MIA> Biblioteca> Sun Yat Sen > Novidades
A ausência de nacionalismo na China — Diferença entre nacionalidade ou raça e o Estado — Fatores no desenvolvimento de uma raça: sangue, língua comum, subsistência comum, religião comum, hábitos comuns. A raça chinesa é homogênea, mas não unida; Perigos para a raça chinesa: incremento mais rápido de outras populações. Progresso no último século de outras nacionalidades: britânica, japonesa, russa, alemã, americana, francesa. — O significado da modernização do Japão e da Revolução Russa para a China. — Os chineses absorveram seus conquistadores no passado, mas não podem continuar a fazê-lo. — Os processos anticoncepcionais são uma doutrina perigosa para a China.
Senhores: Encontro-me, hoje, aqui, para discorrer sobre os Princípios de “San Min”. Que são os Princípios de “San Min”? São, em sua mais simples definição, os princípios que encerram a salvação de nossa nação. Que é um princípio? É uma ideia, uma fé e um poder. Quando os homens começam a penetrar no núcleo de um problema, uma ideia geralmente se desenvolve em primeiro lugar; à medida que a ideia se torna mais clara, uma fé começa a emergir e, dessa fé, nasce um poder. Assim, um princípio deve começar por uma ideia, esta deve produzir uma fé, e a fé, por sua vez, deve originar o poder, antes que o princípio possa ser perfeitamente estabelecido. Por que dizemos que os Princípios de “San Min” salvarão nossa nação? Porque elevarão a China a uma posição de igualdade entre as nações, nos assuntos internacionais, no governo, e na vida econômica, de modo que ela possa existir permanentemente no mundo. Os Princípios de “San Min” são os princípios para a salvação de nossa nação. Pergunto-vos, nossa China de hoje não necessita de salvação? Se assim for, tenhamos fé nos Princípios de “San Min” e essa fé gerará uma força poderosa, que salvará a China.
Hoje, iniciarei a discussão do Princípio do Nacionalismo. Quando se verificou a recente reorganização do Kuomintang, os planos para a salvação nacional acentuavam a parte referente à propaganda. A propaganda difundida entre o povo necessita, antes de mais nada, de uma exposição clara dos Princípios. Durante os últimos dez ou mais anos, as pessoas que pensam acostumaram-se a ouvir falar dos Três Princípios do Povo, porém muitas delas são ainda incapazes de compreendê-los em toda sua extensão. Assim, abordarei convosco detalhadamente o Princípio do Nacionalismo.
Que é o Princípio do Nacionalismo? Volvendo os olhos sobre a história da vida social e os costumes da China, direi, em poucas palavras, que o Princípio do Nacionalismo é equivalente à “doutrina do Estado”. O povo chinês demonstrou a maior lealdade à família e ao clan, resultando daí que, na China, têm existido o espírito de família e de clan, mas não um verdadeiro nacionalismo. A família e o clan têm sido poderosas forças unificadoras. Repetidamente, os chineses têm se sacrificado a si próprios, as suas famílias, as suas vidas na defesa do seu clan. Por exemplo, nas lutas internacionais do Kwangtung entre dois clãs, nenhum costuma render-se, não importa qual seja o custo da luta em vidas ou propriedades, tudo devido à ideia do clan, que está tão arraigada no espírito do povo, que este se mostra disposto a sacrificar tudo pelos seus companheiros de clan. Mas nunca houve um caso em que ficasse evidenciado o espírito de sacrifício supremo pela nação. A unidade do povo chinês estagnou no clan e não se estendeu à nação.
Minha afirmação de que o princípio da nacionalidade é equivalente à doutrina do Estado é aplicável na China, mas não no Ocidente. Os estrangeiros fazem distinção entre nação e Estado. A palavra inglesa para min t’su é “nação”. A palavra “nação” tem dois sentidos, raça e Estado. E, como essa palavra tem dois sentidos, são eles muito distintos e não devem ser confundidos. Muitas palavras chinesas têm um sentido duplo: por exemplo, she-hui (sociedade) é empregada para designar um grupo de pessoas e, também, um corpo organizado. Nação e Estado são, naturalmente, palavras muito estreitamente relacionadas, e nenhuma separação lhes parece necessária. Há, porém, uma linha definida entre elas e, devemos distinguir cuidadosamente entre Estado e nação. Quando dizemos, porém, que a nação é equivalente ao Estado, por que esse fato se aplica apenas à China? Pela razão de que a China, desde as dinastias de Chin e de Han, está desenvolvendo um único Estado de uma única raça, enquanto os países estrangeiros desenvolveram muitos Estados de uma raça e incluíram muitas nacionalidades num só Estado. Por exemplo, a Inglaterra, atualmente o Estado mais poderoso do mundo, sobre o alicerce da raça branca acrescentou as raças negra, amarela e outras para formar o Império Britânico. Daí, o conceito de que a raça ou nação é o Estado não ser aplicável à Inglaterra. Hong Kong, também, que é território britânico, inclui entre sua população várias dezenas de milhares de chineses. Se dissermos que o Estado britânico, em Hong Kong, significa a nação britânica, nos enganamos. Ou, olhemos a Índia, atualmente território britânico: nesse Estado britânico há 350 milhões de indianos. Se dissermos que o Estado britânico da Índia significa a nação britânica nos enganaremos. Todos sabemos que a raça original da Inglaterra é a anglo-saxônica, porém não se limitou à Inglaterra: os Estados Unidos, também contam com uma grande porção dessa raça. Assim, no que diz respeito a outros países, não podemos dizer que a raça e o Estado são idênticos.
Há, entre eles, uma linha definida.
Como distinguirmos claramente entre os dois? O método mais seguro consiste no estudo das forças que os moldaram. Em termos simples, a raça ou nacionalidade se desenvolveu através de forças naturais, enquanto o Estado se desenvolveu pela força das armas. Para empregar uma ilustração da história política da China: os chineses dizem que o wang-tao, a norma real ou a norma do direito, seguiu a natureza; por outras palavras, a força natural era a norma real. O grupo moldado pela norma real é a raça, a nacionalidade. A força armada é o pa-tao, ou a norma do poder; o grupo formado pela norma do poder é o Estado. Por exemplo, Hong Kong, não foi construída porque milhares de seus habitantes desejassem que os ingleses o fizessem; Hong Kong foi tomada à mão armada pelos britânicos. Devido a China ter sido derrotada numa guerra com a Inglaterra, o território de Hong Kong e sua população foram cedidos à Inglaterra e, com o tempo, a moderna Hong Kong foi sendo construída. O desenvolvimento da Índia, levado a efeito pelos ingleses, tem uma história semelhante. O território da Grã-Bretanha estende-se, atualmente, por toda a face da terra; os ingleses têm um provérbio que diz: “O sol nunca se põe sobre o Império Britânico.” Por outras palavras, onde quer que o sol brilhe na revolução da terra, aí jaz território britânico.
Se, nós, do Hemisfério Oriental, nos puséssemos a acompanhar o curso do sol, vê-lo-íamos brilhando primeiro sobre a Nova Zelândia, a Austrália, Hong Kong e Singapura; quando se voltasse para o Oeste, sobre Ceilão e a Índia; mais para o Oeste, sobre Aden e Malta; ainda miais para Oeste, sobre a própria Inglaterra; movendo-se sobre o Hemisfério Ocidental, alcançaríamos o Canadá completando sua revolução sobre Hong Kong e Singapura. Assim, onde quer que o sol brilhe, em 24 horas, com toda a certeza há território britânico. Um grande território como o da Grã-Bretanha foi desenvolvido inteiramente por meio da força; desde a antiguidade, nenhum Estado foi construído sem o emprego da força. Mas o desenvolvimento de uma raca ou nacionalidade é inteiramente diferente: cresce apenas sob a ação da natureza, de nenhum modo esse crescimento é sujeito à força. Os milhares de chineses em Hong Kong, por exemplo, estão unidos numa raça pela natureza; qualquer espécie de força que a Inglaterra possa empregar não modificará a situação. Dizemos, portanto, que um grupo unido e desenvolvido sob uma norma real, pelas forças da natureza, é uma raça; um grupo unido e desenvolvido pela ação da força, por forças humanas, é um Estado. Eis, pois, a diferença entre uma raça ou nacionalidade e um Estado.
Novamente voltamos ao caso da origem das raças. O homem era, originariamente, uma espécie da escala animal, porém, bastante distanciado das aves e das feras comuns; é “a alma de toda a criação.” A humanidade é dividida, primariamente, em cinco raças principais — a branca, a negra, a vermelha, a amarela e a parda. Prosseguindo na subdivisão, temos muitas sub-raças, como as raças asiáticas — mongol, malaia, japonesa, mandchu e chinesa. As forças que desenvolveram essas raças foram, em geral, forças naturais, porém, quando tentamos analisá-las, verificamos que são muito complexas. A maior força é o sangue comum. Os chineses pertencem à raça amarela, porque seu sangue provém da raça amarela. O sangue dos ancestrais é transmitido por hereditariedade através da raça, tornando o parentesco de sangue uma força poderosa.
A segunda grande força é a subsistência. Quando os meios empregados para obter a subsistência variam, as raças acusam diferenças no seu desenvolvimento. A residência dos mongóis dependia da água e das pastagens. Viviam a vida de nômades, vagueando e estabelecendo, suas tendas onde houvesse água e pastagens, e, desses hábitos nômades comuns, desenvolveu-se uma raça, responsável pelo rápido soerguimento do poder mongol. Em seus dias mais florescentes, os Exércitos da dinastia Yuan (mongol) conquistaram a Asia Central, a Arábia, e parte da Europa, no Oeste, uniram a China no Leste, e quase subjugaram o Japão — unindo a Europa e a Ásia. Compare-se os dias mais prósperos de outras raças, a exemplo dos chineses na grande época militar das dinastias de Han e Tang, quando as fronteiras ocidentais do império atingiam o Mar Cáspio, ou do Estado romano, no ápice de seu poder militar, quando as fronteiras orientais se estendiam até o Mar Negro. Nunca, antes, as forças armadas de unia nação haviam ocupado os dois continentes da Europa e Ásia como o fizeram os exércitos mongóis da dinastia Yuan nos seus dias de esplendor. A razão dessa grande força da raça mongol residiu na sua vida nômade e no hábito de marchar diariamente sem o medo da distância.
Outra grande força na formação das raças é a língua. Se raças estrangeiras aprendem nossa língua, são mais facilmente assimiláveis por nós e, com o tempo, acabam sendo absorvidas. Por outro lado, se aprendemos a língua de países estrangeiros, somos, por nossa vez, facilmente assimilados pelos estrangeiros. Se dois povos têm sangue comum e uma língua comum, a assimilação será ainda mais fácil. Destarte, a língua é, também, uma das grandes forças no desenvolvimento de uma raça.
A quarta força é a religião. As pessoas, que adoram os mesmos deuses ou veneram os mesmos ancestrais, tendem a formar uma só raça. A religião é, também, um fator muito poderoso no desenvolvimento das raças. Tomemos os reinados da Arábia e da Judeia, que pereceram há muito tempo, no qual, porém, os povos árabe e judeu continuam a sobreviver. A razão para a preservação dessas raças, apesar da destruição de seus Estados, reside na sua religião. Todos sabemos que os judeus se encontram, hoje, espalhados em grande número em todas as terras. Alguns dos maiores sábios, como Marx e Engels, são judeus. Na Inglaterra, na América e em outros países, os interesses financeiros são grandemente controlados pelos judeus. Ao dom natural do judeu, que é a sua inteligência perspicaz, foi acrescentada sua fé religiosa, de modo que, apesar de espalhado por toda a face da terra, foi capaz de preservar sua raça até os tempos atuais. A razão para a sobrevivência do povo árabe reside também na religião — o maometismo. Outro caso é o do povo indiano com sua profunda fé no budismo e cujo país foi conquistado pela Grã-Bretanha, porém, cuja raça nunca poderá perecer.
Uma quinta força é constituída pelos costumes e hábitos. Se um povo apresenta marcantemente costumes e hábitos similares, com o tempo, se aglutinará e formará uma só raça. Quando, portanto, descobrimos povos ou raças dissemelhantes, amalgamando-se e formando uma raça homogênea, devemos atribuir o seu desenvolvimento a essas cinco forças — parentesco de sangue, língua comum, subsistência comum, religião comum e costumes comuns — que são produtos, não da ocupação militar, mas da evolução natural. A comparação entre essas cinco forças naturais e a força armada auxilia-nos a estabelecer a distinção entre a raça ou nacionalidade ou o Estado.
Considerando-se a lei da sobrevivência das raças antigas e modernas, se quisermos salvar a China e preservar a raça chinesa, deveremos certamente promover o nacionalismo. Para tornar esse princípio luminoso para a salvação da China, deveremos, em primeiro lugar, compreendê-lo claramente. A raça chinesa abrange 400 milhões de pessoas. De raças misturadas, há apenas uns poucos milhões de mongóis, aproximadamente um milhão de mandchus, uns poucos milhões de tibetanos e mais de um milhão de turcos maometanos. Essas raças estrangeiras não perfazem, juntas, mais de 10 milhões, de modo que, em sua maioria, o povo chinês é constituído da raça chinesa ou de Han, com sangue comum, língua comum, religião comum, e costumes comuns, uma raça homogênea, pura.
Qual é a posição de nossa nação no mundo? Em comparação com outras nações, temos a maior população e a mais antiga cultura, com 4.000 anos de duração. Deveríamos estar progredindo ao lado das nações da Europa e da América. Mas, o povo chinês conta apenas com grupos familiais e de clan; não tem espírito nacional. Consequentemente, apesar de 400 milhões de pessoas se congregarem numa só China, somos, de fato, apenas um lençol de areia movediça. Somos o Estado mais pobre e mais fraco do mundo, ocupando a posição mais baixa no cenário internacional. O resto da humanidade é o trinchante e o prato, enquanto nós somos o peixe e a carne. Nossa posição, atualmente, é extremamente perigosa. Se não promovermos intensamente o nacionalismo e amalgamarmos nossos 400 milhões de compatriotas numa forte nação, enfrentaremos uma tragédia — a perda de nosso país e a destruição da nossa raça. Para afastar esse perigo, devemos esposar o nacionalismo e utilizar o espírito nacional para salvar o país.
Para esse fim, é essencial, em primeiro lugar, saber onde está o perigo que ameaça nossa nação. E a melhor maneira de tornar esse perigo bastante claro é comparar o povo chinês com os povos das Grandes Potências. Antes da Guerra Europeia havia sete ou oito das chamadas Grandes Potências: a maior era a Grã-Bretanha; as mais poderosas, a Alemanha, a Áustria e a Rússia; a mais rica, os Estados Unidos; e as mais jovens, o Japão e a Itália. Depois da Guerra Europeia, verificou-se a queda de três nações, e, das potências de primeira classe, apenas sobreviveram a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a França, o Japão e a Itália. A Grã-Bretanha, a França, a Rússia e os Estados Unidos desenvolveram seus Estados de uma raça. A raça original da qual se desenvolveu a Grã-Bretanha foi a anglo-saxônica; e o território original a Inglaterra e a Gales, com uma população de apenas 38 milhões, que pode ser considerada anglo-saxônica pura. Essa raça tornou-se a mais poderosa do mundo e, o Estado criado por ela, o mais poderoso. Há cem anos atrás, sua população era de apenas 12 milhões; agora é de 38 milhões, ou, seja, um aumento de 300% verificado num século.
Temos, no Oriente, um Estado insular, que poderia ser denominado a Grã-Bretanha do Oriente. É o Japão. O Estado japonês também se desenvolveu de uma raça conhecida como a yamato (Grande Passo). Desde o nascimento do império até à época presente, o Japão nunca foi conquistado por uma potência estrangeira. Mesmo as amplas conquistas empreendidas pelos mongóis da dinastia de Yuan não atingiram o Japão. Sua população, atualmente, excluindo-se os coreanos e habitantes da Formosa, é de 56 milhões. Seu número exato, há 100 anos, é difícil de se estabelecer, porém, a julgar pelo recente índice de crescimento, houve um aumento de 300% num século, que permite avaliar sua população anterior em 20 milhões. O gênio da raça yamato não apresentou sinais de decadência; emparelhando-se com o avanço da civilização europeia e aclimatando-se à cultura ocidental, empregou os novos métodos da ciência para aperfeiçoar seu Estado e tornou-se tão modernizada em meio século que é, atualmente, a nação mais poderosa do Oriente, numa base de igualdade com as nações da Europa e da América. Os europeus e americanos não ousam menosprezá-la. Nosso país tem uma população maior que o seu, porém somos desprezados. Por, que? Um povo tem espírito nacional; outro, nenhum. Antes de sua modernização, o Japão também era uma nação fraca. Com uma superfície e população inferiores às da província de Szechwan, o Japão também sofreu a vergonha da dominação ocidental. Mas, devido a seu espírito nacional, que despertou um heroísmo ardente, pôde transformar-se, num período inferior a 50 anos, de Estado fraco num país poderoso. Se quisermos que a China se torne forte, o Japão fornece-nos excelente modelo.
Agora comparemos os europeus e os asiáticos. Outrora, os povos brancos, considerando que somente eles possuíam inteligência e habilidade, monopolizavam tudo. Nós, asiáticos, uma vez que não podíamos, num momento, aprender os pontos fortes do Ocidente e o segredo da construção de nações fortes, desanimávamos — não somente os chineses, mas todos os povos asiáticos. Nos anos recentes, todavia, um novo Japão transformou-se subitamente em potência de primeira classe e seu êxito deu a outras nações da Ásia esperanças ilimitadas. Elas sabem que o Estado japonês foi antigamente tão fraco como o Annam e a Birmânia o são atualmente. Hoje, esses países encontram-se muito atrás do Japão. O Japão foi capaz de aprender da Europa e, desde sua modernização, alcançar a Europa. Na Conferência da Paz de Versalhes, depois da Guerra Europeia, o Japão tomou assento como uma das Cinco Grandes Potências. Foi o porta-voz dos interesses da Ásia, e as outras potências ouviram suas propostas, considerando-a como o “cavalo na dianteira”. Podemos, portanto, inferir que o Japão pode evidentemente fazer tudo o que as raças brancas podem. Apesar das raças apresentarem variações de cor, não há diferenças marcantes em inteligência e habilidade. Devido ao fato da Ásia possuir um Japão forte, as raças brancas não ousam diminuir a raça japonesa ou qualquer outra raça asiática. Assim, o surto do Japão trouxe prestígio não apenas para a raça yamato, mas elevou também a posição de todos os povos asiáticos. Outrora, pensávamos que não podíamos realizar o que os europeus fizessem. Agora, vemos que o Japão aprendeu da Europa e que, se seguirmos o exemplo do Japão, também aprenderemos do Ocidente como o Japão o fez.
Durante a Guerra Europeia, irrompeu uma revolução na Rússia, derrubando a velha ordem imperial. Hoje, a Rússia tornou-se um novo Estado, um Estado socialista, bem diferente do velho. O povo russo é da raça eslava. Há um século, sua população era de 40 milhões, e, atualmente, é de 160 milhões, ou, seja, sofreu um aumento de 400%. O poder de seu Estado também aumentou de quatro vezes, e, nos últimos cem anos, a Rússia tornou-se uma das potências mais poderosas do mundo. Suas agressões atemorizavam não apenas o Japão e a China, mas também a Inglaterra e a Alemanha. Durante seu período de potência imperialista, a Rússia seguiu uma política de agressão e esforçou-se por expandir seu território, resultando daí, que, atualmente, ocupa metade da Europa e metade da Ásia, situada numa posição privilegiada entre dois continentes.
Na época da guerra russo-japonesa, o mundo temia uma invasão russa do território chinês, principalmente porque esse ataque poderia constituir uma ação preliminar para a agressão mundial. O povo russo alimentou outrora ambições de conquistas mundiais e outras nações estudavam medidas para frustrá-las. A aliança anglo-japonesa foi um contragolpe a essa política russa. Quando, em resultado da Guerra Russo-Japonesa, o Japão expulsou a Rússia da Coreia e do Sul da Mandchúria, esmagando os sonhos russos de dominação mundial e mantendo a integridade da Ásia Oriental, ocorreu profunda mudança na vida internacional. E quando, depois da Guerra Europeia, a Rússia derrubou seu próprio imperialismo, substituindo por um novo Estado socialista seu regime imperialista, verificou-se outra grande mudança.
Decorreram apenas seis anos desde o início dessa Revolução, porém, nesse período, a Rússia reorganizou sua estrutura interna e modificou sua velha política de força, adotando nova orientação em prol da paz. Essa nova política não somente rejeita qualquer desígnio de agressão mundial, mas também visa conter os fortes e proteger os fracos. É uma política que advoga a justiça. Mas uma nova psicologia do medo desenvolveu-se no mundo, diante da Rússia, um medo mais desesperado do que qualquer dos anteriores, porque a nova política da Rússia visa não apenas a destruição do imperialismo russo, mas também derrubar o imperialismo em todo o mundo. Visa, outrossim, eliminar o capitalismo no mundo, pois, em todos os países, apesar de aparentemente o poder estar nas mãos do Governo, o controle real está com os capitalistas. A nova política russa eliminará esse controle, e, assim, os capitalistas de todo o mundo foram avassalados de pânico. Eis porque ocorreu profunda mudança no panorama mundial, que afetará todos os acontecimentos mundiais futuros.
Na história da Europa, as guerras internacionais têm sido comuns. A mais recente, a Guerra Europeia, foi travada entre as Potências Aliadas — Alemanha, Áustria, Turquia e Bulgária — e as Potências da Entente — Inglaterra, França, Rússia, Japão, Itália e Estados Unidos(1).
Alguns profetas mundiais dizem que nunca haverá fagulha bastante poderosa para deflagrar outra grande conflagração mundial, porém, que, no futuro, será inevitável uma guerra inter-racial, a raça branca contra a amarela. Depois de estudar as forças na história e prevendo as tendências do futuro, convenci-me que haverão outros conflitos internacionais. Esses conflitos, porém, não se travarão entre duas raças diferentes. As guerras verificar-se-ão irrespectivamente das raças. As raças branca e amarela dividir-se-ão, travando uma guerra de classes, dos oprimidos contra os tiranos, do direito contra a força.
Desde a Revolução Russa, a raça eslava sonha em conter os poderosos e auxiliar os fracos, em esmagar os ricos e soerguer os pobres, em implantar a justiça e eliminar a desigualdade por amor à humanidade. Essas ideias penetraram na Europa, onde encontraram calorosa acolhida dos povos menores e mais fracos, principalmente dos turcos. Antes da Guerra Europeia, a Turquia era excessivamente pobre e fraca, parecendo incapaz de um ressurgimento. Os europeus chamavam a Turquia de “o homem doente do Oriente” e diziam que merecia perecer. Quando foi derrotada, ao lado da Alemanha, na Guerra Europeia, as outras nações queriam desmembrá-la. Sua própria existência foi ameaçada. Quando a Rússia iniciou a campanha contra a desigualdade, auxiliou a Turquia a expulsar os gregos de seu território e a obter revisão dos injustos tratados que lhe foram impostos. Atualmente, a Turquia, apesar de não ser potência de primeira classe, tornou-se uma das de segunda ou terceira categoria da Europa, graças à Rússia. Considerando-se esses fatos, percebe-se uma tendência definida para, no futuro, as nações ou Estados oprimidos ou injustiçados se unirem numa força opositora.
Nessa época, que Estado estava sendo oprimido? Quando a Inglaterra e a França se puseram em campo na Guerra Europeia para destruir o imperialismo germânico, a Rússia uniu-se-lhes e realizou sacrifícios inenarráveis em homens e bens. No meio do curso da guerra, porém, retirou seus exércitos e proclamou uma Revolução. Por que? Devido ao fato do povo russo ter sido tão cruelmente oprimido, que teve de se revoltar a fim de pôr em efeito uma teoria socialista contra uma política de força. As potências europeias opuseram-se à teoria russa e chegaram mesmo a enviar exércitos para combater a Rússia. A Rússia, com seu velho espírito eslavo, foi capaz de resistir às potências, que atualmente são incapazes de enfrentar a Rússia com a força, de modo que se lhe opõem de maneira negativa, recusando-se a reconhecer seu governo(2).
Por que se opõem as nações europeias à nova teoria russa? Porque são advogadas da agressão e do emprego da força sem justiça, enquanto a Rússia está lutando pela justiça e golpeando o reinado da força. Não é de se admirar que as potências estejam tentando destruir uma política tão diametralmente oposta à sua! Antes da Revolução, a Rússia era também um dos Estados mais reacionários, antes inclinado ao emprego da força do que ao culto do direito. Atualmente, porque se opõe à política da força, as outras potências estão se mobilizando para combatê-la. Daí, prever eu, que a guerra do futuro será travada entre a força e o direito. Atualmente, a Alemanha é a nação oprimida da Europa. As nações pequenas e fracas da Ásia (exceto o Japão) estão todas sujeitas a uma ignominiosa opressão e a todas as espécies de sofrimento. Com a simpatia mútua de companheiros de infortúnio, elas, algum dia, unir-se-ão e congregarão numa luta de vida e de morte contra os Estados opressores. Em todo o mundo, os defensores brancos e amarelos do direito se unirão contra os defensores brancos e amarelos da força. Com tal alinhamento, que os sinais dos tempos estão indicando, é inevitável outra guerra mundial.
A Alemanha, há cem anos atrás, tinha uma população de 24 milhões. Apesar da Guerra Europeia ter-lhe diminuído a população mesmo assim a Alemanha tem hoje sessenta milhões de habitantes, ou, seja, um acréscimo de 250% num século. Os alemães pertencem à raça teutônica, que é estreitamente aparentada com a inglesa. São muito inteligentes e seu Estado tem sido muito forte. Depois de passar pela Guerra Europeia e de ter sofrido uma derrota militar, os alemães são naturalmente advogados do direito e não da força.
