O Plano Marshall à Luz dos Fatos

A. Lêontiev


A 5 DE JUNHO de 1947, o secretário de Estado dos EE. UU. pronunciou um discurso na Universidade de Harvard que abriu na história das relações internacionais de após guerra um capítulo dos mais originais, conhecido sob o nome de «plano Marshall». Muito se tem escrito a respeito desse plano. Além de numerosos artigos em jornais e revistas, também lhe foram consagradas volumosas publicações oficiais nos dois lados do Atlântico. Na América e em alguns países europeus, este plano tomou um lugar extraordinariamente grande no cenário político, velando as questões mais sentidas. Em volta deste plano as paixões se desencadeiam, forjam-se legendas; assiste-se à algazarra que, nas «democracias ocidentais», tem a finalidade de criar uma aparência de participação do povo na solução dos problemas mais importantes do Estado, quando na realidade estes problemas são resolvidos sem sua participação, desprezando sua vontade e contrariamente aos seus interesses vitais. Para fazermos, até certo ponto, o balanço da história do plano Marshall é necessário examinar os fatos, sem atender à onda de verbosidade incessante, cujo objetivo é, quase sempre, encobrir em vez de esclarecer o fundo da questão.

I — Plano de Subjugação Econômica e Política da Europa

EM SEU discurso na Universidade de Harvard, Marshall proclamou sob uma forma muito geral e vaga a vontade dos Estados Unidos «ajudarem o mundo europeu a trilhar o caminho da reconstrução». Declarou que «a iniciativa deve partir da Europa» e que, previamente, «deve ser realizado um acordo entre os países europeus em relação às necessidades resultantes da situação criada e ao papel que estes países assumirão para que seja realizada em conseqüência qualquer medida que possa ser efetuada pelo governo dos Estados Unidos».

O curso ulterior dos acontecimentos é sabido. No fim de junho e início de julho de 1947 realizou-se em Paris uma conferência dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Soviética, da Inglaterra e da França, convocada por proposta dos governos inglês e francês para examinar as questões da ajuda americana aos países europeus em conexão com o discurso de junho pronunciado por Marshall. Durante esta conferência manifestaram-se claramente duas concepções diferentes dos problemas do reerguimento de após guerra e da cooperação internacional.

O ponto de vista soviético foi de que a ajuda econômica dos Estados Unidos só poderia contribuir para o reerguimento dos países europeus se não fosse acompanhado pela ingerência nos negócios internos dos povos da Europa, por atentados à sua soberania nacional e à sua independência econômica. Acrescentamos que, segundo a tese soviética, o papel decisivo na reconstrução de após guerra cabe ao esforço próprio de cada país, não devendo ser a ajuda estrangeira senão um fator acessório.

Os delegados da Inglaterra e da França à conferência dos três ministros dos Negócios Estrangeiros em Paris, adotaram uma atitude diametralmente oposta. Desde o início, declararam que a ajuda de além-Atlântico seria o «fator decisivo» do reerguimento econômico dos países europeus. Daí se concluía pela necessidade da «direção» americana em relação à Europa. A Inglaterra e a França assumiram o papel de mandatários de Washington para os negócios europeus. Suas propostas concretas previam a criação de um «comitê diretor» investido de poderes amplos em matéria de intervenção nos negócios internos dos países da Europa.

Demonstrando o conteúdo real desse plano, Molotov declarou a 2 de julho de 1947 na Conferência de Paris:

«Desta forma, a questão da ajuda econômica americana, a respeito da qual, para cúmulo, nada se sabe ao certo no momento, serviu de pretexto aos governos britânico e francês para exigir a criação de uma organização nova, superior aos países europeus e intervindo em seus negócios internos, indo esta intervenção até a determinação do sentido em que deverão se desenvolver os principais ramos da indústria nos ditos países. Além disso, a Inglaterra e a França, com os países seus aliados, pretendem uma posição dominante nesta organização ou, como diz o projeto britânico, no «comitê diretor» para a Europa».

Era um segredo de Polichinelo o fato de que Bevin e Bidault, assim como os políticos de Washington, que puxavam por detrás os barbantes, contavam que a Conferência de Paris terminasse sem resultado. Mal acabou esta conferência, já os representantes da Inglaterra e da França desenvolviam ruidosa atividade para a criação do «comitê diretor» e para formar um bloco dos países europeus que estavam dispostos a seguir o caminho da submissão às ordens do estrangeiro. Nove países democráticos (a URSS e outros Estados do Centro, Este o Suleste europeus) recusaram tomar parto nesta empresa duvidosa, manifestamente incompatível não só com sua soberania, como também com a simples dignidade dos povos amantes de sua liberdade e que rejeitam as pretensões de quem quer que seja ao domínio mundial.

