A música soviética propicia um estudo interessante para músicos e sociólogos porque reflete, na evolução da sua ideologia, as mudanças da sociedade soviética. A evolução da música soviética pode ser dividida em três principais fases: (1ª) de 1917 a 1921, marcada por tentativas de criar uma arte nova revolucionária a partir das ruínas da velha; (2ª) de 1921 a 1932, definida pelo nascimento e morte do conceito de música proletária sui generis; (3ª) de 1932 ao presente, governada pelo princípio do Realismo Socialista, dentro da tradição nacional, portanto, se relacionando com a arte pré-revolucionária como “patrimônio cultural”.
É natural que, sob o impacto da Revolução, tendências extremas tenham prevalecido na arte e na política. Vladimir Maiakóvski, que começou sua carreira de poeta como um anarco-futurista, incitou a “jogar Pushkin para fora do navio da modernidade”. Vários atores se reuniram em Moscou e organizaram o Teatro de Arte Anti-Moscovita. Uma musicista russa falou contra o recorrente uso de instrumentos de cordas em orquestras, defendendo que a música do século XX não deveria ser feita “roçando tripa de vaca com rabo de cavalo”. O novo espírito da música revolucionária, realizado com instrumentos apropriados, foi grotescamente demonstrado no primeiro aniversário da Revolução de Outubro, quando a Internacional foi entoada pelos estudantes do Conservatório de Moscou soprando apitos de fábrica nas ruas conduzidos por um instrutor no telhado do prédio do Conservatório.
O espírito anarquista dos primeiros meses da Revolução era em parte consequência da dissolução econômica do antigo regime, a fome predominante nas grandes cidades, a incipiente guerra civil, e uma dificuldade sem precedentes para buscar atividades musicais. Musicistas russos, alguns com nomes célebres, estavam contentes em tocar por um saco de pão, alguns ovos, ou um pouco de manteiga. Uma pianista que tocava um concerto em uma reunião de marinheiros em Kronstadt recebeu um saco de batatas pelo seu empenho e teve que arrastar o pacote de trenó pela congelada baía da ilha. Um crítico de música que deixou Petrogrado em 1919 trocou seu piano de cauda por 20 libras de pão preto. Concertos e peças teatrais continuaram a funcionar durante os meses mais amenos, mas a Casa de Opera Malyi de Petrogrado fechou entre Dezembro de 1919 e Abril de 1920 por falta de combustível para o aquecedor do salão. H.G. Wells, que visitou a Rússia em 1920, descreveu seu encontro com Glazunov, Diretor do Conservatório de Petrogrado:
“Ele costumava ser um homem robusto e corado, mas agora está tão pálido e franzino que suas roupas mal lhe ficam penduradas. Ele me contou que ainda compõe, mas seu estoque de folhas de partituras estava quase esgotado.”
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Leon Theremin toca o Thereminovox. Foto: RIA Novosti, 1932. Clique na foto para ampliar |
Apesar da fome e das privações, os músicos russos continuavam a trabalhar e compor. Uma característica notável dos primeiros anos era o florescimento de investigações puramente teóricas. Entre as organizações músico-científicas fundadas nos cinco primeiros anos da revolução estavam o Departamento de História da Música, estabelecido em Moscou em Fevereiro de 1920, o Instituto de Ciência Musical, fundado em Moscou em Setembro de 1921; e a Sociedade de Música Quarto-Tonal, formada em Leningrado em Maio de 1923, com George Rimski-Korsakov, neto do compositor, como Diretor.
Um progresso significativo da ciência da música soviética foi a primeira demonstração, em Agosto de 1922, no Instituto Tecnológico de Moscou, do Thereminovox, um instrumento elétrico acionado pelo movimento da mão de um lado para o outro, inventado pelo engenheiro russo Leon Theremin. Este era o primeiro instrumento elétrico “espacial”, e desde então recebeu reconhecimento universal.
Outro fenômeno característico deste período foi a Orquestra Persimfam (Primeiro Conjunto Sinfônico), uma orquestra sem maestro, inaugurada em Moscou em Fevereiro de 1922. Seu significado ideológico era a emancipação da autoridade imposta, nesse caso, a derrubada do chefe sinfônico que empunha a batuta e não toca nenhum instrumento. As Persimfans fizeram cinco temporadas de performances competentes em um repertório que variava dos clássicos aos modernos. Mas, apesar do sucesso artístico, foi descoberto à luz da experiência que melhores resultados eram alcançados sob o antigo sistema de regência. As Persimfans foram interrompidas, e o pessoal incorporado em outras orquestras de Moscou.
No campo da música moderna, a Associação de Música Contemporânea de Leningrado, formada em 1927, foi particularmente ativa. A Associação acompanhou de perto os desenvolvimentos da música moderna na Alemanha e na França, e organizou performances de novos trabalhos de Hidemith, Krenek, Alban Berg, Milhaud, Honegger, Stravinski e outros compositores do Oeste Europeu. A Associação também publicou diversos livretos interessantes lidando com a ideologia da nova música, que aproximava do século proletário mais que a grande música antiga. O fragmento seguinte de um artigo de uma coleção Outubro e a Nova Música (1927) é particularmente interessante:
“O que é mais próximo do proletariado, o pessimismo de Tchaikoviski, e o pretensioso espírito heroico de Beethoven, há um século atrás, ou o ritmo esculpido e excitante de Rails de Deshevov? Durante as performances de Beethoven, os trabalhadores estavam completamente entediados, e pacientemente, com uma educada tolerância, esperaram a música terminar. Mas a música dos compositores soviéticos contemporâneos despertou uma contagiosa emoção no público. As massas proletárias, que tem o óleo da máquina como leite materno, tem o direito de exigir uma música consoante com sua época, não as músicas dos salões burgueses, que pertencem a era do cavalo e do chicote ou da velha locomotiva a vapor de Stephenseon.”