A população dos Estados Unidos, há cem anos passados, não era superior a nove milhões. Hoje, excede 100 milhões.
O índice de crescimento tem sido muito alto, 1.000% num século, o que foi devido, principalmente, à imigração da Europa e não apenas à procriação da raça nativa. Imigrantes de todos os países da Europa dirigiam-se aos Estados Unidos em busca de novos meios de subsistência, devido à área limitada, a grande densidade demográfica e a dificuldade de subsistência em suas pátrias. Consequentemente, a população dos Estados Unidos cresceu com rapidez extraordinária. Outros países tiveram sua população aumentada mediante o aumento normal dos nascimentos, enquanto os Estados Unidos se expandiram pela assimilação. A raça americana é mais heterogênea do que qualquer outra, incluindo imigrantes de todas as terras, que, em seguida à sua chegada, vão sendo absorvidos, fundidos no melting pot. A raça, assim formada, é diferente de seus elementos originais — inglês, francês, alemão, italiano e outros povos do Sul da Europa. Trata-se de uma nova raça, que bem pode ser denominada de raça americana. Os Estados Unidos, com essa raça independente, tornou-se um Estado independente no mundo.
Os franceses pertencem à raça latina. Os povos latinos estão espalhados por muitos países da Europa — Espanha, Portugal, Itália — e, pela imigração, sobre o continente americano — México, Peru, Chile, Colômbia, Brasil, Argentina e outras pequenas Repúblicas da América Central. Devido à sua população latina, a América do Sul é comumente chamada de América Latina. A população da França cresceu muito vagarosamente. Há cem anos, era de 30 milhões; atualmente, é de 39 milhões, ou, seja, um aumento de apenas 25% num século.
Agora, comparemos os índices de aumento das populações do mundo durante o século passado. Os Estados Unidos, 1000%; Inglaterra, 300%; Japão, também 300%; Rússia, 400%; Alemanha, 250%; França, 25%. Os grandes aumentos de população foram devidos ao avanço da ciência, ao progresso da medicina, e aio melhoramento gradual das condições higiênicas, que provocaram uma redução do índice de mortalidade paralelamente ao aumento da natalidade. Qual é a significação para a China desse rápido crescimento de outras populações? Quando comparo esses aumentos com o da China fico atemorizado.
Olhai os Estados Unidos. Há um século, tinha uma população de apenas 9 milhões, agora tem mais de cem milhões. Continuando com o mesmo ritmo de crescimento, terá uma população de 1 bilião de habitantes no fim de outros cem anos. Nós, chineses, constantemente nos vangloriamos de nossa grande população, que não pode ser facilmente destruída por outra nação. Quando os mongóis da dinastia Yuan penetraram na China, não somente fracassaram no seu intento de destruir a raça chinesa, mas foram absorvidos por ela. Os chineses não somente deixaram de perecer, mas chegaram mesmo a assimilar seus conquistadores mongóis.
Os mandchus subjugaram a China e dominaram-na durante mais de 260 anos. Não somente não exterminaram a raça chinesa, mas, pelo contrário, foram por ela absorvidos, tornando-se completamente chineses. Atualmente, muitos mandchus têm nomes chineses. Daí, muitos estudantes de história afirmarem que, mesmo que o Japão ou um povo branco subjugasse a China, esta poderia absorvê-los, e, assim, não existem motivos de ansiedade. Consideram muito pouco o fato de que, em outros cem anos, a população dos Estados Unidos será de 1 bilião, de habitantes, ou, seja, duas vezes e meia maior do que a nossa. A razão porque os mandchus não puderam subjugar a China foi porque eram um pouco mais de um milhão, o que era um número pequeno em comparação com a população da China, de modo que foram naturalmente absorvidos. Mas, se os Estados Unidos, daqui a cem anos, tentarem subjugar a China, a proporção seria de 10 americanos para quatro chineses e os chineses seriam absorvidos pelos americanos.
Senhores, sabeis quando foi realizado o recenseamento que revelou ter a China uma população de 400 milhões? Foi no reinado de Chien Lung (1734-1795), na dinastia mandchu. Desde então, não se realizou mais censo algum da população. Nesse período de quase 200 anos, nossa população permaneceu quase a mesma — 400 milhões. Há cem anos atrás, era de 400 milhões. Daqui a cem anos, será ainda de 400 milhões.
A França, devido à sua população, demasiado pequena, tem recompensado as famílias prolíficas: um homem com três filhos recebe um prêmio; um homem com 4 ou 5 filhos, um prêmio especial; com filhos gêmeos, prêmios extraordinários. Os jovens, que atingem a idade de 30 anos ou as jovens, que alcançam a de 20, sem se casarem, são multados. Desta maneira, a França está tentando estimular seu índice de natalidade. Na realidade, a população da França não está diminuindo; apenas o índice de crescimento não é igual aos de outros países. A França, também, é primacialmente uma nação agrícola. O Estado e o povo são prósperos, os cidadãos gozam de paz e de abastança, e aproveitam bem os prazeres quotidianos.
Há cem anos atrás, um sábio inglês de nome Malthus, queixando-se das condições de superpopulação do mundo e de quantidade limitada de recursos naturais para seu uso, advogou uma redução da população e apresentou a teoria de que “a população aumenta em proporção geométrica, enquanto que os alimentos aumentam em proporção aritmética.” A teoria de Malthus era agradável à psicologia dos franceses e harmonizava-se com seu amor ao prazer. Começaram a sugerir que os jovens não deveriam ser embaraçados com os cuidados de família e que as jovens não deveriam procriar. Não apenas empregavam os métodos naturais para reduzir o índice de natalidade, mas também os artificiais. Há um século, a população da França era maior do que a de qualquer outro país europeu, porém, devido à propagação das ideias de Malthus e a seu acolhimento na França, o povo começou a praticar o suicídio da raça, e, hoje, a França está sofrendo dos inconvenientes de uma população demasiado pequena, tudo devido ao veneno contido na teoria malthusiana. A moderna juventude da China, também chamuscada pela doutrina de Malthus, está advogando uma redução da população, inconsciente da tristeza que a França experimentou. A nova política da França prevê o aumento da população e a preservação da raça, de modo que a raça francesa possa perpetuar sua existência ao lado das demais raças do mundo.
Qual é a verdadeira população da China atualmente? Apesar de nosso índice de crescimento não se rivalizar com o da Inglaterra ou o do Japão, deveríamos ter hoje uma população de 500 milhões, baseando-nos no recenseamento de Chien Lung. Um ex-ministro americano, todavia, W. W. Rockwill, que empreendeu uma investigação por toda a China, concluiu que o Pais tinha, no máximo, uma população de 300 milhões. Se no reinado de Chien Lung tínhamos 400 milhões de habitantes, então, de acordo com as estimativas do diplomata americano, perdêramos um quarto de nossa população. Digamos que temos hoje 400 milhões. Assim, nessa base, daqui a cem anos, teremos ainda 400 milhões!
A população atual do Japão é de 60 milhões. Daqui a cem anos, será de 240 milhões. Mas, devido à dificuldade de manter essa população, o Japão está se queixando ao mundo de que suas ilhas estão excessivamente povoadas e que deve expandir-se para outros países. Os japoneses voltam-se para o Leste, para os Estados Unidos, e vêm a Califórnia fechar suas portas para eles. Dirigem-se para o Sul, na direção da Austrália, e vêm que os ingleses estão falando de uma “Austrália do homem branco”, não acessível a outras raças. Assim excluídos de todos os países, os japoneses tornaram claro ao mundo que não têm outro modo de agir, senão o de entrar no Sul da Mandchúria e na Coreia para desenvolvê-los. As outras nações compreenderam os objetivos do Japão e aquiesceram em suas exigências. O movimento dos japoneses em território chinês não afetaria seus interesses!
Nos próximos cem anos, a população do mundo multiplicar-se-á certamente várias vezes. A Alemanha e a França, no seu desejo de recuperar as perdas de guerra, estimularão seguramente seu índice de crescimento e, sem dúvida alguma,, aumentarão suas populações de duas ou três vezes. Mas; quando comparamos a superfície total da terra com o número de habitantes, vemos que o mundo já está sofrendo as consequências de um superpovoamento. A recente Guerra Europeia, alguém já disse, foi uma luta por um “lugar ao sol.” As potências europeias, até certo ponto, estão próximas da zona frígida, e, assim, uma das causas da guerra foi a luta em busca de terras equatoriais e temperadas, uma luta, na verdade, à procura de mais luz do sol. A China é o país do mundo que conta com o clima mais suave e os recursos naturais mais abundantes. A razão porque as outras nações não podem, no momento, apoderar-se da China reside simplesmente no fato de que suas populações são ainda menores do que a da China. Daqui a cem anos, se suas populações aumentarem, e a nossa decrescer, as mais fortes subjugarão as mais fracas, e a China será inevitavelmente devorada. Então, a China não apenas perderá sua soberania, mas também perecerá, o povo chinês será assimilado, e a raça desaparecerá. Os conquistadores mongóis e mandchus da China empregaram um número menor para dominar um maior e tentaram fazer do número maior seus escravos. Se as potências subjugarem a China algum dia, serão os grandes números vencendo os menores. E, quando isso ocorrer, não terão necessidade de nós. Então, não serviremos nem mesmo para escravos.
27 de Janeiro de 1924.
O povo chinês está, agora, submetido não somente às forças da seleção natural, mas também à pressão da dominação política e econômica. — As perdas territoriais da China. — O controle econômico intangível, mas perigoso. — A China é uma “ hipo-colônia”. — O controle estrangeiro das alfândegas chinesas. — Perda econômica para a China representada pela invasão de mercadorias estrangeiras, papel-moeda estrangeiro, divisas estrangeiras, fretes estrangeiros, lucros e concessões e negócios de especulação.
Desde os tempos antigos, o aumento e o decréscimo de população têm desempenhado parte importante no surto e na decadência das nações. Esta é a lei da seleção natural. Desde que a humanidade não tem sido capaz de resistir às forças da seleção natural, muitas antigas e famosas nações desapareceram sem deixar traços. Nossa nação chinesa tem também grande antiguidade, com 4.000 anos de história autêntica, e, pelo menos, cinco ou seis mil anos de verdadeira existência. Apesar de, durante esse tempo, termos sido profundamente afetados pelas forças naturais, a natureza não apenas perpetuou a raça, mas também fez-nos extremamente prolíficos. Crescemos para 400 milhões e somos ainda a nação mais numerosa e maior do mundo. Fomos beneficiados com as bênçãos da natureza numa escala maior do que qualquer outra nação, de modo que, através de 4 milênios de experiências naturais, de movimentos humanos e de mudanças variadas, vemos nossa civilização avançando e nossa nação livre de decadência.
Uma geração tem sucedido a outra, e somos ainda o povo mais culto do mundo. Daí, certa classe de otimistas, exatamente porque a nação chinesa sobreviveu a inúmeros desastres no passado, sustentar que a nação não pode perecer no futuro, aconteça o que acontecer. Penso que essas esperanças são infundadas. Se se tratasse apenas de uma questão de seleção natural, nossa nação poderia sobreviver. Mas a evolução, na terra, depende não só de forças naturais, mas também de uma combinação de forças naturais e humanas. As forças humanas podem substituir as forças naturais e “o trabalho do homem sobrepujar o Paraíso”. Dessas forças manejadas pelo homem as mais poderosas são as forças políticas e as forças econômicas. Exercem uma influência maior sobre o surto e a queda das nações do que as forças da natureza, e nossa nação, apanhada na corrente dos modernos movimentos mundiais, não está somente sentindo a pressão dessas duas forças, mas está sendo dominada pelos males que delas resultam.
A China, nestes milhares de anos, foi duas vezes esmagada pela força política ao ponto da completa vassalagem, durante as dinastias mongol e mandchu. Mas, de ambas as vezes, perdemos nosso país para um povo menor e/não maior, e esses povos menores foram inevitavelmente absorvidos por nós. Daí, apesar da China ter sido duas vezes subjugada politicamente, a raça não ter sido seriamente prejudicada. Mas a situação, atualmente, com as Grandes Potências, é muito diferente de tudo o que conhecemos antes. Em minha última conferência, comparei o crescimento da população das potências durante os últimos cem anos: a Inglaterra e a Rússia acusaram um aumento de 300% a 400% e os Estados Unidos, 1.000%. Calculando nosso índice de crescimento durante os últimos cem anos, vemos que, nossa raça terá grande dificuldade em avançar no mesmo pé de igualdade com as outras raças, durante os próximos cem anos, não importa quão dadivosamente a natureza nos tenha prendado. Por exemplo, a população dos Estados Unidos, há um século atrás, não excedia os 9 milhões. Agora é de mais de 100 milhões, e, em outro século, ultrapassará 1 bilião. A população da Inglaterra, Alemanha, Rússia e Japão aumentará várias vezes. Com esse índice de crescimento, outro século nos encontrará em minoria frente a outras raças. Então, mesmo sem pressão política e econômica, mas apenas sob o processo da evolução natural, o povo chinês perecerá provavelmente, para não nos referirmos ao fato de que, daqui a cem anos, estaremos sujeitos não apenas às forças da seleção natural, mas também à dominação de forças políticas e econômicas, cujos efeitos são mais rápidos e severos.
Apesar das forças naturais atuarem lentamente, podem exterminar grandes raças. Existe evidência incontrastável desse fato entre as raças vermelhas da América do Norte e do Sul. Há duzentos ou trezentos atrás, o continente americano era possuído apenas pelos aborígenes vermelhos. Estavam espalhados por toda a parte em grandes números, porém, depois da chegada do homem branco no continente, desapareceram lentamente até que foram quase extintos. Aí vemos a seleção natural exterminando uma grande raça.
As forças políticas e econômicas, porém, trabalham mais rapidamente do que as forças da seleção natural e podem mais facilmente extirpar uma grande raça. A China, se fosse afetada unicamente pela seleção natural, poderia sustentar-se durante outro século. Se tiver, porém, de ser esmagada pelas forças políticas e econômicas, mal durará 10 anos. Daí, a próxima década ser um período de crise para a China. Se, durante esse período, pudermos encontrar solução para libertar a China de seu jugo político e econômico, nossa nação poderá ter oportunidade de sobreviver ao lado de outras nações. De outra maneira, estaremos fadados ao aniquilamento pelos povos das grandes potências. E, no caso de que toda a população não pereça dessa maneira, existirão ainda as forças naturais para nos exterminar. De agora em diante, o povo chinês sentirá a pressão simultânea das forças naturais, políticas e econômicas. Assim, estais vendo que época crítica está chegando para nossa raça!
A China esteve sob a dominação política do Ocidente durante um século. Antes desse período, quando os mandchus mantinham firme suserania sobre nós, nosso país era ainda muito forte. A Inglaterra encontrava-se, então, conquistando a Índia e não ousava tentar a conquista da China por temer que a China pudesse provocar agitação na Índia. Durante o século passado porém, a China perdeu considerável porção de seu território. Começando com história recente, perdemos Weihaiwei, Porto Artur, Dairen, Tsingtau, Kowloon, Kwang-chow-wan. Depois da Guerra Europeia, as potências pensaram em devolver algumas das cessões mais recentes e entregaram-nos de novo Tsingtau e mais tarde Weihaiwei. Mas eram apenas pequenas porções.
A atitude das potências era, outrora, mais ou menos assim: uma vez que a China nunca despertaria e não podia governar-se, elas ocupariam os pontos ao longo da costa, tais como Dairen, Weihaiwei e Kowloon, como bases para o “retalhamento” da China. Depois, quando a Revolução irrompeu na China, as potências compreenderam que a China ainda estava viva, e abandonaram, porém, só ultimamente, a ideia de retalhá-la. Quando as potências voltavam seus olhares cobiçosos para a China, alguns contrarrevolucionários declararam que a Revolução apenas provocaria o desmembramento. Mas o resultado foi diametralmente o oposto, pois a Revolução frustrou os desígnios estrangeiros sobre a China. Mais além, na História, nossas perdas territoriais abrangeram a Coreia, a Formosa, os Pescadores, e os lugares, que, em consequência da Guerra Sino-Japonesa, foram cedidos ao Japão. Foi essa guerra que iniciou a ideia do “retalhamento da China” entre as potências .
Ainda anteriormente, perdemos a Birmânia e o Annam. A China ofereceu fraca resistência antes de abandonar o Annam. Na batalha de Chennan-kuan (na fronteira meridional), a China foi vitoriosa, porém foi, mais tarde, tão intimidada pela França, que celebrou a paz e foi compelida a ceder-lhe o Annam. Poucos dias antes, apenas, os Exércitos chineses haviam conquistado grande vitória em Langson, na fronteira meridional, e quase aniquilaram todo o Exército francês. Quando a China, em seguida a esse sucesso, propôs a paz, os franceses ficaram perplexos, e alguns deles disseram então:
— Não se pode absolutamente prever o que vós, chineses, fareis. É geralmente hábito da nação conquistadora vangloriar-se de sua vitória e exigir territórios e indenizações da nação derrotada. Vós, em vossos dias de triunfo, abandonastes território, clamastes por paz, cedestes o Annam à França e aceitastes toda a sorte de condições severas. É na verdade exemplo sem precedentes o do conquistador solicitar ao conquistado as condições de paz!”
A razão dessa quebra de precedentes históricos por uma nação vitoriosa residiu na completa estupidez do governo mandchu. O Annam e a Birmânia eram outrora território chinês. Logo que o Annam foi cedido à França, a Inglaterra ocupou a Birmânia, e a China não ousou protestar. Antes, registou- se, na história das perdas territoriais, o abandono das bacias dos rios Amur e Ussuri, e, anteriormente, das áreas situadas ao Norte dos rios Ili, Khokand e Amur — o território da recém-construída República do Extremo Oriente — territórios que a China abandonou ao estrangeiro, de braços cruzados, sem qualquer manifestação de protesto. Além dessas perdas, houve a dos pequenos países que outrora rendiam tributo à China — as ilhas de Loochoo, o Sião, Bornéu, o Arquipélago de Sulu, Java, Ceilão, Nepal e Bhutan.
Na fase de seu maior poderio, o território do Império Chinês era muito vasto, estendendo-se até o Norte do Amur, ao Sul do Himalaia, para o Leste, até o Mar da China, e para o Oeste, até Isung Lin. O Nepal, no seu primeiro ano de existência republicana, ainda pagava tributos à província de Szechwan, deixando de fazê-lo devido à intransitabilidade das estradas que atravessam o Tibet. Quando a China estava no auge de seu poderio, sua força política era impressionante, e todas as nações situadas em suas fronteiras meridionais e ocidentais consideravam uma honra render-lhe tributo. Nessa época, o imperialismo europeu não havia invadido a Ásia, e o único país asiático que podia ser considerado imperialista era a China. As nações menores e mais fracas, temerosas da China e de sua dominação política, suspeitavam de suas intenções.
Quando celebramos nossa recente Conferência do Kuomintang, em Cantão, a Mongólia, enviou alguns delegados para observar se o Governo do Sul estava continuando as tradições imperialistas para com outros países. Quando verificaram que os princípios políticos adotados na Conferência não eram imperialistas, mas, antes, favoreciam os povos menores, mais fracos, aprovaram calorosamente a Conferência e propuseram que todos se unissem para a formação de um grande Estado oriental. E não apenas a Mongólia, mas todos os Estados pequenos do Oriente aprovaram nossa política. Agora, as potências europeias estão esmagando a China com seu imperialismo e com sua força econômica, de modo que o território da China está sendo gradualmente reduzido, e até nas suas 18 províncias teve de abandonar alguns lugares.
Depois da Revolução Chinesa, as potências compreenderam que seria excessivamente difícil desmembrar a China pela força política. Uma China, que havia aprendido a revoltar-se contra o controle dos mandchus, seguramente iria opôr-se ao controle político das potências. Como isso as colocaria numa posição difícil, estão agora reduzindo suas atividades políticas contra a China e, ao contrário, se utilizando da pressão econômica para nos manter submetidos. Acham que o abandono de métodos políticos para dividir a China obviará o conflito entre as potências, mas, apesar do conflito ser evitado na China, será ainda inevitável na Europa. A questão balcânica deflagrou a Grande Guerra Europeia, e, apesar das potências terem sofrido perdas terríveis, e de Estados, como a Alemanha e a Áustria, terem sido derrubados, não houve modificações na política imperialista. A Inglaterra, a França e a Itália ainda continuam a trilhar a estrada do imperialismo, enquanto os Estados Unidos se descartam da Doutrina de Monroe e acertam o passo com aquelas potências.
E, apesar de que, depois da experiência da guerra, eles possam suspender a aplicação de sua política imperialista, durante algum tempo, na Europa, para com a China, pode-se depreender da recente demonstração naval, levada a efeito em Cantão por uma vintena ou mais de canhoneiras das diversas potências, que não houve mudança de intenções. Estão empregando ainda o imperialismo para promover seus desígnios econômicos, e a opressão econômica é mais severa do que o imperialismo ou a opressão política. A opressão política é uma coisa aparente. Quando as vinte e tantas canhoneiras fizeram sua demonstração aquilo povo de Cantão sentiu imediatamente irritação e foi assoberbado pela indignação, e, na verdade, toda a nação se encolerizou. O povo comum é facilmente provocado pela opressão política, mas é pouco consciente da opressão econômica. A China já sofreu, durante várias dezenas de anos, a dominação econômica por parte das potências e seu povo não se sentiu absolutamente irritado.
O resultado é que a China está se convertendo numa colônia das potências. Seu povo ainda pensa que somos apenas uma “semi-colônia” e reconforta-se com esse termo. Mas, na realidade, estamos sendo esmagados pela força econômica das potências num grau maior do que se fôssemos uma verdadeira colônia. Por exemplo, o Annam e a Coreia são protetorados da França e do Japão e seus povos estão escravizados. Costumamos escarnecer os coreanos e os anamitas com o nome de wang-kuo nu (escravos sem pátria), mas, quando consideramos sua posição, parecemos ignorar que a nossa é inferior à deles. De quem é a China uma “semi-colônia”? A China é a colônia de todas as nações que celebraram tratados com ela, e aquelas são suas suseranas. A China não é colônia de uma nação, mas de todas, e nós não somos escravos de uma só nação, mas de todas.
Seria melhor ser escravo de uma nação ou de muitas? Se fôssemos escravos de uma determinada nação e alguma calamidade, como enchentes e secas, se abatesse sobre a China, a nação suserana apropriaria fundos para auxílio como uma obrigação e os distribuiria como um dever, enquanto o povo vassalo esperaria esse auxílio de seus senhores. Quando, há poucos anos atrás, o Norte da China experimentou um desastre natural pelo qual as nações estrangeiras não se sentiram na obrigação de prestar qualquer auxílio, e apenas os estrangeiros que estavam na China levantaram fundos para os assolados, observadores chineses referiram-se à filantropia munificente de outros países, tão inconsentânea com o tratamento que deveria ser dispensado a um povo vassalo! Isso mostra que não estamos ainda no nível do Annam e da Coreia e que a vassalagem a uma só potência constitui posição muito mais elevada e mais vantajosa do que a sujeição a diversas potências. Assim, a “semi-colônia” não é designação certa para a China. Penso que deveríamos considerá-la “hipo-colônia”. O prefixo “hipo” é tomado de empréstimo da química, como na palavra “hipofosfito”. Trata-se de um produto químico, que contém um composto fosfórico, mas de conteúdo mais baixo do que um puro composto desse elemento denominado composto fosforoso. Um composto ainda mais baixo é denominado composto hipofosforoso, a exemplo de uma organização que tem suas subdivisões. Antigamente, pensávamos que a China fosse uma semi-colônia, o que nos dava bastante vergonha. Não compreendíamos que nosso verdadeiro lugar está abaixo do Annam e da Coreia. Não somos uma semi-colônia, mas uma hipo-colônia.
Há no Kwantung uma luta com as potências estrangeiras sobre as rendas das alfândegas. Essa renda é nossa, de direito, e, assim, por que existem disputas em torno dela? Porque as alfândegas da China foram tomadas por outros países. Houve um tempo em que nada sabíamos a respeito das alfândegas. Simplesmente, fechávamos nossos portos e os mantínhamos para nós. Depois, a Inglaterra volveu os olhos para a China e procurou entrada para fins mercantis. A China fechou suas portas, negando-lhe acesso. Com o imperialismo e a força econômica conjugados, a Inglaterra forçou as barreiras e violentou as portas da China. Ao mesmo tempo, o Exército britânico ocupava Cantão, mas, não podendo manter suas posições, retirou-se e apoderou-se de Hong Kong. Os ingleses também exigiram indenizações, porém, uma vez que a China não tinha moeda suficiente para satisfazê-las, entregou as alfândegas marítimas à Inglaterra como penhor e permitiu-lhe que cobrasse os impostos. O Governo mandchu calculou que levaria muito tempo para pagar essas indenizações, porém os britânicos, depois de se assegurarem do controle das alfândegas, surpreenderam os mandchus, cobrando-se de todas as indenizações em poucos anos.
