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Aula IV - O Estado - Instrumento do Domínio de Classe
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Vimos que o progresso da divisão do trabalho e o surgimento da propriedade privada dos meios de produção acarretaram a divisão da sociedade em classes. Esse processo atinge o seu auge na sociedade capitalista, onde a classe possuidora dos meios de produção passa a viver da exploração do proletariado que nada possui a não ser a sua força de trabalho.
Para poder manter essa exploração, as classes dominantes de todos os tempos e de todos os lugares sempre necessitaram da coação e da opressão para enfrentar a revolta e a resistência dos explorados. O Estado fornece esse instrumento de domínio de classe. Vejamos como ele funciona na sociedade capitalista.
Suponhamos, por exemplo, o caso de um operário que não concorde com alguma "injustiça" do patrão. Se manifestar discordância, ele provavelmente será despedido. Neste caso, a quem ele pode recorrer? Normalmente, recorre à Justiça do Trabalho, seja individualmente, seja por meio do sindicato. É esta a sua oportunidade para descobrir que a Justiça do Trabalho é uma máquina pesada, que leva às vezes anos para resolver um caso. O patrão, é claro, pode esperar. O operário, todavia, não pode, porquanto o que está em jogo é o seu salário, o seu meio de vida. A Justiça então propõe uma solução chamada "conciliatória", isto é, uma solução mediante a qual o operário recebe menos do que o garantido pelos "direitos" estipulados por lei. E a Justiça e o Ministério do Trabalho — que está por detrás dessa justiça — ratificarão esse acordo que, embora favoreça o patrão, o operário é obrigado a aceitar. Desse modo, o operário descobre que não há justiça imparcial e sim uma justiça de classe que julga baseada em leis feitas pela classe dominante.
Imaginemos agora o caso em que muitos operários não concordem com alguma injustiça do patrão e resolvam fazer uma greve ou uma manifestação em praça pública. O que acontece? É claro que surgirá, como tem surgido, a Polícia, isto é, homens armados e especialmente treinados para reprimir operários e outros explorados, procurando impedir que sejam feitas aquelas reivindicações que estejam fora dos limites permitidos pelas leis ditadas pela classe dominante. Se a Policia não der conta do recado, veremos entrar em ação o Exército e mesmo a Marinha e a Aeronáutica, mobilizando-se toda essa máquina de guerra cuja função é "manter a ordem", ou seja, a ordem capitalista da explorarão dos operários e dos camponeses.
Por que todos esses órgãos repressivos estão a favor da classe dominante? Simplesmente porque eles existem para cumprir essa função. A burocracia da Justiça do Trabalho e da justiça civil e penal, o Ministério do Trabalho e todos os outros ministérios que compõem o governo, a polícia civil, militar e secreta, tudo isso faz parte do Estado. O papel deste é servir como instrumento de dominação da classe dominante no resguardo do seu sistema social.
O Estado — fenômeno histórico
Nem sempre existiu o Estado. Quando os homens ainda não conheciam a propriedade privada dos meios de produção e nem as classes, não havia Estado, pois não era necessário, não havia privilégios a serem defendidos. Os homens viviam em tribos, e quando ameaçados por um perigo externo, toda a tribo se armava para enfrentar o inimigo.
Porém, com a divisão da sociedade em classes isso já não era possível:
Em relação à antiga organização — explica Engels — o Estado se caracteriza pela instituição de uma força militar que não mais coincide diretamente com a população e que se estabelece como força armada independente. Essa força pública particular é necessária, porque uma organização armada da própria população tornou-se impossível depois da divisão da sociedade em classes. Essa força existe em cada Estado; não se compõe apenas de homens armados, mas também de prisões, penitenciárias e tropas especialmente treinadas que a antiga sociedade ignorava.
Para a classe dominante, a outra utilidade dessas tropas é lutar contra outros Estados, de maneira a aumentar seu domínio e estender sua exploração a outros povos.