Foi outra a atitude dos meios dirigentes dos países da Europa ocidental. Rivalizando em zelo, declararam-se prontos a aceitar quaisquer condições impostas pelos «protetores» americanos. Ainda o plano Marshall estava em estado embrionário e já Bevin, Bidault e seus correligionários políticos o qualificavam de base do reerguimento econômico da Europa. Os dirigentes da política dos países do Oeste europeu extasiaram-se diante do «desinteresse» e da «generosidade» dos Estados Unidos. Os socialistas de direita apressaram-se a identificar o plano Marshall como medida autenticamente socialista. Não há outro Deus fora do dólar, e Marshall mais Bevin são os seus profetas: eis a palavra de ordem, sob a qual se agruparam todos os marshalistas ortodoxos.

Os governos de dezesseis países europeus comprometeram-se com a marshalização. Vejamos o que representa este número. Encontramos aí Irlanda, e o Luxemburgo, países que têm menos habitantes do que um subúrbio médio de qualquer grande capital européia.

Não se encontram nas fileiras dos participantes do plano Marshall muitas dos países e povos que lutaram contra o fascismo: a Polônia, e a Tchecoslováquia. Em compensação, Portugal fascista e a Turquia ultra-reacionária, que ainda recentemente eram cúmplices de Hitler, são o ornamento de honra da família da «cooperação européia». Em nome da Grécia, tomam parte no plano Marshall os fantoches monarco-fascistas da camarilha anti-nacional, Tsaldaris-Sophoulis, a serviço de Washington. Foi também reservado para Franco um lugar de honra. Quanto ao admitir que ele partilha da família dos dezesseis, é pura questão de tática e não de princípio.

Um décimo sétimo membro da organização está representado desde o início pelo Estado fantoche, reacionário e militarista, que as autoridades de ocupação americanas, inglesas e francesas, estão em vias de criar na Alemanha ocidental e para o qual o plano Marshall reserva um dos primeiros lugares, ou mesmo o primeiro.

Vários indícios, durante, o ano de. 1948, demonstram que os países escandinavos, bem como a Suíça, participam sem grande entusiasmo no plano Marshall e que entre os dezesseis, em dois grandes países, a França e a Itália, a política de marshalização encontrou a firme resistência das massas populares em primeiro lugar, da classe operária organizada, dos sindicatos, dos seus partidos políticos de massa.

A darmos crédito aos defensores do plano Marshall, o único obstáculo à felicidade perfeita da humanidade consistiria na atitude desfavorável da União Soviética assim como dos Partidos Comunistas de todos os países em relação a esse tão elogiado plano. É verdade que os cidadãos da URSS, da mesma forma como os elementos realmente democráticos e progressistas de todos os outros países desaprovam o plano Marshall. Mas, não é esta desaprovação, a causa dos vícios de origem do plano. Ao contrário, os vícios originais do plano Marshall é que causam esta desaprovação.

O plano Marshall não é absolutamente um plano de ajuda econômica dos Estados Unidos, que a guerra enriqueceu, aos países que a guerra cruelmente sacrificou. Uma ajuda desse gênero seria completamente justa. Mas esta não é a finalidade do plano americano.

O seu objetivo é submeter os países da Europa Ocidental, econômica e politicamente, aos monopólios da América, fazê-las renunciar à sua independência e sua soberania para satisfazer aos magnatas dos EE. UU.

Do ponto de vista econômico, o plano Marshall significa: controle americano da indústria, do comércio externo, do sistema monetário e das finanças nos países da Europa Ocidental; significa a transformação destes em mercado para os produtos americanos que não têm compradores em seu país e em fornecedores de matérias primas que faltam aos Estados Unidos; significa compressão, em conseqüência, dos ramos essenciais da indústria, da Europa Ocidental e crescente desemprego; agravação da situação já extremamente difícil das massas trabalhadoras.

Do ponto de vista político o plano Marshall significa a divisão, o desmembramento da Europa, e cria, sob a supremacia dos Estados Unidos, um bloco político e militar de países do Oeste europeu, dirigido contra a URSS e os países de democracia popular. Transforma a parte ocidental da Europa em base estratégica de agressão americana. Significa a divisão e o desmembramento da Alemanha, e faz da parte ocidental deste país o grande arsenal econômico e uma base militar de aventuras imperialistas dos monopólios da América. Impõe aos países europeus, como «modo de pensar americano», formas de vida política que lhes são estranhas e que significam domínio ilimitado dos monopólios, grande capital todo poderoso, poder absoluto, mal encoberto, da reação e o obscurantismo na vida política e social, declara guerra a todos os elementos progressistas sob a capa da cortina de fumaça do "anti-comunismo" tomada de empréstimo aos hitleristas.

Tudo isto, em seu conjunto, significa de fato a supressão da independência e da soberania nacional dos países que participam do
plano Marshall.

A vida arranca impiedosamente a máscara aos novos «protetores» da humanidade, que seguem as instruções de Washington. Fatos sempre novos confirmam a apreciação que os verdadeiros defensores da democracia e da paz fazem sobre o plano Marshall.


logomarca problemas
Inclusão 28/03/2008