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AFORA o «banho frio» da redução dos créditos aos países da Europa Ocidental em via de marshalização, foi igualmente proposto um cataplasma quente: as condições americanas da «ajuda».
Com ofim de realizar o plano Marshall os Estados Unidos criaram um aparelho que tem à frente homens de confiança dos monopólios americanos. O ex-secretário do Comércio, Harriman, foi encarregado de os representar no Comitê de Cooperação Econômica Européia de Paris. De fato, Harriman tornou-se ministro americano na Europa Ocidental. Mesmo nos Estados Unidos foi criada uma direção de «ajuda» americana, tendo como administrador o antigo presidente do truste da indústria de automóveis Studebaker, Mr. Hoffman.
O administrador do plano Marshall foi investido de poderes muito amplos. Antigamente dizia-se como gracejo, sobre o Parlamento inglês, só existiu uma coisa que ele não podia fazer: transformar um homem em mulher. Esta restrição talvez desapareça no caso de Hoffman.
Para demonstrar a extensão dos poderes do administrador, será útil citar alguns, trechos recolhidos da imprensa, completamente favoráveis ao plano Marshall. Por exemplo, o periódico americano «United States News, and World Report» publicou a 27 de fevereiro de 1948, sob o título «Que recebem os Estados Unidos por sua ajuda aos outros países», uma notícia onde se destaca:
«O administrador deste programa deve tornar-se de fato o dirigente das relações de negócios internacionais. Poderá, por exemplo, dizer à França se deve consertar as estradas de ferro ou as auto-estradas. Cabe-lhe decidir se devem ser mecanizadas as explorações agrícolas. Indicará quem primeiro deve receber os materiais para a indústria carbonífera, se for o caso da Inglaterra ou do Ruhr. E, poderá imediatamente paralisar o afluxo dos dólares nestes ou naqueles países se não se conformarem com as condições apresentadas por ele. O caráter do comércio internacional será fixado por suas decisões. Terá o direito de dizer onde se deve comprar a madeira se for o caso da Finlândia, da Suécia ou do Canadá; a qual trigo — canadense ou americano — se deve dar a preferência nos mercados do dólar; qual dos países — o Brasil ou os Estados Unidos — deve fornecer o algodão para as fábricas têxteis da Europa».
Verifica-se que Hoffman não pode se queixar de não ter bastante poder. Deve-se notar especialmente que o Congresso tomou cuidado em conferir ao administrador direitos especiais para garantir a divisão da Europa e interpor uma barreira econômica entre o Oeste e o Este. O projeto de lei votado a respeito do plano Marshall, na Câmara dos Deputados, contém um artigo que visa limitar o comércio dos países em via de marshalização com a União Soviética e com os outros paises da Europa Oriental:
«Recomenda-se ao administrador para que recuse aos países participantes do plano, na medida em que isto for praticamente possível, o fornecimento de mercadorias ou produtos que sirvam para a fabricação de artigos destinados a qualquer país da Europa que não partícipe deste plano, caso os Estados Unidos, no interesse de sua segurança nacional, não conceda licenças de exportação dessas mercadorias e produtos para os ditos países».
Um outro artigo do projeto estipula que no caso em que o administrador «julgue do interesse nacional dos Estados Unidos proibir a exportação de determinadas mercadorias para um país que se ache parcialmente ou inteiramente na Europa e não participe do plano», os funcionários do governo, ou os organismos aos quais o presidente dará poder para proibir a exportação de equipamentos, meios de produção de material de guerra, etc., «deverão tomar as medidas que se fizerem necessárias para proibir a exportação destas mercadorias para esse país».
Caso característico: estas cláusulas restritivas foram propostas pelo deputado Mundt, autor do projeto de lei, reacionário ao extremo, que pretendia interditar o Partido Comunista e que é considerado pelo grande público como de tipo puramente fascista. Ao apresentar suas emendas, Mundt deu a entender claramente que as mesmas são dirigidas contra a União Soviética e contra os países de democracia popular do Este europeu.
No início de junho de 1948 o todo poderoso tutor Hoffman comunicou a cada um dos dezesseis países da Europa os projetos de acordos (bi-partites). E reconheceu com uma franqueza digna de elogios, segundo jornalistas bem informados, que os Estados Unidos têm a intenção «de receber o máximo em troca de nossos dólares». Os acordos deviam ser assinados antes de 3 de julho. Os países que, neste prazo, não tivessem assinado o acordo seriam excluídos automaticamente do «programa de reerguimento da Europa».