O governo mandchu compreendeu, então, quão corruptos eram seus funcionários. A grande fraqueza na arrecadação dos tributos aduaneiros, feita anteriormente, jazia na apropriação das rendas por parte dos funcionários. Assim, as alfândegas de todo o país foram transferidas aos britânicos. Todos os comissários aduaneiros passaram a ser britânicos. Mais tarde, outras nações, que mantinham relações comerciais com a China, disputaram com a Inglaterra o controle das alfândegas, e a Inglaterra comprometeu-se a facultar-lhes a nomeação de parte dos comissários aduaneiros, de acordo com a proporção de seu comércio. Em consequência, as alfândegas da nação estão, agora, nas mãos de estrangeiros. Todo novo tratado, que a China celebra com uma potência estrangeira, importa em novas perdas de qualquer espécie, e os direitos estipulados em tratados são sempre unilaterais. Os direitos aduaneiros são fixados pelas potências estrangeiras e a China não pode alterá-los livremente. A China não pode cobrá-los nem empregar sua própria tarifa. E estas são as razões da luta sobre as alfândegas.
Como enfrentam outros países a pressão econômica estrangeira e detêm a invasão de forças econômicas provenientes do exterior? Usualmente, por meio de uma tarifa, que protege seu desenvolvimento econômico interno. Exatamente como os fortes são construídos nas entradas dos portos para protegê-los contra a invasão militar estrangeira, assim a tarifa protege a renda de uma nação e proporciona às indústrias nativas uma oportunidade de desenvolver-se. Por exemplo, os Estados Unidos, depois do extermínio dos aborígenes vermelhos, começaram a manter relações comerciais com os países europeus. Os Estados Unidos eram, então, uma nação agrícola, enquanto as nações europeias eram todas industrializadas. Uma vez que, no comércio internacional, uma nação industrial detém vantagens sobre as nações agrícolas, os Estados Unidos elaboraram uma tarifa protetora destinada a proteger suas indústrias e comércio nativos. A ideia do estabelecimento de tarifas protetoras baseia-se na imposição de direitos elevados sobre as importações: por exemplo, se um artigo importado vale cem dólares, a alfândega cobrará, digamos, oitenta ou cem dólares de direitos. A tarifa média nos diversos países é de 50 a 60 por cento sobre o valor. Os direitos elevados tornam as mercadorias estrangeiras caras de modo que não podem circular, enquanto as mercadorias nativas, livres de direitos, têm preços razoáveis e são, largamente distribuídas.
Qual é a situação atual da China? Outrora, a China tinha comércio com o exterior, as mercadorias consumidas pelo povo eram fabricadas a mão por ele mesmo. O provérbio antigo, que diz “o homem planta e a mulher fia”, mostra que a agricultura e a fiação são velhas indústrias na China. Depois, as mercadorias estrangeiras começaram a entrar no país. Devido a baixos direitos alfandegários, o tecido estrangeiro é mais barato do que o nativo. Além do mais, certas classes do povo preferiram o tecido estrangeiro ao nativo, o que arruinou as indústrias do país com a destruição dessa indústria manual nativa, muitas pessoas ficaram sem trabalho, tornando-se ociosas. Eis um dos resultados da opressão econômica estrangeira. Atualmente, apesar da China ainda usar o tear de mão, a matéria prima empregada é o algodão estrangeiro. Só em anos recentes, o algodão nativo começou a ser empregado nos teares mecânicos estrangeiros. Em Xangai, há muitas grandes fiações e tecelagens que poderiam capacitar-nos gradualmente a competir com as mercadorias importadas, não fosse o fato das alfândegas continuarem em mãos dos estrangeiros.
O tecido nativo não é apenas sobrecarregado com elevados direitos de exportação, mas, quando é distribuído dentro do país, é onerado também com impostos de barreiras. Assim, a China não somente não dispõe de uma tarifa alfandegária protetora, mas até aumenta seus direitos sobre as mercadorias nativas para proteger os produtos estrangeiros. Durante a Guerra Europeia, quando os países estrangeiros não podiam manufaturar mercadorias para exportar para a China, as fiações e tecelagens de Xangai gozaram de prosperidade temporária. Foram auferidos lucros enormes, dividendos de 100% foram declarados, e o número de capitalistas se multiplicou. Mas, depois da guerra, as mercadorias estrangeiras inundaram o país e as fiações de Xangai, que ganharam tanto dinheiro, foram à bancarrota. Enquanto as mercadorias nativas são assim derrotadas na luta contra os produtos estrangeiros, as alfândegas da China não só não amenizam a situação, mas até protegem os comerciantes estrangeiros! É como se se cavasse uma trincheira para não aproveitá-la contra o inimigo, mas sim este a aproveitar contra quem a cavou. Assim, posso dizer que a opressão política é facilmente discernível até pelas classes ignorantes, porém a opressão econômica é uma coisa intangível, que não se pode perceber com facilidade. Pode-se até sobrecarregar-se de pesados fardos com as próprias mãos.
Desde que a China iniciou seu comércio com o exterior, sua balança comercial cresceu como a torrente de um rio. Há 10 anos, investigações demonstraram que essa balança atingia a 200 milhões de dólares. Num recente relatório aduaneiro, verificamos que, em 1921, as importações excederam as exportações em 500 milhões de dólares, ou, seja, um aumento de 250% numa década. Nesse ritmo, dentro de dez anos, a balança comercial atingirá a soma de 1.250.000.000 dólares. Por outras palavras, daqui a 10 anos, a China estará pagando, só no campo mercantil, um tributo de 1.250.000.000 de dólares a países estrangeiros. Não vos parece isso uma terrível sangria?
Depois, existe a dominação econômica exercida pelos bancos estrangeiros. A psicologia chinesa, atualmente, caracteriza-se pela sua desconfiança nos bancos nativos e sua extrema confiança nos bancos estrangeiros. No Kwantung, por exemplo, os bancos estrangeiros são muito procurados, enquanto que os bancos nativos não inspiram nenhuma confiança. Outrora, o papel-moeda emitido pelo nosso Banco Provincial do Kwantung podia ser ainda aceito, mas hoje não representa nenhum valor e estamos usando apenas prata como meio circulante. Nosso papel-moeda sempre teve cotação inferior ao estrangeiro, porém, agora, até a prata nativa vale menos do que o dinheiro estrangeiro. Atualmente, o número total de notas de banco, que circulam na província do Kwantung, provavelmente atinge a dezenas de milhões. Algumas pessoas preferem mesmo entesourar papel-moeda estrangeiro do que a moeda chinesa em prata. Em Xangai, Tientsin, Hankow e outros portos comerciais, encontramos as mesmas condições. E, quando estudamos as razões dessa situação, verificamos que a mesma decorre do envenenamento causado pelo jugo econômico estrangeiro imposto ao povo.
Todos nós estamos acostumados a considerar o estrangeiro como rico e não descobrimos que ele está trocando papel por nossas mercadorias. Os estrangeiros não têm muito dinheiro com que começar seu comércio. A maior parte de sua riqueza foi-lhes praticamente doada por nós. Eles apenas têm de emitir vários milhões de notas de banco, que aceitamos e, em seguida, passam a dispôr de milhares de dólares. Essas notas emitidas por qualquer banco estrangeiro apenas custam uns poucos ceitis para sua impressão, porém cada pedaço de papel é estampado com o valor de um, dez ou cem dólares. Assim, o estrangeiro, com uma despesa ínfima, pode imprimir milhões e milhões de dólares papel e pode trocar esses milhões em papel por nossas mercadorias no valor de milhões de dólares. Senhores, não é isto uma perda terrível? E a razão porque eles podem emitir papel-moeda dessa maneira e nós não o podemos reside no fato de nosso povo ter sido envenenado pela influência da dominação econômica estrangeira, passando a confiar no estrangeiro e a não ter confiança em si próprio, com o resultado que nosso próprio papel-moeda fica incapacitado de circular.
Além das notas de bancos estrangeiros, há a questão do câmbio. Nós, chineses dos portos, confiamos também nos bancos estrangeiros para o câmbio de nosso dinheiro. Mas, na conversão em moeda chinesa, os bancos estrangeiros não apenas cobram a taxa bancária costumeira de ½%, mas também auferem lucros de outras maneiras. No pagamento de saques bancários, os bancos taxam um desconto na conversão de taels em dólares e o deságio desse desconto, do lugar de remessa ao lugar de pagamento, atinge pelo menos de dois a três por cento. Por exemplo, se um banco estrangeiro em Kwantung emite um saque sobre Xangai na importância de 10.000 dólares, ele cobra uma taxa de 50 dólares. Além disso, ao converter a prata pobre a taels de Xangai, sempre estabelece uma cotação baixa para a prata pobre e elevada para o tael de Xangai, auferindo um lucro, de conformidade com suas próprias avaliações, de, pelo menos, cem ou duzentos dólares. Depois, ao descontar o saque em Xangai, não paga em taels, mas em dólares. Ao trocar os taels de Xangai por dólares, diminui a cotação do tael e eleva o preço do dólar, realizando outro lucro de pelo menos 100 ou 200 dólares. Assim, no movimento de transferência de 10.000 dólares entre Cantão e Xangai, sempre há uma perda de 200 a 300 dólares. Em 30 saques toda essa soma seria convertida em lucros para o banco. E a razão porque o povo suporta essas perdas reside no fato de estarem completamente envenenados pela dominação econômica estrangeira.
O poder dos bancos estrangeiros na China é visto também nos depósitos bancários. Se um chinês tem dinheiro e quer depositá-lo num banco não se detém para saber se o banco chinês tem um capital grande ou pequeno ou se proporciona juros baixos ou elevados. Logo que verifica que o banco é dirigido por chineses, ele imediatamente sente não ser provável que ofereça segurança e que não faria bem em arriscar seus depósitos ali. Não procura saber se o banco estrangeiro merece confiança ou não, se paga juros baixos ou altos. Se descobre que o banco é dirigido por estrangeiros e ostenta uma placa estrangeira, ele ingere o sedativo, sente-se bem seguro e investe seu dinheiro. Ainda que a taxa de juros seja bem baixa, ele fica bastante satisfeito.
Um fato notável ocorreu em 1911. Depois do movimento revolucionário ter se iniciado em Wuchang, quase todos os membros da casa real mandchu e os funcionários mandchus, temerosos de que a Revolução importasse no confisco de suas propriedades, depositaram todo seu ouro, prata e outros tesouros em diferentes bancos estrangeiros. Eram perfeitamente felizes em não ter direito a qualquer taxa de juros. Faziam apenas questão que os bancos estrangeiros aceitassem seus depósitos. Durante os dias em que as tropas mandchus estavam sendo derrotadas pelo Exército revolucionário em Wu-han, os bancos estrangeiros, no Bairro das Legações, em Pequim, receberam depósitos de ouro, prata e outros tesouros dos mandchus, em quantidades extraordinárias, até ficarem abarrotados de valores e não terem mais espaço para armazená-los. Os bancos estrangeiros não apenas deixavam de pagar juros aos depositantes, mas cobravam deles uma taxa de armazenagem. Tudo o que os depositantes queriam era que os bancos estrangeiros aceitassem seus depósitos, dispostos a pagar qualquer taxa que os mesmos fixassem.
Os bancos estrangeiros, nessa época, receberam em depósito um total de 12 biliões de dólares. Apesar de parte dêgses depósitos terem sido retirados, nos últimos dez ou mais anos, um grupo de militaristas e de funcionários, como Feng Kuo Chang, Wang Chang Yuan, Li Shun e Tsao Kun, extorquiram o país, e todos fizeram desonestamente fortunas de talvez dezenas de milhões. Em virtude de desejarem garantir, em perpetuidade, suas fortunas mal adquiridas, eles as depositaram, também, em bancos estrangeiros. Assim, desde 1911, não tem havido qualquer aumento ou decréscimo consideráveis no total de depósitos chineses em bancos estrangeiros. Os juros, que os bancos estrangeiros pagam por esses 12 biliões em depósito, são muito pequenos, certamente não superiores a 4 ou 5%, enquanto que esses mesmos bancos os emprestam a pequenos comerciantes na China a uma taxa anual de juros de sete, oito e mesmo mais de dez por cento. Assim, os bancos estrangeiros, sem quaisquer inconvenientes, exceto o trabalho de movimentar o dinheiro, tomam o capital chinês e auferem os juros dele.
Esse lucro anual de milhões, obtido de depósitos chineses em bancos estrangeiros, é uma perda intangível. A razão psicológica para que o homem de rua coloque seus haveres em bancos estrangeiros reside no fato de não considerar os bancos chineses seguros, enquanto acha que os bancos estrangeiros o são. Ele não teme que o banco estrangeiro abra falência. Mas, digam-me, não é a Banque Industrielle de Chine, que acaba de suspender suas operações sem devolver os depósitos, um banco estrangeiro? São os bancos estrangeiros totalmente seguros? Se não o são, porque nós, chineses, os favorecemos tão espontaneamente e de maneira tão calorosa? A razão de toda essa renúncia de juros aos estrangeiros reside também na influência viciosa do controle econômico alienígena. Os lucros totais dos bancos estrangeiros, apenas nas emissões de papel-moeda, em operações de câmbio e em depósitos, devem ser aproximadamente de 100 milhões de dólares, anualmente.
Além dos lucros dos bancos estrangeiros, há a questão dos fretes. As mercadorias chinesas enviadas ao exterior têm de depender de praça em navios estrangeiros, e até as mercadorias despachadas para certos lugares do interior, como Hankow, Xangai e Cantão, são transportadas principalmente em navios estrangeiros. Nos anos recentes, a navegação japonesa tem florescido nas águas marítimas e fluviais da China. O Japão principiou apenas com uma companhia, a Nipon Yusen Kaisha (Companhia de Navegação Japonesa). Mais tarde, a Toyo Kisen Kaisha, a Osaka Shosen Kaisha e a Nisshin Kisen Kaisha (Companhia de Navegação Sino-Japonesa) desenvolveram-se e começaram a manter comunicações entre os portos fluviais da China e o resto do mundo. A razão desse crescimento da marinha mercante japonesa está no estabelecimento de subvenções e de proteção especial do Governo. Do ponto de vista chinês, não há vantagens para que o Governo subvencione as companhias de navegação comercial, porém o Japão queria competir com o poder econômico de outras nações. Assim, na questão dos transportes marítimos, o Japão também concluiu tratados com outros países, fixando tarifas para o transporte oceânico. As mercadorias despachadas da Europa para a Ásia vão primeiramente a Xangai e, daí, para Nagasaki e Yokohama, pois Xangai é mais próxima da Europa do que os portos nipônicos. Mas a tarifa de fretes da Europa para Nagasaki e Yokohama é bem razoável, enquanto que a tarifa para Xangai, devido à inexistência de uma marinha mercante chinesa concorrente, é muito elevada, o que torna mais barato o frete da Europa para o Japão do que para Xangai. O resultado é que as mercadorias europeias podem ser vendidas a preços mais razoáveis no Japão do que em Xangai. Inversamente, as mercadorias chinesas embarcadas em Xangai para a Europa têm um frete muito mais elevado do que as expedidas em Nagasaki e Yokohama. Se a China exporta 100 milhões de mercadorias para a Europa, terá de pagar 10 milhões de dólares de fretes. Nessa proporção, uma vez que o valor das exportações e importações da China excedem atualmente um bilião de dólares, anualmente, a perda (representada pelos fretes pagos a companhias de navegação estrangeiras) não é inferior a 100 milhões de dólares.
Além disso, há três itens de impostos, arrendamentos e preços de terras, pagos nos domínios e territórios cedidos aos estrangeiros, cuja soma total não é pequena. Por exemplo, os chineses, que vivem em Hong Kong, Formosa, Xangai, Tientsin, Dalny, Hankow e outras regiões e concessões, pagam aos estrangeiros, anualmente, em tributos, soma superior a 200 milhões de dólares. Antigamente, a Formosa pagava ao Japão apenas 20 milhões de dólares; hoje, os tributos subiram para 100 milhões de dólares. Os impostos pagos aos britânicos por Hong Kong eram antigamente apenas uns poucos milhões de dólares, anualmente; agora, atingem a soma de 30 milhões de dólares e aumentarão proporcionalmente todos os anos.
O tributo dos arrendamentos é cobrado tanto pelos estrangeiros como pelos chineses, e, à falta de estudos cuidadosos, não se pode determinar a proporção exata das receitas de cada grupo, porém não há dúvida de que a parte dos estrangeiros é maior. Os tributos de arrendamento são certamente dez vezes maiores do que os impostos. O valor das terras está aumentando todos os anos. Uma vez que os estrangeiros controlam a situação econômica, naturalmente se depreende que “a riqueza produz negociantes hábeis” e as terras, nos domínios estrangeiros, é comprada a preços baratos e vendidas a preços elevados. Dessas três maneiras, os chineses da concessão têm uma perda anual não inferior a quatrocentos ou quinhentos milhões de dólares.
Há, além do mais, inúmeros indivíduos e companhias transacionando no país que, sendo detentores de privilégios especiais estatuídos em Tratados, nos espoliam em nossos direitos. É mais difícil ainda calcular os prejuízos decorrentes dessa situação, porém a avaliar-se apenas pela Companhia Ferroviária do Sul da Mandchúria, que aufere um lucro anual de mais de 50 milhões de dólares, os lucros das diversas empresas comerciais estrangeiras devem atingir a centenas de milhões.
Há ainda outro prejuízo a considerar — o da especulação. Os estrangeiros, nas concessões, aproveitam-se de um ponto fraco — a avareza — do caráter chinês e proporcionam diariamente oportunidades para a pequena especulação, e, de anos em anos, grande oportunidade para levar a paixão do jogo dos chineses a proporções de febre. Em todas as ocasiões de especulação com o marco ou no mercado da borracha, os chineses perderam dezenas de milhões. E os negócios pequenos de especulação atingem, no fim, algarismos elevados.
Nossas diversas indenizações de guerra — 250 milhões de taels ao Japão em 1894, 900 milhões de taels às potências em 1900 — constituem parte de nossa opressão política e militar e não podem ser colocadas na mesma categoria da dominação econômica. As indenizações são transitórias e sem consequências, quando comparadas com o controle econômico. Considerai as perdas, não apenas da China, mas também de nossos antigos feudos e de nossos emigrantes em outras terras e elas tornar-se-ão ainda mais incalculáveis. Que coisa terrível é esse jugo econômico!
Resumamos. Em valor monetário de direitos e privilégios espoliados, perdemos anualmente: primeiro, através da invasão de mercadorias estrangeiras, 500 milhões de dólares; segundo, pela invasão de papel-moeda estrangeiro de nosso mercado monetário, juntamente com descontos em operações cambiais e juros sobre nossos depósitos em bancos estrangeiros, cerca de 100 milhões; terceiro, através dos fretes de nossas exportações e importações, aproximadamente 100 milhões; quarto, mediante impostos, tributos de arrendamento e vendas de terras nas concessões e áreas cedidas, 400 a 500 milhões; quinto, através de privilégios e negócios privados especiais de estrangeiros, 100 milhões; sexto, pelos negócios de especulação e de vários outros jogos, centenas de milhões. Essas seis modalidades de dominação econômica custam-nos, anualmente, perda não inferior a 1.200.000.000 de dólares. E, a menos que possamos encontrar-lhes um remédio, as perdas aumentarão de ano para ano, e, com toda a certeza, não diminuirão por vontade dos estrangeiros. A China chegou a um estado de bancarrota nacional, e, a não ser que possamos salvá-la, a dominação econômica importará na perda de nosso país bem como no aniquilamento de nossa raça.
Nos seus dias de glória, os vizinhos da China pagavam-lhe tributo e seus governantes visitavam anualmente a Corte imperial. Apesar do tributo anual importar apenas em pouco mais de um milhão de dólares, nós o considerávamos uma grande honra. Quando o Império Chinês da dinastia Sung entrou em declínio e teve de pagar tributo aos tártaros de Kin, o montante atingiu a cem milhões, e, ainda assim, o considerávamos terrível desgraça. Agora, o tributo que pagamos aos países estrangeiros é de um bilião e duzentos milhões, anualmente, ou sejam, 12 milhões em cada decênio. Tal jugo econômico, tal enorme tributo, não figurou nos nossos sonhos mais loucos, e é até difícil de visualizá-lo. Daí, não sentirmos horrorosa vergonha dele. Se contássemos com esse tributo de 1.200.000.000 de dólares, como renda nacional o que não poderíamos realizar! Que progresso não faria nossa sociedade! Em virtude porém, dessa servidão econômica da China e dos consequentes prejuízos anuais, nossa sociedade não é livre para se desenvolver, e o povo não possui meios de subsistência. Só esse controle econômico é pior do que milhões de soldados prontos para nos exterminar. E, enquanto o imperialismo estrangeiro apoia essa subjugação econômica, os problemas vitais do povo chinês são cada vez mais agudos, o número de desempregados aumenta diariamente, e o poder do país está, em consequência, decrescendo.
Nos últimos cem anos, a China começou a sofrer das consequências de um problema de população: o povo chinês não está aumentando, enquanto outras populações estão crescendo. Estamos, agora, sofrendo também a dominação política e econômica. Se não pudermos encontrar mais a solução para esses três problemas prementes, então, não importa quão grande seja a área da China ou quão enorme sua população, outro século verá nosso país desaparecer e nossa raça ser destruída. Nossos quatrocentos milhões de habitantes não são eternos. Considerai o caso dos aborígenes vermelhos, outrora senhores do continente americano, que foram extintos. Agora, que compreendemos a seriedade da dominação política e da gravidade ainda maior da dominação econômica, não nos podemos vangloriar de que os 400 milhões de chineses não possam ser facilmente exterminados. Nunca, dantes, em todos os seus milênios de história, sentiu a China o peso dessas três forças a um só e mesmo tempo. Para o futuro da nação chinesa, temos de encontrar uma fórmula para quebrá-las!
A China perdeu seu espírito nacional durante séculos. — Oposição à propaganda nacionalista e à Revolução. — O velho movimento revolucionário contra os mandchus se extinguiu. — Os literati apoiavam os mandchus, mas o nacionalismo continuou vivo nas sociedades secretas entre as classes baixas. — Os esforços mandchus para destruir o espírito nacional chinês. — O fracasso das sociedades secretas na Rebelião de Taiping. — Porque a China perdeu seu espírito nacional: sujeição às raças alienígenas. — As sementes de decadência no antigo imperialismo e na teoria do cosmopolitismo da China. — O cosmopolitismo, desenvolvendo-se no Ocidente para camuflar o imperialismo, é um perigo para a China. — Origem da raça chinesa no vale do rio Amarelo. — A história de um coolie jogando fora um tesouro oculto na sua vara de bambu para ilustrar o caso da China lançando fora seu nacionalismo. — O desenvolvimento do nacionalismo é essencial para a existência continua da nação chinesa.
O nacionalismo é esse precioso objetivo que capacita um Estado a aspirar ao progresso e uma nação a perpetuar sua existência. A China, hoje, perdeu esse precioso objetivo. Por que? Para responder a essa questão e para estudar se perdemos realmente nosso espírito nacional, é que me encontro hoje aqui.
Para mim, é claro que o perdemos, não apenas durante um dia, mas por séculos. Olhai para os artigos antirrevolucionários, que apareceram antes da Revolução, todos se opondo ao nacionalismo! Durante centenas de anos, a ideia do nacionalismo estivera morta na China. Em toda a literatura dessa época, mal se podia discernir qualquer traço de nacionalismo, apenas cânticos encomiásticos aos “virtuosos mandchus” — “grande bondade e ricos benefícios”; “estamos devorando vossa produção e pisando sobre vosso solo”. “Ninguém ousava dizer qualquer coisa contra os mandchus. Mesmo depois da aparição de ideias revolucionárias nos anos recentes, sábios e literatos, assim considerados por conta própria, têm se referido diariamente aos mandchus. Na época em que estávamos publicando o Min Pao (A vida quotidiana do povo) em Tóquio e advogando o nacionalismo, os que entravam em controvérsia conosco argumentavam que nós não nos tornamos um povo vassalo quando os mandchus subjugaram a China! Uma vez que o direito de governar a China havia sido conferido aos mandchus pelo fato de que o título de Lung-hu (general) lhe havia sido dado pelo Imperador Ming, os mandchus não derrubaram a dinastia Ming, mas simplesmente a sucederam no trono hereditário — uma nova dinastia, é verdade, mas não reinando sobre uma nação submetida! Sim, um ex-inspetor geral de alfândegas britânicas de nome Hart, foi também nomeado ministro do Conselho de Finanças. Se ele conquistasse a China e se tornasse imperador, poderíamos dizer que a China não seria uma nação subjugada? Esses críticos não apenas empregam clichês para sustentar os mandchus, mas até organizaram uma sociedade pró-monarquista, denominada Pao-huang-tang, para defender o imperador mandchu e esmagar o espírito nacional do povo chinês. Esses monarquistas não eram mandchus, lembrem-se. Eram todos chineses e encontraram a melhor acolhida entre os chineses que vivem no exterior. Mais tarde, quando as ideias revolucionárias começaram a florescer, esses emigrantes, gradualmente, modificaram sua atitude para apoiar a Revolução, e as sociedades revolucionárias multiplicaram-se além-mar.
A Hung-mên San-ho-hui (também chamada Chih-kung-tang) era uma delas, cujo objetivo era a oposição aos mandchus e à restauração da dinastia Ming. Acalentava um forte espírito nacionalista. Mas, quando as ideias pró-monarquistas se propagaram no exterior, essas sociedades tornaram-se pró-monarquistas, e apenas cogitavam de manter o “Grande Puro” (título da dinastia mandchu) em seu trono. Essa reversão das sociedades nacionalistas em organizações pró-monarquistas mostra até que ponto a China havia perdido seu espírito nacional.