As ideias da Associação de Música Contemporânea de Leningrado foram violentamente combatidas pela Associação Russa de Músicos Proletários (ARMP), que foi organizada no começo dos anos vinte, e formulou sua plataforma ideológica em 1924. Eles concordavam com as ideias dos modernistas em suas oposições a Tchaikoviski como músico da decadência, mas aceitavam Beethoven (com destaque para a Heroica) e Musorgski, que consideravam um pintor de estados otimistas e saudáveis.
As primeiras linhas do manifesto da ARMP resumem seus princípios:
“O brilhante desenvolvimento da cultura musical da classe dominante foi possível devido a sua posse de materiais e ferramentas para produção musical. Por outro lado, a música das oprimidas e exploradas massas permaneceu largamente em um estado primitivo, apesar do seu profundo significado musical. Como classe dominante, a burguesia exerce grande influência sobre todos extratos da população, sistematicamente envenenando as mentes dos trabalhadores. Esta influência é manifestada na ideologia de uma fração da classe trabalhadora, para que possamos encontrar deterioração e degradação do gosto artístico de alguns grupos de trabalhadores. No campo da música, este processo de deterioração segue as linhas da estética religiosa e pequeno burguesa, e recentemente, a erótica música dançante das cidades capitalistas contemporâneas (foxtrot, jazz, etc.).”
A respeito do jazz, o jornal da ARMP, Para Música Proletária, declarou em sua publicação de Março de 1930:
“A nova música dançante da América vem de um país onde a escravidão era, e ainda é, amplamente praticada, com toda desmoralização espiritual e física que vem com isso. Os negros escravizados constituíam propriedade privada dos senhores feudais. Hoje a escravização dos negros foi nominalmente abolida, mas na vida real continua a existir. Mas na América também há escravização entre os brancos. Uma vasta massa de trabalhadores desempregados é concentrada nas cidades industriais da América. Uma considerável porção desta massa inclui pequenos burgueses falidos, egressos da aristocracia, e até intelectuais. Em resumo, eles representam o lupemproletariado. Eles deixaram de lutar contra o capitalismo, e se resignaram a uma existência subhumana. Tudo no que pensam é em encher a barriga com cerveja e salsicha. São fantoches a serviço da polícia e dos Fascistas, batendo em manifestantes e furando greves. Este Lupen Proletariado geralmente se congrega em seções especiais da cidade, onde o vício, drogas narcóticas, e o jogo baixo dominam. Aqui, entre estes escravos da América, nasceu a nova música dançance Americana. Isso expressa as mais repugnantes características da escravidão, a zombaria da própria condição de vida sub-humana, da própria degradação. A música dançante da América é cultivada nos interesses do capitalismo. Seu objetivo é tornar os trabalhadores fracos e submissos, para desviá-los da tarefa de ascender e tomar as fábricas. A vontade das massas de se revoltar é anulada por meio da música dançante da América.”
O Músico Proletário de Agosto de 1929 contém um artigo em que foi feita a seguinte declaração:
“O foxtrot subordina o corpo humano, a vontade humana e o pensamento a um movimento mecânico. Como é o ritmo e pulso da sociedade capitalista”. Quando Máximo Gorki ouviu jazz no rádio, ele escreveu um artigo intitulado A Dança do Homem Gordo, onde ele traçava um paralelo entre a decadência e impotência do jazz com o declínio do capitalismo. Outro artigo no jornal Vechernyaya Moskva chamou os músicos de bandas de jazz de “jazz bandits”.
Essa atitude foi abandonada quando, com a revisão da estética soviética, o jazz foi reconhecido como um produto legítimo do folclore americano. Compositores soviéticos começaram a se interessar pelas técnicas instrumentais do jazz. No dia 28 de Novembro de 1938, uma orquestra especial de jazz, chamada Gosudarstvenny Dzhaz Sosuza S.S.R. (Jazz Estatal das URSS) saudou o público de Moscou em um programa de música de jazz americano e soviético. Logo as bandas de jazz proliferaram por toda União Soviética, e a música sincopada tornou-se amplamente popular.
Na sua campanha contra a música não-proletária, a ARMP prestou especial atenção à irreprimível popularidade da assim chamadas “canções ciganas”, baladas sentimentais como a famosa Olhos Negros (Les Yeux Noir). Numa brochura muito interessante, Protiv Nepmanskoi Muzyki (i.e., contra a Música da NPE), publicado em Moscou em 1930, dizia que aquelas canções “agem de forma debilitante no ouvinte, pelo uso de exuberantes harmonias estáticas, murmurante, e com suspensões intermináveis”. O canto destas canções era “propaganda para prostituição”. O seguinte verso de uma canção popular foi citado em apoio a essa alegação: “You are asking for love, for kisses, but i am tired of love”. “Que tipo de mulher é descrita aqui?”, pergunta o autor da brochura,“Que tipo de mulher consideraria o amor uma profissão, como um amor que causa fadiga?”
A ARMP lia o sentido político de cada peça musical. Em um muito curioso artigo intitulado Nevinna Propagada Imperialisma (Inocente Propaganda do Imperialismo, com a palavra “inocente” entre aspas), publicado como brochura em Moscou em 1931, o autor, um tal G. Krasnukha, envia para uma análise de pesquisa a suíte “No Mercado Persa”, do compositor britânico Albert Ketelbey. Citando os movimentos da suíte (Chegada da Caravana, Princesa Bonita, Califa dá Esmola Aos Mendigos, etc), o autor conclui:
“O objetivo do compositor britânico é convencer o ouvinte de que nas colônias, e nas regiões semi-coloniais, as pessoas são felizes, princesas lindas se banham a luz do sol, mendigos e califas curtem a vida juntos, não há imperialistas, nem perturbações proletárias, nem rebeliões de escravos. Quando eclode a desordem, o seu porquê, isso é trabalho dos malfeitores e agitadores do Comitern.”