0 texto dos acordos não foi publicado. Mas os jornais dos países europeus e principalmente da França e Inglaterra lamentaram-se amargamente que tenham sido ultrapassadas as previsões pessimistas dos políticos europeus, que no entanto tiveram ilusões. O comentarista diplomático da agencia Reuter comunicava a 9 de junho que estes projetos «foram considerados inaceitáveis, sob sua forma atual, por cada um dos dezesseis países».
Na opinião desse mesmo comentarista, são as seguintes às principais objeções:
1 — O tom dos projetos é considerado em toda parte imperativo
em excesso. Segundo Daniel, correspondente do «New York Times» em Londres, os projetos de acordos elaborados em Washington foram considerados pelos delegados dos países que participam do plano Marshall como «contratos rígidos, redigidos por um jurista inflexível».
2 — Os compromissos propostos aos países europeus revestem um caráter unilateral e não recíproco. Citamos a titulo de exemplo a seguinte circunstância essencial. Os países da Europa que participam do plano Marshall devem tomar compromissos pro quatro anos enquanto que a questão da participação dos Estados Unidos será decidida anualmente pelo Congresso. Por outras palavras, os pretendentes americanos ao domínio mundial aplicam abertamente o seu método predileto: estão dispostos a perpetuar a inquietação dos contratantes europeus, seu receio do ver cessar o afluxo de dólares, de que tanto necessitam.
3 — O projeto prevê uma intervenção aberta dos Estados Unidos
nos negócios internos dos países europeus, uma intervenção que ultrapassa os limites do que os delegadas americanos conseguiram impor a estes
países na conferência internacional de Havana para o comércio e o
uso da mão de obra. Ora, as recomendações desta conferência não
foram ratificadas por nenhum dos países, que dela participaram.
4 — O projeto confere à América direitos inaceitáveis, visando impor aos países europeus a desvalorização sem nenhuma reciprocidade.
Os dois últimos pontos requerem algumas explicações.
No que se refere às condições do comércio internacional, o fato é que os americanos, conforme é notório em numerosas informações da imprensa, reservam para si o direito de exigir de qualquer dos participantes do plano Marshall o estabelecimento de tarifas mínimas, e de um modo geral, uma orientação determinada de sua política comercial. Os jornais ingleses lamentam que este acordo a respeito do plano Marshall venha abalar ainda mais as relações com os domínios e entravar o comércio britânico no Extremo Oriente.
«Os ingleses, declara Daniel, correspondente do «New York Times» em Londres, consideram que esta condição incluí uma tentativa de introduzir os princípios de livre concorrência, previstos nos estatutos da Organização Internacional de Comércio, o que excede o quadro da lei do plano Marshall, lei que se limitava a indicar que os países participantes devem cooperar em matéria de enfraquecimento das barreiras comerciais».
O sentido real da livre concorrência reclamada pelos americanos já é conhecido no mundo inteiro. Nos países do Império Britânico este ponto é considerado como uma tentativa de excluir, sem delongas, a Inglaterra.
O jornal inglês «Evening Standard» publicou recentemente uma declaração a respeito do plano Marshall feita por Jordan, alto comissário da Nova Zelândia, durante uma entrevista com o correspondente desse jornal.
«Se a ajuda americana tem como condição a supressão das cláusulas parciais de se beneficiam os países do Império esta ajuda é um triste presente»
Efetivamente, se considerarmos que, segundo as declarações habituais dos políticos ingleses, é a extensão do comércio do Império que deve permitir vencer as dificuldades econômicas, facilmente se compreende que uma tal ajuda americana lembra muito a da corda do enforcado.
No que se refere à desvalorização das divisas, o projeto de acordo, sobre o plano Marshall exige aos participantes deste plano que aceitem quaisquer prescrições americanas neste setor, prescrições ditadas, é claro, não pela preocupação de sanear os sistemas monetários europeus, e sim pelo desejo de eliminar a concorrência possível, dos países da Europa no mercado mundial das mercadorias e capitais.
Já em março do ano corrente, o «Daily Express» escrevia:
«A América quer que a Inglaterra renuncie ao papel de banqueiro dos países do Commonwealth britânico e de todos os. que fazem parte do bloco da libra esterlina. Falindo por sua própria vontade, deverá recomeçar tudo, ligando sua economia, e suas finanças não mais ao Império, mas à Europa. Estas cláusulas não figuram no plano Marshall. Mas é de supor que a América pressionará a Inglaterra para as pôr em execução».
Tais são as cláusulas leoninas dos acordos que o administrador do
plano Marshall impõe atualmente aos governos dos dezesseis países.
Por mera aparência, para enganar a opinião pública, as cláusulas são
criticadas. Isso é feito com o objetivo de anunciar em seguida, solenemente, «concessões» obtidas durante as conversações, concessões despidas, na verdade, de qualquer valor.
Inclusão | 28/03/2008 |