Quando nos referimos a essas sociedades revolucionárias secretas, devemos procurar saber alguma coisa sobre suas origens. Eram bastante poderosas durante o reinado do imperador mandchu Kang Hsi. Depois de Shun Chi ter derrubado a dinastia dos Mings e de se ter tornado o senhor da China, os ministros e eruditos leais da dinastia Ming levantaram-se em oposição. Até os primeiros anos do reinado de Kang Hsi já havia resistência e a China não havia ainda sido completamente subjugada pelos mandchus. Nos últimos anos do reinado de Kang Hsi, quando os veteranos da dinastia Ming estavam desaparecendo lentamente do proscênio, um grupo de nacionalistas ardorosos, que compreenderam que seu prestígio se havia desvanecido e que não contavam com suficiente força para lutar contra os mandchus, lançaram suas vistas sobre a sociedade e conceberam um plano para organizar sociedades revolucionárias secretas. Eram homens de grande visão e de profundo julgamento bem como observadores argutos da sociedade, justamente na época em que estavam organizando as diversas sociedades, Kang Hsi inaugurava o sistema de exames, conhecido por Po-hsueh Hung-tzu, que apanhou quase todos os velhos eruditos da dinastia Ming na rede do serviço administrativo do governo mandchu. Um grupo de homens dos mais esclarecidos dentre eles viu que não podia depender dos literati para manter vivo o espírito nacional, voltando-se, assim, para as camadas mais baixas da sociedade, para a classe sem lar, que vivia às margens dos rios e lagos. Congregaram essas classes, organizaram-nas em grupos e deram-lhe o espírito de nacionalismo para que o preservassem e perpetuassem. Devido ao fato desse povo provir da classe mais baixa da sociedade, em razão do rude procedimento que o tornava desprezado, e porque usasse uma língua, que não era falada pelas classes educadas, para a propagação de suas doutrinas, seu papel (no movimento anti- dinástico) atraiu pouca atenção. Esses veteranos da dinastia Ming demonstraram verdadeiro conhecimento e discernimento em seu plano para salvaguardar o ideal nacionalista. Exatamente como procedem os ricos, cujos tesouros, em tempo de paz, são naturalmente guardados em dispendiosas caixas de ferro, quando vêm saqueadores violando seus lares, e que se mostram temerosos de que essas dispendiosas caixas sejam os primeiros objetos que atraíam a atenção deles, e, portanto, ocultam esses tesouros em lugares que passem despercebidos, e possivelmente, durante a época de extremo perigo, no meio da pior sujeira, assim, também, os veteranos da dinastia Ming, tentando preservar os tesouros da China, procuraram escondê-lo na classe mais baixa e mais rude da sociedade. Destarte, não importa quão despótico o governo mandchu tivesse sido nos últimos dois séculos, o espírito nacional foi conservado nos códigos verbais, transmitidos por essas sociedades secretas. Quando a Sociedade Hung-mên pretendeu derrubar os mandchus e restaurar os Mings, por que não plantaram suas ideias nacionalistas entre os intelectuais e não a transmitiram à posteridade através da literatura, na frase de um famoso historiógrafo, Sau Ma Chien, a fim de “armazená-las nas famosas montanhas e legá-las a homens dignos”? Porque, quando os veteranos da dinastia Ming viram os mandchus inaugurando seu sistema de exames e assistiram o fato de quase todos os homens de saber serem atraídos por ele, perceberam que a classe intelectual não merecia confiança, que “o tesouro não podia ser guardado nas famosas montanhas e legado a homens dignos”, e devia, portanto, ser oculto na classe mais baixa da sociedade. Desta maneira, voltaram-se para as sociedades secretas, cuja organização e métodos de iniciação eram simples e adaptáveis, confiando-lhes a preservação do nacionalismo, não através da literatura, mas pela linguagem oral. Assim, é-nos muito difícil hoje abordar a história da origem dessas sociedades, porque apenas dispomos de informações incompletas transmitidas pela tradição oral. Aliás, mesmo que as sociedades tivessem tido uma literatura, esta teria sido destruída no reinado de Chien Lung.
Durante os reinados de Kang Hsi e de Yun Chêng, a agitação antidinástica era ainda poderosa, e o governo publicou muitos livros importantes, como o Ta-i-chio-mi-lu. Esses livros argumentavam que os chineses não deviam opôr-se à dominação mandchu, sob a justificação de que Shun (imperadores remotos da China) eram “bárbaros” orientais, e que os mandchus, sendo também “bárbaros”, poderiam ser imperadores da China, o que mostra que Kang Hsi e Yun Chêng eram, pelo menos, honestos em reconhecerem-se mandchus. Mas, na época de Chien Lung, as palavras Man e Han (Mandchu e Chinês) foram proscritas do vocabulário, as histórias revistas e tudo o que se referia às relações entre os Sung e os mongóis, ou entre as dinastias Ming e mandchu, foi banido. Todas as histórias dos mandchus, dos hunos e tártaros foram condenadas, destruídas e proibidas de serem guardadas ou lidas. Depois de vários casos, em que muitas vidas foram sacrificadas devido à confecção ou leitura de livros proibidos, o espírito nacional chinês, que havia sido preservado na literatura, foi sendo gradualmente destruído. Até à metade da dominação mandchu, a única sociedade que continuara com ideias nacionalistas foi a ordem secreta Hung-mên.
Quando Hung Hsiu Chuan (líder da Rebelião de Taiping) deflagrou sua revolta, os membros da Hung-mên aderiram em massa, e o nacionalismo teve novo surto. Não se deve esquecer que o nome Hung-mên não proveio de Hung Hsiu Chuan, mas provavelmente ou de Chu Hung Wu ou de Chu Hung Chu (sob cuja direção estalou uma revolta no reinado de Kang Hsi). Depois da queda de Hung Hsiu Chuan, a corrente de nacionalismo passou a fluir através do Exército e da classe nômade. As tropas, nessa época, como era o caso das divisões de Hunan e do rio Huai, pertenciam às sociedades, e as fraternidades de Ching-pang e Hung-pang, que existem hoje, originaram-se das sociedades militares. Os veteranos de Ming propagaram as ideias nacionalistas pelas classes baixas. Mas, devido ao seu grau infantil de compreensão, as classes baixas não sabiam como tirar vantagens dessas ideias, transformando-se, ao contrário, em instrumentos de outros. Na época de Hung Hsiu Chuan, quando a ideia da restauração estava penetrando no seio do Exército, a Hung-mên fracassou ao tirar partido dessa situação e seus membros continuaram no serviço dos mandchus como soldados. O seguinte incidente demonstrará minha assertiva.
Nessa mesma época, quando Tso Tsung Tang estava conduzindo suas tropas para submeter Sinkiang, ele partira de Hankow, atravessando o rio Yangtze, na direção de Sian, com grande número de soldados do Hunan e do vale de Huai. Nesse tempo, as sociedades revolucionárias do vale do rio das Pérolas eram denominadas San-ho-hui (Ordem do Trio) e as sociedades do vale do Yangtze, Ko-lae-hui (Ordem dos Irmãos e dos Venerandos). O líder da última ordem tinha o título de “Cabeça do Grande Dragão”. Um determinado Cabeça do Grande Dragão perpetrou um delito no Baixo Yangtze, fugindo para Hankow. Os mensageiros mandchus eram muito rápidos na transmissão de notícias, porém os cavaleiros da “Ko-lao-hui” eram mais velozes ainda. Quando as tropas do general Tso Tsung Tang estavam em movimento, seu comandante notou certo dia que seu Exército havia tomado espontaneamente um dispositivo de marcha, formando longa linha de vários quilômetros de comprimento. Ficou bastante perplexo, sem atinar com os motivos. Logo depois, recebia uma comunicação do vice-rei das duas províncias de Kiang (Kiangsu e Kiangsi), informando-lhe que um notório chefe de bandidos estava fugindo de Hankow para Sian e pedindo-lhe que prendesse o fugitivo. O general Tso não dispunha de meios para executar a ordem imediatamente, e, assim, tratou-a como uma simples questão de rotina burocrática, protelando-a. Depois, observou séria comoção na longa linha de suas forças e ouviu todos os soldados dizer que iriam dar as boas vindas à “Cabeça do Grande Dragão”, o que o deixou ainda mais confuso. Mas, quando verificou que a Cabeça do Grande Dragão, a quem os seus soldados estavam se preparando para acolher, não era outro senão o chefe de bandidos que o vice-rei queria que. fosse preso, tornou-se extremamente agitado e perguntou imediatamente a seu ajudante:
— Quem é esse Ko-lao-hui de quem ouço falar? E qual é a relação de sua Cabeça do Grande Dragão com o chefe de bandidos?
O ajudante respondeu:
— Em nosso Exército, desde o soldado até o oficial de graduação mais alta, todos são membros da Ko-lao-hui. E essa Cabeça do Grande Dragão, cuja prisão é ordenada, é o chefe da nossa Ko-lao-hui.
Depois, o general Tso perguntou:
— Então, como poderei manter a coesão de meu Exército?
Seu ajudante respondeu:
— A única maneira de conservar o Exército intacto é que vós vos torneis membro da Cabeça do Grande Dragão. Se vos recusardes, devereis perder as esperanças de que marchemos sobre Sinkiang.
O general Tso não podia descortinar método melhor. Além do mais, convocou um conselho de campanha e tornou-se a Cabeça do Grande Dragão, colocando essa sociedade secreta sob seu comando. Disso se depreende que a subsequente pacificação do Sinkiang, levada a efeito pelo general Tso, não se deveu à sólida autoridade do governo mandchu, mas graças às ideias e ao espírito dos veteranos da dinastia Ming. O nacionalismo foi preservado desde o início da dinastia mandchu. Mas, quando Tso Tsung Tang se tornou a Cabeça do Grande Dragão e se pôs ao par do funcionamento da sociedade revolucionária, destruiu a chefia militar e toda a organização, de tal modo, que, em nossa recente Revolução, não dispúnhamos de nenhum corpo organizado em que nos apoiar. A Sociedade Hung-mên transformara-se em instrumento e o espírito nacional da China fora então perdido.
Hoje, quero referir-me às razões dessa perda de nosso nacionalismo. Há muitas razoes, das quais a maior é a nossa sujeição às raças alienígenas. Quando uma raça conquista outra não permite, naturalmente, que o povo subjugado mantenha um pensamento independente. O Japão, por exemplo, agora, que exerce controle sobre a Coreia, está tentando converter os espíritos dos coreanos. As ideias nacionalistas são expungidas dos livros escolares coreanos, de modo que daqui a trinta anos, as crianças da Coreia desconhecerão a existência de uma Coreia ou que são coreanas. A Mandchúria alimentou, outrora, os mesmos desígnios quanto a nós. O povo conquistador tenta destruir essa preciosa possessão do povo submetido. Os mandchus, com esse propósito em mira, empregaram os métodos mais ardilosos. Kang Hsi baniu certos livros, porém, Chien Lung foi ainda mais astuto no esmagamento do espírito nacional. Kang Hsi declarou que viera dos céus para ser imperador da China e concitava o povo a não resistir aos céus. Mas, Chieng Lung eliminou todas as distinções entre os mandchus e chineses, de modo que a classe intelectual, em sua maioria, depois disso, perdeu sua consciência nacional. Essa consciência foi legada às classes baixas, porém, apesar de saberem que deviam matar os tártaros, elas não sabiam porque. Assim, os ideais nacionalistas da China desapareceram durante centenas de anos, devido a esse ardil dos mandchus.
O nacionalismo da China foi originariamente esmagado pelo domínio alienígena, mas existiram outras raças subjugadas, além da chinesa. Os judeus perderam sua pátria e, antes da época de Jesus, haviam se tornado povo conquistado. Quando Jesus estava pregando, seus partidários o consideravam um revolucionário e queriam que ele se convertesse em líder revolucionário. Foi denominado “Rei dos Judeus”. Os pais de dois discípulos disseram certa vez a Jesus:
— Senhor, se realizardes vosso propósito, permiti que nosso primogênito se sente à vossa esquerda, e nosso segundo filho à vossa direita”, correspondendo às posições do primeiro ministro da esquerda e da direita da China, o que mostra que os discípulos consideravam Jesus como um revolucionário.
É provável que a religião de Jesus contivesse algumas ideias de revolução política, mas um de seus discípulos pensou que a revolução política havia fracassado, traindo seu mestre. Ele não compreendeu que Jesus era um revolucionário religioso, que considerava sua pátria o Reinado dos Céus. Assim, apesar de seu Estado ter sido destruído, a raça judaica sobreviveu desde a época de Cristo. Ou considerai o caso da Índia, também uma nação conquistada, cujo espírito nacional não foi imediatamente destruído pela conquista estrangeira, como aconteceu na China. Ou da Polônia, que, apesar de ter sido nação vassala durante um século, é dotada de uma consciência nacional inconquistável. Assim, depois da Guerra Europeia, os poloneses reviveram seu velho Estado e tornaram-se, agora, uma das potências de segunda ou terceira categoria da Europa.
Com essa comparação, vê-se que a China é uma nação submetida, semelhante à Judeia, à Índia e à Polônia. Então, por que não perderam essas raças seu espírito nacional, enquanto a China, depois de dois períodos de subjugação, teve seu orgulho nacional completamente destruído? É fato bastante estranho, e o estudo de suas causas é muito interessante. Antes da China ser subjugada, tinha um povo muito culto e um poderoso Estado. Chamava-se a si própria a “nação majestosa”, a “Terra das letras e objetos famosos”, e considerava os outros países como bárbaros. Ela pensava estar situada no centro do mundo e cognominava-se o “Reinado do Meio”. Outras expressões, como a “Grande Unificadora”, “Os Céus têm apenas um sol, o povo apenas um rei”, “A aristocracia de todas as nações curva-se diante da Corôa e das pérolas”, datam de antes do período da sujeição da China, quando seu nacionalismo estava lentamente evoluindo para o cosmopolitismo e as gerações, que se sucediam, lançavam mão do imperialismo para subjugar outras raças. Chang Po Wang e Fan Ting Yuan, da dinastia de Han, destruíram trinta Estados da mesma maneira que Clive, o gerente da Companhia da Índia Oriental, submeteu dezenas de Estados indianos ao seu domínio. Durante milhares de anos, a China tentou realizar a conquista do mundo, porém, seus métodos não eram tão cruéis como os dos europeus. A China empregava meios pacíficos para influenciar as outras nações e o que era denominado a “norma real” para trazer os Estados menores e mais fracos para seu domínio. Se continuarmos nessa exposição, começaremos a ver porque a China perdeu seu espírito nacional, enquanto outras raças, como os judeus, a conservaram durante dois mil anos, e porque a China, tendo sido nação vassala durante apenas 300 anos, perdeu todo seu nacionalismo.
Estudar essas causas é como fazer o diagnóstico de um homem doente. Qualquer doença que uma pessoa venha a contrair pode ser atribuída ou a uma fraca constituição ou a alguma fraqueza, que se originou antes de ficar doente. Antes da China ter perdido sua soberania, já existiam os sintomas de doença em seu sistema e que, logo que sofreu a conquista, começaram a provocar a decadência de seu espírito nacional. As causas ocultas jazem no fato de ter a China sido, durante milênios, um Estado imperialista, como a Grã-Bretanha e a Rússia pré-revolucionária, que têm figurado entre os Estados mais poderosos do mundo. O antigo imperialismo da China sobrepujava, provavelmente, o moderno e florescente imperialismo da Grã-Bretanha.
Uma nova teoria está aparecendo na Inglaterra e na Rússia, apresentada por intelectuais, que se opõem ao nacionalismo, sob a alegação de que se trata de uma doutrina estreita e antiliberal, advogando simplesmente o cosmopolitismo. Atualmente, a Inglaterra e, outrora, a Rússia e a Alemanha, juntamente com os jovens advogados modernos da nova cultura na China, apoiam essa doutrina e amaldiçoam o nacionalismo. Constantemente, ouço os jovens dizerem:
— Os princípios de “San Ming” não são adaptáveis às tendências dos tempos modernos; a mais moderna e a melhor doutrina é a do cosmopolitismo.
Será realmente? Então, por que a China, logo que foi conquistada, perdeu inteiramente seu espírito nacional? O cosmopolitismo é a mesma coisa que a teoria chinesa sobre o império mundial de há 2.000 anos atrás. Quando estudamos essa teoria, achamo-la viável ou não? Teoricamente, poderíamos considerá-la uma boa teoria, e, porque a classe intelectual da China a tivesse esposado, os mandchus foram capazes de atravessar as fronteiras chinesas, e toda a nação foi por eles subjugada. Kang Hsi referia-se ao cosmopolitismo, declarando que Shun era um “bárbaro” oriental, Wên Wang, um “bárbaro” ocidental, e uma vez que os bárbaros do Oriente e do Ocidente podiam ser imperadores da China, não havia distinção entre o bárbaro e Hua-hsia (o velho nome da China) — isto é cosmopolitismo. Não podemos prejulgar se uma ideia é boa ou má sem vê-la em funcionamento. Se a ideia se reveste de valor prático para nós e para o mundo, é boa. Se não é prática, não pode ser boa.
As nações, que estão empregando o imperialismo para conquistar outras e que estão tentando manter suas posições favorecidas como senhoras soberanas de todo o mundo, estão advogando o cosmopolitismo e querem que o mundo adira a essa ideia. A China, outrora, pretendeu ser a senhora soberana da terra e permanecer acima de todas as outras nações. Destarte, esposou o cosmopolitismo. Devido à massa do povo ter sido influenciada por essa concepção, os mandchus vieram, a princípio, em pequenos números, não mais de cem mil. Como puderam esses poucos conquistar centenas de milhões? Porque a maioria dos chineses, nessa época, acreditava no cosmopolitismo e não no nacionalismo, acolhendo qualquer personalidade como imperador da China. Assim, apesar de Shih Ko Fah ter se oposto aos mandchus, tivera muito poucos aderentes para resistir-lhes com êxito, enquanto a maioria dos chineses acolhia os mandchus, permitindo que se apoderassem do trono. E, não somente acolheram prazenteiramente os mandchus, como também se alistaram sob a bandeira mandchu, tornando-se mandchus na chamada divisão chinesa do Exército mandchu.
Os Estados mais poderosos do mundo, atualmente, são a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Há vários grandes Estados, as chamadas grandes potências, cuja política e caráter não sofreram ainda qualquer modificação de relevo. Mas, no futuro, a Inglaterra e os Estados Unidos poderão ser capazes de esmagar o grupo de potências e tornarem-se as únicas grandes potências. Suponhamos que isto acontecesse e que a Inglaterra subjugasse a China e nosso povo se tornasse inglês. Seria isso vantajoso para nós? Se os chineses tivessem de naturalizar-se súditos britânicos ou americanos e auxiliassem a Inglaterra ou a América a destruir a China, justificando-se com o princípio do cosmopolitismo, pergunto-vos, vossa consciência ficaria tranquila? Se nossas consciências se sentem magoadas, é porque ainda temos certa soma de sentimentos nacionalistas. Assim, o nacionalismo é uma possessão preciosa pela qual a humanidade mantém sua existência. Exatamente como o sábio usa a pena como instrumento para ganhar sua subsistência, também a família humana emprega o nacionalismo como um meio de sua subsistência. Se o nacionalismo decai, o cosmopolitismo florescerá, e nós seremos incapazes de sobreviver. Seremos eliminados, no processo da seleção natural, por outras raças. Os antigos chineses disseram: “Que sejam banidas as três tribos Maio para os Três Wei”, e expulsou-as para as fronteiras de Yunnam e de Kweichow, de modo que quase desapareceram sem esperanças de manter sua existência. Essas três tribos Maio foram as primeiras que povoaram a China. Algum dia, nós, chineses, poderemos ficar em sua posição.
No que diz respeito à origem da raça chinesa, diz-se que as “cem famílias” de nosso povo vieram do Ocidente, caminhando sobre o Tsung Ling, até o Tien Shan, através do Sinkiang e do vale do rio Amarelo. Quanto ao lugar de origem da cultura chinesa, há uma teoria, que nos parece razoável, pois se a cultura chinesa não se tivesse originado fora das fronteiras, mas se desenvolvido no país, o vale do rio da Pérola, segundo todos os princípios naturais, teria sido seu berço, e não o vale do rio Amarelo. O vale do rio da Pérola tem um clima temperado, uma produção abundante, e, aí, as condições de vida são fáceis; deveria ter produzido uma civilização. Mas, se estudarmos a história, veremos que Yao, Shun, Yu, Tang, Wên e Wu não nasceram no vale do rio da Pérola, mas no Noroeste da China. Na época da dinastia Han, o vale do rio da Pérola era ainda uma região bárbara, de modo que a civilização chinesa deve se ter originado no Noroeste da China e em outros países. Os chineses referem-se a seus “cem nomes” de família. Os eruditos estrangeiros dizem que, nos tempos antigos, uma raça de “cem nomes” viveu muito a Oeste, transferindo-se mais tarde para a China, onde, ou destruiu a raça “miao” ou amalgamou-se com ela, formando a atual raça chinesa.
Segundo as leis naturais da evolução, os aptos sobrevivem e os incapazes perecem, os fortes triunfam e os fracos são derrotados. Contamos com uma raça forte ou fraca, apta ou incapaz? Nenhum de nós, mostra-se disposto a ver nossa raça perecer ou fracassar. Todos desejamos que a raça sobreviva e triunfe. Trata-se de sentimentos naturais, instintivos. Mas nosso país encontra-se hoje numa posição muito perigosa. Parece que nossa raça perecerá com toda a certeza, devido a três forças destruidoras — o crescimento de outras populações e a dominação estrangeira, política e econômica. O controle político e econômico está nos empurrando atualmente para a parede, porém, nosso país é ainda vasto e nós não adquirimos facilmente a consciência da pressão das populações em crescimento no resto do mundo. Mas, daqui a cem anos, a teremos. Devido ao fato de termos perdido nosso espírito nacional, abrimos as portas para a penetração das forças políticas e econômicas, o que nunca teria acontecido, se tivéssemos preservado nosso nacionalismo.
É difícil explicar exatamente como perdemos nosso nacionalismo. Para ilustrar o fato, narrarei uma história, que poderá parecer estranha à nossa tese, mas, talvez, (torne mais claras as causas às quais estou me referindo. Trata-se de um incidente, a que tive ocasião de assistir pessoalmente em Hong Kong. Havia um coolie, que trabalhava todos os dias nos cais, transportando a bagagem dos passageiros com sua vara de bambu e com suas cordas. Essa ocupação fornecia-lhe diariamente os meios de subsistência. Ao cabo de algum tempo, conseguiu economizar mais de 10 dólares. Nesse tempo, as loterias de Luzon estavam florescendo e esse coolie empregou suas economias para adquirir um bilhete de loteria. Não tinha um lar e lugar nenhum para guardar suas coisas, nem tão pouco o bilhete de loteria que comprara. Todos seus instrumentos de trabalho consistiam na vara de bambu e nas duas cordas, que carregava consigo para onde quer que fosse. Assim, escondeu o bilhete na vara de bambu, e uma vez que não podia estar sempre olhando o bilhete, fixou indelevelmente na mente seu número, sempre pensando nele. Quando chegou o dia da extração, dirigiu-se ao centro lotérico para conferir o bilhete e logo verificou, na lista, que havia ganho o primeiro prêmio, num total de 100.000 dólares. Estava extasiado, quase ficou louco de alegria. Pensando que não teria mais de continuar a ser coolie e de manejar a vara de bambu e as cordas, que seria de agora em diante nm homem rico, atirou alegremente a vara e. as cordas ao mar!
A vara de bambu do coolie pode ser comparada ao nacionalismo — um meio de existência. O contemplado com o primeiro prêmio pode representar a época em que florescente imperialismo chinês estava evoluindo para o cosmopolitismo e quando nossos antepassados, acreditando que a China era o grande Estado-mundo; que os “céus têm um só sol, e o povo um só rei”; que a “aristocracia de todas as nações se curvam perante a Corôa e as pérolas’’; que a paz universal prevaleceria de então em diante e que a única coisa necessária era uma harmonia mundial, na qual o resto do mundo pagaria seu tributo à China; atiraram fora o nacionalismo, como o coolie jogou sua vara e as cordas ao mar. Depois, quando a China foi subjugada pelos mandchus, não apenas deixou de ser a senhora do mundo, mas até fracassou na conservação da propriedade da pequena família intacta. O espírito nacional do povo foi destruído, exatamente como a vara de bambu do coolie foi jogada ao mar.
Quando os soldados mandchus transpuseram a Grande Muralha, Wu San Kuei era seu guia. Enquanto Shih Ko Fah tentou esposar a causa nacionalista, propondo a eleição de um príncipe chinês, Fuh Wang, para o trono e a restauração dos Mings, em Nanquim, o mandchu To Erh Kun (Durgan) declarou-lhe:
— Não tomamos esses rios e montanhas da grande dinastia dos Ming, mas do rebelde Li Chuang.
Queria ele dizer, com isso, que os rios e montanhas dos Mings foram jogados fora por eles próprios, exatamente como o coolie lançou ao mar sua vara de bambu. Esses estudantes, que falam de uma nova cultura e esposam o cosmopolitismo, declarando que o nacionalismo está fora da época, poderiam ter alguma razão se estivessem falando pela Inglaterra ou pela América, ou mesmo pelos nossos antepassados. Mas, se pensam que estão falando pelos chineses de hoje, não temos lugar para eles em nossa nova ordem. Antes da Alemanha ter sido represada, não falava de nacionalismo, mas de um Estado mundial — cosmopolitismo. Suspeito que a Alemanha de hoje está deixando de pregar o cosmopolitismo e está começando a cuidar do nacionalismo! Se nossos antepassados não tivessem lançado fora a vara de bambu, poderíamos ter conquistado o primeiro prêmio, porém fizemo-lo demasiado cedo, esquecendo-nos que o bilhete estava oculto nela. Logo que sentimos o jugo da dominação política e econômica estrangeira e verificamos a existência das forças da seleção natural, começamos a defrontar a trágica possibilidade de uma nação perdida e de uma raça em processo de extinção.