O aspecto musical da propaganda anti-religiosa não escapou a atenção da ARMP. Trabalhos religiosos militantes, como a ópera “A Lenda da Cidade Invisível de Kitezh”, eram naturalmente excluídas dos palcos soviéticos, mas concertos de música de igreja continuavam acontecendo ocasionalmente. A ARMP conduziu determinada agitação contra tais compromissos. Como para a música anti-religiosa, as únicas amostras eram as “Anti Canções Natalinas” publicada pela Bezbozhnik Society. Algumas delas são encontradas na coleção de poemas ateístas, I My Stroim Sotsialism! (E Estamos Construindo o Socialismo), um “álbum anti-natal para escolas”. A música destes Anti Canções Natalinas é muito parecida com as canções natalinas, e o texto não se distingue pela qualidade poética.
O fim da ARMP, e a consequente cessação de sua propaganda obstrucionista veio com dramática repentinidade. Um músico soviético descreve os eventos levando até o finale:
“Sete horas da noite. No salão do Colégio de Educação do Comissariado do Povo a atmosfera é tensa com excitação… Não há conversa contida. Nas faces sérias dos presentes, uma questão: o que vai acontecer? Algo extraordinário está no ar. Possivelmente, uma batalha decisiva… Os oradores tomam a palavra, um após o outro, apara atacar a ARMP com extraordinária veemência. Suas atitudes criativas e teóricas estão sob ataque. Em alguns discursos há rancor; algumas discussões teóricas terminam com ataques pessoais...É óbvio que a ARMP, limitando a esfera do trabalho criativo, causou uma atmosfera pouco saudável na música soviética...Em 24 de Abril de 1932, os jornais de Moscou publicaram o decreto do Comitê Central anunciando a dissolução de todas Associações Proletárias.”
A data de 23 de Abril de 1932, quando a ARMP, juntamente a outras organizações análogas do campo da literatura e da arte, foi dissolvida, é agora considerada pelos músicos soviéticos como Dia da Emancipação. Logo depois da dissolução da ARMP, um músico soviético escreveu:
“Agora eu sou livre para escrever no tempo 3/4”, aludindo a predileção da ARMP pelo tempo duplo “proletário”.
Para suplantar a desacreditada noção de música proletária sui generis, um novo e vital princípio foi promulgado, sob o slogan de Realismo Socialista. No esquema dialético, o Realismo Socialista marca a síntese da evolução da música soviética, em que elementos viáveis da primeira fase, sinalizado pelo balanço do pêndulo revolucionário para a extrema esquerda, e aqueles da segunda fase, caracterizado pela emergência de uma música de massas concebida escassamente, são resolvidos no amplo conceito da função da arte na nova sociedade socialista, realisticamente interpretada, e relacionada com a evolução histórica da nação como um todo.
O conceito de Realismo Socialista não é estático. Como todos princípios gerais, ele indica uma direção em vez de um objetivo fixo. A frase de Stálin: “uma arte que seja socialista no conteúdo e nacional na forma”, indica tal direção. Na composição prática, ainda é muito difícil determinar o que constitui o Realismo Socialista, e longas discussões sobre o assunto nas reuniões da União dos Compositores Soviéticos, e a imprensa musical, sublinham uma incerteza sobre o termo.
Em 1936, todo o problema foi posto à mostra com uma sacudida violenta quando o Pravda, órgão do Partido Comunista, publicou dois artigos, Sumbur Vmesto Musyki (Tumulto em vez de música), na publicação de 28 de Janeiro, e Baletnaya Fal’sh’ (Balé Falso), no 6 de Fevereiro. Ambos artigos atacavam Dmitri Shostakovich, o mais brilhante dos jovens compositores soviéticos (nascido em 1906). O primeiro artigo tratava da ópera de Shostakovich, Lady Macbeth do Distrito de Misenski, escrito para história homônima do escritor do Leskov, e Sventlyi Ruchei (O Ribeiro Brilhante), que retratava, em forma de balé, a vida de um kolkhoz (fazenda coletiva) fictício com aquele nome. Sobre a ópera, o Pravda escreveu:
“Enquanto nossos críticos de música juram pelo nome do Realismo Socialista, o estado nos serve, na ópera de Shostakovich, o tipo mais grosseiro de naturalismo. A mulher mercante predatória, entrando em posse de riqueza e poder através do crime, é retratada como vítima do regime...A música grasna, ronca, rosna e sufoca a si mesma na tentativa de expressar as cenas eróticas de modo mais natural possível. “Amor” é espalhado por todo lado da maneira mais vulgar. A cama de casal da mercante ocupa o centro do palco, e lá todos “problemas” são resolvidos. De uma maneira naturalista e vulgar similar são apresentadas as cenas de envenenamento e chicotadas. A ópera de Shostakovich obteve sucesso com a audiência burguesa estrangeira. Isso será por causa dos seus incômodos, gritos, música neurótica que estimulam os gostos pervertidos da burguesia?”
O artigo a respeito do balé de Shostakovich o criticava por abordar um tema sério de maneira frívola, e abordando o trabalho coletivo nas fazendas como passatempo rural.
Os artigos desencadearam uma tempestade de discussões. O periódico Rebochi i Teatr (Trabalhador e Teatro) resumiu o estilo de Shostakovich como “naturalismo patológico, erotismo, formalismo grotesco, e esquemativismo primitivista.” Então procedem atacando seu próprio crítico de música, Ivan Sollertinski, que “nas páginas da nossa revista desorientou nossos jovens compositores na direção da trapaça formalista e virtuosismo afeminado”.
