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CADERNOS PORTUGÁLIA — Tal como o COPCON tem actuado, há quem pense que na sua acção se comporta quase como uma polícia política». Será legítimo pensar-se isso ou o COPCON é uma espécie de «polícia política» em face das circunstâncias políticas que neste momento se impõem após o Movimento de 25 de Abril?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Nós estamos a viver no País aquilo a que chamamos um período de excepção, o que permite muita coisa. Ainda longe de gozar as liberdades democráticas autênticas por que ansiamos, estamos, sim, a viver num Estado para-democrático, caminhando cautelosamente no sentido de vir a obtê-las. Neste período de excepção, a legitimidade revolucionária que nos foi conferida pelo 25 de Abril, permite-me a mim e ao COPCON assumir a inteira responsabilidade por tudo aquilo que se faz e venha a ser feito no sentido da instauração de uma autêntica democracia, mesmo que seja o desempenho do papel de uma «polícia política» para as forças militares, como realmente em certos casos tem actuado. Estamos a viver num Estado revolucionário em que a lei deve ser feita por nós, de acordo com o que consideramos que deve ser feito. A falta de aplicação das leis ainda em vigor, como no caso de indivíduos que estão presos em regime de prisão preventiva apenas por uma questão de segurança, o facto de haver indivíduos que estão presos há já dois meses sem serem ouvidos, interrogatórios que são feitos sem a presença de advogados requisitados, etc., são factores que levam elementos reaccionários ou democratas de última hora dizerem que, afinal o COPCON substituiu a antiga PIDE — (até corre, como piada, que a sigla COPCON significa «Como Organizar a Pide Com Outro Nome»), o que, a mim, confesso, não me afecta absolutamente nada, primeiro porque o COPCON é apenas o órgão de comando que manda executar as prisões, entregando os detidos a uma comissão que se encarrega das investigações nas quais não interfere absolutamente nada, segundo porque sei que os processos dantescos que eram utilizados pela PIDE, como torturas de estátua, de sono, etc., o arrancar as unhas, torcer as orelhas, o espancamento, enfim, não são de certeza processos utilizados pela Comissão. Há realmente o caso de prisões que são feitas, em que as pessoas ficam uma porção de tempo sem serem ouvidas, há o caso de interrogatórios sem presença de advogado, continua a haver, mas eu assumo por inteiro a responsabilidade desses actos.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Nesse caso, para que o COPCON actue com toda essa eficiência sempre que surge qualquer problema, pergunto se existe uma colaboração directa com os serviços de informação do Exército ou se o COPCON possui também os seus próprios serviços informativos.
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Sim, o COPCON tem também, na sua orgânica, uma repartição de informações. Diariamente, são recebidos no COPCON, além de apelos de socorro para a solução dos casos mais diversos, de todos os pontos do País, informações e notícias que têm efectivamente grande interesse para que, trabalhadas, possam passar à repartição de operações e dinamizar toda a actividade operacional, chamando actividade operacional a tudo que seja necessário fazer, desde a repressão de manifestações violentas e a protecção de bens e pessoas até à vigilância de fronteiras e não só. As informações passam às operações tudo aquilo que seja necessário para poder fazer actuar as forças no sentido do êxito. É preciosa, além disso, a nossa estreita colaboração com os Serviços de Informação Militares que também nos fornecem as informações necessárias para podermos actuar com eficiência.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Ainda relacionado com o COPCON, gostaríamos de saber se o COPCON, que existe na vigência do Governo Provisório, depois das eleições de Março de 1975 continuará ainda a existir. Com as mesmas funções ou prevêm-se mesmo outras?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Evidentemente, é demasiado cedo para fazer afirmações categóricas. Tudo tem sofrido uma evolução tão rápida! Nunca pensámos, por exemplo, que o MFA viesse a ter uma preponderância tão grande nos actuais destinos da Nação. O MFA está, neste momento, na vanguarda da conquista das liberdades democráticas e nós nunca pensámos que o viéssemos a estar, e sobretudo com tão grande apoio das massas populares. Quase toda a gente confia, sobretudo, no MFA. E nós, na nossa actual aprendizagem política, temos realmente de tomar iniciativas e garantir, responsavelmente, a instauração dessas liberdades. Sem dúvida que o COPCON, braço armado do MFA, é, neste momento, um órgão de extraordinária confiança das massas populares que estão de facto viradas para a conquista das liberdades democráticas; as forças reaccionárias pensam o contrário, pensam mesmo que o COPCON devia desaparecer desde já, claro, e, nesta dualidade de critério actual, não posso dizer, não posso adivinhar o que se vai passar depois das eleições de Março de 1975. Não sei realmente se o COPCON continuará, se desaparece, considerada cumprida a sua missão, se não desaparece, se se dilui...