Se, nós, chineses, pudermos, no futuro, encontrar uma fórmula para reviver nosso nacionalismo, pudermos descobrir outra vara de bambu, então, não importa quão intensamente as forças políticas e econômicas estrangeiras nos oprimam, sobreviveremos através da história. Não podemos neutralizar as forças da seleção natural. A preservação pelos céus de nossos 400 milhões de compatriotas, até agora, mostra que não quiseram que fôssemos destruídos. Se a China perecer, a culpa recairá sobre nossas cabeças e seremos os grandes pecadores do mundo. Os céus colocaram grandes responsabilidades sobre nós, chineses. Se não nos amarmos mutuamente, seremos considerados rebeldes perante os céus. A China atingiu uma fase de sua história, em que cada um de nós tem, sobre os ombros, uma grande responsabilidade. Se os céus não nos querem eliminar, é evidente que desejam fomentar o progresso no mundo. Se a China perecer, sê-lo-á nas mãos das grandes potências, que, assim, estarão obstruindo o progresso do mundo. Ontem, um russo declarou-me:
— Por que Lenine foi atacado por todas as potências? Por que ousou declarar que o povo de todo mundo estava dividido em duas classes — os 1.250.000.000 e os 250 milhões; os 1.250.000.000 eram oprimidos pelos 250 milhões, que não agiam em harmonia com a natureza, mas sim desafiando-a. Só quando resistimos à força é que agimos em harmonia com a natureza.
Se quisermos resistir à força, deveremos congregar nossos 400 milhões de compatriotas e uni-los aos 1.250.000.000 do mundo. Deveremos esposar o nacionalismo e, antes de tudo, atingir à nossa própria unidade, para, depois, considerarmos a situação dos outros e auxiliarmos os povos menores, mais fracos a se unirem na luta comum contra os 250 milhões, juntos, utilizaremos o direito para combater a força, e quando esta for derrubada e as ambições egoísticas tiverem desaparecido, poderemos, então, falar sobre cosmopolitismo.
A expansão das raças brancas. — Dominação dos anglo-saxões. — Causas da Guerra Mundial: rivalidades raciais e luta por territórios. — Os Estados Unidos entraram na guerra devido à sua afinidade racial com a Inglaterra. — Efeitos do princípio da “autodeterminação'” para as pequenas nações proposto por Wilson. — Traição desse ideal depois da guerra. — A guerra é, na verdade, um conflito de imperialismos. -- Um resultado esperançoso da guerra, a Revolução Russa. — A próxima luta mundial entre oprimidos e opressores. — O antigo e benevolente imperialismo da China comparado com o imperialismo moderno. — O domínio americano das Filipinas. — Uma palestra com o cônsul britânico durante a Grande Guerra, a respeito da entrega da China. — Objetivos hipócritas dos Aliados. — Paralelos na antiga China com as modernas ideias políticas. — A civilização europeia é superior à chinesa apenas no aspecto material. — A ciência ocidental é uma realização recente. — A China deve acalentar seus antigos ideais. — O nacionalismo precede o internacionalismo.
A população do mundo é, hoje, aproximadamente, de l bilião e meio de habitantes. Um quarto dessa população vive na China, o que significa que, de cada quatro habitantes do mundo, um é chinês. A população total das raças brancas da Europa é de 400 milhões. O ramo branco da humanidade, que é, atualmente, o mais florescente, abrange quatro raças. Na Europa Central e Setentrional, os teutônicos, que fundaram muitos Estados, o maior dos quais é a Alemanha, e os outros, a Suécia, Noruega, Holanda e Dinamarca. Na Europa Oriental os eslavos, que também fundaram certo número de Estados, o maior sendo a Rússia, e, depois da Guerra Europeia, a Iugoslávia e a Tchecoslováquia, em importância secundária. Na Europa Ocidental, os saxões ou anglo-saxões, que fundaram dois grandes Estados — a Inglaterra e os Estados Unidos da América. Na Europa Meridional, os latinos, que fundaram diversos Estados, sendo o maior a França, e os outros, a Itália, Espanha e Portugal, e que emigraram para a América do Sul, formando Estados, a exemplo dos anglo-saxões, que emigraram para a América do Norte e criaram o Canadá e os Estados Unidos. Os povos brancos da Europa contam somente com 400 milhões e estão divididos em quatro grandes grupos, que estabeleceram muitos Estados. Devido ao espírito nacionalista da raça branca ter sido altamente desenvolvido, quando povoou inteiramente o continente europeu, expandiu-se para as Américas do Norte e do Sul, no Hemisfério Ocidental, e, para a África e Austrália, no Sul e no Leste do Hemisfério Oriental.
Os anglo-saxões, presentemente, ocupam mais espaço, no globo, do que qualquer outra raça. Apesar dessa raça ter se originado na Europa, o único solo europeu que detém são as Ilhas Britânicas — Inglaterra, Escócia e Irlanda — que ocupam a mesma posição, no Atlântico, do Japão no Pacífico. Os anglo-saxões estenderam seus territórios, para o Oeste, até a América do Norte, para Leste, até a Austrália e a Nova Zelândia, e para o Sul, até a África, possuindo mais terras e sendo mais ricos e poderosos do que qualquer outra raça. Antes da Guerra Europeia, os teutônicos e os eslavos eram as raças mais fortes. Além do mais, devido à sagacidade e à habilidade dos povos teutônicos, a Alemanha foi capaz de congregar mais de vinte pequenos Estados numa grande confederação germânica. No início, era uma nação agrícola, desenvolvendo-se numa nação industrial e, graças à sua prosperidade industrial, seu Exército e Marinha, tornaram-se consideravelmente poderosos.
Antes da Guerra Europeia, todas as nações europeias haviam sido envenenadas pelo imperialismo. Que é imperialismo? É a política de agressão executada contra outros países por meio da força política ou, segundo a expressão chinesa, por meio da “agressão de longo alcance”. Como todos os povos da Europa estavam imbuídos com essa política, as guerras irrompiam frequentemente. Em quase todas as décadas assistia-se a, pelo menos, uma pequena guerra e em todos os séculos, a um grande conflito. O maior de todos foi a recente Guerra Europeia, que pode ser classificada de Guerra Mundial, porque envolveu todo o mundo, arrastando para seu vórtice todas as nações e povos. As causas da Guerra Europeia foram, em primeiro lugar, a rivalidade existente entre as raças saxônica e teutônica em torno do controle dos mares. A Alemanha, em seu surto de grandeza, desenvolvera sua marinha até se tornar a segunda potência marítima do mundo. A Grã-Bretanha queria assegurar o domínio dos mares com sua marinha, de modo que tentou destruir a Alemanha, cujo poder marítimo se aproximava do seu. Dessa luta pela supremacia marítima, proveio a guerra.
Uma segunda causa foi a luta em que todas as nações se empenharam em busca de novos territórios. Na Europa Oriental, há um Estado fraco, a Turquia. Durante os últimos cem anos, os povos do mundo chamam-na de “o homem doente da Europa”. Devido ao fato de seu governo ser pouco esclarecido e o sultão, despótico, tornou-se extremamente fraca, e as nações europeias queriam desmembrá-la. Em razão da questão turca não ter sido resolvida durante um século e todas as nações da Europa tentarem resolvê-la, irrompeu a guerra. A primeira causa da Guerra Europeia foi, então, a luta entre as raças brancas em busca da supremacia. A segunda causa foi o esforço para a solução de problemas críticos mundiais.
Se a Alemanha tivesse ganho a guerra, deteria o poder supremo nos mares e a Grã-Bretanha teria perdido todos seus territórios, dissolvendo-se como o velho Império Romano. Mas, o resultado da guerra foi a derrota da Alemanha e o fracasso de seus desígnios imperialistas.
A recente guerra europeia foi a guerra mais terrível que a história do mundo regista. De 40 a 50 milhões de homens estiveram em armas durante um período de quatro anos, e, próximo ao fim da guerra, não se podia ainda esclarecer distinção entre conquistadores e vencidos. Uma coalisão era denominada a Entente, a outra as Potências Aliadas. As Potências Aliadas (Potências Centrais), a princípio, abrangiam a Alemanha e a Áustria. Mais tarde, a Turquia e a Bulgária juntaram-se a elas. As Potências da Entente (Aliados), no início, compunham-se da Sérvia, França, Rússia, Inglaterra e Japão. Os Estados Unidos e a Itália entraram mais tarde nesta coalisão. A entrada dos Estados Unidos na guerra foi devida inteiramente a considerações raciais. Durante os primeiros dois anos da contenda, a Alemanha e a Áustria estiveram em ascendência. Paris e o Canal da Mancha quase foram capturados pelos Exércitos alemães e austríacos. Os teutônicos pensavam que a Grã-Bretanha já estava exausta, e. os próprios britânicos mostravam-se bastante alarmados. Constatando que o povo americano era da mesma raça, os britânicos utilizaram-se dessa afinidade racial para agitar o povo dos Estados Unidos. Quando a América compreendeu que a Inglaterra, de raça idêntica à sua, estava em perigo de ser destruída pela Alemanha, habitada por uma raça estrangeira, inevitavelmente “a criatura se preocupa pela sua espécie”, a América lançou seus destinos na contenda para defender a existência dos anglo-saxões. Além do mais, temendo que sua própria força fosse insuficiente, a América tentou, com toda sua influência, arrastar os países neutros do mundo à guerra, num esforço comum para derrotar a Alemanha.
Durante a guerra, circulou uma grande expressão utilizada pelo Presidente Wilson e acolhida calorosamente em todas as partes — “a autodeterminação dos povos. Devido ao fato da Alemanha estar utilizando a força militar para esmagar os povos da Entente Europeia, Wilson propôs a destruição do poderio alemão e a concessão de autonomia aos povos menores e mais fracos. Sua ideia teve acolhida calorosa em todo o mundo, e, apesar do povo da Índia ainda se opôr à Grã-Bretanha, seu destruidor, muitos povos pequenos, quando ouviram Wilson declarar que a guerra estava sendo travada em prol da liberdade dos povos fracos e pequenos, proporcionaram generosamente auxílio à Grã-Bretanha. Apesar do Annam ter sido subjugado pela tirania francesa, auxiliou à França durante a guerra, a combater, também porque teve conhecimento das justas propostas de Wilson. E a razão porque outros pequenos povos da Europa, como a Polônia, Tchecoslováquia e a România, se aliaram à Entente contra as Potências Centrais, residiu na enunciação pelo Presidente Wilson do princípio da autodeterminação dos povos. A China, também, sob a inspiração dos Estados Unidos, entrou na guerra. Apesar de não ter enviado Exércitos às zonas de operações, contribuiu, com centenas de milhares de trabalhadores para cavar trincheiras e para outros serviços, atrás das linhas de frente. Em consequência do nobre tema proposto pela Entente, todos os povos oprimidos da Europa e da Ásia acabaram aderindo para auxiliá-la em sua luta contra as Potências Aliadas. Simultaneamente, Wilson propunha, para assegurar a futura paz do mundo, quatorze pontos, dos quais o mais importante era o da autodeterminação dos povos. Quando a vitória e a derrota ainda pendiam na balança, a Inglaterra e a França endossaram valentemente esses pontos, porém, quando a vitória foi conquistada e se iniciaram os trabalhos da Conferência da Paz, a Inglaterra, a França e a Itália compreenderam que a proposta de Wilson, tendente a assegurar a liberdade das nações, colidia seriamente com os interesses de seus imperialismos. E, assim, durante a Conferência, empregaram todos os métodos viáveis para embaraçar a aplicação dos princípios de Wilson. O resultado foi a conclusão de um Tratado de Paz, contendo os termos mais injustos. As nações menores e mais fracas não apenas não lograram obter sua autodeterminação e liberdade, mas, ao contrário, encontraram-se diante de uma opressão mais terrível do que dantes. Isso mostra que os Estados fortes e as raças poderosas já obtiveram ela força a posse do globo e que os direitos e privilégios de outros Estados e nações são monopolizados por elas. Com o objetivo de se assegurarem permanentemente em posições exclusivas e de evitar o ressurgimento dos povos menores e mais fracos, elas entoam loas ao cosmopolitismo, declarando que o nacionalismo é muito estreito. Na realidade, seu internacionalismo não passa de um disfarce do imperialismo e da agressão.
As propostas de Wilson, porém, uma vez apresentadas, não podiam ser retiradas. Todas as nações pequenas e fracas, que haviam auxiliado a Entente a derrotar as Potências Aliadas e que esperavam obter a liberdade como um fruto da vitória, estavam fadadas a sofrer sério desapontamento com os resultados da Conferência de Paz. Então, o Annam, Burma, Java, Índia, o Arquipélago Malaio, a Turquia, a Pérsia, o Afeganistão, o Egito e dezenas de nações fracas da Europa, haviam sido dominadas por uma nova, grande consciência. Viram quão completamente haviam sido enganadas pela advocacia da autodeterminação feita pelas Grandes Potências, e começaram, independente e isoladamente, a pôr em execução o princípio da “autodeterminação dos povos.”
Muitos anos de luta renhida não foram suficientes para destruir o imperialismo, pois essa guerra foi um conflito de imperialismos entre Estados, não uma luta entre a selvageria e a civilização ou entre a força e o direito. Assim, o efeito da guerra foi simplesmente a derrubada de um imperialismo por outro. O que sobreviveu foi o imperialismo. Mas, da guerra, surgiu inconscientemente no coração da humanidade uma grande esperança — a Revolução Russa. A Revolução Russa iniciara-se há muito tempo, antes, em 1905, porém não havia realizado seu propósito. Durante a Guerra Europeia, os esforços dos revolucionários foram coroados de êxito. A razão da deflagração da Revolução foi novamente o despertar em massa do povo, como uma das consequências de suas experiências de guerra. A Rússia enviou mais de 10 milhões de soldados para os campos de batalha, o que não é uma força insignificante. Sem a Rússia, na guerra, as linhas da Entente, na frente ocidental, teriam sido há muito tempo esmagadas pelos alemães. Porque a Rússia estava criando dificuldades aos alemães na frente oriental, as Potências da Entente foram capazes de lutar equilibradamente com a Alemanha durante dois ou três anos e, finalmente, converter suas derrotas em vitória. Exatamente no meio da guerra, a Rússia começou a refletir e compreendeu que, auxiliando a Entente na luta contra a Alemanha, estava simplesmente ajudando diversas forças brutas a combater contra uma força bruta e que, no fim, não seriam colhidos bons resultados. Um grupo de soldados e de cidadãos despertou, desligou-se da Entente, e concluiu uma paz em separado com a Alemanha.
No que concerne a seus interesses legítimos, os povos alemão e russo não tinham absolutamente motivos para se guerrearem. Mas, quando entraram em campo os desígnios imperialistas, competiram, um com o outro, em agressões, até se tornar inevitável o conflito. Além do mais, a Alemanha foi tão além dos limites, que a Rússia, como medida de proteção, não podia deixar de se colocar ao lado da Inglaterra, França e das outras potências. Mais tarde, quando o povo russo despertou e viu que o imperialismo era condenável, iniciou uma Revolução em seu país, derrubando, em primeiro lugar, seu imperialismo, e, ao mesmo tempo, para evitar complicações Com países estrangeiros, celebrou a paz com a Alemanha. Pouco tempo depois, a Entente assinava a paz com a Alemanha e começava a enviar forças para combater a Rússia. Por que? Porque o povo russo compreendera o fato de que seus sofrimentos quotidianos derivavam do imperialismo e que, para se livrar dele, tinham de eliminá-lo e esposar a autodeterminação.
Todas as outras nações se opuseram a essa política e mobilizaram-se para combater a Rússia, apesar das propostas da Rússia e Wilson serem, coincidentemente, semelhantes. Ambas essas opostas declaravam que as nações pequenas e fracas gozam do direito da autodeterminação e da liberdade. Quando a Rússia proclamou esse princípio, os povos pequenos e fracos do inundo deram-lhe um apoio sincero e todos juntos começaram a agir em busca da autodeterminação. A calamitosa guerra, que assolara a Europa, não acarretara, naturalmente, grandes ganhos imperialistas, mas, devido à Revolução Russa, trouxera grande esperança para o coração da humanidade.
Dos 1 bilião e meio de habitantes do mundo, 400 milhões de brancos nos continentes europeu e americano são os mais poderosos, e dessa base as raças brancas começaram a devorar as outras raças. Os aborígenes vermelhos americanos desapareceram, os pretos africanos logo estarão exterminados, a raça parda da Índia está em processo de extinção, as raças amarelas da Ásia estão sendo submetidas à opressão do homem branco e poderão, antes de muito tempo, ser exterminadas.
Mas, os 150 milhões de russos, quando sua Revolução foi coroada de êxito, separaram-se de outras raças brancas e condenaram a conduta imperialista do homem branco. Agora, estão pensando em jogar seus destinos com os povos menores e mais fracos da Ásia na luta contra as raças tirânicas. Assim, apenas 250 milhões de homens das raças tirânicas continuam a agir, mas estão ainda tentando, mediante o emprego de métodos desumanos e da força militar, subjugar os outros 1.250.000.000 de habitantes do globo. Destarte, doravante, a humanidade será dividida em dois campos: de um lado, os 1.250.000.000 e de outro, os 250 milhões de homens. Apesar do último grupo estar em minoria, detém as posições mais poderosas no globo e sua força política e econômica é imensa. Com essas duas forças, puseram-se em campo para explorar as raças menores e mais fracas. Se a força política das Marinhas e dos Exércitos não é suficientemente poderosa, eles aplicam a pressão econômica. Se essa pressão for considerada fraca, intervirão com a força política das Marinhas e dos Exércitos. A maneira porque seu poder político coopera com sua força econômica é semelhante à maneira com que o braço esquerdo ajuda o direito. Com seus dois braços esmagaram do modo mais horrível os 1.250.000.000. Mas “os céus nem sempre atendem os desejos do homem”. A raça eslava de 150 milhões ergueu-se subitamente e desferiu um golpe no imperialismo e capitalismo, entrando em guerra contra a desigualdade, em prol da humanidade. Na minha última conferência, referi-me ao russo, que declarou:
— A razão por que as potências tanto difamaram Lenine foi que ele ousou asseverar que uma maioria de 1.250.000.000 no mundo estava sendo oprimida por uma minoria de 250 milhões.
Lenine não somente declarou isso, como também advogou a autodeterminação para os povos oprimidos e desencadeou uma campanha contra a injustiça a seu favor. As potências atacaram Lenine porque queriam destruir um profeta e um grande homem de visão, bem como obter segurança para si próprias. Mas, os povos, agora, estão precavidos e sabem que os rumores postos em circulação pelas potências são falsos. Não se deixarão enganar novamente. O pensamento político dos povos foi esclarecido até chegar a este ponto.
Agora, queremos reviver o nacionalismo, que a China perdeu, e empregar a força de nossos 400 milhões para lutar pela humanidade contra a injustiça. Esta é nossa divina missão. As potências, temerosas de que alimentemos tais pensamentos, estão apresentando uma doutrina especiosa. Advogam, agora, o cosmopolitismo para nos inflamar, declarando que, à medida que a civilização do mundo avança e a visão da humanidade se amplia, o nacionalismo vai se tornando cada vez mais estreito, inadaptado à época presente, e daí, devermos esposar o cosmopolitismo. Nos últimos anos, alguns jovens chineses, adeptos da nova cultura, têm-se oposto ao nacionalismo, desgarrados por essa doutrina. Não se trata, porém, de uma doutrina sobre a qual as raças injustiçadas devam falar. Nós, os das raças injustiçadas, devemos, em primeiro lugar, recuperar nossa posição de liberdade nacional e de igualdade, antes de estarmos preparados para discutir a doutrina do cosmopolitismo.
A ilustração, que empreguei na minha última conferência, sobre o coolie, que ganhou o primeiro prêmio da loteria, já tornou isso bastante claro. O bilhete de loteria representa o cosmopolitismo; a vara de bambu, o nacionalismo. O coolie, ao ganhar o primeiro prêmio, imediatamente se descartou da sua vara, como nós, embaídos pelas promessas do cosmopolitismo, nos descartamos do nosso nacionalismo. Devemos compreender que o cosmopolitismo decorre do nacionalismo. Se quisermos estender o cosmopolitismo, deveremos, em primeiro lugar, estabelecer firmemente nosso próprio nacionalismo. Se o nacionalismo não se puder tornar forte, o cosmopolitismo certamente não poderá florescer. Assim, vemos que o cosmopolitismo está oculto no coração do nacionalismo, a exemplo do bilhete de loteria, escondido dentro da vara de bambu. Se nos descartarmos do nacionalismo, e começarmos a falar de cosmopolitismo, estaremos procedendo exatamente como o coolie, que atirou a vara ao mar. Poremos o carro diante dos bois.
Disse, antes, que nossa posição não é semelhante à dos anamitas ou coreanos. Eles são povos submetidos e escravos, enquanto que nós não podemos nem sequer ser chamados de escravos. E ainda discorremos sobre o cosmopolitismo e afirmamos não precisar do nacionalismo. Senhores, isso é razoável?
De acordo com a história, nossos 400 milhões de compatriotas também trilharam a estrada do imperialismo. Nossos antepassados, constantemente, empregaram a força política para usurpar domínios das nações menores e mais fracas. Mas a força econômica, nesses tempos, não era uma coisa séria, de modo que nunca fomos culpados de oprimir economicamente outros povos. Depois, comparemos a cultura da China com a antiga cultura da Europa. A Idade de Ouro da cultura europeia foi a da época da Grécia e de Roma, ainda que Roma, no auge de seu poder, era contemporânea da dinastia de Han, na China. Nessa época, o pensamento político da China era bastante profundo. Muitos oradores opunham-se ardorosamente ao imperialismo, tendo-se produzido grande volume de literatura anti-imperialista, entre a qual se destaca a obra Discussões sobre o abandono dos rochedos das Pérolas. Tal literatura opunha-se aos esforços da China para expandir seus territórios e a suas lutas sobre as terras dos bárbaros do Sul, o que mostra que, desde a dinastia de Han, a China já desencorajava as guerras contra os estrangeiros e desenvolvera a ideia da paz em vastas proporções.
Na dinastia dos Sung, a China não só estava deixando de usurpar outros povos, mas ela própria estava sendo invadida por estrangeiros. A dinastia dos Sung foi derrubada pelos mongóis e a nação não reviveu senão na época da dinastia Ming. Depois dessa restauração, a China tornou-se menos agressiva.
Muitos Estados ao Sul do Mar da China, todavia, queriam pagar tributo e adotar a cultura chinesa, aderindo voluntariamente, e não devido a qualquer pressão militar por parte da China. Os pequenos países situados no Arquipélago Malaio e ao Sul do Mar da China consideravam grande honra que a China os anexasse e recebesse seus tributos. A recusa da China representaria para eles uma desgraça.
As potências mais fortes do mundo não conseguiram, até hoje, desfrutar situação semelhante. Tomemos, como exemplo, o tratamento dispensado pelos americanos às Filipinas: permitindo aos filipinos a organização de sua própria Assembleia e a partilharem das responsabilidades do governo; permitindo-lhes a nomeação de delegados ao Congresso, em Washington; não somente não exigindo tributos em espécie, mas subsidiando os principais itens de sua despesa, e construindo estradas e provendo a educação para a população. Tratamento tão benevolente e tão magnânimo pode ser considerado o limite da generosidade, mas, mesmo assim, os filipinos não consideram uma honra ser americanizados e, constantemente, estão clamando pela sua independência.
Ou tomemos o caso do Nepal, na Índia. O povo do Nepal é chamado gurkhalis, oriundo de uma brava raça guerreira. Apesar da Inglaterra ter conquistado a Índia, ainda teme os gurkhalis. Ela trata-os muito generosamente, enviando-lhes, todos os anos, certa soma em dinheiro, como fazia a dinastia Sung, na China, que, temendo os tártaros kins, lhes enviava fundos, com a diferença de que a generosidade dos Sung era considerada um tributo pago aos tártaros, enquanto que a dos ingleses é provavelmente considerada uma gratuidade. Mas, até o primeiro ano de nossa República, os gurkhalis ainda pagavam seu tributo à China, o que demonstra que as pequenas nações em torno da China não perderam ainda a esperança ou a fé nela.
Há dez anos atrás, ao visitar o ministro dos Estrangeiros no Sião, tive uma palestra com o secretário do chanceler. Estávamos discutindo diversos problemas asiáticos, quando o secretário declarou:
— Se a China pudesse fazer uma revolução e tornar-se um Estado e povo fortes, nós, siameses, renovaríamos, com satisfação, nossa subordinação à China, tornando-nos província chinesa.
A entrevista teve lugar numa repartição pública do Governo siamês e o interlocutor era o secretário-assistente do ministro dos Estrangeiros, de modo que não se podia considerar que estivesse expressando apenas sua opinião pessoal. Ele estava se fazendo eco dos sentimentos de todo seu povo. Isso mostra que, mesmo então, o Sião alimentava elevada consideração pela China. Nos últimos dez anos, porém, o Sião tornou-se um Estado independente, obteve a revisão dos Tratados justos, que lhe foram impostos por outras nações, e elevou sua própria posição nacional. Depois disso, mal pode pensar em regressar ao seio da República chinesa.
Vou-lhes narrar outro incidente bem interessante. Quando a Guerra Europeia estava sendo travada encarniçadamente, encontrava-me eu em Cantão, cuidando do estabelecimento do governo constitucional. Um dia, o cônsul britânico veio ter ao quartel-general do comandante-em-chefe para ver-me e para discutir comigo a possibilidade do Governo do Sul aderir à Entente e enviar tropas para a Europa. Perguntei ao cônsul britânico :
— Por que deveremos enviar tropas?
