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Observação: António Barata é trabalhador gráfico. Militou na UDP e no PCP(R) entre 1976 e 1984, tendo participado na cisão encabeçada por Francisco Martins Rodrigues que levou à criação da Organização Comunista Política Operária, fazendo desde então parte do colectivo redactorial do jornal Política Operária. Tem integrado e participado em movimentos de defesa de presos políticos, anti-racistas e anticoloniais, antimilitaristas, contra a celebração do 5º centenário da “descoberta” da América, contra as guerras imperialistas, de defesa dos direitos dos imigrantes, pelo direito à habitação, de solidariedade com a Palestina etc.
Fonte:
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Há vinte anos, a 11 de Novembro de 1975, Angola tornava-se independente, dando ponto final nas guerras coloniais e no império português. Incrédulos, os colonos regressavam aos milhares, desordenadamente, como podiam. Maldiziam o 25 de Abril, acusavam os militares e os políticos de traição à pátria, de abandono das colónias aos “turas” e aos “comunas”. Não podia aceitar que uns campónios incultos tivessem derrotado um exército bem mais numeroso e melhor equipado e, desgraça das desgraças, varressem as manobras neocolonialistas dos primeiros governos abrilistas em Angola e Moçambique.
Parte forte dos balanços sobre o 25 de Abril é a chamada “descolonização”, com a direita a acusar tudo e todos e os socialistas a desculparem-se com o PREC, a “bagunça esquerdista” e o PCP.
Discussão estéril. As “descolonizações”, se é que tal coisa existe, são aquilo que os condicionalismos políticos permitem. A ruptura das relações coloniais de dominação colonial é sempre um acto violento. É um acto de força, através do qual o colonizado obriga o colonizador a pôr fim à pilhagem. Não um gesto magnânimo da potência colonial, que de motu próprio decidisse reconhecer o direito dos colonizados a organizarem-se autonomamente, como nação soberana.
A “descolonização portuguesa”, como todas as outras, foi a historicamente possível. Decorreu da incapacidade do Estado fascista para prosseguir a guerra; do atraso da economia e das estruturas produtivas, a inviabilizar qualquer solução neocolonial; e ainda do clima de efervescência social resultante da queda da ditadura. Do outro lado havia a crescente superioridade militar dos movimentos de libertação e o apoio maciço que lhes prestavam as populações. Havia, por fim, mais importantes e decisivos no posterior destino das ex-colónias portuguesas, os apetites das duas superpotências da altura, EUA e URSS, das grandes potências europeias como a França e a Alemanha e ainda a África do Sul.
Os termos em que se deram as “descolonizações” decorreram da correlação de forças entre estes interesses. Se as resistências do MFA e dos primeiros governos provisórios a reconhecer os movimentos de libertação e o direito das colónias à independência foram cilindradas logo nos primeiros meses e as tentativas de preservar Angola, protagonizadas no encontro Spínola-Mobutu na Ilha do Sal, em 1974, conheceram igual destino, isso aconteceu pela simples razão de a burguesia portuguesa não ter já força política, económica ou militar para impor os seus objectivos, nem estes se enquadrarem nos do imperialismo. Tudo o resto é charlatanice.
Contrariamente ao que muitos imaginam, o 25 de Abril e a derrocada do império não provocaram o necessário corte com a tradição colonial-chauvinista profundamente enraizada na cultura portuguesa. Ao contrário, alimentaram um mal disfarçado desejo de desforra, próprio de quem não consegue digerir a humilhação infligida pelos guerrilheiros africanos. É só lembrar a ideia comum do cidadão médio, de que se não tivéssemos “abandonado” África não teria havido a fome, a guerra civil, a miséria, etc., o que só provaria que os “pretos não são capazes de se governarem sozinhos”.
Os intuitos neocoloniais da burguesia portuguesa manifestaram-se desde a primeira hora. Ainda as independências não haviam ainda sido formalmente declaradas e já o poder abrilista conspirava, tendo por alvo a preservação do chamado “interesse nacional”, ou seja, dos privilégios colonialistas. E valeu tudo, da pilhagem à desarticulação e sabotagem das estruturas produtivas, da fuga de capitais ao tráfico de diamantes e marfim, dos partidos fantoches, feitos à pressa, ao terror desenfreado dos bandos racistas que ensanguentavam as noites dos musseques.
Hoje, passados todos estes anos, o acerto de contas com o passado colonial e a “descolonização” continua por fazer. Um véu de silêncio continua a cobrir a sórdida colaboração da PIDE com o exército colonial e a integração desta, já depois do 25 de Abril, pelo menos em Angola, nos serviços de informação militares; a extensão dos massacres cometidos durantes os 13 anos de guerra; o papel dos homens de negócios, das secretas e dos partidos políticos – nomeadamente do PS e de Mário Soares – na destabilização das ex-colónias; a dimensão do terror organizado realizado por milícias constituídas por polícias, taxistas, camionistas, comerciantes e outros colonos, nos meses que se seguiram ao 25 Abril; o teor dos entendimentos com os regimes racistas da África do Sul e Rodésia e com o imperialismo para o desencadeamento das guerras civis em Angola e Moçambique; o apoio à UNITA e à Remano, etc.
Por fim, isolados, esgotados economicamente, corrompidos, os ex-movimentos de libertação dobraram-se às razões do imperialismo. E aí temos mais uma vez a burguesia portuguesa adaptando-se à situação, cobrindo-se de jesuíticas intenções de paz e cooperação, mas de olho nos lucros que podem advir da reconstrução daquilo que ajudou a destruir. E enquanto governo e presidência rivalizam sobre quem é o melhor capataz dos interesses imperialistas da Comunidade Europeia nos PALOP, fabricam constituições e processos eleitorais, apadrinham dirigentes e partidos “democráticos”, formam polícias secretas e instruem militares, tornou-se corriqueiro, seja no mais ronceiro encontro de ONGs ou simples debate sobre imigração, ouvir o discurso sensato e autorizado sobre o “papel insubstituível” de Portugal para o estabelecimento de boas relações entre a Europa e a África. Discurso que nada mais é que a reedição actualizada dos requentados mitos luso-tropicalistas, caros ao salazarismo.
Daí o natural regresso dos símbolos e terminologia do passado colonial-fascista, a condecoração de pides e torcionários como Jaime Neves pelos serviços prestados ao combate ao “terrorismo”, os monumentos à guerra colonial, a condenação em tribunal de Mário Tomé por ter chamado assassino ao criminoso de guerra Alpoim Calvão e a distração que levou o Estado-Maior do Exército a apelidar a guerrilha timorense de “movimento terrorista”.