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Em baixo publicamos duas cartas de Trotsky (a primeira escrita antes da Revolução de Outubro, a outra, alguns anos depois) que caracterizam a atitude de Trotsky face e Lenine e ao leninismo, e a constância desta atitude.
A carta seguinte, dirigida a Tchkeidzé, presidente da facção menchevique da Duma, mostra bem qual era a posição de Trotsky em 1913.
Viena, 1 de Abril de 1913
A Nicolas Semionovitch Tchkeidzé, membro da Duma do Império,
Palácio de Tauride,
São-Petesburgo.
Caro Nicolas Semionovitch,
Permita-me antes de mais que lhe exprima o meu reconhecimento pelo prazer — político e estético — que me causaram os seus discursos, em particular o último sobre a má administração. Sim, sentimo-nos felizes quando lemos os discursos dos nossos deputados, as cartas de operários à redação do Loutch, ou quando se registam fatos sintomáticos do movimento operário. E a miserável divisão que Lenine, mestre nesta arte, explorador profissional da rotina do movimento operário russo, mantêm sistematicamente, surge como um pesadelo absurdo. Nenhum socialista europeu de bom senso acreditará que as divergências de perspectivas fabricadas por Lenine em Cracóvia sejam de natureza a provocar uma cisão.
Os »sucessos» de Lenine, embora constituam um entrave para nós, não me inspiram nenhuma inquietação. Agora já não estamos em 1903 nem em 1908. Com o «dinheiro de fonte suspeitas adquirido junto de Kautsky e Zetkin, Lenine montou um órgão, apropriou-se do título de um jornal popular, inscreveu a palavra «unidade» sobre a sua bandeira e atraiu assim os leitores operários que naturalmente viram na aparição de um jornal diário operário uma grande vitória. Depois, quando o jornal assumiu influência, Lenine fez dele um instrumento para as suas intrigas de círculo e para as suas tendências cisionistas. Mas a aspiração dos operários à unidade é tão forte que Lenine se viu obrigado a jogar às escondidas com os seus leitores, a falar de unidades por baixo e a cindir por cima, a assimilar a luta de classe a brigas de grupos e de fracções. Numa palavra, todo o leninismo se baseia neste momento na mentira e na falsificação e traz consigo o germe da sua própria decomposição. Não há dúvidas que, se a parte oposta se souber conduzir, não tardará a introduzir-se a gangrena entre os leninistas. e isso sucederá precisamente a propósito da questão: unidade ou cisão.
Mas, repito: se a parte oposta se souber conduzir. E se o leninismo em si não me inspira medo nenhum, tenho de reconhecer que não estou nada seguro de que os nossos amigos, os liquidadores, não ajudem Lenine a voltar a montar-se na sela.
Pode haver duas políticas, no momento presente: destruição ideológica e orgânica das divisões fraccionais que ainda subsistem e, a seguir, destruição das próprias bases do leninismo, incompatível com a organização dos operários em Partido político, mas que pode perfeitamente desenvolver-se sobre o monturo das cisões; ou, pelo contrário, seleção fracional dos antileninistas (mencheviques ou liquidadores) por meio de uma liquidação completa das divergências de tática.
Nesta segunda carta (de 1921), Trotsky mantém, no fundo, as suas apreciações anteriores sobre o caráter da Revolução Russa.
Caro Mikhail Stepanovitch,
Desculpe-me pelo meu atraso na resposta, mas durante esta semana estive extremamente ocupado. Perguntou-me se é necessário publicar as minhas cartas a Tchkeidzé. Não penso que isso seja oportuno. Ainda é muito cedo para fazer trabalho de historiador. Essas cartas foram escritas sob o impulso do momento e evidentemente que o tom se ressente disso. O leitor atual não o compreenderá, não fará as correções históricas necessárias e ficará simplesmente desorientado. Nós devemos receber do estrangeiro os arquivos do Partido e as edições marxistas estrangeiras. Há lá uma grande quantidade de cartas de todos os que participaram na «querela». Será possível que V. tenha a intenção de as publicar imediatamente? Isso apenas faria criar dificuldades políticas supérfluas, porque seria difícil encontrar dois antigos emigrados, membros do nosso Partido, que, na sua correspondência de outrora, não tenham trocado palavras fortes, motivados pelo arrebatamento da luta.
Acompanhar as minhas cartas de explicações? Mas isso seria recontar as minhas divergências de então com os bolcheviques. No prefácio da minha brochura Resultados e perspectivas, falei brevemente delas. Não vejo a necessidade de voltar a este assunto na ocasião da descoberta de cartas nos arquivos da polícia. Aliás esta revisão retrospectiva da luta de fracções poderia ainda hoje dar lugar a polémicas, porque eu confessei francamente que não considero de modo algum que nos meus desacordos com os bolcheviques estivesse errado em todos os pontos(2). Enganei-me completamente na apreciação da fracção menchevique, da qual sobrestimava as capacidades revolucionárias e da qual acreditava ser possível isolar e anular a direita. Este erro fundamental provinha de que eu apreciava as duas fracções, bolchevique e menchevique, colocando-me do ponto de vista da revolução permanente e da ditadura do proletariado, enquanto bolcheviques e mencheviques adotaram nesta época o ponto de vista da revolução burguesa e da República democrática. Eu não acreditava que as duas fracções estivessem separadas por divergências tão profundas e esperava (como muitas vezes disse em cartas e relatórios) que a própria marcha da revolução as conduziria à plataforma da revolução permanente e da conquista do poder pela classe operária — o que em 1905 se realizou parcialmente. (Prefácio de Lenine ao artigo de Kautsky sobre as forças motrizes da revolução russa e posição do jorna! Natchalo.)
Julgo que a minha apreciação das forças motrizes da revolução era incontestavelmente justa(3), mas as consequências que dela tirava relativamente às duas frações eram incontestavelmente erróneas. Só o bolchevismo, graças à rigidez das seus princípios, pôde congregar todos os elementos verdadeiramente revolucionários entre os antigos intelectuais e a fracção avançada da classe operária. E foi unicamente porque ele conseguiu criar esta organização revolucionária compacta que lhe foi possível passar rapidamente da posição democrática revolucionária à posição socialista revolucionária. Na hora atual, poderia ainda dividir os meus artigos de polémica contra os mencheviques e os bolcheviques em duas categorias: os que se consagraram à análise das forças internas da revolução, às suas perspectivas (Neue Zeit, órgão teórico polaco de Rosa Luxemburg) e aqueles em que apreciava as frações da social-democracia russa, a sua luta, etc.... Ainda agora, me seria possível publicar sem retificação alguma os artigos da primeira categoria, porque eles estão inteiramente em concordância com a posição adotada pelo nosso Partido desde 1917. Quanto aos artigos da segunda categoria, estão nitidamente errados e não vale a pena reimprimi-los. As duas cartas enviadas cabem nesta segunda categoria e é inútil publicá-las. Que outra pessoa o faça daqui a uma dezena de anos, se nessa altura ainda tiverem algum interesse.
Saudações comunistas.
L. Trotsky
6 de Dezembro da 1921.
Notas de rodapé:
(1) Membro antigo do Partido Bolchevique. (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)
(2) As passagens sublinhadas nesta carta, foram-no por nós. (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)
(3) Trata-se da teoria da «revolução permanente», da atitude face ao campesinato, etc. Ver a introdução ao capítulo «Sobre o carácter da revolução russa». (Nota da edição francesa.) (retornar ao texto)
Inclusão | 30/06/2014 |