Shostakovich, em uma declaração pública, admitiu a validade das críticas do Pravda, e começou a trabalhar em futuros projetos, abandonando por um tempo o campo da ópera e do balé em prol da música sinfônica. Mas aparentemente ele não estava certo de si mesmo, porque ele retirou a sua Quarta Sinfonia da performance da Filarmônica de Leningrado depois de ouvi-la em um ensaio. Sua justificativa vem com a Quinta Sinfonia. Realizada durante o anual Festival de Outubro no ano de 1937, a sinfonia foi aclamada como uma revelação. “Glorioso seja o nosso povo que produz talentos como Shostakovich”, exclamou Alexei Tolstoi nas páginas de Izvestiya. O aviador Gromov, heroi do vôo direto até a América através do Pólo Norte, juntou ao coro, e se tornou crítico musical por um instante. Ele escreveu no Sovetskaya Muzyka que a Quinta Sinfonia de Shostakovich é “concebida no verdadeiro espírito do sinfonismo russo”, e que “ela prende a audiência num estado de alegre tensão”.
O maior triunfo de Shostakovich veio com sua Sétima Sinfonia, parcialmente produzida durante o cerco de Leningrado, onde Shostakovich serviu como bombeiro do prédio do Conservatório. Shostakovich voou de Leningrado no dia 1 de Outubro de 1941 sobre as linhas alemãs até Kuibyshev, a capital temporária de Volga, e lá terminou a Sétima Sinfonia. Foi realizada pela primeira vez no 1 de Maio de 1942, em Kuibyshev, pela orquestra do Teatro de Bolshoi de Moscou, que foi evacuada de lá. A partitura então foi copiada e foi voando pela Pérsia, Oeste da Africa, América do Sul e Norte, onde uma animada competição já estava em progresso entre os condutores do mundo pela ius primae noctis. A Sétima Sinfonia então fez uma triunfante turnê pelas maiores orquestras dos Estados Unidos.
Apesar de a Sétima Sinfonia ser geralmente referida como a Sinfonia de Leningrado, nenhum título deste tipo aparece na partitura original, que é simplesmente chamada de Sinfonia Nu. 7, Op. 60. Mas seu significado programático fora reconhecido pelo próprio Shostakovich. O tema de abertura expressa o espírito heroico dos cidadãos de Leningrado. O segundo tema, deliberadamente tosco e grosseiro, representa os Nazis. Ele progride de pequenos começos até a dominância de toda a orquestra, mas é finalmente esmagada pelo maremoto do tema de Leningrado. No final, não resta nada da melodia Nazi a não ser um trompete em surdina acompanhado de e um tambor abafado.
Compositores de gerações mais velhas cujo período de formação fora concluído antes da Revolução tiveram que se submeter a mudança ideológica descrita pela frase “pereklychenie na Sovetskuyu tematiku” (ajuste para temática soviética). Deste modo, Reinhold Gliere (1875), autor de sinfonias da grandiosa maneira russa, teve sucesso em aplicar seu domínio técnico e cores orquestrais em temas soviéticos. Então tem Sergei Vasilenko (1872), o compositor da Rapsódia do Exército Vermelho. Maximilian Steinberg (1883), pupilo e genro de Rimski-Korsakov, escreveu a sinfonia intitulada Tourksib, dedicada a construção da ferrovia que conecta o Turquestão a Sibéria.
Nikolai Myaskovski (1881), que é tem a rara distinção de ter composto 24 sinfonias, relata a dificuldade de adaptação ao novo mundo, em seu “Notas Autobiográficas”, publicado no Sovetskaya Muzyka de Junho de 1936:
“Quando as primeiras notícias sobre o plano de coletivização da agricultura rural me alcançaram, eu decidi escrever uma sinfonia que refletisse a luta por uma nova ordem social nos vilarejos. Mas a sinfonia não saiu como eu planejei. Era esquemático, e eu falhei em achar uma forma adequada para o último movimento, que expressa minha ideia básica de forma superficial, sem convicção interna… Não era a linguagem que eu procurei, não a linguagem de um artista contemporâneo. O que aquela linguagem deveria ser, eu não sei, e não tenho receita para isso. Nem a música folclórica russa nem as canções urbanas podem provir o material para o idioma musical do Realismo Socialista.”
Um caso especial é apresentado por Sergei Prokofiev (1891). Ele passou quinze dos seus anos mais produtivos no exterior, principalmente em Paris, e retornou a Rússia em 1933. Mas, apesar de sua ausência na cena soviética, sua música nunca perdeu contato com a Rússia. Seus ritmos vigorosos, melodias melosas, e harmonias originais, ainda eram “consoantes” com o ideal soviético de Realismo Socialista. O processo de adaptação que deve ter sido formidável para Prokofiev foi apenas o de repatriação.
Um dos trabalhos de maior sucesso de Prokofiev é o “conto de fadas sinfônico”, Petya i Volk (Pedro e o Lobo), que ele escreveu em duas semanas, em Abril de 1936, para o Teatro Infantil de Moscou. Neste “conto sinfônico” cada personagem é identificado por um motivo principal, tocado em um instrumento especial. Pedro é caracterizado pela melodia das cordas, o pássaro pela flauta, o pato pelo oboé, o gato pelo clarinete, o avô ranzinza de Pedro pelo fagote, e o lobo por três trompas. Depois de uma breve carreira de depredação (ele devora o pato), o lobo é capturado pela destreza de Pedro, e levado para o zoológico. O conto tem um significado político subliminar. Assim, o pato e o pássaro questionam se pássaros deveriam necessariamente ser animais voadores. O argumento é sustentado pelo poder do ar, onde o pássaro foge facilmente, enquanto o pato perece. O gato é representado como um agressor menor no seu direito, e Pedro tem que salvar o pássaro dos planos do gato. O lobo claramente é Adolf Hitler.
