Por uma Frente Patriótica Contra o Fascismo

Partido Comunista Brasileiro

Novembro de 1973


Fonte: Problemas Políticos do Movimento Comunista e Operário Internacional n.º 9; Editorial Avante!, Lisboa, 1976, págs: 127-166.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

capa

1 — A situação nacional

O desenvolvimento da situação nacional confirma, em seus traços gerais, as análises que têm sido feitas pelo Comité Central. O regime evoluiu de uma ditadura militar reaccionária para uma ditadura militar caracteristicamente fascista. O governo Médici rompeu com as sobrevivências da ideologia «liberal» que ainda se manifestavam, embora debilmente, nos anteriores governos ditatoriais. Desenvolveu mecanismos para amortecer e reprimir as lutas da classe operária, das massas populares, de todos os sectores da população descontentes com a situação do país. Intensificou a opressão e emprega o terror mais brutal, realizando razias contra o povo, torturando e assassinando presos políticos. Ao mesmo tempo que reforçou o amordaçamento dos meios de comunicação, deles se utiliza para realizar uma campanha sistemática de propaganda demagógica e chauvinista, procurando neutralizar a oposição, confundir as massas e alcançar um mínimo de apoio que lhe permita continuar aplicando sua política antidemocrática e antinacional.

Sem possuir determinadas características do fascismo italiano e alemão do passado, o regime brasileiro é definido pelos seguintes traços essenciais:

O «modelo brasileiro» de desenvolvimento económico entra em profunda contradição com as formas políticas da própria democracia burguesa. Ele se realiza em função dos interesses do capitalismo monopolista, em primeiro lugar o estrangeiro, e do sistema latifundiário de exploração da terra. Tem por base uma intensa exploração da classe operária e dos trabalhadores em geral. Fere interesses de sectores da própria burguesia. Abre o país à espoliação e ao domínio estrangeiro. Engendra, por tudo isso, uma superstrutura política violentamente antidemocrática, que se destina a manter subjugadas, através da opressão e do terror, todas as forças sociais exploradas e descontentes. Ele engendra o fascismo.

O avanço do fascismo alargou o campo das forças sociais e políticas que, em maior ou menor medida, se chocam com o regime e a ele se opõem. É crescente a insatisfação diante do terror fascista da ditadura, das consequências de sua política antipopular e entreguista. Surgem acções de resistência e combate que podem desembocar num amplo movimento antifascista. Essas lutas, embora ainda pouco organizadas e dispersas, atingem as mais diversas classes e camadas sociais e têm expressão principal na tendência, que começa a se manifestar, à recuperação e avanço do movimento de massas.

Os sinais de reanimação do movimento popular reflectem o aguçamento da contradição entre o carácter espoliador da política económica da ditadura e os interesses da esmagadora maioria da população, entre os discursos oficiais grandiloquentes sobre os êxitos dessa política, a demagogia dos «projectos impacto», e a realidade quotidiana das massas.

Ao analisar os dados da situação económica, não devemos subestimar a possibilidade, que o governo ainda tem, de manter por algum tempo, às custas do povo, altas taxas de crescimento da economia, assim como não devemos condicionar os avanços na luta política à eclosão de possíveis crises económicas violentas. No entanto, verificamos, nos últimos meses, que o governo vem enfrentando os primeiros sintomas de problemas agudos provenientes da aplicação de sua política económico-financeira. Há crise no abastecimento de produtos essenciais à alimentação; escasseiam diversas matérias-primas; a economia do país é cada vez mais vulnerável à conjuntura externa; aumenta o endividamento da nação; a inflação recrudesce, atingindo duramente as massas assalariadas; tomam-se cada vez mais graves os problemas relacionados com habitação, saúde, educação, etc., das grandes massas do nosso povo. Apesar dos esforços da ditadura para desviar a atenção das massas das crescentes dificuldades e privações, vai-se revelando para a população o carácter real do pretenso «milagre brasileiro», vai-se tomando mais claro que os maiores interessados em derrotar o fascismo são os trabalhadores, em particular a classe operária.

Embora dentro de certos limites, amplia-se a luta contra a ditadura.