Ele respondeu:
— Para combater a Alemanha. Uma vez que a Alemanha, invadiu o território chinês e se apoderou de Tsingtau, deveis lutar contra ela e recuperar vossa possessão.
Retruquei-lhe:
— Tsingtau é muito distante de Cantão. Que me diz sobre um lugar mais próximo de nós — Hong Kong — ou um pouco mais distante — Burma, Bhutan, Nepal, — e outros lugares que outrora pertenceram à China? E, agora, quereis apoderar-vos do Tibet. A China não conta presentemente com força suficiente para recuperar seus territórios perdidos. Se o contasse, talvez tivesse de retomar, em primeiro lugar, o que a Grã-Bretanha lhe usurpou. Tsingtau, de que a Alemanha se apoderou, é relativamente pequeno. Se nos dispuséssemos a recuperar nossas possessões, inicia-la-íamos com a recuperação das maiores.
Quando o cônsul ouviu meus argumentos, não pôde controlar a cólera e declarou:
— Vim, aqui, para discutir assuntos públicos consigo!
Imediatamente lhe respondi:
— Estou discutindo assuntos de interesse público!
Durante longo tempo, mantivemos acesa discussão e nenhum de nós queria deixar-se abater pelos argumentos do adversário.
Finalmente, declarei-lhe:
— Nossa civilização já avançou 2.000 anos sobre a vossa. Esperemos que ela progrida e nos alcance. Não podemos, porém, retroceder e permitir que nos façais descer. Há dois mil anos, descartamo-nos do nosso imperialismo e advogamos uma política de paz, e, hoje, o pensamento do povo chinês assimilou completamente esse ideal. Vós, também, estabelecestes a paz como vosso objetivo, na guerra atual. A princípio, o aprovastes ardorosamente, porém, na realidade, estais ainda lutando e não falando sobre a paz. Estais falando sobre a força e não sobre a justiça. Considero vosso característico apelo à força como extremamente bárbaro. Prossegui, lutai. Nós, certamente, não nos juntaremos a vós. Quando estiverdes exaustos da luta e prontos a discutir uma verdadeira paz, então nos alistaremos em vosso campo e procuraremos estabelecer a paz no mundo convosco. Outra forte razão porque nos opomos à entrada da China na guerra e ao envio de tropas é que não queremos que a China se torne potência injusta como vós. Se seguíssemos vossos conselhos e aderíssemos à Entente, podereis enviar oficiais à China para treinar seus soldados. Com vossa capacidade de comando, derivada da experiência, além de vosso esplêndido equipamento militar, conseguireis, por certo, em seis meses, treinar de 300 a 500 mil bons soldados e transportá-los para o cenário da luta na Europa e derrotar a Alemanha. Então, estareis metidos em maus lençóis!
— Por que estaríamos metidos em maus lençóis? — perguntou o cônsul.
Respondi-lhe:
— Depois de empregar vários milhões de soldados e de lutar durante anos, não conseguistes sobrepujar a Alemanha, e ainda pensais que, acrescentando algumas centenas de milhares de soldados chineses, garantireis sua derrota! A consequência disso seria o despertar do espírito marcial na China. Do núcleo dessas poucas centenas de milhares de soldados, o Exército chinês se expandiria para abranger milhões de soldados e isso representaria grande desvantagem para vós. O Japão está atualmente do vosso lado e já é uma das grandes potências do mundo. Com sua capacidade guerreira, domina a Ásia. Sua política imperialista é exatamente como a das potências e estais terrivelmente temerosos do Japão. A população e os recursos da China, no entanto, excedem de muito os do Japão. Se adotássemos os planos que sugeris e a China entrasse na guerra a vosso lado, antes de 10 anos nos converteríamos noutro Japão. Quando refletis sobre o tamanho da população e do território da China, não vedes que poderíamos tornar-nos dez vezes mais poderosos do que o Japão e que todo vosso poderio mundial mal seria suficiente para um combate com a China. Devido ao fato de termos adiantado nossa cultura de 2.000 anos sobre a vossa; de termos nos desembaraçado dos antigos sentimentos selvagens, pugnazes; de termos atingido, só ultimamente, um verdadeiro ideal de paz; e porque alimentamos a esperança de que a China acalentará para sempre seu código moral de paz; não estamos dispostos a entrar neste grande conflito.
Depois de ouvir minha argumentação, o cônsul britânico que, meia hora antes, estava pronto a brigar comigo, ficou profundamente impressionado e declarou:
— Se fosse chinês, sem dúvida alguma pensaria como vós.
Senhores, sabeis que a revolução é naturalmente uma coisa sanguinolenta. Assim, nas revoluções de Tang e Wu, dizia-se. geralmente, que os rebeldes eram “obedientes aos céus e agradáveis aos homens”, porém, quanto à luta, dizia-se que experimentavam “as balsas de batalha flutuando em rios de sangue.” Na Revolução de 1911, quando derrubamos o regime mandchu, quanto sangue foi derramado? A razão do pouco derramamento de sangue residiu no fato do povo chinês nutrir grande amor pela paz, qualidade destacada do caráter chinês. Os chineses são, realmente, os maiores amantes da paz do mundo. Concito, constantemente, os demais povos do mundo a seguirem o exemplo da «China. Agora, o povo eslavo da Rússia está marchando tio mesmo caminho que nós, esposando a causa da paz como o faremos e seus cem milhões querem cooperar conosco.
Nossos 400 milhões não são somente a raça mais pacífica, são também a mais civilizada. As novas culturas, que floresceram ultimamente na Europa e que chamamos de anarquismo e comunismo, são coisas velhas na China. Por exemplo, a filosofia política de Hwang Lao é, na realidade, o anarquismo e que é o sonho de Lieh Tze (nome de um filósofo da época da dinastia Chow), referente à terra do povo hua-hsu, que viveu num Estado natural sem governantes ou leis, senão outra teoria do anarquismo? Os jovens modernos na China, que não estudaram cuidadosamente essas velhas teorias chinesas, pensam que suas ideias são as coisas mais novas que existem, despercebidos de que, apesar de que possam ser novas, na Europa, têm milhares de anos aqui. O que a Rússia está pondo em prática não é o puro comunismo, mas sim o marxismo, e o marxismo não é o verdadeiro comunismo. O que Proudhon e Bakunin advogaram é que é o único e verdadeiro comunismo. O comunismo em outros países está ainda no estágio da discussão, não foi ainda plenamente experimentado em parte alguma. Mas foi aplicado na China, na época de Hung Hsiu Chuan. Seu sistema econômico baseia-se no verdadeiro comunismo, não sendo simplesmente mera teoria.
A superioridade europeia sobre a China não está na sua filosofia política, mas inteiramente no campo da civilização material. Com o progresso da civilização material europeia, todas as provisões quotidianas referentes ao vestuário, alimentação, habitação e comunicações tornaram-se extremamente convenientes. poupando tempo, e as armas de guerra — gases tóxicos e outras — tomaram-se extraordinariamente aperfeiçoadas e mortais. Todas essas novas invenções e armas apareceram depois do desenvolvimento da ciência. Foi depois dos séculos XVII e XVIII, quando Bacon, Newton e outros grandes sábios advogaram o uso da observação, da experimentação e da investigação de todas as coisas, que a ciência fez seu aparecimento. Assim, quando falamos sobre o progresso científico da Europa e o avanço da civilização material europeia, referimo-nos a algo que tem apenas uma história de duzentos anos. Ha algumas centenas de anos atrás, a Europa não se podia comparar com a China, de modo que, agora, se quisermos aprender da Europa, deveremos aprender o que nos faz falta — a ciência — mas não a filosofia política. Os europeus ainda se voltam para a China à procura dos fundamentos da filosofia política. Todos vós sabeis que o mais importante campo de investigação científica se encontra atualmente na Alemanha. Pois os sábios alemães estão estudando a filosofia chinesa e mesmo os princípios do budismo hindu para ampliar sua concepção parcial da ciência. O cosmopolitismo acaba de desabrochar na Europa durante esta geração, porém, já era conhecido, na China, há dois mil anos atrás. Os europeus não puderam ainda discernir nossa antiga civilização, e, mesmo assim, muitos de nossa raça pensaram numa civilização política mundial. E, no que concerne à moralidade internacional, nossos 400 milhões têm se devotado ao princípio da paz mundial. Mas, devido à perda de nosso nacionalismo, nossa antiga civilização e moralidade não foram capazes de se manifestar e estamos até em declínio.
O cosmopolitismo, que os europeus estão apregoando hoje, é, na realidade, um princípio apoiado pela força sem justiça. A expressão inglesa “a força é o direito” significa que a luta pela aquisição é justa. O espírito chinês nunca considerou a aquisição pela guerra como o direito. Considerava a guerra de agressão como bárbara. Essa moralidade pacifista é o verdadeiro espírito do cosmopolitismo. Sobre que fundamento poderemos defender e reconstruir esse espírito? — Sobre o nacionalismo. Os 150 milhões de russos constituem o alicerce do cosmopolitismo da Europa e os 400 milhões de chineses os alicerces do cosmopolitismo da Ásia. Como o alicerce é essencial para a expansão, deveremos cuidar, em primeiro lugar, do nacionalismo, se quisermos tratar do cosmopolitismo. “Os que desejam pacificar o mundo, devem, em primeiro lugar, governar seu próprio Estado.” Revivamos nosso nacionalismo perdido e façamos com que brilhe com maior esplendor, e, depois, teremos base certa para discutir o internacionalismo.
17 de Fevereiro de 1924.
Como reviver o nacionalismo da China. — O despertar do povo para uma compreensão da posição da China. — Desastres que ameaçam a China. — O perigo militar, do Japão, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França. — A China não pode confiar no “equilíbrio de poder” das nações estrangeiras. — Vitórias diplomáticas sobre a China, o perigo da dominação econômica estrangeira. — O perigo do aumento de outras populações. — A China deve fazer face aos fatos. — A China deve construir seu novo sentimento nacional sobre a base da família existente e lealdade de raça. — O método dos antigos. — Se a Índia pode unir-se em torno de um programa de não-cooperação, a China deve ser capaz também de se unir, Resistência positiva e negativa à agressão externa.
O assunto que vou abordar hoje é o seguinte: Que meios empregaremos para reviver nosso nacionalismo? De minhas conferências anteriores depreendestes que a razão porque a China declinou até chegar a seu estado atual reside na sua perda de espírito nacional. Temos sido subjugados por outras raças, governados por alienígenas durante mais de 200 anos. Outrora, fomos escravos dos mandchus. Agora, somos escravos de todas as nações e sofremos mais do que antes. Se nos mantivermos nesse caminho e não encontrarmos meios para recuperar nosso nacionalismo perdido, a China não somente perecerá como nação, mas também, talvez, como raça. Assim, se quiserdes salvar a China, devereis, em primeiro lugar, encontrar maneira de reviver nosso nacionalismo. Hoje, discutirei duas maneiras, pela qual nosso nacionalismo poderá ser recuperado. A primeira é mediante o despertar de nossos 400 milhões de compatriotas para que compreendam onde estamos. Estamos numa crise, quando temos que escapar da miséria e procurar a felicidade, quando temos que escapar da morte e encontrar a vida. Em primeiro lugar, deveremos ver claramente e, depois, naturalmente, agir.
Senhores, se quiserdes apreciar quão “difícil é a compreensão, e quão fácil a ação”, estudai minha tese. A China, outrora, não sabia que se encontrava em declínio e, assim, pereceu. Se tivesse previsto, não poderia ter perecido. Os provérbios antigos “A nação sem inimigos externos e sem perigos de fora sempre se arruinará”, e “Muitas adversidades reviverão o Estado”, não passam de truísmos psicológicos. “Inimigos externos e perigos de fora”, por exemplo: se uma nação julga que não é ameaçada por nenhum perigo externo, e se sente perfeitamente segura, ou que é o país mais poderoso do mundo e os estrangeiros não ousaram invadi-la, de modo que sua defesa é desnecessária, essa nação se desmoronará. “Muitas necessidades reviverão um Estado”, porque, logo que compreendermos, a natureza dessas adversidades, nossas energias serão despertadas para a prática de atos heróicos. Trata-se também de uma questão de psicologia. Se a situação, que descrevi em minhas primeiras quatro conferências, é verdadeira, devemos manter claramente em nossos espíritos a perigosa posição, que ocupamos atualmente, e o período crítico, que estamos vivendo, antes que possamos saber como reviver nosso nacionalismo perdido. Se tentarmos revivê-lo sem compreender a situação, todas as esperanças se desvanecerão para sempre e o povo chinês será logo destruído.
Concatenando os pontos exarados em minha conferência anterior, quais são os desastres que nos ameaçam e de que direção procedem? Procedem das grandes potências e são os seguintes: primeiro, opressão política; segundo, opressão econômica; terceiro, o crescimento mais rápido da população das potências. Esses três desastres, procedentes do exterior, já estão sobre nossas cabeças e nosso povo está colocado na situação mais perigosa. O primeiro desastre, a destruição da nação pela força política, pode ocorrer qualquer dia. A China, atualmente sob o jugo político das potências, poderá ser esmagada a qualquer momento. Não estamos seguros que possamos viver de um dia para outro. Há duas maneiras pelas quais a força política pode destruir uma nação: através do poder militar e pela diplomacia. Para se ver como o poder militar pode destruir uma nação num dia, volvamos nossa atenção para a história: na batalha de Yai-mên, a China, da dinastia Sung, foi destruída pelos mongóis; na batalha de Yangchow, a dinastia Ming caiu. Na história estrangeira, a batalha de Waterloo foi suficiente para desmoronar o império de Napoleão I, e a batalha de Sedan para arruinar o império de Napoleão III. Se, pois, uma batalha é capaz de provocar a queda de uma nação, a China está sempre em perigo de vida, pois nosso Exército e Marinha, bem como nossos pontos estratégicos, não estão preparados para a defesa, e as forças estrangeiras podem irromper através delas a qualquer tempo e derrotar-nos.
A nação mais próxima, que nos poderia derrotar, é o Japão. Em tempo de paz, essa nação tem um Exército regular de um milhão de soldados, e, em guerra, de três milhões. Sua Marinha é, também, muito poderosa e pôde quase competir com as Marinhas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos até a Conferência de Washington, quando seus encouraçados foram limitados até um deslocamento de 300 mil toneladas. Os navios de guerra do Japão, tais como cruzadores, submarinos e destroyers, são muito bem construídos e seu poder combativo é tremendo. Por exemplo, ele enviou recentemente dois destroyers para Pai-o-tan (localidade situada nas imediações de Cantão). A China não contava com unidades com o mesmo poder de combate para lhes fazer frente. O Japão tem mais de cem destroyers como esses. Se o Japão empregasse esses destroyers para nos combater, poderia quebrar imediatamente nossas defesas e vibrar-nos um golpe mortal. Além do mais, os pontos estratégicos, situados ao longo de nosso litoral, não possuem fortes para uma defesa poderosa. Assim, o Japão, que é nosso vizinho próximo, no Oriente, conta com um Exército e uma Marinha, que pode lançar contra nós a qualquer momento. Ainda não nos atacou, talvez porque ainda não chegou a ocasião. Mas, se o fizer, poderá destruir a China a qualquer tempo. Entre o dia da mobilização, no Japão, e o do ataque contra a China não mediariam mais de 10 dias.
Assim, se a China rompesse suas relações com o Japão, este poderia destruí-la em 10 dias.
Olhando do Japão, através das margens orientais do Pacífico, vemos os Estados Unidos, a mais poderosa nação da região. Outrora, possuía uma Marinha três vezes mais poderosa do que a do Japão, porém, em consequência das limitações impostas pela Conferência de Washington, reduziu o arqueamento de seus encouraçados a 500.000 toneladas. Dos novos tipos de navios, tais como submarinos e destroyers, conta com número superior ao do Japão. Quanto ao Exército, assinalamos que a instrução militar é franqueada a todos nos Estados Unidos. A educação primária é compulsória e todos os meninos e meninas do país têm de frequentar a escola. A maioria do povo tem educação secundária e universitária. Todos seus cidadãos recebem instrução militar nos liceus e universidades, de modo que o Governo pode, a qualquer tempo, adicionar legiões de soldados ao Exército. Quando os Estados Unidos entraram na Guerra Europeia, foram capazes de enviar dois milhões de soldados em menos de um ano aos teatros de operações. Assim, apesar dos efetivos do Exército regular americano serem pequenos, sua força potencial é tremenda. Em curto prazo, milhões de soldados podem ser mobilizados. Se a China e os Estados Unidos cortassem suas relações diplomáticas, este último país necessitaria apenas de um mês, para, depois da mobilização, ficar pronto para o ataque, capacitado, portanto, num mês, para destruir a China.
Olhando dos Estados Unidos, para o Leste, na direção do continente europeu, vemos, no Atlântico, as Ilhas Britânicas. A Inglaterra foi, outrora, cognominada a “rainha dos mares”, quando sua Marinha era a mais poderosa do mundo. Mas, desde a Conferência de Washington, seus vasos de guerra foram limitados a 500 mil toneladas. Em cruzadores ordinários, destroyers e submarinos, ela conta com número maior do que o dos Estados Unidos. A distância da Inglaterra à China é percorrida em 40 ou 50 dias somente. E, além do mais, já tem bases na China, como a de Hong Kong, que tem estado preparando há várias décadas. Hong Kong é apenas um pequeno pôr to, porém, conta com um comércio florescente e, devido à sua localização natural, pode exercer papel dominante no estrangulamento das províncias meridionais da China. Soldados e marinheiros guarnecem esse porto. Apesar de um ataque das forças militares e navais de Hong Kong não nos derrotar imediatamente, ainda assim não teríamos poderio para resistir-lhe. Além de Hong Kong, a Índia e a Austrália estão próximas, e, se forças terrestres e navais dessas colônias fossem empregadas, levariam apenas dois meses, a partir do dia da mobilização, para derrotar a China. Assim, se a China e a Inglaterra romperem, um dia, suas relações, em dois meses, no máximo, a Inglaterra subjugará a China.
Volvamos, novamente, nossas vistas para o continente europeu, onde a França é, atualmente, a potência mais poderosa e seu Exército o mais forte do mundo, dispondo de dois a três mil aviões, número que poderia ser aumentado em caso de guerra. Os franceses também contam com base bem próxima da China — o Annam — onde construíram uma linha férrea, que vai ter à capital da província do Yunnam. Se a China rompesse relações com a França, as tropas francesas poderiam atacar a China dentro de 40 ou 50 dias. Assim, a França, como a Inglaterra, poderia destruir a China dentro de dois meses.
Isso significa que não existe uma só das potências que não possa, com força militar, subjugar a China. Por que, então, a China sobreviveu até agora? Não foi devido ao fato de possuir qualquer poder defensivo, mas simplesmente porque as potências querem explorar a China. Todas estão esperando, vigilantemente, dispostas a não fazer concessões às outras. O poderio das diversas nações, na China, atingiu um equilíbrio de forças, que torna possível a continuação da existência da China. Ha algumas pessoas, na China, que acalentam noções infundadas e exageradas de que as grandes potências; uma vez que são mutuamente ciosas de seus direitos na China, sempre manterão esse equilíbrio e não se unirão, e que, enquanto essa situação perdurar, a China não necessitará de preparar sua resistência e não se arruinará. Não é essa espécie de dependência dos outros antes do que de nós mesmos exatamente uma “contemplação do céu enquanto se atiram os dados”? Como a adivinhação é precária, assim também este otimismo infantil sobre a China nada nos trará, em última análise. As grandes potências ainda querem esmagar a China, porém, pensam que o emprego de força militar poderá levar os chineses à procura de uma ocasião para outra grande guerra, como a recente Guerra Europeia, com resultados desvantajosos para todos e sem grandes ganhos para a potência atacante. Os estadistas estrangeiros vêm isso claramente e não estão empregando meramente a força militar, pois isso tornaria a guerra entre as potências inevitável. Mesmo, se pudessem evitar o conflito sobre o equilíbrio de seus direitos e privilégios, o problema de governar a China produziria certamente uma colisão. E, uma vez que essa colisão inevitável acarretaria grandes desvantagens para elas, as potências estão enfrentando séria possibilidade e propondo, agora, uma redução de armamentos, ao invés de recorrer à guerra. O arqueamento naval do Japão foi limitado para 300.000 toneladas. O da Inglaterra e dos Estados Unidos para 500 mil. A Conferência foi aparentemente convocada para a redução dos armamentos, porém, na realidade, reuniu-se para resolver a questão chinesa. Na partilha dos direitos e privilégios, na China, como poderiam as potências evitar um conflito entre si?
Como acabo de dizer, há dois métodos, que são empregados pelas potências políticas para a destruição dos Estados — a força militar e a diplomacia. A força militar importa no emprego do canhão, contra o qual sabemos de certa maneira como resistir. A diplomacia importa na destruição da China pela tinta e papel, que ainda não aprendemos a como resistir. Apesar da China ter designado delegados para representá-la na Conferência de Washington, e de se ter dito, superficialmente, que as resoluções concernentes à China lhe foram vantajosas, não muito tempo depois do encerramento, a imprensa dos países estrangeiros começou a referir-se ao controle internacional da China, e essas referências vão avolumar-se diariamente. O pensamento concentrado das potências evoluirá, com toda a certeza, para um método consumado de destruição da China. Doravante, não necessitarão de movimentar seus Exércitos ou de enviar seus navios de guerra. Apenas um pedaço de papel e uma pena e um acordo mutuamente satisfatório importarão na nossa ruína. É necessário somente que os diplomatas dos diferentes países se encontrem num lugar e aponham suas assinaturas no acordo. Num dia, a assinatura do documento e a ação política concertada poderão exterminar a China. Tal coisa não é sem precedente. O desmembramento da Polônia pela Rússia, Alemanha e Áustria foi consequência de negociações e de um acordo feitos num só dia. Assim, também, a China, poderá perecer em consequência de uma decisão conjunta, tomada num- dia, pela Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, Japão e outras potências. Considerando as forças políticas, que ameaçam as nações, a China encontra-se atualmente numa posição de extremo perigo.
O segundo desastre, a dominação econômica estrangeira, que está corrompendo a China, já foi por mim abordado. Todos os anos, somos roubados pelos estrangeiros em 1.200.000.000 de dólares e essa perda aumenta dia a dia. A balança comercial, há dez anos atrás, era de 200 milhões de dólares. Hoje, é de 500 milhões. Nessa proporção de aumento, cerca de 250% cada decênio, em mais outra década ver-nos-emos com uma perda anual de 3 biliões de dólares, ou, seja, uma perda, per capita, de 7 dólares e 50. Isso significa que cada chinês estará pagando, anualmente 7 dólares e 50 aos países estrangeiros. Por outras palavras, pagará uma taxa, por cabeça, de 7 dólares e 50. Se excluirmos a população feminina de 200 milhões, que, nas atuais condições, não pode ser abrangida nesse cálculo, torna-se claro que os homens terão suas quotas duplicadas, pagando, anualmente, 15 dólares. A população masculina, todavia, é dividida em três grupos: os velhos e as crianças, que não produzem, e o grupo produtor. Os primeiros dois grupos não podem suportar o tributo, o que significa que os dois terços da população masculina, que teriam de pagar 15 dólares, devem ser eliminados do cômputo, permanecendo apenas o grupo composto dos jovens e dos homens maduros, que produzem a riqueza e terão de suportar a carga por todos os outros. Os membros do último grupo terão de pagar, anualmente, uma taxa, por cabeça, de 45 dólares aos países estrangeiros.
Considerais isso uma perspectiva sombria ou não? E essa taxa por cabeça tenderá a aumentar e não a decrescer. Assim, como vejo as coisas, se não despertarmos, mas, ao contrário, prosseguirmos no caminho em quo vamos, mesmo que os diplomatas estrangeiros nada fizessem, nossa nação seria arruinada em 10 anos. Hoje, nosso povo é pobre e nossos recursos estão exaustos. Pode-se mal imaginar quão terrível será a pobreza do povo daqui a 10 anos. Quando nosso débito for duas vezes e meia o que é hoje, pensais que nossa China poderá sobreviver?
Talvez que as potências, depois de suas experiências na Guerra Europeia, não hão de querer mais recorrer à luta e à ação violenta, e preferirão a tranquilidade à excitação, caso em que poderíamos escapar ao controle militar. Não poderemos, porém, evitar a opressão diplomática. Admitindo-se que, por sorte, possamos escapar dela, como poderemos deixar de ser destruídos por essa tirania econômica, que, dia a dia, nos está estrangulando e sugando todo nosso sangue?
Depois, há um terceiro desastre que nos ameaça. A população da China não aumentou durante os últimos cem anos e muito pouco crescerá durante os próximos cem anos, a menos que encontremos maneira de estimular seu crescimento. No último século, os Estados Unidos tiveram sua população aumentada dez vezes; a Inglaterra e o Japão, três vezes; a Alemanha, duas vezes e meia; a França, cujo índice de natalidade é o mais baixo, teve, todavia, sua população aumentada de um quarto. Enquanto suas populações crescem constantemente, a nossa está em estagnação, ou, o que é pior, decrescendo. Estudai nossa própria história. Enquanto a raça Han (chinesa) se multiplicava, as raças aborígenes da China — miaos, yaos, laos, tungs e outras — desapareciam. Se, ao invés, estivéssemos sob a pressão de um crescimento da população dessas raças, pode-se ver facilmente que seriamos nós que estaríamos desaparecendo. A China, sob a dominação política das potências, da manhã à noite, não tem sua existência assegurada. Sob a dominação econômica estrangeira, como acabamos de verificar, nos próximos dez anos assistiremos à derrocada de nossa nação, e, sob a pressão do crescimento das populações estrangeiras, nosso futuro está prenhe de perigos.