Composições para coral, óperas e balés naturalmente apresentaram maiores oportunidades para o uso dos temas soviéticos mais que a música sinfônica, que não tinham texto ou livreto com que contar. Mas levou um tempo até que os compositores de balé e ópera fizessem a transição para os temas soviéticos. A primeira tentativa de criar uma ópera do tipo Soviético foi Za Krasnyi Petrograd (Para Petrogrado Vermelho), composta por Gladkovski em colaboração com Prussak, produzida em Abril de 1925. O livreto da ópera foi baseado em uma campanha do Exército Branco contra Petrogrado. Outra ópera de tema soviético foi Gelo e Aço de Deshevov, que trata a rebelião de Kronstadt de 1921. Nenhuma destas óperas obteve sucesso, e nunca foram revividas depois das primeiras performances. Várias outras tentativas falharam, e sobrou para o jovem compositor soviético Ivan Dzerzhinski (1909) a produzir a primeira ópera soviética, genuinamente bem sucedida e com importância musical. Era Tikhii Don (O Quieto Don, depois do famoso épico de Sholokhov), que foi realizada pela primeira vez no Teatro Malyi Opera em Leningrado, no 22 de Outubro de 1933. O sucesso foi imediato e inequívoco, com performances que lotavam os teatros. Foi tão grande a disputa por entradas que se tornou piada entre os frequentadores de teatro. Leningradskaya Pravda publicou uma carta de um leitor, sob o título: “Como conseguir tickets para o Tikhii Don”.
O sucesso espontâneo obtido pela Tikhii Don foi endossado quando Stálin assistiu a performance da ópera em 17 de Janeiro de 1936, e expressou sua aprovação em uma entrevista com os compostores.
“Camarada Stálin disse que a época estava madura para uma ópera soviética. Ele apontou que deveria ser emocionalmente empolgante. Inflexões melódicas das canções populares deveriam ser amplamente utilizadas. Tal ópera deveria fazer uso das últimas aquisições de técnicas musicais, mas acima de tudo deve se esforçar para se manter mais próxima possível das massas, com clareza e acessibilidade.”
É interessante notar que o elogio de Stálin a ópera de Dzerzhinski veio exatamente onze dias depois do artigo do Pravda atacar a ópera de Shostakovich, Lady Macbeth de Mtsensk. Por uma coincidência irônica, a Tikhii Don de Dzerzhinski foi dedicada a Shostakovich.
A secunda ópera de Dzerzhinski, Podnyataya Tselina (???), também baseada em uma novela de Sholokhov, foi produzida em no 23 de Outubro de 1937, em Moscou, e foi favoravelmente recebida. A proximidade da ópera com a vida soviética é exemplificada na Cena VI, em que um membro da Fazenda Coletiva lê em voz alta um artigo de Stálin de ideologia divergente ao movimento dos Kolkhozes.
Realismo similar é encontrado na ópera Vento do Norte, de Leo Knipper (1898). A ópera, que trata do episódio da execução de vinte e dois comissários Bolcheviques em Baku pelas tropas britânicas ocupadas, foi produzido em Moscou em 30 de Março de 1930. Uma das cenas inclui uma conversação no telégrafo. Na ópera Batalha de Pontemkin de Oles Chishko (1895), produzida em Leningrado, em 21 de Junho de 1937, um dos marinheiros amotinados reclama: “a sopa está cheia de vermes”.
A sátira geralmente era encarada como uma parte legítima da óperas soviéticas, sempre que representavam o antigo regime. Shostakovich, que tinha um forte talento satírico, usou o método do grotesco na sua primeira ópera O Nariz, depois da história de Gogol, em que o nariz de um major do exército desaparece numa barbearia para surgir depois como um pequeno oficial do governo. Para ilustrar estes acontecimentos, Shostakovich fez uso de efeitos especiais orquestrais. Há um impressionante espirro sinfônico. Um interlúdio entre as cenas é escrito apenas para percussão. O cantor da parte do nariz é instruído a cantar com a voz anasalada. Soluços bêbados são imitados pela harpa, violinos, e instrumentos de sopro, e a navalha raspando o rosto é orquestrada por harmônicos superiores nos contrabaixos. Há também um conjunto de oito zeladores cantando oito diferentes declarações. A ópera teve uma recepção confusa no seu lançamento em 1930, e logo foi retirada de cartaz.
Na ordem de atualizar as óperas clássicas, séries de antigas produções soviéticas de óperas conhecidas foram apresentadas com novo livreto. Desta forma, a Tosca de Puccini foi transformada em uma ópera revolucionária sobre a Comuna de Paris. Na adaptação Soviética, a heroína mata o General Gallifet, mesmo que na vida real este tenha vivido quase quarenta anos depois da supressão do Comuna. A ópera de Meyerbeer, Huguenots, se tornou O Decembrista. Contudo, a reação crítica foi fortemente desfavorável, e logo estes experimentos foram abandonados.
Uma dificuldade especial foi apresentada com a ópera clássica de Glinka, Uma Vida Pelo Czar. O tema da ópera, lidando com a salvação do fundador da dinastia Romanov em 1613, foi dificilmente aceitável para a Rússia revolucionária. Com o passar do tempo, e o reestabelecimento da perspectiva histórica, a ópera foi produzida em Fevereiro de 1939, sob o título de Ivan Susanin, que era a personagem principal, o heroi camponês que guia os poloneses, empenhado no assassinato do jovem Czar, na impenetrável floresta onde perecem. De fato, Ivan Susanin era o título original da ópera, que Glinka renomeou A vida pelo Czar sob pedido de Nicolau I. Quanto ao texto, a única alteração foi o verso do hinário cantado, “Slavsya ty slavsya, nash russkii Tzar” (“glória ao czar russo”) para “Slavsya ty Slavsya rodnaya strana” (“glória a terra nativa”).
Nas óperas em que os textos foram censurados por motivos políticos pela autoridade czarista, naturalmente a produção soviética restaurou a original. Desta forma, a ópera de Rimski-Korsakov, O Galo Dourado (depois do conto de Pushkin), a linha Skazka lozh’, dav nei namyok (O conto é falso, mas há verdade nisso) foi alterada pela censura Czarista para desviar a atenção do público da similaridade do czar Dodon do conto de Pushkin com Nicolas II.