O movimento sindical urbano e rural, apesar da repressão e das intervenções impostas pela ditadura, tem-se fortalecido e vem intensificando sua acção. As resoluções aprovadas nos numerosos Congressos realizados ultimamente condenam a política salarial do governo e a marginalização dos trabalhadores da vida política do país, ao mesmo tempo que estabelecem amplas plataformas unitárias de luta. E o movimento reivindicatório da classe operária apresenta certa reactivação nos últimos meses, buscando formas de luta capazes de romper a opressão fascista. Em algumas empresas, foram realizadas, nesse sentido, campanhas contra a exploração do trabalho extraordinário e greves por questões salariais.

A Igreja mantém suas posições combativas de defesa dos direitos humanos e denúncia do terrorismo oficial. Dentro dela, um sector significativo já propõe um programa de conteúdo anticapitalista, como se vê nos manifestos dos Bispos do Nordeste e do Centro-Oeste. Crescem as possibilidades de uma acção unitária da Igreja, das massas católicas e de outras religiões, com as demais forças antifascistas, na luta pelas reivindicações populares e democráticas. O avanço do fascismo não silenciou vozes da oposição parlamentar. O MDB vai assumindo posições mais consequentes no campo da resistência, como se viu na tomada de posição face à indicação do general Geisel.

A resistência que certas instituições das classes dominantes por vezes opõem ao fascismo também não foi esmagada. A ideologia fascista, que domina o aparelho de Estado — por ser dominante no centro de um poder executivo hipertrofiado — ainda encontra opositores em sectores do próprio aparelho de Estado menos ligados ao poder executivo e onde persistem elementos de ideologia «liberal». Exemplo disso são alguns pronunciamentos de órgãos do poder judiciário.

Na imprensa e em diversas universidades, aumentam as exigências de respeito aos direitos democráticos.

A ditadura não consegue, com toda a demagogia e propaganda que utiliza, ampliar sua base política. Por outro lado, a camarilha de altos chefes militares, que detêm as funções de governo, não obtém êxito nos esforços para eliminar divergências e choques no seu próprio campo. A realidade é que no próprio campo ditatorial contradições afloram, mesmo nas Forças Armadas, e deixam entrever a gestação de conflitos.

Ainda não há correspondência entre a crescente insatisfação das massas e as formas concretas de sua manifestação. Entretanto, as vitórias, mesmo pequenas, alcançadas em termos de organização das massas e da condução de suas lutas indicam o caminho para a superação dessa debilidade. Essas vitórias adquirem, por isso, considerável significação e devem ser valorizadas como o dado mais importante da actual conjuntura.

É dentro desse quadro que tem lugar a substituição de Médici por Geisel. A ditadura, devido à resistência das forças políticas em geral e às contradições que enfrenta em sua própria área, aprofundou o afastamento das massas e até do próprio partido governamental do processo sucessório. A sucessão passou a ser um assunto da competência exclusiva de pequeno grupo de chefes militares. Ao partido oficial e ao Congresso cabe apenas o papel de sancionar o nome do general indicado pela cúpula militar. O general Geisel foi escolhido para exercer o papel de novo delegado do chamado sistema dominante, a fim de dar continuidade à mesma política que vem sendo aplicada e tentar consolidá-la. Para a sua escolha influiu também a situação que se desenvolve na América Latina. A facção que detém o poder uniu-se em torno de seu nome por considerá-lo capaz de melhor dar seguimento à política expansionista no continente e de enfrentar antagonismos e divergências no seio da ditadura. A própria forma como foi «escolhido» o novo ditador, o sistema que o condicionou e suas reiteradas declarações de fidelidade ao regime, combinadas a seu passado de homem sempre vinculado a movimentos reaccionários, demonstram que não pode haver ilusões de que sua ida à Presidência da República trará qualquer modificação substancial na vida brasileira. Ao contrário, tudo indica que o futuro governo manterá as linhas mestras do actual, sua política antidemocrática e antinacional.

O processo de mudança de presidente da República contribui para ampliar o debate político e dá às forças democráticas a possibilidade de intensificar, a partir da denúncia do próprio processo de indicação do novo ditador, a defesa das liberdades democráticas, atingindo sectores mais amplos da população. Ao mesmo tempo, essa actividade pode concorrer para que as eleições parlamentares de 74 sejam travadas em melhores condições. Aos comunistas cabe aproveitar ao máximo o clima de reactivação das correntes políticas para impulsionar a organização e a mobilização das forças populares, principalmente a classe operária, dirigindo-se na luta pelas liberdades e pelas suas reivindicações imediatas e objectivando desenvolver o processo de formação de um amplo movimento antifascista.