Esses três desastres já pendem sobre nossas cabeças. Devemos, em primeiro lugar, conhecer os fatos, compreender que esses desastres são iminentes, e tornados bem conhecidos até que todos compreendam o alcance da tragédia representada pela queda de nossa nação e com que dificuldades a China escapará dos perigos que a sitiam. Quando conhecermos todos esses fatos, que faremos? O provérbio diz: “A fera desesperada pode ainda lutar.” Quando não temos um lugar para escapar, somos levados a despertar nossas energias e a levar uma vida de luta mortal contra nossos inimigos. Essas calamidades já estão próximas de nós. Poderemos lutar? Certamente, poderemos lutar. Mas, para sermos capazes de lutar, deveremos acreditar que a hora de nossa morte está próxima. Se quisermos fomentar o nacionalismo, deveremos, em primeiro lugar, mostrar a nossos 400 milhões de compatriotas que a hora de sua morte está próxima. Então, a fera^acuada se transformará e lutará. Quererá nosso povo, na hora da morte, lutar? Senhores, sois estudantes, soldados, estadistas. Sois, todos, homens de compreensão e visão. Devemos levar nossos 400 milhões de compatriotas à compreensão de que nossa raça está em perigo mortal, e, se nossos compatriotas compreenderem o perigo, então não será difícil reviver nosso nacionalismo.
Os estrangeiros dizem constantemente que os chineses são um “lençol de areia movediça”. No que diz respeito ao sentimento nacional, isso é verdade. Nunca tivemos unidade nacional. Temos tido outra espécie de unidade? Como disse antes, a China tem tido grupos de família e de clã bastante compactos, e o sentimento de família e de clã dos chineses é muito arraigado. Por exemplo, quando dois chineses se encontram no caminho, conversam e perguntam-se sobre o “sobrenome honroso” e o “grande nome”. Se acontece encontrarem pessoas do mesmo clã, tornam-se excessivamente íntimos e cordiais e consideram-se tio ou irmão da mesma família. Se esse digno sentimento de clã se pudesse expandir, poderíamos desenvolver o nacionalismo do clanismo. Se tivermos de recuperar nosso nacionalismo perdido, deveremos ter qualquer espécie de unidade grupai, uma grande unidade grupo. Uma maneira fácil e feliz de promover a unidade de um grande grupo é edificá-la sobre os alicerces de pequenos grupos unidos, e essas pequenas unidades são os grupos de clã e, também, os grupos de família. O sentimento do “lugar natal” dos chineses é muito arraigado, também, e é particularmente fácil unir os que procedem da mesma província, prefeitura ou aldeia.
Penso que, se tomarmos esses dois sublimes sentimentos como base, será fácil promover a unificação do povo de todo o país. Mas, para atingir o objetivo colimado, será necessário que todos cooperem. Se pudermos assegurar essa cooperação, será mais fácil aos chineses promover o renascimento de seu nacionalismo do que a outros povos. Porque, no Ocidente, o indivíduo é a unidade, e as leis, que regulam os direitos dos pais e filhos, irmãos e irmãs, maridos e esposas, visam a proteção do indivíduo. Nas contendas judiciárias, não se formulam questões sobre as condições de família. Somente a moral do indivíduo é considerada. O indivíduo expande-se imediatamente no Estado. Entre o indivíduo e o Estado não existe uma unidade social comum, firme. Assim, ao amalgamarem seus súditos no Estado, os países estrangeiros não gozam das vantagens da China. Em razão da China ter feito ênfase sobre a família bem como sobre o indivíduo, o chefe de família tem de ser consultado em todos os assuntos, sistema que muitos aprovam e outros criticam. Penso, porém, que, na relação entre os cidadãos da China e seu Estado, deve, em primeiro lugar, figurar a lealdade familial, depois, a lealdade do clã, e, finalmente, a lealdade nacional. Tal sistema, expandindo-se gradualmente, será ordeiro e bem regulado, e a relação entre os grupos sociais pequenos e grandes será verdadeira. Se tomarmos os clãs como nossas unidades sociais, e, depois de aperfeiçoarmos sua organização interna, os amalgamarmos para formar o Estado, nossa tarefa será naturalmente mais fácil que a dos países estrangeiros, que consideram o indivíduo a unidade básica. Onde o indivíduo é a unidade, haverá pelo menos milhões de unidades num país, 400 milhões na China. A amalgamação de um número tão gigantesco de unidades separadas constituiria, naturalmente, tarefa muito difícil.
Suponde, porém, que tomemos o clã como nossa unidade. Os sobrenomes chineses são comumente avaliados apenas numa centena. Ancestrais diferentes são frequentemente honrados no mesmo clã e o número destes tem aumentado. Mesmo assim, não existem mais de 400, atualmente. Todos os que se encontram no clã têm uma afinidade colateral. Cada família está constantemente fazendo a revisão de sua árvore genealógica, determinando seus ancestrais há dezenas e centenas de gerações, indo até o passado longínquo. Os nomes dos primeiros ancestrais eram frequentemente mudados, e muito poucos conseguiram atingir esses nomes originais. Esse costume de determinar a linha de ancestrais até suas fontes mais primitivas remonta a milhares de anos e está firmemente arraigado na vida social chinesa. Os estrangeiros consideram esse costume como uma inutilidade, porém, essa ideia de “reverenciar os antepassados e de ser bondoso para com o clã” desde milênios está arraigada no espírito chinês. Assim, o chinês ignorava a queda de seu país. Não se interessava por quem era seu imperador, e tudo o que tinha a fazer era pagar seu tributo em cereais. Mas, se qualquer coisa fosse dita, sobre a possível extinção de seu clã, ele se aterrorizaria frente ao perigo de que fosse quebrada a continuidade ancestral de sangue e de subsistência, e daria a vicia para resistir a isso. As antigas lutas de família no Kwantung e em Fukien originavam-se de qualquer pequeno insulto ou ataque contra a reputação ou a propriedade de uma família ou sobre qualquer de seus membros. Os membros da família não poupavam qualquer sacrifício em dinheiro ou em vidas para que pudessem dar vasão a seus sentimentos pela honra do nome. Apesar do costume parecer bárbaro, contém bons elementos, dignos de serem preservados. Suponde que pudéssemos fazer esse povo ver a opressão; estrangeira que está diante de seus olhos, que a raça em breve perecerá e que a família, então, não terá oportunidade de sobreviver. Os aborígenes da China, os miaos, os yaos e outras tribos, há muito tempo quebraram a linha de sangue e de subsistência com seus ancestrais. A menos que possamos unir a força de nossos clãs e tornarmo-nos uma nação que possa resistir a outras nações, então, no futuro, nossos antepassados, como os dos miaos e yaos, não terão descendentes e nem oferendas.
Poderíamos, então, em primeiro lugar, transformar as lutas de clã numa luta contra as raças estrangeiras e eliminar as selvagens lutas intestinas no país. Em segundo lugar, poderíamos empregar o modo de extinção sentido pelo clã para unir nossa raça fácil e rapidamente e formar uma nação de grande poder. Consideremos os clãs como pequenos alicerces e construamos a nação sobre eles. Supondo que a China tenha 400 clãs; seria exatamente como se estivéssemos tratando com 400 pessoas, individualmente. Usaríamos a organização original designada pelo nome que cada família já tem, e, em nome do clã, começaríamos a congregar o povo, primeiro, nas vizinhanças e na Prefeitura, depois, na província, e, finalmente, em todo o país, até que cada nome de família designasse um grande grupo unido. Por exemplo, se todos os membros com o sobrenome de Chen, empregando a organização original como base, se congregassem a todos os que trazem o mesmo sobrenome em sua vizinhança e Prefeitura, e, depois, na província, dentro de dois ou três anos, segundo penso, o clã Chen, se tornaria um grupo bastante grande. Quando todos os clãs tivessem sido organizados em grande escala, em seguida uniríamos os clãs que tivessem ligações mútuas para formarem grandes grupos, e faríamos todos os grupos compreenderem que grandes desastres nos ameaçam, que a hora de nossa morte está se aproximando, porém, que, se nos congregarmos, poderemos promover uma grande união nacional — a República da China — e que, com tal união, não necessitaremos de temer adversários externos ou nossa incapacidade de fazer reviver o Estado.
A história clássica diz o seguinte dos dias de Yao: “Ele foi capaz de demonstrar a eminente virtude pelo amor de nove graus de parentes; quando estes mantinham relações amistosas, ele pacificou as cem famílias; quando eram esclarecidos, ele promoveu a união de uma miríade de Estados; depois, a raça de cabelos negros entrou numa era de harmonia.” Sua obra de governo pacífico também começou com a família, estendeu-se entre o povo, até que todos os pequenos Estados foram unidos e a raça de cabelos negros gozou um período de unidade. Não nos deu ele um bom exemplo de como podemos fazer reviver o Estado e de nos opormos aos nossos inimigos? Se começarmos com nossos 400 milhões de cidadãos, individualmente, ao invés dos nossos 400 clãs, não poderemos saber onde começar para consolidar o lençol de areia movediça. Outrora, o Japão uniu os interesses de seus príncipes feudais para formar a grande raça yamato, e a razão por que o Japão quis usar esses feudatários é a mesma que invoco para a união dos interesses dos clãs a fim de formar a nação chinesa.
Se todo o nosso povo soubesse que é oprimido, que chegamos a uma fase em que temos de defrontar a questão, que, se nos unirmos, deveremos, em primeiro lugar, organizar os vários clãs, em grupos de clã e estes numa grande união nacional, teremos aluns métodos positivos com que combater o estrangeiro. Como estão as coisas, não podemos lutar, pois não temos um grupo organizado. Se o tivéssemos, a resistência seria fácil. Por exemplo, a Índia encontra-se atualmente sob a dominação da Grã-Bretanha e é governada absolutamente pelos britânicos. O povo hindu não tem meios para resistir à opressão política, porém, está enfrentando a opressão econômica com a política de não-cooperação formulada por Gandhi. Que é a não-cooperação? O povo da Índia não fornecerá o que os ingleses necessitarem, e, o que os britânicos fornecerem, os hindus rejeitarão. Por exemplo, se um britânico quer um trabalhador, o hindu não trabalhará para ele. Os britânicos oferecem ao povo indiano todas as espécies de mercadorias, porém os indianos não as usarão, preferindo, ao invés, os produtos nativos. Quando o plano de Gandhi foi primeiramente revelado, os britânicos não lhe atribuíram importância, ignorando a Gandhi. Mas, depois de longo tempo, as sociedades de não-cooperação começaram a aparecer em toda a Índia e os interesses comerciais britânicos foram seriamente afetados. Assim, os britânicos encarceraram Gandhi. Se procurarmos a razão por que a Índia colheu resultados com sua política de não-cooperação, a encontraremos na habilidade do povo de todo o país em pôr essa política em prática. Se a Índia, que já é um país subjugado, pode colocar a não-cooperação em efeito, certamente, na China, que até o presente momento não é ainda um país destruído, o povo, apesar de não poder facilmente executar outras tarefas, poderá pôr em prática certas medidas, como negar-se a trabalhar para os estrangeiros, recusar-se a ser escravo de estrangeiros, incentivar o consumo de produtos nativos, rejeitar as notas de bancos estrangeiros, empregar somente o dinheiro emitido pelo Governo chinês e cortar as relações econômicas com o estrangeiro.
O outro problema, relativo ao crescimento da população, será facilmente resolvido. A população da China sempre foi grande e seus recursos abundantes e nossa opressão, no passado, pode ser atribuída à ignorância das massas, que “nascem em letargia e morrem num sonho”. Se todo nosso corpo de cidadãos puder praticar a não-cooperação, a exemplo do povo da Índia, poderemos também realizar uma grande unidade nacional sob a base de grupos de nossos clãs, e, não importa qual seja a pressão que as nações estrangeiras apliquem contra nós — militar, econômica ou demográfica — nós não a recearemos. Assim, a maneira fundamental de salvar a China de sua iminente destruição é, em primeiro lugar, a promoção de sua unidade. Se 300 ou 400 grupos de clãs se preocuparem com a formação do Estado, haverá um caminho de salvação para nós e, não importa qual a nação que enfrentemos, seremos capazes de resistir.
Há duas maneiras de resistir a uma potência estrangeira. A primeira é a positiva — despertando o espírito nacional, procurando soluções para os problemas da democracia e da subsistência, lutando contra o poder. A segunda é negativa — não-cooperação e resistência passiva — pelas quais a atividade imperialista estrangeira é enfraquecida, a posição nacional defendida e a destruição nacional evitada.
24 de Fevereiro de 1924.
Como restaurar a posição da nação chinesa, a grandeza da antiga China devido, acima de tudo, aos seus elevados padrões morais. — A China deve recuperar e usar o que há de melhor em seu passado. — A moralidade da antiga China: Lealdade, Devoção Filial, Bondade, Amor, Fidelidade, Justiça, Harmonia e Paz. — Como deveriam ser preservadas. — A antiga cultura e a profunda filosofia política da China. — Má impressão causada pela China ao estrangeiro médio devido à falta de cultura pessoal do chinês. — Refinamento e cultura pessoais o coração do conhecimento real. — Os antigos poderes e habilidade da China. — Invenções chinesas: o compasso, a máquina de impressão, a porcelana, a pólvora. — A descoberta chinesa do chá, da seda, da ponte pênsil, etc. — A China deve também aprender os pontos substanciais do Ocidente, o conhecimento e o método cientifico. — Apenas a ciência melhor e mais avançada deveria ser trazida à China, isto é, a força elétrica de preferência à máquina a vapor. — A esperança do futuro da China. — A responsabilidade da China para com as nações fracas quando se tornar poderosa. — “Manifesto o verdadeiro espírito de nossa raça”.
Senhores: O assunto que tratarei hoje é o seguinte: Como poderemos restaurar a posição de nossa nação? ’Ao estudarmos essa questão, não deveremos esquecer o que foi dito em minhas conferências anteriores. Qual é a posição atual de nossa nação? Qual é a situação de nossa nação e Estado no mundo contemporâneo? Um grupo de pessoas muito judiciosas, consideradas como profetas e visionárias, tem dito que a China está numa posição de “meia-colônia.” Mas, como acentuei no meu estudo anterior do problema, a China está longe de ser uma “meia-colônia”. O Annam é Colônia da França e a Coreia, do Japão. Se a China fosse meia-colônia, sua posição estaria um pouco acima da do Annam e da Coreia, que se tornaram colônias completas. Na realidade, porém, como pode nossa posição ser comparada à do Annam e da Coreia? Segundo minhas observações, a China está um grau abaixo do nível de uma completa colônia, e. assim, inventei novo título para ela “bipo- colônia.” Meu argumento sobre essa descrição já foi apresentado exaustivamente, e, desse modo, não necessito repeti-lo hoje.
Que espécie de posição ocupava a China, no mundo, nos tempos antigos? A China foi, outrora, nação bastante poderosa e civilizada, o Estado dominante do mundo, com urna posição mais elevada do que a das modernas Grandes Potências — Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e Japão. Devido ao fato da China ter sido antigamente a única grande potência do mundo e porque nossos antepassados atingiram uma posição de tal eminência, é que afirmo não sermos atualmente nem mesmo uma colônia. Por que chegou a China a ocupar antigamente lugar tão proeminente e, depois, “caiu de uma altura de dez mil pés”? A principal causa já a abordei convosco; porque perdemos nosso espírito nacional e nosso Estado foi se degenerando gradualmente. Assim, se quisermos restaurar nossa posição nacional, deveremos, em primeiro lugar, reviver nosso espírito nacional. Se quisermos reviver nosso espírito nacional, deveremos preencher duas condições. Primeiro, deveremos compreender que ocupamos atualmente uma posição das mais perigosas; e segundo, conhecendo nosso perigo, deveremos utilizar os antigos grupos sociais da China, como a família e o clã, para consolidá-los, num grande corpo nacional. Quando realizarmos essa tarefa e tivermos a força de 400 milhões de nossos compatriotas para lutar, não importa quão baixa seja nossa posição presente, seremos capazes de erguer a nação. Assim, conhecer e unir são os dois elementos essenciais para fazer reviver nosso nacionalismo. Quando todos vós compreenderdes esses elementos essenciais, devereis proclamá-los aos 400 milhões de habitantes do país até que todos os compreendam. Então, começaremos a reviver nosso espírito nacional perdido. Nosso velho espírito nacional está adormecido. Devemos despertá-lo para podermos fazer reviver nosso nacionalismo. Quando nosso nacionalismo ressurgir, poderemos ir mais adiante e estudar os meios para restaurar nossa posição nacional.
A China não atingiu sua antiga posição de grandeza trilhando apenas uma estrada. Usualmente, uma nação torna-se forte, a princípio, pela expansão de seu poderio militar, depois, pelo desenvolvimento de várias formas de cultura. Mas. a nação e o Estado quiserem manter uma posição permanente o caráter moral é essencial. Só mediante a consecução de eivado padrão de moralidade pode o Estado governar durante longo tempo e permanecer em paz. Nos tempos antigos, a Ásia não conhecia outro povo mais forte que os mongóis. No Leste, subjugaram a China; no Oeste, submeteram a Europa. A China, nos dias de sua maior glória, não foi além das margens ocidentais do Mar Cáspio, mal podendo atingir suas orlas orientais, de modo que nunca tocou na Europa. Mas, durante a dinastia mongol, quase toda a Europa foi submetida pelos mongóis, que foram, assim, mais fortes do que os chineses em seus melhores dias. Mesmo assim, a dinastia mongol não durou muito tempo, enquanto as outras dinastias, apesar de não serem tão fortes, tiveram existência mais longa. Encontramos a razão nos padrões morais dos primeiros, que eram inferiores aos das últimas. Devido ao caráter da raça chinesa ser mais elevado do que o de outras raças, os mongóis, apesar de terem conquistado a China durante a dinastia Sung, foram, mais tarde, absorvidos pelos chineses. E os mandchus, apesar da China da dinastia Ming ter sido subjugada duas vezes por eles, foram assimilados pelos chineses. Devido aos elevados padrões morais de nossa raça, não somente fomos capazes de sobreviver, apesar da derrocada do Estado, mas tivemos poder para assimilar essas raças alienígenas. Assim, chegando às raízes da questão, se quisermos restaurar a posição de nossa raça, além de uni-la num grande corpo nacional, deveremos, em primeiro lugar, recuperar nossa antiga moralidade — depois, somente depois, poderemos planejar a maneira de atingirmos novamente a posição nacional que outrora detivemos.
No que concerne aos velhos padrões morais da China, o povo chinês ainda não os perdeu de vista. Em primeiro lugar, vêm a Lealdade e a Devoção Filial(3), depois, a Bondade e o Amor, em seguida, a Fé e a Justiça e, finalmente, a Harmonia e a Paz. Os chineses ainda se referem a essas antigas qualidades de caráter. Mas, desde a nossa dominação por espécies alienígenas de outras raças, e desde a invasão da cultura estrangeira, cuja influência se propagou por toda a China, um grupo intoxicado com a nova cultura começou a rejeitar a velha moralidade, dizendo que a primeira torna a última desnecessária. Não compreende que devemos preservar o que existe de bom em nosso passado e jogar fora o que é ruim. A China encontra-se atualmente atravessando um período de conflito entre as correntes antigas e novas, e grande parte de nosso povo não tem um roteiro que o guie.
Há poucos dias, quando estava no interior, penetrei num templo ancestral. Ao dirigir-me para o pátio interno, a fim de repousar, vi ao lado direito o símbolo da “Devoção Filial”, porém, no lado esquerdo, havia um espaço vago, que, anteriormente, segundo penso, era ocupado pelo símbolo da “Lealdade”. Isso já vi mais de uma vez. Muitos templos ancestrais e familiais encontram-se nas mesmas condições. Mas o símbolo da “Devoção Filial, ” o que observei no outro dia, era inusitadamente grande, enquanto os sinais, na parede esquerda, onde o símbolo havia sido expungido, pareciam bem recentes. Talvez fosse obra dos camponeses ou dos soldados, que viveram no templo; porém, vi muitos templos ancestrais, que não serviram de alojamentos para soldados, com o símbolo da “Lealdade” retirado das paredes. Isso mostra o modo de pensar de certo tipo de pessoas, que existe atualmente. Porque temos uma República não necessitamos cuidar da lealdade. Dizem que, nos dias passados, a lealdade era dedicada aos príncipes, e que, não havendo príncipes numa democracia, a lealdade deixa de ser necessária e deve ser descartada. Tal argumento é, certamente, decorrente da incompreensão. Não queremos príncipes no país, porém, não podemos prescindir da lealdade. Se dissermos que a lealdade é coisa do passado, que dizer da lealdade devida à nação? Não podemos transferir nossa lealdade para a nação? Naturalmente, que não podemos atualmente falar de lealdade a príncipes, porém que dizer da lealdade ao povo e da lealdade às nossas tarefas? Quando empreendemos uma tarefa, não devemos vacilar, do início ao fim, até que ela esteja completada. Se não conseguirmos realizá-la, não deveremos vacilar em sacrificar nossas próprias vidas — isso é lealdade. Os antigos ensinavam que a lealdade exercida até seus limites significa a morte. Dizer que a antiga lealdade era devida aos reis e, uma vez que não temos mais reis, não necessitamos da lealdade e podemos agir como quisermos, é absolutamente errado. Agora, todos quantos falam sobre a democracia se insurgem contra os velhos padrões morais, e a razão fundamental jaz no seguinte fato: numa democracia, torna-se claro que devemos dedicar lealdade, não a príncipes, mas à nação e ao povo. A lealdade para com 400 milhões deve estar, naturalmente, num nível mais elevado do que a lealdade ao individual; assim, digo que a bela qualidade moral da lealdade ainda deve ser acalentada.
A Devoção Filial é até uma característica mais forte da China, e nós ultrapassamos outras nações na sua prática. O dever filial, como é revelado nos Cânones da Piedade Filial, abrange quase todo o campo das atividades humanas, tocando todos os pontos. Não existe um tratado sobre a piedade filial em qualquer país civilizado que seja tão completo. A devoção filial é, ainda, indispensável. Se o povo desta democracia puder praticar a lealdade e a devoção filial até seus limites, nosso Estado com toda a certeza florescerá.
A Bondade e o Amor fazem também parte do elevado padrão de moralidade da China. No passado, ninguém abordou a questão do amor como Motze. Seu “amor sem descriminação” é a mesma coisa que o “amor universal” de Jesus. Os antigos aplicavam o princípio do amor ao governo, dizendo: “Amai o povo como a vossos filhos”, e “sede bondosos com todas as pessoas e amai a todas as criaturas.” O amor abarcava todos os deveres, de onde podemos depreender a maneira perfeita como punham em efeito o amor e a bondade. Desde que iniciamos nossas relações com o estrangeiro, algumas pessoas pensaram que o ideal chinês da bondade e do amor era inferior ao dos estrangeiros, pois estes, ao estabelecer escolas e manter hospitais para ensinar e aliviar os padecimentos dos chineses, praticam a bondade e o amor. Na expressão prática das belas qualidades da bondade e do amor fica parecendo que a China está muito mais atrasada do que outros países, e a razão está em que os chineses têm se mostrado menos ativos na sua prática. Mas, a bondade e o amor são velhas qualidades do caráter chinês, e, quando estudarmos outros países, aprendamos seus métodos práticos, revivamos nossa própria bondade e amor, o espírito da antiga China, fazendo-os resplandecer com maior glória.
A Fidelidade e a Justiça. A antiga China sempre se referiu à fidelidade ao tratar com os países vizinhos e no seu intercurso com as nações amigas. Segundo meu modo de pensar, a fidelidade é melhor praticada pelos chineses do que pelos estrangeiros. Isso poderá ser comprovado no intercurso mercantil. Os chineses, em suas relações comerciais, não empregam os contratos escritos. Tudo o que é necessário é uma promessa verbal, que, implicitamente, é aceita com confiança. Assim, quando um estrangeiro coloca uma encomenda numa firma chinesa, não é necessário o contrato. Regista-se apenas a operação nos livros de escrituração e o negócio é fechado. Mas, quando um chinês coloca uma encomenda numa firma estrangeira, tem de assinar um contrato detalhado. Se não existe um advogado ou um funcionário diplomático no lugar, o estrangeiro poderá adotar a norma chinesa e registar simplesmente a operação em seus livros. Mas tais casos são raros. É exigido quase sempre um contrato. Suponhamos que as partes concordaram em não subscrever um contrato sobre certo preço a ser pago contra a entrega de certas mercadorias. Se o preço de venda dessas mercadorias cair, a compra continuará de pé e o comprador perderá dinheiro. Por exemplo, se, quando a encomenda for colocada, o preço das mercadorias for claramente assentado no valor de 10.000 dólares, porém, na ocasião da entrega, valer apenas 5.000 dólares, ao aceitar a consignação, o comprador perderá 5.000 dólares. Apesar de, no início da transação, não ter firmado contrato, o chinês poderia sentir-se inclinado a desfazer o negócio, porém, preferiria perder 5.000 dólares a declinar do pagamento, a fim de cumprir seu compromisso. Em consequência, os estrangeiros, que se dedicaram à mercância no interior do país durante longo tempo, referem-se, invariavelmente, em termos elogiosos aos chineses, ressaltando o fato de que estes cumprem mais fielmente sua palavra do que um estrangeiro seu contrato. No Japão, todavia, apesar dos homens de negócios estrangeiros sempre assinarem contratos quando aceitam encomendas, as coisas passam-se diferentemente: os japoneses sempre estão desrespeitando seus contratos. Se, por exemplo, quando a encomenda foi colocada, o preço assentado foi de 10.000 dólares, porém, na ocasião da entrega das mercadorias, verificou-se uma queda de preços para 5.000 dólares, apesar do contrato original, os japoneses se recusarão a aceitar as mercadorias. Em consequência, os estrangeiros estão constantemente promovendo ações contra os japoneses. Os estrangeiros, que viveram bastante tempo na Ásia Oriental e tiveram transações com chineses e japoneses, louvam os chineses, mas não os japoneses.
