Dossier Brigadas Revolucionárias


A VIOLENCIA NO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO


Um exemplo de luta —
— As Brigadas Revolucionárias

Começam assim a mostrar que a teoria e a prática são inseparáveis (ficando eles com a «teoria» e deixando que os outros tenham a «prática») começando a provar que a «batalha é de vida ou de morte» (poupando eles as preciosas vidas, enquanto os outros arriscam as suas). É tudo uma questão de divisão do trabalho. Aqui temos «guerrilheiros» e «revolucionários» que, glosando as suas próprias palavras, são «tão guerrilheiros e tão revolucionários como futebolistas são aqueles que jogam no Totobola».

Escrevia em Novembro de 1970 uma conhecida figura política, neste momento ministro (sem pasta) do actual governo.

Quem não se engana? Toda a gente se pode enganar, é verdade. Mas fazer duas vezes o mesmo erro?!

A verdade é que o mesmo escrito foi agora reeditado para servir de cartilha. Isto em Agosto de 1974. E no prefácio dize que a «obra» conserva «plena actualidade». Um pouco de pudor e vergonha talvez não ficasse mal a estes totobolistas da política já que não puderam ser da guerrilha.

Na verdade muita gente se enganou em relação ao processo das B.R. «Aventureiros», gritavam uns «Srs. das bombas». diziam outros. Terroristas!! gritaram mesmo alguns tal como Rapazote e Marcelo. «Não estão criadas as condições» — diziam todos. E isto em nome de Marx, Engels, Lenine, Staline, Trotsky, Mao.

E todos como se tivessem procuração de todos estes revolucionários, mortos ou vivos. Numa verdadeira empresa de mistificação dos trabalhadores.

Hoje procuram fazer silêncio, mas a mistificação continua, agora a outros níveis, e também com outros meios. O verbalismo reformista existe e existirá mesmo, quando por vezes veste a casaca do anti-reformismo.

É também por isso que nos parece com interesse editar este dossier e antecedê-lo de algumas breves palavras.

As B.R. foram a única organização armada que chegou ao 25 de Abril numa posição de guerra aberta e em plena ofensiva contra o regime fascista. Correspondendo ão apelo lançado no manifesto do P.R.P., sobre o 1.º de Maio, datado de 22 de Março de 1974, as B.R. realizaram a destruição do Quartel General da tropa colonialista, em. Bissau; sabotaram em 9 de Abril de 1974 o navio Niassa. Preparando assim uma ofensiva com outras acções que não se chegaram a realizar que preparavam o 1.º de Maio deste ano.

Um dirigente revolucionário dizia um dia «é fácil começar uma guerra, o difícil é dar-lhe continuidade com êxito».

Ao contrário de outras experiências tentadas em Portugal e no mundo (por vezes trágicas para o processo revolucionário) o exemplo de luta dado pelas B.R. não se poderá explicar pela «sorte», ou simplesmente pela «coragem» dos seus militantes.

As experiências de luta armada nos países ocidentais, numa perspectiva de classe têm sido raras e na maior parte dos casos votados ao fracasso, sem continuidade.

Interessa, portanto tentar descobrir através dos documentos agora. publicados aquilo que caracterizou a acção das B.R., durante estes quatro anos. Não basta definir objectivos políticos claros e rêvolucionários, para que estes se traduzam numa prática, que efectivamente lhes corresponda.

Não basta também ser muito bom tecnicamente, muito ágil fisicamente. para que estes se realizem com êxito.

O uso da violência revolucionária é uma forma de luta complexa. E em Portugal frente a um inimigo feroz e sem escrúpulos, com uma polícia política bem treinada e experiente foi efectivamente um processo difícil e complexo. Que ficará a marcar o momento importante da luta do proletariado português pela sua libertação e que não deixará de lhe imprimir características novas na sua luta de hoje e de amanhã. pela sua emancipação. pela revolução socialista.

Impedir na prática o triunfo do militarismo (que tem sido no fundamental a causa de tantos desastres, de tantas experiências negativas) dentro de uma organização revolucionária que pratica a violência como forma superior de luta, eis aquilo que a nosso ver está na base da experiência positiva das B.R.

Mas se o militarismo não triunfou nunca dentro da organização, não queremos com isto dizer que ele se não tenha manifestado pelas formas mais subtis e repetidamente, como uma ameaça constante. O que naturalmente obrigou a um combate político por vezes extremamente duro, visto que travado nas mais duras condições de clandestinidade, sobretudo nos últimos meses do regime fascista.