A famosa Abertura de Tchaikoviski, 1812, foi por um longo tempo excluída do repertório soviético por conta do hino nacional czarista que ocorre na música, como símbolo de vitória. O tratamento de Tchaikoviski para com o tema foi de fato anacrônico, pois o hino não tinha sido escrito até 1833. A Abertura foi finalmente realizada em Moscou, 31 de Agosto de 1942.
Não há descriminação na Rússia soviética contra os compositores que vivem no estrangeiro, ou aqueles que hostilizam o regime soviético. A popularidade e frequência das apresentações de suas músicas é determinada pela conformidade da linguagem musical com os gostos e ideais do público soviético. Assim, Stravinski, que deixou a Rússia em 1914, viveu na França, e estabeleceu na América em 1939, é apresentado nos programas soviéticos principalmente pelas suas antigas composições, que são mais próximas da tradição de Rimski-Korsakov, sendo uma derivação russa. As últimas composições de Stravinski, no estilo religioso e neo-clássico, não foram realizadas na Rússia.
Por outro lado, a música de Sergei Rachmaninoff desfrutou de um ininterrupta popularidade na União Soviética, apesar do fato de Rachmaninoff, ele mesmo, nunca esconder sua hostilidade ao regime soviético, mudando sua atitude apenas em 1941, depois de Hitler atacar a Rússia. Rachmaninoff morreu na Califórnia, Estados Unidos, em 1943, e sua morte evocou numerosos tributos sinceros pela imprensa soviética.
Os concertos para piano e prelúdios de Rachmaninoff são considerados na Rússia como perpétuos. Mas mesmo suas canções, que refletem em seu texto a vida e sentimentos do passado, são constantemente destacados em recitais de música na Rússia. Uma das principais canções de Rachmaninoff é Lilacs, em que uma mulher tcheca lamenta que a única felicidade que ela tem na vida é garantida por uma flor lilás de cinco pétalas, que de acordo com uma conhecida superstição da velha Rússia, trás sorte. Esta canção, que tem muita expressão nos sentimentos proletários, foi frequentemente realizada nos concertos do Exército Vermelho.
O balé soviético russo é bastante diferente do tipo de balé russo criado por Dyagilev em Paris. O balé soviético segue as linhas gerais do balé clássico russo, e as bailarinas soviéticas de hoje não adicionaram muitos novos movimentos que já não fossem familiar a Istomina, quem Pushkin admirava em Eugene Onegin. Mas o balé soviético é contemporâneo no assunto, e responde aos acontecimentos atuais. Assim, Gayane, um balé de Aram Khachaturian, retrata a vida em uma fazenda coletiva na Armênia. A última cena do balé, trás a ação da erupção da guerra em Junho de 1941. Temas satíricos são evidentes nos balés de Shostakovich, A Era de Ouro (1930) e Parafuso (1931). A Era de Ouro lida com a vida em uma cidade capitalista, com fascistas e diplomatas intrigantes entre os personagens. A polka, que desfruta de grande popularidade como peça de piano, ridiculariza, através de suas harmonias discordantes e ritmos quebrados, a conferência de desarmamento em Gênova. Nos primeiros anos da música soviética, temas industriais eram proeminentes nos balés. Destes balés, o Zavod (Planta Industrial) de Alexander Mossolov, apresentada pela primeira vez em Moscou, em Dezembro de 1927, é a mais representativa. A primeira seção de Zavod foi amplamente realizada por orquestras americanas sob o título de Fundição de Ferro. Além de ter uma enorme orquestra, a partitura inclui folhas de metal, para serem sacudidas com muito barulho em pontos climáticos.
Um desenvolvimento interessante na música soviética é o forte renascimento das seculares cantata e oratório. Oratórios soviéticos (que, apesar do nome, não tem conotação religiosa) serviam para todas intenções e propósitos, óperas curtas, realizadas em forma de concerto, sem cenário. Três oratórios soviéticos importantes foram produzidos no Festival de Música Soviética em Moscou, em Dezembro de 1939: Alexander Nevskii de Prokofiev; No Campo de Kulikovo de Yuri Shaporin, e Emelian Pugachov de Marian Koval. Todos eles carregados de implicações políticas. Alexander Nevskii comemora a derrota da Ordem Teutônica no lago Peipus em 1242; No Campo de Kulikovo glorifica a vitória sobre o chefe tártaro Mamai em 1380; e Emelian Pugachov enaltece o espírito revolucionário da rebelião de Pugachov contra Catarina II. A produção de Alexander Nevskii veio logo após o pacto germânico-soviético de 1939, serviu de aviso para Alemanha que o que aconteceu com a Ordem Teutônica em 1242 poderia ser reencenado sete séculos depois se os descendentes da Ordem tentassem desafiar a Rússia outra vez.
A erupção da guerra em 1941 inspirou os compositores soviéticos a escrever seus trabalhos musicais com temas conectados aos eventos. Prokofiev compôs uma suíte orquestral, 1941, e a Balada De Um Garoto Desconhecido, glorificando as atividades da guerrilha nos territórios russos ocupados pelos Alemães. Prokofiev também completou a obra Guerra e Paz, depois de Tolstoi, desenhando um claro paralelo com a guerra germânica. Shaporin escreveu uma sonata, Skanazie o Bitve Russkuyu Zemlyu (História da Batalha pela Terra Russa). A cantata é dividida em doze seções ilustrativas da guerra: (1) Dia de Primavera, (2) Invasão, (3) Lamento da Mulheres, (4) História do Velho, (5) Canção de um Soldado Vemelho, (6) Carta a Um Amigo, (7) Balada dos Partidários, (8) No Volga, (9) No Don, (10) Glória Eterna Aos Herois, (11) Juramento, (12) Retorno da Primavera. A cantata foi realizada em Moscou e deixou uma profunda impressão nos ouvintes.