2 — O quadro internacional

Estes processos, em âmbito nacional, se desenvolvem dentro de um quadro internacional que evolui para uma etapa qualitativamente nova. A política de «guerra fria» perde terreno, enquanto a coexistência pacífica toma-se a forma normativa de relacionamento entre os dois sistemas sociais opostos. A própria linha estratégica adoptada pelo imperialismo para fazer frente ao socialismo e ao movimento operário sofre derrotas profundas.

As transformações ocorridas no cenário mundial tiveram como causa objectiva básica o processo de mudanças, em favor do socialismo, na correlação de forças entre os dois sistemas; são partes integrantes deste processo o fortalecimento do sistema socialista mundial e o aguçamento da crise geral do capitalismo e das contradições interimperialistas. A luta dos povos contra o imperialismo, pela paz, a democracia e o socialismo e a consequente política extema dos países socialistas, notadamente da URSS, foram o factor essencial para tomar possíveis estas transformações. Dentro deste quadro destaca-se a vitória do povo vietnamita.

Todas estas transformações influem no conjunto da vida social em escala mundial e em âmbito de cada país e contribuem para criar condições favoráveis a novas mudanças positivas na correlação de forças. Dificultam a política de blocos militares, de fronteiras ideológicas, o anticomunismo, o fascismo, e aguçam as contradições interimperialistas.

O imperialismo e as forças reaccionárias resistem encarniçadamente e contra-atacam com ferocidade em certas regiões e países, como no Chile com o golpe fascista e no Oriente Médio. Reactiva-se, na estratégia mundial do imperialismo, o recurso ao fascismo, em particular nos países em desenvolvimento. Por isso, é necessário a maior vigilância dos povos, de todas as forças revolucionárias, a fim de manter, consolidar e ampliar suas conquistas. Isso nos obriga a proceder a uma análise multilateral da nova e complexa situação mundial e ampliar e desenvolver a luta das forças anti-imperialistas pela paz, a democracia e o socialismo, dentro da orientação traçada pela Conferência Mundial dos Partidos Comunistas e Operários, em 1969.

O quadro da América Latina também regista alterações substanciais, com o aprofundamento da luta entre o movimento anti-imperialista e democrático e as forças pró-imperialistas e reaccionárias, lideradas pelo imperialismo norte-americano. Ao lado dos êxitos do socialismo em Cuba, do fortalecimento do movimento democrático e operário, em escala continental, das vitórias alcançadas na Argentina, Peru, Equador, Panamá e outros países, ocorreram revezes como no Chile.

Nos países da América Latina desenvolve-se entre as classes dominantes a tendência, insuflada pelo imperialismo, à instauração de regimes autoritários, militares e fascistas, como forma de assegurar o desenvolvimento capitalista.

Aferrando-se a teorias e práticas as mais reaccionárias, a ditadura brasileira tornou-se a ponta-de-lança do imperialismo norte-americano nesta parte do mundo: o seu «modelo» político e económico é difundido pelas forças retrógradas e pró-imperialistas em todo o continente. A pretensão à hegemonia e às tendências expansionistas são aspectos importantes da sua política externa, tomadas evidentes com a ingerência na Bolívia, Paraguai, Uruguai, Chile e outros países latino-americanos. As contradições entre o Brasil e a Argentina que vêm apresentando uma fase de grande aguçamento, são reflexo das contradições entre interesses das classes dominantes e também entre os dois processos políticos divergentes, que se desenvolvem nos

dois países, isto é, enquanto no Brasil existe uma ditadura fascista, na Argentina a classe operária e o povo derrotaram o governo militar reaccionário. Os patriotas e democratas de ambos os países condenam esta política de atritos e provocações. Por isso levantam a bandeira do internacionalismo e da unidade fraterna dos dois povos.

O movimento comunista vem-se fortalecendo em escala internacional. Sua unidade se reforça, apesar dos problemas com que ainda se defronta, principalmente a política divisionista e anti-soviética do Partido Comunista da China. Têm imensa importância os êxitos alcançados pelos países socialistas na construção da nova sociedade e na sua política externa, principalmente as vitórias do PCUS na aplicação da justa orientação traçada pelo XXIV Congresso. Nosso Partido manifesta seu firme propósito de tudo fazer pelo fortalecimento da unidade do movimento comunista internacional, pela causa da paz, da democracia, da libertação nacional e do socialismo.

