L. A. & Cª no meio da revolução

Texto de Maria Mata
Ilustrações de Susana Oliveira


Quatro + quatro = quatro ?


capa

Os quatro ficaram muito calados. Quem quebrou o silêncio foi a tia Luzinha.

— Bem — disse ela, ainda ofegante. — Está quase na hora de jantar e tenho que ir ajudar a vossa mãe na cozinha — e reparando no silêncio dos quatro: — Então, não dizem nada? Não gostaram da aventura?

Parecia-lhes que estavam lentamente a acordar de um sonho. Sentiam o corpo entorpecido por estarem sem se mexer há tanto tempo, presos àquela história emocionante.

A Ana foi a primeira a quebrar o silêncio:

— Eu ... eu ... — gaguejou. — Sinto-me esquisita. Parece-me que sou a Ana de há vinte anos atrás e que fui eu que vivi aquilo tudo. Até estou atordoada!

— Deixa lá que eu sinto mais ou menos a mesma coisa. Também me parece que aquela história se passou comigo! Acho que nem tenho os pés no chão! Que aventura!

— Pois eu cá estou óptimo! — disse o Filipe, muito depressa. — E até se podia ter passado com nós os quatro ... Se tivéssemos vivido há vinte anos atrás!

— Ó tia Luzinha — perguntou o outro gémeo. — Eles eram assim tão parecidos connosco que até tinham os mesmos nomes e tudo?!

A senhora esboçou um sorriso maroto.

— Bem, claro que era impossível uma coincidência tão grande. Mas eu já não me lembrava bem como se chamavam aqueles quatro ... E vocês são tão parecidos com eles que me pareceu uma boa ideia tornar a baptizá-los ... com os vossos nomes!

— Uf! — exclamou a Ana. — Até me parece que fui eu que estive em cima do telhado com os dois soldados enquanto vocês desciam pelo alçapão!

— E eu fui salvo na hora certa! Imaginem que vocês não tinham descoberto a direcção no tal bloco! O que me ia acontecer?! — E o Nuno olhava para os outros com um ar arrepiado.

Foi risada geral.

— A ti, nada, meu palerma! Vês como também fazes confusão entre ti e o outro Nuno?!

— Se calhar tinham-te deitado ao mar, com uma pedra ao pescoço, quando fossem a caminho da América ... Ficavas a fazer companhia aos peixinhos! Ah, ah, ah!!

— Ou, se fossem de avião, atiravam-te pela borda fora, sem pára-quedas!

— Ih, ih,ih!

— Ah, ah, ah!

— A tia Luzinha enfeitiçou-nos — riu-se a Ana. — Agora já nem sabemos se somos nós ou eles!

— Imaginem os nossos pais, se eles soubessem que estávamos metidos numa aventura assim!

— Já estou a imaginar a nossa mãe a pregar-nos uma valente surra! — suspiraram os gémeos.

— O que me faz também confusão — disse a Ana como se falasse consigo própria, — é imaginar-me metida numa destas, sem perceber bem uma data de coisas: o tal laboratório ...

— E a revolução?! Não vos faz impressão pensar na revolução?!

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— Ai não! Parece que uma revolução é uma coisa que só pode ter acontecido há milhares de anos!

— E o que é essa coisa da Central Francesa?

— E o Grandella ainda existia!! Mas já ardeu há tanto tempo ...

— E é mesmo verdade essa do eléctrico a entrar pelo convento do Carmo dentro?

— E ...e ...

Mas de repente repararam na tia Luzinha. Com o cansaço e a emoção das recordações parecia ter adormecido, muito recostada, a um canto do sofá.

— Shiu! Vamos deixá-la dormir! — ciciou a Ana. — Tudo para a cozinha, a ver se a mãe precisa de alguma coisa!

Iam a sair da sala, pé ante pé, quando a tia Luzinha abriu os olhos e sorriu como se ela própria estivesse também a sonhar.

— Agora estou um bocadinho cansada — disse baixinho. — Mas prometo-vos que escrevo de Chaves ... uma carta grande a explicar-vos melhor isso tudo. Talvez até vos arranje ... — e sorriu-se ainda mais, — a receita ... dos pastéis ... de Belém!

E adormeceu com uma cara muito feliz.


Inclusão: 29/04/2020