O perceber que um processo é sempre político, que não existem soluções militares, mas antes e sempre respostas políticas, a uma situação concreta (mesmo quando militar) — eis o que só pode ser compreendido e praticado por revolucionários que serão forçosamente militantes políticos de uma classe determinada. Efectivamente desde o início foram militantes políticos da classe operária que criaram e dirigiram as B.R. E que com o 25 de Abril continuaram, sem angústia ou desespero, a sua vida de militantes políticos integrados, no Partido que também pela sua acção revolucionária tinham ajudado a criar.

Nunca se substituir às massas mas antes e pela acção armada impulsionar a organização revolucionária da classe a todos os níveis. Mais: fruto de uma análise política constante, determinar os objectivos tácticos a atingir que têm que ser claros e profundamente sentidos pelas massas.

Aceitar como fazem os militaristas que o combate é entre dois aparelhos, — o aparelho repressivo do inimigo e a organização revolucionária — é colocar-se na posição de salvador dos «povos» e renegar as massas para uma posição de espectadores como se de um combate de galos se tratasse. É não compreender nada da luta de classes e cavar a sua própria sepultura política. Poder-se-á fazer umá ou mais acções muito espectaculares, ninguém duvida. Mas por quanto tempo se manterão na luta? E quais serão, as consequências para o processo?

As acções armadas realizadas pelas Brigadas Revolucionárias antes do 25 de Abril tinham um fim político. Elas inseriam-se num processo revolucionário que visava a tomada do poder pelo proletariado, o socialismo, na certeza de que tal não é materialmente realizável, sem um confronto de forças, sem que à inevitável, violência reaccionária se oponha a violência revolucionária.

Tais acções não podiam, por si só, derrubar o capitalismo, e isso sabiam-no e afirmaram-no as Brigadas desde o início. Mas podiam e puderam desbloquear o impasse a que o reformismo tinha conduzido o processo revolucionário, ao darem o exemplo de como era, possível lutar, ao demonstrarem que o próprio aparelho de Estado era atingível, ao facilitarem o trabalho revolucionário a outros níveis.

A tomada do poder pelo proletariado implicava que, entretanto, a violência não ficasse restringida a uma organização; mas deveria, através duma estreita coordenação com os outros sectores de luta — especialmente a das fábricas — dar lugar a transformar-se em violência de massas organizada. Foi então necessário ultrapassar os níveis de coordenação até então existentes quer tornando essa coordenação mais eficiente, quer garantindo a todas as lutas uma direcção ideológica revolucionária.

Assim estiveram presentes as B.R. no processo de criação do P.R.P. Assim iriam continuar as B.R. nesse processo que já antes do 25 de Abril começava a realizar passos concretos para a violência de massas.

É certo que depois do 25 de Abril muitas das condições de luta se alterariam. Mas do anterior regime ficaria o fundamental: continuamos em capitalismo, continuamos em ditadura da burguesia. E é porque continuamos em capitalismo que a Revolução Socialista continua na ordem do dia.

O projecto político que visava transformar a luta armada em violência de massas continua, portanto, de pé. Essa transformação será hoje apenas tacticamente diferente.

Não tenhamos dúvidas de que vai ser a própria reacção quem se encarregará de demonstrar à classe operária a necessidade desta opôr a sua violência à violência da burguesia.

Já foi assim no 28 de Setembro, como que anunciando novos e mais decisivos confrontos de classe.

Existem hoje, por conseguinte, óptimas condições para uma conjugação estreita e fecunda de todos os sectores de luta, e é nesse contexto que as BR se colocam, se voltam para a classe operária nela se emergindo, se apressam para que rapidamente se dê um salto qualitativo sem o que o socialismo é pura ficção.

Pode ter a reacção a certeza de que, ontem como hoje, em fascismo ou em democracia burguesa, a luta não pára. À violência de massas já começou e vai continuar como resposta à violência reaccionária. À violência é a consequência inevitável da luta entre classes de interesses diametralmente opostos. Essa luta é hoje uma luta de vida ou de morte, e só o fim da sociedade de classes possibilitará o fim dessa violência.

Para nós existe a certeza que hoje mais uma vez viremos a reafirmar de que não é possível enunciar uma política revolucionária que não coloque na prática imediata o problema do uso da violência. Ao contrário dos reformistas, que no melhor dos casos, põem sempre o problema da violência em termos de futuro.


Inclusão 17/06/2019