Justiça. A China, nos dias de poder, nunca destruiu totalmente outro Estado. Considerai o caso da Coreia, que foi antigamente vassalo nominal da China, porém, na realidade, uma nação independente. Há 20 anos, a Coreia ainda era independente. Foi somente nos últimos dez anos ou mais, que perdeu sua liberdade. Certo dia, quando a Guerra Europeia estava em seu período de maior encarniçamento, palestrava eu com um amigo japonês sobre os problemas mundiais, na ocasião em que o Japão aderira à Entente na luta contra a Alemanha. Meu amigo japonês disse-me, então, que não aprovava a entrada do Japão na guerra contra a Alemanha, e que era favorável à neutralidade ou que o Japão se aliasse à Alemanha contra a Entente. Acrescentou, porém, que, uma vez que o Japão e a Inglaterra eram aliados e haviam assinado um tratado internacional, o Japão teria de ser “fiel e justo” e manter o acordo, sacrificar seus próprios direitos e tomar o lado da Entente. Imediatamente perguntei a esse japonês, senhores:
— A China e o Japão não subscreveram o Tratado de Shimonoseki, cuja cláusula mais importante encerrava uma garantia de absoluta independência da Coreia? Por que está o Japão disposto a sacrificar seus direitos nacionais para manter um tratado com a Inglaterra, enquanto com a China sucede o contrário, mostrando-se infiel à palavra empenhada e viola o Tratado de Shimonoseki? A independência da Coreia foi proposta e exigida pelo próprio Japão e levada a efeito por ameaça, agora, que o Japão “está gordo de tanto engolir suas próprias palavras”. Que espécie de fidelidade e de justiça mantendes?
Na realidade, o Japão advoga a fidelidade ao tratado que celebrou com a Inglaterra, porém não faz o mesmo com a China, porque a primeira é uma nação forte e a China é fraca. A entrada do Japão na Guerra Europeia foi motivada pelo temor da força, não em virtude de qualquer “fidelidade” ou “justiça”. A China foi um Estado poderoso durante milhares de anos, e a Coreia levava sua vida independente. O Japão é uma nação forte de há 20 anos para cá e já destruiu a Coreia. Disso podemos ver como o sentido de “fidelidade e justiça” do Japão é inferior ao da China e como nossos padrões de moralidade ultrapassam os de quaisquer outras nações.
A China possui outra esplêndida virtude — o amor da Harmonia e da Paz. Entre os Estados e povos do mundo de hoje, somente a China prega a paz. Todos os outros países pensam na guerra e advogam a destruição de Estados pelo imperialismo. Somente nos anos recentes, depois das experiências de muitas grandes guerras e de uma gigantesca e trágica mortandade, começaram a propôr a abolição da guerra. Várias conferências de paz foram realizadas, tais como a Conferência de Haia, a Conferência de Versalhes em seguida à guerra, a Conferência de Genebra, a Conferência de Washington, e, mais recentemente, a Conferência de Lausanne. Mas os representantes das diversas ações encontraram-se para abordar os problemas da paz, devido ao seu temor da guerra, forçados pela necessidade, e não porque houvesse desejo natural da parte de todos os cidadãos pela manutenção da paz. O intenso amor à paz, alimentado pelos chineses há milhares de anos, é uma disposição natural. Nas relações entre indivíduos, tem-se acentuado na China a “humildade e a deferência”; nas relações entre governos, aplicava-se o velho provérbio: “aquele que não se deleita em matar um homem, pode unificar todos os homens.” Tudo isso é bem diferente dos ideais dos estrangeiros. As antigas virtudes chinesas da Lealdade, Devoção Filial, Bondade, Amor, Fidelidade e outras, são, por sua própria natureza, superiores às virtudes estrangeiras, porém, na qualidade moral da Paz, ultrapassamos ainda mais os povos de outras terras. Essa característica especial é o espírito de nossa nação e devemos não só acalentá-la, mas fazer com que esplenda com brilho ainda maior. Assim, restauraremos nossa posição nacional.
Devemos reviver não somente nossos velhos padrões de moralidade, mas também nosso conhecimento. Desde que fomos subjugados pelos mandchus, nossos 400 milhões de compatriotas estão em letargia, nossa antiga moralidade em torpor e nosso antigo conhecimento adormecido. Se quisermos reconquistar nosso espírito nacional, deveremos reativar o conhecimento bem como os ideais morais, que outrora possuíamos. Que é esse conhecimento antigo? Entre as teorias humanas do Estado, a filosofia política da China ocupa um lugar de destaque. Pensamos que os Estados da Europa e da América avançaram muito nos anos recentes, porém sua nova cultura não é tão completa como nossa velha filosofia política. A China tem um tipo de filosofia política tão sistemática e tão clara que nada descoberto ou enunciado por estadistas estrangeiros se lhe compara. Encontra-se no Grande Conhecimento o seguinte conceito: “Penetrai na natureza das coisas, estendei as fronteiras do conhecimento, tornai vossos propósitos sinceros, disciplinai o espírito, cultivai as virtudes pessoais, governai a família, governai o Estado e pacificai o mundo.” Esse pensamento convida o homem a desenvolver-se de dentro para fora, a começar por sua natureza íntima e a não cessar até que o mundo esteja em paz. Tal lógica profunda e universal não é encontrada em qualquer obra de filósofo político estrangeiro. É um filão de sabedoria peculiar à filosofia chinesa do Estado e digno de ser preservado.
Os princípios da “disciplina do espírito, da sinceridade de propósito, do cultivo da virtude pessoal e do governo da família”, pertencem, naturalmente, ao domínio da moral, porém, atualmente, é mais adequado tratá-las como questões do conhecimento. Enquanto nossos antepassados exerciam seus poderes pelo lado moral, desde a perda do nosso nacionalismo o verdadeiro espírito do conhecimento também desapareceu. O povo, que estuda os clássicos, emprega constantemente a passagem que citei de maneira convencional, porém repete as palavras sem procurar sua interpretação e sem uma ideia de seu profundo significado. O conhecimento de como “disciplinar o espírito e tornar sincero o propósito” decorre do controle interno e é difícil de expô-lo. Os sábios do período Sung prestavam muita atenção a esse treinamento mental, e, quando lhe estudamos as obras, podemos ver quanto êxito tiveram com ele. Mas, o “cultivo da virtude pessoal, o governo da família e do Estado” são reformas exteriores, que ainda não efetuamos. Na superfície, pelo menos, não tivemos êxito em sua aplicação nas últimas centenas de anos. Em consequência, não podemos governar nosso próprio país, e os estrangeiros, verificando que não podemos fazê-lo, pretendem estabelecer um controle internacional sobre nós.
Por que não podemos governar a China? Que revela o fato aos estrangeiros? Em minha opinião pessoal, os estrangeiros não dispõem de meios para observar se governamos nossas famílias, bem ou não, porém podem verificar o quanto nos falta em cultura pessoal. Todas as palavras e atos de um chinês evidenciam a ausência de refinamento. O contacto com o povo chinês é suficiente para revelar esse fato. A impressão que o estrangeiro comum tem do chinês é que ele não é educado e civilizado. A única exceção são os estrangeiros que viveram 20 ou mais anos na China, ou os grandes filósofos como Bertrand Russell, que têm ampla visão da vida, e que, logo que vêm à China, são capazes de discernir que a civilização chinesa é superior à da Europa ou da América e externam a devida admiração à China. A razão dessa impressão comum é a pouca atenção que os chineses prestam à cultura pessoal. Não nos referimos às grandes ofensas. Nas palavras e atos da vida quotidiana, os chineses são demasiado descuidados. Quando os chineses começaram a emigrar para os Estados Unidos, o povo americano tratava-os como iguais e não estabelecia distinção entre americanos e chineses. Mais tarde, os grandes hotéis começaram a recusar hóspedes chineses e os grandes restaurantes não admitiam chineses, simplesmente porque careciam de refinamento.
Certa vez, palestrava eu com o comandante de um vapor americano. Ele referiu-se a um ministro chinês, numa viagem anterior do mesmo navio, que assoava o nariz e cuspia por toda parte, mesmo sobre tapetes caros. Na verdade, isso é repelente! Perguntei ao capitão quais as providências que tomara. Respondeu-me:
— Não pude conceber outro plano, senão usar meu lenço de seda, diante dele, e limpar o tapete, porém, isso mesmo mal parecia atrair-lhe a atenção.
Tais maneiras, como as do ministro chinês, são comuns entre os chineses, e o incidente mostra quão deficientes somos em cultura pessoal.
Confúcio declarou: “Se a esteira não estiver bem assentada, não nos sentemos”, o que mostra quão grande era a atenção que ele prestava à cultura pessoal, mesmo nos menores detalhes do assento e da postura. Os sábios confucianos da dinastia Sung eram mesmo mais cuidadosos e estritos na “disciplina do espírito, sinceridade de propósito e cultivo da pessoa”, porém, o chinês moderno mal dedica sua atenção a esses princípios. Por que as grandes casas de pasto nos países estrangeiros não admitem chineses? Alguém narrou-me um incidente que poderá explicar a razão. Era na hora do jantar. Damas e cavalheiros refinados acotovelavam-se na sala de jantar, em alegre convívio, quando, de repente, um chinês expeliu, barulhentamente, gases. Os estrangeiros espalharam-se com exclamações de desgosto, enquanto o proprietário expulsava o chinês do recinto. Desde essa experiência, não foi mais admitida a entrada de chineses nesse restaurante. Certa vez, em Xangai, importante comerciante chinês convidou alguns estrangeiros para uma festa, emitindo gases durante a mesma até que as faces dos estrangeiros se enrubesceram de vergonha, Ele não só não se reprimia, mas até se erguia e sacudia as roupas, exclamando em voz alta:
— E-s-ko-s-me (deformação de escuse-me, perdoem-me).
Tais maneiras são extremamente incivilizadas e vulgares. Até os sábios e estudantes as praticam constantemente. Algumas pessoas dizem que esse hábito, quanto mais barulhento, melhor é para a saúde. Tal noção errada é mais repreensível ainda. Que o povo de nosso país se descarte o mais breve possível de tais maus hábitos como o primeiro passo para o aprimoramento de sua cultura pessoal.
Os chineses gostam, também, de usar unhas compridas, com uns 3 ou mais centímetros de comprimento, sem cuidar delas, considerando isso como um sinal de refinamento. Os franceses também têm o costume de usar unhas compridas, porém com o comprimento de um ou dois milímetros, supondo que assim evidenciam não serem trabalhadores braçais. Os chineses, provavelmente, têm a mesma intenção ao usarem unhas compridas. Mas uma objeção geral ao trabalho braçal representaria uma oposição direta ao respeito pelo trabalho, que é um dos postulados do Kuomintang. Os chineses têm, também, dentes muito amarelados ou enegrecidos e nunca os limpam ou escovam, outra grande deficiência no cuidado pessoal. Todos esses maus hábitos podem ser extirpados mediante uma cultura pessoal, simples e quotidiana, porém, os chineses não se incomodam com isso. Em consequência, apesar de possuirmos a sabedoria sobre o “cultivo da virtude pessoal, do governo da família e do Estado, da pacificação do mundo”, logo que os estrangeiros entram em contacto conosco dizem que somos bárbaros e não procuram penetrar profundamente no patrimônio de nosso conhecimento. Com exceção de filósofos, como Russell, nenhum estrangeiro pode, à primeira vista, compreender a civilização da China, e somente os que passaram dez ou mais anos na China podem apreciar sua cultura milenária. Se todos dedicassem esforços sistemáticos à cultura de suas pessoas, “permitir que o caráter íntimo se manifestasse exteriormente”, prestassem atenção mesmo às questões mais insignificantes de conduta, ao deparar estrangeiros não violassem rudemente sua liberdade, os estrangeiros, com toda a certeza, respeitariam os chineses. Eis porque me refiro hoje à cultura pessoal. Vós, os jovens, devereis certamente aprender da moderna cultura dos estrangeiros e, em primeiro lugar, cultivar nossas próprias pessoas, para depois falar sobre “o governo da família e do Estado.” Os Governos estão progredindo em todas as outras partes, atualmente. Na China, ele está regredindo. Por que? Porque estamos sob a dominação política e econômica estrangeira, na verdade. Mas, se procurarmos a razão fundamental, encontrá-la-emos no fracasso chinês em cultivar a virtude pessoal. Parecemos esquecer que os antigos chineses reflacionavam a cultura pessoal à “disciplina do espírito, à sinceridade de propósito, penetrando na natureza das coisas e estendendo as fronteiras do conhecimento.” Que ensinamento discriminativo, que filosofia compreensiva! E é a sabedoria chinesa antiga. Se, agora, quisermos governar nossas famílias e nosso Estado e não ficarmos submetidos ao controle estrangeiro, deveremos começar com a nossa cultura pessoal, deveremos reviver a antiga sabedoria da China bem como sua compreensiva filosofia, para, depois, despertar seu espírito e restaurar sua posição nacional.
Além de nosso antigo conhecimento, há também nossos antigos poderes. Quando os chineses, atualmente, apreciam o desenvolvimento da maquinaria estrangeira e o glorioso progresso da ciência moderna, pensam naturalmente que nossa habilidade não é igual à dos estrangeiros. Que dizer, porém, da capacidade dos chineses há milhares de anos atrás? Nos velhos tempos, os chineses, eram muito superiores aos estrangeiros. Algumas das coisas mais valiosas no Ocidente de hoje foram inventadas na antiga China. Tomemos, por exemplo, o compasso, que, nesta grande idade da navegação, não pode ser dispensado por uma hora ou momento. Veremos que foi inventado pelos chineses há milênios. Os chineses não poderiam ter inventado o compasso sem alguma espécie de habilidade, e o fato dos estrangeiros estarem ainda usando o que a China usou no passado distante mostra que a habilidade chinesa é superior. Há outra coisa, que ocupa lugar extremamente importante na civilização — a arte de imprimir. As aperfeiçoadas máquinas de impressão modernas do Ocidente podem produzir dezenas de milhares de jornais numa hora, e a história da impressão começa com primitivas invenções chinesas. Tomemos, também, por exemplo, a porcelana, que a humanidade usa diariamente, outra invenção e produto especial da China. Os estrangeiros ainda tentam imitá-la, mas não podem igualar sua delicadeza e beleza. Nas guerras modernas, emprega-se a pólvora sem fumaça, porém, trata-se apenas de um melhoramento sobre a pólvora preta fumarenta, que foi inventada pelos chineses. Essas importantes e valiosas invenções — o compasso, a impressão, a pólvora — são conhecidas e usadas pelas nações do Ocidente atualmente e motivos de sua grandeza.
No domínio da alimentação e vestuário, habitação e comunicações, a China também contribuiu com muitas descobertas para uso da humanidade. Tomemos o caso das bebidas. A China descobriu a folha de chá, que é uma das grandes necessidades no mundo moderno. Os países civilizados competem hoje no seu uso e fazem dele um sucedâneo dos licores. Assim, o chá está contribuindo para a erradicação do alcoolismo e trazendo não poucos benefícios para a humanidade. Tomemos os artigos de vestuário. Os estrangeiros dão o maior valor aos artigos feitos de seda e o número de consumidores de roupas de seda aumenta diariamente. O bicho da seda, que fia a seda, foi primeiramente localizado na China, há milhares de anos. Ou a habitação. As casas modernas, construídas pelos estrangeiros, são completas em todos os sentidos, porém, os princípios de construção e todas as partes importantes da casa foram estabelecidos pelos chineses. A porta arqueada, por exemplo, foi introduzida na China antes de em qualquer outra parte. Estudai os métodos de comunicação. Os ocidentais pensam que suas pontes pênsis são o resultado de invenções de sua moderna engenharia e de sua grande habilidade nativa, porém, os estrangeiros que visitam o interior da China, e vão até as fronteiras da província de Szechwan e do Tibet, vêm chineses atravessando altas montanhas e cruzando profundos rios por meio de pontes pênsis. Compreendem então, que o mérito da invenção das pontes pênsis cabe à China e não ao Ocidente, como pensavam. Tudo isso vem mostrar que a antiga China não era carente de habilidades, porém, veio a perder essas faculdades, e, consequentemente, sua posição nacional declinou. Se quisermos restaurar nossa antiga posição, deveremos também reviver nossas antigas faculdades.
Mas, mesmo que consigamos reviver nossa antiga moralidade, conhecimento e faculdades, não seremos ainda capazes, neste mundo moderno, de fazer avançar a China até colocá-la numa posição entre as nações vanguardeiras. Se pudermos reproduzir o que há de melhor em nosso patrimônio nacional, exatamente como ao tempo de nossos antepassados, quando a China dominava o mundo, ainda necessitaremos de aprender os pontos substanciais da Europa e da América antes que possamos progredir no mesmo ritmo e na mesma escala. A menos que estudemos o que há de melhor nos países estrangeiros, regrediremos. Será difícil ou não para os chineses aprenderem dos outros países? Sempre pensamos que a maquinaria estrangeira era complexa e que sua operação não era fácil de aprender. No Ocidente, o voo em aeroplanos era considerado a mais difícil manipulação de maquinaria e as máquinas voadoras figuram entre as invenções mais recentes e todos os dias vemos aeroplanos alçando voo de Tai Shatow (Em Cantão). E não são chineses os pilotos?
Se os chineses podem aprender a voar, quais são as outras coisas difíceis que não poderão aprender? Com nossa admirável base de conhecimento e com nossa cultura milenária, além de nossa inteligência nativa, seremos capazes de adquirir todas as melhores coisas do exterior. O ponto forte do Ocidente é sua ciência., que tem um curso de desenvolvimento de 300 anos, porém progrediu rapidamente somente na última metade do século. O avanço da ciência tornou possível ao homem “usurpar os poderes da natureza” e executar o que as forças naturais fizeram.
A força natural, de descoberta mais recente, é a eletricidade. Outrora, a força era extraída do carvão, que, por sua vez, gerava o poder mecânico.
Agora, a ciência ocidental avançou para uma segunda era — a era da eletricidade. Há um projeto de tremenda significação nos Estados Unidos, visando ligar todo o potencial elétrico de suas usinas num só sistema de unificação. Uma vez que há milhares de usinas, cada qual com sua estação geradora, queimando carvão para gerar a força elétrica, será utilizado um volume enorme de carvão e de mão de obra. Devido a esse formidável consumo de carvão pelas usinas, as centenas de milhares de kms. de linhas ferroviárias não são suficientes para transportar o combustível necessário. O resultado é que as estradas de ferro estão com um tráfego demasiado volumoso para poderem transportar os produtos agrícolas das diversas regiões, que deixam de encontrar os vastos mercados de que carecem. Uma vez que o emprego do carvão apresenta duas sérias desvantagens, os Estados Unidos estão agora considerando o estabelecimento de uma grande estação central elétrica, que amalgamaria a força elétrica usada pelos milhares de usinas e fábricas num só sistema. Se esse super- projeto conseguir êxito, todo o equipamento gerador de milhares de usinas poderá ser aproveitado numa só estação central. As usinas, individualmente, não necessitarão empregar carvão c grande volume de mão de obra para cuidar das fornalhas e caldeiras. A mercadoria que necessitará para seu funcionamento será o fio de cobre para transmitir a força. As vantagens desse plano poderão ser ilustradas pelas centenas de pessoas, reunidas nesta sala de conferências. Se casa um de nós dispusesse aqui de um pequeno fogão para preparar uma refeição, seria incômodo e antieconômico, porém, se nos congregássemos e preparássemos a comida num grande fogão, acharíamos mais conveniente e econômico. Os Estados Unidos estão atualmente considerando esse projeto de integrar todas as suas usinas num grande sistema elétrico. Se a China quiser aprender os pontos fortes do Ocidente deverá começar não com a força gerada pelo carvão, mas com a eletricidade, e fornecer uma única e grande força motriz para todo o país. Essa maneira de aprender pode ser comparada ao que os militares chamam de ataque frontal, “interceptando e golpeando a força avançada.” Se pudermos aprender com a guarda avançada, dentro de dez anos poderemos não estar na frente de outras nações, porém, estaremos no mesmo nível.
Se quisermos aprender com o Ocidente, teremos de atingir a linha avançada e não correr atrás. No estudo da ciência, por exemplo, isso importará na economia de duzentos anos. Estamos atualmente em tal posição que, se continuarmos adormecidos, não começarmos a lutar, e não soubermos como restaurar a posição de nosso Estado, nosso país estará perdido e nossa raça será exterminada. Mas, agora que sabemos como devemos seguir as correntes mundiais e estudar os melhores aspectos das nações ocidentais, deveremos com toda a certeza ultrapassar os outros países no que estudarmos e justificar o provérbio de que “os últimos serão os primeiros”. Apesar de estarmos atrasados muitos séculos, mesmo assim, com poucos anos, poderíamos alcançar o resto do mundo. O Japão é um bom exemplo. Sua cultura foi, em tempos, copiada da China e era muito inferior à nossa, porém, recentemente, o Japão estudou a civilização europeia e americana, e, dentro de poucas décadas, tornou-se uma das grandes potências mundiais. Não penso que nossas faculdades intelectuais sejam inferiores às dos japoneses, e seria mais fácil para nós do que para o Japão aprender do Ocidente. Assim, os próximos dez anos serão um período crítico para nós. Se pudermos nos revivescer, como os japoneses, e exercer um esforço bastante sincero para elevar a posição de nossa nação, dentro de uma década, seremos capazes de nos desembaraçar do controle político e econômico estrangeiro, da pressão do aumento das populações estrangeiras e de todas as diversas calamidades que nos foram impostas. O Japão estudou as realizações do Ocidente apenas durante umas poucas décadas e tornou-se uma das maiores potências mundiais. Mas a China tem uma população dez vezes maior e uma superfície trinta vezes maior do que as do Japão. Se a China atingir o nível do Japão, igualar-se-á às dez grandes potências. Atualmente, existem apenas cinco grandes potências — os Estados Unidos, Inglaterra, França, Japão e Itália — e, quando a Alemanha e a Rússia se recuperarem, serão apenas seis ou sete. Se a China for tão longe quanto o Japão, ela incorporará o poderio de dez potências em seu Estado, e, então, será capaz de recobrar sua predominante posição nacional.
Depois da China atingir esse lugar, que acontecerá? Uma frase comum na antiga China era a seguinte: “Salvar os fracos, levantar os caídos.” Devido a essa nobre política, a China prosperou durante milhares de anos, e o Annam, Birmânia, Coreia, Sião e outros pequenos Estados foram capazes de manter sua independência. Quando a influência europeia se propagou pelo Oriente, o Annam foi subjugado pela França, a Birmânia pela Grã-Bretanha, e a Coreia pelo Japão. Se nós quisermos elevar a China a uma posição de poder, deveremos não só restaurar nossa posição nacional, mas também assumir uma grande responsabilidade para com o mundo. Se a China não puder assumir essa responsabilidade, ela representará uma grande desvantagem, e não uma vantagem, para o mundo, não importa quão forte possa ser. Qual é realmente nosso dever para com o mundo? A estrada que as grandes potências estão trilhando atualmente, significa a destruição de outros Estados. Se a China, quando se tornar forte, quiser esmagar outros países, copiar o imperialismo das potências, e trilhar o mesmo caminho, estará seguindo suas pegadas. Decidamos antes de mais nada sobre nossa política. Somente se “salvarmos os fracos e erguermos os caídos” estaremos executando a divina obrigação de nossa nação. Deveremos auxiliar os povos menores e mais fracos e opôr-nos às grandes potências mundiais. Se todo o povo do país assumir esse propósito, nossa nação prosperará. De outra maneira, não haverá esperança para nós. Comprometamo-nos, hoje, antes do início do desenvolvimento da China, a erguer os que caem e a auxiliar os fracos. Depois, quando nos tornarmos fortes e volvermos nossas vistas para nossos próprios padecimentos sob a dominação política e econômica das potências e vermos os povos menores e mais fracos sofrendo o mesmo tratamento, nós nos ergueremos e feriremos de morte o imperialismo. Então, estará verdadeiramente em vigor a norma de “governar o Estado e de pacificar o mundo.
Se quisermos ser capazes de atingir esse ideal no futuro, deveremos agora fazer reviver nosso espírito nacional, recobrar nossa posição nacional, unificar o mundo na base de nossa antiga moralidade e amor à paz e promover o domínio universal da igualdade e da fraternidade. Esta é a grande responsabilidade que repousa nos ombros dos nossos 400 milhões de compatriotas. Vós, senhores, sois parte desses 400 milhões. Deveis, todos vós, colocar em vossos ombros essa responsabilidade e manifestar o verdadeiro espírito de nossa nação.
2 de Março de 1924
Notas de rodapé:
(1) Em chinês, mesmo depois da guerra, o termo “Potências Aliadas” era empregado para designar as Potências Centrais, e o termo “Potências da Entente” para designar os Aliados. (retornar ao texto)
(2) A Inglaterra reconheceu formalmente há pouco tempo a Rússia Soviética. (retornar ao texto)
(3) Devoção Filial, hsiao, e Lealdade, chung, são, na China, expressões constantemente associadas, sendo consideradas atributos da mesma virtude. Quando manifestadas nas relações entre pai e filho, usa-se hsiao; quando manifestadas nas relações entre o imperador e os funcionários, utiliza-se chung. (retornar ao texto)
Inclusão | 17/07/2019 |