Nos seus trabalhos criativos, os compositores soviéticos seguiam suas predileções pessoais quanto ao gênero e estilo da composição. Myaskovski é um sinfonista, e não escreveu óperas ou cantatas. Shostakovich entrou nas sinfonias depois das desventuras com a ópera. Ivan Dzerzhinski, por outro lado, não escreveu sinfonias, e devotou todas suas energias a ópera. Aram Khachaturian música sinfônica e instrumental. Outros nomes que chamaram atenção entre os compositores soviéticos são Leo Knipper (1898), autor de nove sinfonias; Dmitri Kabalevski (1904), compositor de sinfonias e peças para piano; Valeri Zhelobinski (1913), que teve com suas óperas considerável aclamação; e Tikhon Khrennikov (1913), que escreve operas e sinfonias.
A principal característica da música soviética, em geral, é a ampla linha melódica de canto. Compositores Soviético mostram pequeno interesse no contraponto formal; o tratamento harmônico e na maioria das vezes homofônico (uníssono), frequentemente com ponto-pedais fortes no baixo. Existe considerável liberdade no uso de discórdias não resolvidas, progressões de tríades paralelas, e processos similares com a música do século vinte. Modulações são livres e frequentemente abruptas, mesmo no canto vocal, mas o idioma geral é claramente diatônico, cromatismos da escola moderna alemã são alienígenas para o espírito da nova música Russa, como também o impressionismo francês. A forma é clássica, e o esquema cíclico, exemplificado pelo retorno a exposição original depois de contrastantes períodos intermediários, é particularmente favorecida. Sinfonias soviéticas, apesar de sua orquestração e nitidez harmônica, são notavelmente próximas da fórmula clássica de quatro movimentos. Por outro lado, o neoclassicismo, que é imitação dos modelos clássicos em melodia e harmonia, atraiu poucos compositores soviéticos. Michael Starokadomski (1901) é o único representante significativo da escola neoclássica na Rússia soviética. Quanto ao idioma ultramoderno, caracterizado pela atonalidade, politonalidade, etc., havia poucos entre os compositores soviéticos. Algumas tentativas nestas linhas, feitas por Gabriel Popov (1904), e Nicolas Roslavetz (1881) eram desencorajadas pelas críticas de “desvios esquerdistas”. Isso não significa que a pesquisa puramente teórica de novas possibilidades tenha sido abandonada; compositores Soviéticos tinham grande curiosidade intelectual, como fica evidente com as teorias em voga do músico ucraniando Ogolevetz, o inventor da escala de dezessete notas, suas descobertas foram grandemente louvadas pela imprensa soviética. Mas no campo da música viva, a música experimental e extrema achava pouca resposta.
O status social dos músicos soviéticos é o maior da história da Rússia, ou qualquer outro país neste assunto. Compositores soviéticos são assegurados economicamente e tem todas facilidades para terem tempo para compor sem pensar noutras atividades cotidianas. Também moralmente, aos compositores soviéticos são dados vários incentivos, através de um sistema único de prêmios do governo, que iam de 10 mil a 100 mil rublos, premiados por sinfonias ou outros trabalhos. Assim, Shostakovich recebeu o Prêmio Stálin de 100 mil rublos pelo seu Quinteto para piano (certamente, a maior soma de dinheiro jamais paga a um compositor por uma peça de câmara), e um prêmio parecido pela sua Sétima Sinfonia. Khachaturian foi premiado com o mesmo valor pelo seu balé Gayane, mas gentilmente devolveu o dinheiro a Stálin com o pedido de que construísse um tanque para o Exército Vermelho.
O Comitê de Belas-Artes do Conselho do Comissariado do Povo da URSS estava no comando de comissões para escrever sinfonias, óperas e música de câmara. O Comitê paga uma determinada taxa por composição, 10 mil rublos por sinfonia, e somas menores para trabalhos menores. Além disso, o compositor recebe uma outra quantia da Editora de Música do Estado pelas publicações dos direitos autorais e royalties. A questão da publicação é naturalmente livre de considerações comerciais, e descobrimos que as vinte e quatro sinfonias de Myaskovski foram publicadas ou agendadas para serem publicadas em um futuro próximo, mesmo que a venda de partituras para orquestras não possam cobrir os gastos da impressão. Trabalhos dos compositores soviéticos gozaram de contantes performances. Todas as vinte e quatro sinfonias de Myaskovski são tocadas pelas orquestras de Moscou.
Aos compositores soviéticos era dado, quando possível, instalações em suas casas para permitirem seguir com seus trabalhos. Essa prática continuou mesmo durante a guerra. Aram Khachaturian descreve a vida numa casa de compositor deste tipo:
“Na primavera de 1943, o governo soviético colocou uma mansão rural próxima da cidade de Ivanovo a disposição de Reinhold Glieri, Dmitri Shostakovich e eu. O verão que passamos lá foi muito produtivo para nós. Dmitri Shostakovich viveu em um pequeno chalé a margem da floresta, e lá ele escreveu sua Oitava Sinfonia. Reinhold Glieri, representante de nossa antiga mas nunca envelhecida geração de compositores, escreveu seu Quarto Quarteto. Eu trabalhei em minha Segunda Sinfonia em Dó maior. Não é música programática, mas reflete minha reação como músico e cidadão às provações que nosso país está passando. O dia que comecei meu trabalho no terceiro movimento, um Scherzo, cinco estudantes de Ivanovo vieram me visitar no meu chalé isolado, e me trouxeram um buquê de flores do campo. Elas eram tímidas e atraentes, com suas tranças coroadas com enormes grinaldas de flores de milho e trigo. Ela se sentaram humildemente ao redor do piano e me observaram com expectativa. Eu toquei para elas algumas canções para piano. Elas me agradeceram e logo desapareceram no campo ensolarado.”