CADERNOS PORTUGÁLIA — Exactamente por essa confiança que o COPCON inspira, será o COPCON que vai garantir a legitimidade e a liberdade das primeiras eleições livres que vamos ter em Portugal?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Absolutamente, sem dúvida nenhuma. Porque as forças do COPCON, ao fim e ao cabo, são o conjunto das Forças Armadas que terão por missão garantir a legitimidade e a liberdade das eleições.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Em face da confiança que se deposita no COPCON, e nesta fase de desmantelamento das forças para-policiais como a PIDE-DGS ou a LEGIÃO PORTUGUESA, perguntamos se será o próprio COPCON que vigiará e controlará efectivamente esse desmantelamento?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Não, isso é uma função que não cabe ao COPCON. Trata-se de um assunto complexo e de importância tão transcendente que o COPCON já não tem possibilidade de o agarrar com eficiência. E então vai ser criada a curto prazo, em diploma legal, aquilo a que se irá chamar a Comissão de Desmantelamento das Actividades Fascistas, ou outra designação semelhante, organismo que englobará, como subcomissões, a da extinção da ex-PIDE/DGS, a de extinção da ex-LEGIÃO PORTUGUESA, que virá também a ter possivelmente uma subcomissão de Polícia Judiciária Militar que integre um número suficiente de elementos que possam rapidamente fazer interrogatórios e elaborar processos para serem enviados a tribunal, uma secção de análise documental para estudar todos os papéis e documentos importantes que lhe possam chegar às mãos e que permitam actuar com maior eficiência no desmantelamento, e a direcção dos serviços prisionais militares.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Para além deste aspecto futuro legislativo, perguntamos: quando assumiu a chefia da Comissão de Desmantelamento da PIDE/DGS, ou seja, das Actividades Fascistas tal como estão agora, teve de fazer grandes modificações relativamente ao estado de coisas criado pelo general Galvão de Melo?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — Olhe que não.
CADERNOS PORTUGÁLIA — Mas o homem da rua, o público em geral pensa que sim. Porque pensa que o general Galvão de Melo foi, digamos, «um pernas abertas» diante daquela gente que estava presa?
OTELO SARAIVA DE CARVALHO — O general Galvão de Melo tinha uma preocupação muito grande (e eu confesso que também tenho) pelo aspecto humano do problema. Eu, pessoalmente, que nunca fui perseguido pela PIDE nem pela Legião, que nunca tive qualquer problema com forças de repressão, e que, portanto, não odeio ninguém, afirmo-lhe que o meu maior desejo seria ver construir-se toda uma obra de reconciliação nacional, em que todos os portugueses se dessem as mãos, criassem de facto, em conjunto, um país, novo, onde todos pudéssemos viver de olhos nos olhos, de cara levantada e cada um com a sua ideologia política. Infelizmente, reconheço que no momento actual e talvez durante mais alguns anos, isso não é possível, devido ao ódio acumulado durante muito, demasiado tempo, e que torna os homens inimigos. Tenho a convicção de que em cem funcionários da ex-DGS que estejam presos, talvez uns 60 ou 70 nunca na sua vida tenham espancado ninguém. Julgo haver uma percentagem muito mais pequena do que aquela que nós pensamos que tivessem sido realmente torcionários, espancadores ou assassinos. A maioria eram apenas funcionários do Estado, pais de família como tantos outros que ali ganhavam o seu sustento e o dos seus. Mas é evidente que as pessoas que foram perseguidas ou espancadas pela PIDE ou que tiveram um familiar nessas condições acumularam em si um ódio tão grande à PIDE que não pode permitir-lhes esquecer e muito menos perdoar. Neste momento, há, portanto, um problema enorme que o Governo tem por resolver: qual vai ser o futuro daquela gente? Mantêm-se sob prisão durante alguns meses ou anos só porque foram elementos da PIDE/DGS? Há casos típicos, como por exemplo, o de um homem que entrou ao serviço no dia 24 de Abril e no dia 26 de Abril foi preso.
Esse homem esteve umas horas ao serviço da DGS. Será justo que fique meses ou anos preso só porque oficialmente pertenceu aos quadros da tenebrosa organização? Encarando o problema sob um ponto de vista mais frio, mais objectivo, menos sentimental e humano, podemos, por outro lado pensar que todo aquele que foi para a DGS, sabendo a fama que ela tinha, era, potencialmente, um criminoso. Mas saberiam todos os que para lá foram, sabemos nós agora o que era realmente e DGS? Quantos não terão ido para lá enganados?
Inclusão | 06/06/2019 |