As transformações que se verificam na área internacional influem em todos os processos sociais e políticos em curso no Brasil, em todas as classes e camadas sociais e nas forças políticas. Enfraquecem o suporte internacional do fascismo e do anticomunismo e criam maiores facilidades para a unificação dos movimentos de massa, para o desenvolvimento do movimento antifascista, para o fortalecimento do Partido e para o melhor desempenho de sua função unificadora. No entanto, para estas facilidades serem aproveitadas para uma mudança de qualidade em nossa situação interna, é indispensável que as forças democráticas, progressistas e revolucionárias ampliem sua acção e sua luta.

3 — A Frente Antifascista

Como Partido da classe operária, o Partido Comunista Brasileiro coloca como sua principal tarefa, nos dias actuais, a luta contra o fascismo.

Propõe que todas as forças prejudicadas pelo carácter fascista assumido pela ditadura militar se unam numa ampla frente patriótica antifascista, incluindo desde a classe operária, o campesinato, a pequena burguesia urbana, até os

sectores da burguesia em choque com o regime; desde as forças políticas oposicionistas até os sectores arenistas divergentes do carácter fascista do regime.

Nosso Partido se dirige especialmente à classe operária, para que, como maior interessada, se empenhe a fundo nesta luta. A sua acção, ao mesmo tempo em que prossegue e intensifica, nas empresas e nos sindicatos, a luta por suas reivindicações imediatas, impulsiona a participação na luta democrática de todas as forças que se opõem ao fascismo e é factor decisivo para o êxito desse movimento.

A todos os patriotas e democratas o PCB propõe, como ponto de referência para o início de conversações concretas, visando à unidade de acção, os seguintes objectivos políticos, tendo como centro as liberdades democráticas a serem alcançadas pela luta comum:

Sendo a luta pela democracia a questão central do movimento antifascista, são questões candentes, que interessam de perto aos diversos sectores contrários ao fascismo, as seguintes:

Os comunistas consideram importante o desenvolvimento de lutas por qualquer dos objectivos indicados.

4 — Nossas tarefas

É indispensável ao avanço da luta contra o fascismo, o fortalecimento ideológico, político e organizativo das fileiras comunistas, de sua unidade e ligação com grandes massas do nosso povo, principalmente com a classe operária. É vital o crescimento e consolidação das organizações comunistas nas grandes empresas de nosso país. Devemos actuar levando em conta o clima de crescente repressão e enfrentar, com tenacidade e espírito revolucionário, as investidas da reacção contra o nosso Partido, sabendo defendê-lo.

As tarefas políticas em que todas as organizações partidárias devem concentrar sua actividade são as seguintes:

  1. — Reforçar a solidariedade de nosso povo aos povos irmãos da América Latina, principalmente aqueles que são vítimas da agressão da ditadura brasileira e do imperialismo norte-americano (Chile, Uruguai, Bolívia, Paraguai, etc.). Combater firmemente a política da ditadura brasileira de criar e estimular atritos com a Argentina, trabalhando para que se intensifique a acção conjunta dos povos argentino e brasileiro na luta contra o imperialismo e a reacção.
  2. — As organizações e cada militante comunista devem empenhar-se a fundo para difundir e levar à prática esta política de unidade de acção para isolar e derrotar o fascismo, junto à classe operária e o povo, os partidos, correntes e grupos políticos, as lideranças operárias e sindicais, os estudantes, as personalidades políticas, sociais e religiosas e aos militares patriotas.

Do ponto de vista imediato devemos-nos concentrar nas seguintes tarefas prioritárias:

  1. reforçar a nossa actividade no movimento sindical urbano e rural, tendo como centro a aplicação das resoluções dos congressos sindicais;
  1. trabalhar pela ampliação do movimento de solidariedade aos presos e perseguidos políticos e a defesa das liberdades democráticas;
  2. utilizar todas as formas legais de luta, inclusive durante o processo de troca de ditadores, com o objectivo de denunciar o carácter do regime e desenvolver o movimento de oposição ao fascismo;
  3. trabalhar, desde já, tendo em vista as eleições parlamentares de 1974;
  4. desenvolver a luta contra a carestia.

Novembro de 1973.
O Comité Central do Partido Comunista Brasileiro


Inclusão 19/09/2014