O Estado nasceu das lutas de classe e é sempre um instrumento da classe mais poderosa, daquela que domina economicamente e que, por intermédio dele, exerce também o domínio político para explorar e reprimir as revoltas das classes oprimidas. Assim, o Estado escravagista foi o Estado dos senhores de escravos para subjugar estes últimos. O Estado feudal foi o instrumento da nobreza para manter a sujeição dos servos camponeses assim como o Estado burguês não passa de uma máquina burocrática e militar a serviço da exploração capitalista.
O ESTADO BURGUÊS assumiu várias formas na história do capitalismo. A forma que mais se adapta às necessidades da dominação burguesa é a república democrática. Segundo Lênin, o tipo mais avançado e mais perfeito de Estado burguês é a república democrática parlamentar. Neste caso, o poder é exercido pelo Parlamento. A máquina do Estado, o aparelho e os órgãos de administração e de repressão são os mesmos: exército permanente, polícia e um funcionalismo público separado, acima do povo e praticamente inamovível. A república democrática parlamentar é a forma mais perfeita de Estado burguês, principalmente por duas razões:
A divisão de órgãos legislativos em Câmara e Senado torna difícil que uma assembleia, embora dependente do voto popular, possa, sob pressão externa, criar fatos consumados e adotar leis que contrariem os interesses das classes dominantes. É também esse o objetivo da chamada divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário.
As eleições que se sucedem numa tal democracia permitem a mudança de governo sem que o sistema social vigente seja alterado. Quando um partido político da burguesia se desgasta no exercício do poder, tornando-se impopular, pode, por meio de eleições, ser substituído por outra facção política que continua a administrar os interesses da classe dominante.
Portanto, a república democrática é a ditadura direta e disfarçada da burguesia.
Porém, quando a democracia burguesa, apesar de todos esses recursos, não mais garante a ordem existente e os privilégios das classes dominantes, estas escolhem o caminho da ditadura aberta.
Uma das formas que essa ditadura assume é o BONAPARTISMO. Tendo surgido no século passado, a característica do bonapartismo é ser uma ditadura situada aparentemente acima das classes. Todo regime, porém, serve a uma classe. Embora a base de sustentação do bonapartismo tenha sido o pequeno camponês — que lhe fornecia o "apoio popular" — os interesses que defendia através de sua política eram os do grande capital bancário e industrial, bem como dos grandes proprietários de terra aburguesados.
Ameaçados por uma crise econômica, as classes dominantes da França não conseguiram mais governar por meios parlamentares, tendo entregado o poder a um ditador em troca da repressão aberta contra as massas. Todavia, na medida em que essas cúpulas das classes dominantes sacrificaram os seus partidos políticos e os seus representantes no Parlamento, concordando com a anulação dos poderes do Legislativo, elas se privaram, ao mesmo tempo, dos instrumentos imediatos que servem ao exercício do poder. Para fazer leis, para governar de fato, o Executivo já não dependia do voto dos representantes burgueses. Nessas condições, apesar de aberta, a ditadura já não é exercida diretamente pelas classes dominantes, mas sim por um Executivo que não se abala com o choque de interesses particulares das facções burguesas. Na prática, o bonapartismo francês atendeu às facções mais poderosas da burguesia, aquelas ligadas ao capital bancário, deixando em lugar secundário as partes mais fracas, as facções que possuíam menos recursos para pressionar ou corromper o Estado.
Em resumo, o bonapartismo é a ditadura aberta e indireta da burguesia.
Como forma de ditadura, o bonapartismo ocorre sempre em sociedades onde o proletariado não colocou ainda o problema do poder. Nos países em que o proletariado já se tenha formado como classe independente, a solução burguesa é mais radical.
