linguagem dos números: no caso de uma economia capitalista funcionando a 100%, a revolução socialista deveria num primeiro tempo descer a 75% e mesmo a 50%; em contrapartida, no caso de uma economia funcionando a 50% da sua capacidade, a revolução poderia subir a 75% e mesmo a 100%, para logo conhecer um desenvolvimento sem precedentes.

continua>>>

Notas de rodapé:

(1) Lembremos que na China os estalinistas opuseram-se à criação de Sovietes durante o período do ascenso revolucionário; durante a vaga de refluxo eles decidiram organizar o levantamento de Cantão, chamaram as massas para a criação do Soviete no mesmo dia do levantamento!| (retornar ao texto)

Inclusão 09/11/2018