A música soviética não é sinônimo de música russa. As repúblicas que constituem a União Soviética, a Ucrânia, Azerbaijão, Armênia, Georgia, Turcomenistão, Uzbequistão, Cazaquistão, Tadjiquistão, Bascortostão, possuem suas próprias músicas que gradualmente tem vindo a tona. Para ter certeza, poucos nativos possuem requisitos técnicos e conhecimento para criação de formas superiores de composição, e suas contribuições com a música soviética tem sido até agora limitada a canções simples acompanhadas por instrumentos primitivos. Na ordem de estimular o progresso musical na periferia da União Soviética, a União dos Compositores Soviéticos de Moscou ordenou que compositores proeminentes viajassem às repúblicas menores, organizassem instalações educacionais, para compor óperas e sinfonias baseadas em suas canções folclóricas. Desta forma, Gliere escreveu a ópera Shah-Senem com temas caucasianos; Brusilovski compôs a ópera Kyz-Zhybek, derivada do folclore do Cazaquistão; Shekhter escreveu a ópera Yusup e Akhmet com motivos turcomenos; Tchemberdzhi contribuiu com a ópera Karlungas no folclore do Bascortostão; Kozlovski escreveu a ópera Neto de Tamerlane com melodias do Uzbequistão; Balasanian escreveu uma ópera Tadzhik, a Canção da Ira; Frolov compôs uma ópera mongol, Enke Bulat Bator. Peliashvili é o autor da ópera georgiana Abessalom e Eteri.
Quanto a República Soviética da Ucrânia, esta possui uma cultura musical altamente desenvolvida. O fundador da tradição ucraniana musical foi Nicolas Lyssenko (1842-1912), que escreveu a ópera Taras Bulba. O período soviético da música ucraniana é marcado pela intensificação da composição criativa. O principal compositor da Ucrânia de hoje é Boris Lyatoshinsky. Sua ópera Shchors, subsequente a vida do comandante revolucionário ucraniano Nikolai Shchors, foi produzido no primeiro de setembro de 1938.
A Rússia sempre teve um rico talento musical. O rol dos maiores violinistas e pianistas do mundo está recheado de nomes russos. Mas até pouco tempo atrás, estes grandes músicos tinham que trabalhar sua saída do obscurantismo e pobreza por conta própria e ajuda dos pais, na Rússia Soviética, crianças prodígio eram um costume. Quando um grupo de jovens pianistas e violinistas soviéticos trouxeram os cinco primeiros prêmios de uma competição internacional em Bruxelas, em 1936, a recepção que os saudou em casa rivaliza com a dos nossos heróis nacionais.
O campo da música popular não é negligenciado na Rússia. As velhas canções russas do tipo de salão caíram em desuso com o desaparecimento do fenômeno social descrito em tais canções como a Troika, O Comerciante Alegre, Vendedores do Vilarejo, etc. No lugar destas canções apareceram novas baladas. Este novo folclore é exemplificado por canções populares de Zakharov, Blanter, Dunayevski, Os Irmãos Pokrass, e outros. Nenhum destes músicos passou por sinfonias ou óperas, e muitos vieram de fileiras do entretenimento e do cabaré. Embora suas canções possuam a verdadeira simplicidade do folclore russo, raramente tem a atenção de compositores de sinfonias. O único compositor de sinfonias que teve sucesso criando uma canção folclórica genuína é Leo Knipper, de quem a canção Polyushko-Pole (Meadowland), que foi originalmente escrita para o coral final de sua Quarta Sinfonia, alcançou popularidade universal.
A história da canção Katyusha é interessante. É uma balada sentimental sobre uma garota do interior que jurou amor a um soldado na fronteira. O poema é de Isakovskik, e a música de Blanter. A canção se tornou tão popular que os famosos foguetes, que fizeram sua aparência em Stalingrado, foram apelidados Katyusha pelo Exército Vermelho, e o nome pegou. Este é o primeiro caso na história da música que uma canção popular deu nome a um canhão.
É digno de nota que Katyusha, Meadowland e numerosas outras canções soviéticas são em tom menor, muitas vezes preferido pelos compositores russos na maioria de suas canções. Músicas em tons menores são comumente associadas a produzir um efeito debilitante ao contrário de revigorante nos cantores e ouvintes. No registro militar do Exército Vermelho, esta noção terá que ser revista, por três quartos das canções inclusas no Songbook do Exército Vermelho, publicado em Moscou em 1942, serem em tons menores.
Em apreciação a contribuição feita ao folclore russo por estes compositores, o governo soviético os recompensava com uma série de prêmios. Issac Dunayevski, o autor de Minha Pátria e outras marchas e baladas, recebeu a Ordem de Lenin.
Mas a maior honra foi concedida a Alexander Alexandrov, o compositor do Hino do Partido Bolchevique, que, com mais alguns versos, se tornou o Hino Oficial da União Soviética, por um decreto governamental em 15 de Março de 1944. O jornal de Moscou, Literatura i Iskussivo (Literatura e Arte) na sua edição de 1 de janeiro de 1944:
“As terras soviéticas sabem que o Hino Nacional tem a música do Hino do Partido Bolchevique, uma das canções mais amadas das massas populares. É conveniente e apropriado que esta canção tenha sido escolhida como Hino Oficial da União Soviética. Uma canção que durante anos serviu como Hino do partido Bolchevique é a mais adequada para expressar a essência socialista do Estado Soviético. É uma canção majestosa e poderosa. Sua imponente e fluente melodia é imbuída de poder, e nacional por essência. Sua coloração é severa como provas de uma nação que luta, uma nação que em incontáveis batalhas conseguiu sua liberdade e independência. Na sua textura harmônica e melódica, em sua estrutura rítmica, a música do novo Hino Nacional segue a grande tradição do classicismo da música Russa.”
Depois de um quarto de século de evolução, agora a música soviética alcançou um estado de equilíbrio artístico. Suas principais características são as linhas melódicas das canções folclóricas russas, a tradição clássica da arte da ópera e da sinfonia, e o inerente humor lírico, alternando com ritmos típicos de marchas. A música soviética em sua essência é socialista, nos seus temas, e moderna, em sua técnica.
Boston, Massachusetts