Assim, nos países capitalistas desenvolvidos, a ditadura aberta e indireta da burguesia se efetiva sob a forma de FASCISMO. A ditadura fascista surge como reação ao movimento político sindical da classe operária. A pequena-burguesia da cidade é que constitui a sustentação de classe, o "apoio popular" do fascismo, e não mais o campo como no caso do bonapartismo, embora os fascistas contem com a colaboração dos grandes proprietários de terras.
A pequena-burguesia das cidades é uma classe intermediária na sociedade burguesa, radicalizando-se em ocasiões de crises, quando é ameaçada de proletarização. Nos períodos em que é fraco o movimento operário, fraquezas oriundas de cisões internas ou de derrotas sofridas pelas esquerdas, a classe média pode escolher o caminho do radicalismo de direita. Fornece então as milícias fascistas, grupos de choque destinados a eliminar os adversários através do terror, que é dirigido principalmente contra o movimento operário.
Essa classe fornece também a ideologia fascista, mistura de nacionalismo com um "anticapitalismo" baseado na defesa da pequena propriedade. O fator ideológico é importante no fascismo, pois este evita apresentar-se como reação, procurando aparecer sob formas "revolucionárias". É também em nome dessa ideologia que ele procura absorver os sindicatos operários, a burocracia estatal, as forças armadas, etc. Essa roupagem ideológica reflete a mentalidade da pequena-burguesia que se considera representante da nação inteira, representante que se diz situado acima das classes. Porém, quando esse radicalismo pequeno-burguês se torna incômodo para a ditadura fascista já estabelecida, eclodem choques internos por meio dos quais as alas mais extremistas são eliminadas, uma vez que o fascismo no poder coloca-se a serviço da grande burguesia.
A ditadura fascista também priva a burguesia dos instrumentos diretos de governo, como os partidos políticos, o parlamento, etc. Nesse sentido, há semelhança entre ela e o bonapartismo. Porém, a burguesia servida pelo fascismo já não é a mesma. Trata-se agora do capital financeiro e dos grandes monopólios.
O bonapartismo e o fascismo são movimentos que necessitam de tempo e de condições apropriadas para amadurecerem. Por isso, o instrumento mais comum usado pela classe dominante é a simples DITADURA MILITAR. Em geral, esta é uma solução de emergência, eficiente em tempos de crise. Em longo prazo, todavia, a já tradicional ditadura militar não corresponde às necessidades da burguesia, pois os problemas de uma sociedade industrializada são demasiadamente complexos para serem resolvidos pela hierarquia militar. Embora o crescente militarismo seja um fenômeno comum em qualquer país capitalista, a burguesia prefere lançar mão das Forças Armadas como recurso de reserva destinado a repressão interna. Acontece que o aguçamento das crises sociais e políticas, principalmente em países subdesenvolvidos, obrigam a classe dominante a apelar com crescente frequência para esse recurso.
Com o aprofundamento das contradições sociais, as ditaduras apresentam, na maior parte dos países, formas que são combinações dos tipos descritos acima. O traço comum delas todas é que são ditaduras abertas e indiretas da burguesia. Esta encontra dificuldades cada vez maiores para governar e conservar os seus privilégios mediante a democracia burguesa.
Estado e revolução
Foi principalmente em torno do problema do Estado que o movimento socialista internacional se cindiu em duas alas: uma reformista e outra revolucionária.
A conquista de direitos democráticos pelos trabalhadores — como o direito do voto, de reunião, de greves e outros — fez com que as velhas lideranças operárias se contentassem com essas reformas no seio da sociedade burguesa, perdendo de vista e abandonando os objetivos socialistas de luta. Os que assim procederam são chamados reformistas. Negando — ou escondendo por motivos "táticos" — o caráter de classe da democracia burguesa, os reformistas pretendiam "conquistar" o Estado por meio do voto, reformá-lo e chegar pacificamente ao socialismo.
Os revolucionários, ao contrário — reunidos em torno de Lênin — desmascararam a democracia burguesa, destacando seu caráter de ditadura de classe da burguesia. Ao mesmo tempo, lembraram aos operários que para tomar o poder, não podiam simplesmente querer "tomar" ou "conquistar" o Estado burguês para governar. Tinham, isto sim, de quebrar a máquina estatal burguesa e construir a sua própria. Para conseguir isso, o único meio com que podiam contar era a revolução.
Em um período relativamente curto, o Brasil conheceu quase todas as formas existentes de Estado burguês.
— O bonapartismo vigorou entre nós durante o Estado Novo, com a ditadura de Getúlio Vergas. Até 1930, o poder esteve nas mãos das oligarquias dos grandes senhores de terra. A revolução de 1930 criou as bases políticas necessárias ao surgimento do Estado burguês moderno e abriu uma brecha para a burguesia. Esta, porém, não estava desenvolvida para governar sozinha e nem teve coragem de liderar um movimento mais radical, compondo-se então com o latifúndio. Depois de alguns anos de hesitação, o poder foi entregue a Vargas. Este exerceu a ditadura bonapartista a serviço de uma união de interesses burgueses e latifundiários, de uma aliança em que a facção urbana das classes dominantes aumentou constantemente o seu poder, em virtude da crescente industrialização.
O bonapartismo de Vargas estava adaptado às condições particulares do Brasil. Ele não podia apoiar-se numa classe de pequenos e médios camponeses, aliás, inexistentes no país. Sua base de massa foi o jovem proletariado de origem camponesa, que ainda não tomara consciência do seu papel político e social.
— A tentativa fascista, sob a forma de integralismo, não vingou no Brasil, por falta de um aprofundamento das contradições de classe. Apesar disso, a ditadura bonapartista copiou métodos fascistas, principalmente no campo da legislação sindical onde introduziu o padrão italiano.
— A democracia burguesa foi a forma através da qual a burguesia brasileira exerceu diretamente o poder, depois da guerra, quando se sentiu bastante forte para se livrar da tutela bonapartista. Conhecemos o funcionamento desse sistema, tanto sob sua forma presidencialista como parlamentarista. Entre outras razões, o parlamentarismo fracassou entre nós porque enfraquecia a posição da burguesia da cidade na aliança com o latifúndio. Como a burguesia se organizava mais facilmente em escala nacional do que os proprietários de terra, ela podia influir mais decisivamente na política do país por intermédio do Executivo e não através da Câmara, pois nesta última ela passava a depender de uma numerosa facção de latifundiários eleitos pelo voto de cabresto.
Quando os recursos da democracia burguesa se revelaram insuficientes para resolver a crise do sistema social, a burguesia em aliança com o latifúndio e com a ajuda ativa do capital estrangeiro apelou para as Forças Armadas, entregando-lhes o poder em 1964. Com isso as classes dominantes se privaram dos instrumentos de exercício direto do poder. Embora a ditadura não tenha dissolvido os órgãos legislativos — o Congresso — o país foi de fato governado por leis de exceção, os chamados Atos Institucionais e complementares.
Portanto, o ESTADO BRASILEIRO ATUAL É UMA DITADURA INDIRETA E ABERTA DA BURGUESIA, EM ALIANÇA COM O LATIFÚNDIO.
Nota 4:
O texto acima sobre as formas de funcionamento do Estado representa uma abordagem sintética e didática do tema apesar da sua relativa complexidade. Trata-se de uma retomada de conceitos formulados por Marx, Lênin e Thalheimer e que haviam sido abandonados pelo reformismo. A frase final caracterizando o Estado brasileiro atual como uma ditadura aberta e indireta da burguesia em aliança com o latifúndio corresponde à situação da época em que o Curso foi redigido, tendo sido ultrapassada pela dinâmica histórica. A partir de redemocratização de 1985 o Estado brasileiro voltou a ser uma democracia parlamentar, uma ditadura velada sob o domínio direto da burguesia em aliança com o latifúndio.
Inclusão | 14/08/2019 |