A Revolução de Outubro e o Problema das Camadas Médias

J. V. Stálin

7 de Novembro de 1923


Primeira Edição: Jornal «Pravda» («A Verdade»), n. 253. 7 de novembro  de 1923.
Fonte: J.V. Stálin - Obras - 5º vol., Editorial Vitória, 1954 - traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo, setembro 2006.
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É indubitável que um dos problemas fundamentais da revolução operária é o problema das camadas médias, que são formadas pelos camponeses e pela camada média trabalhadora da cidade. Entre elas é preciso incluir as nacionalidades oprimidas, compostas em nove décimos de camadas médias. Como vedes, são as mesmas camadas que, pela sua situação econômica, se acham situadas entre o proletariado e a classe dos capitalistas. Duas circunstâncias determinam o peso específico destas camadas: em primeiro lugar, são a maioria ou, de qualquer modo, uma considerável minoria da população dos Estados atuais; em segundo lugar, constituem as importantes reservas onde a classe dos capitalistas recruta o seu exército contra o proletariado. O proletariado não pode manter-se no Poder sem a simpatia, sem o apoio das camadas médias e, sobretudo, dos camponeses, especialmente num país como a nossa União de Repúblicas. O proletariado não pode sequer pensar seriamente na conquista do Poder, se estas camadas não forem pelo menos neutralizadas, se estas camadas ainda não conseguiram afastar-se da classe dos capitalistas, se ainda constituem, na sua massa, o exército do capital. Daí a luta pelas camadas médias, a luta pelos camponeses, que atravessa como um fio vermelho toda a nossa revolução, de 1905 a 1917, luta que ainda está longe de ter chegado ao fim e que ainda continuará a desenvolver-se no futuro.

A revolução de 1848, na França, foi derrotada porque, entre outras coisas, não conseguiu despertar as simpatias dos camponeses franceses. A Comuna de Paris caiu porque, entre outras coisas, teve que enfrentar a oposição das camadas médias e sobretudo dos camponeses. O mesmo se deve dizer revolução russa de 1905.

Partindo da experiência das revoluções européias, alguns marxistas vulgares, com Kautsky à frente, chegaram à conclusão de que as camadas médias e sobretudo os camponeses são quase inimigos naturais da revolução operária, de que, por conseguinte, é indispensável orientar-se para a perspectiva de um período de desenvolvimento mais longo, ao fim do qual o proletariado se tornará a maioria da nação e, desse modo, se criarão as condições concretas para a vitória da revolução operária. Baseando-se nesta conclusão, os marxistas vulgares punham em guarda o proletariado contra uma revolução "prematura". Baseando-se nesta conclusão, os marxistas vulgares, por "considerações de princípios", abandonavam inteiramente as camadas médias à mercê do capital. Baseando-se nesta conclusão, prognosticavam a ruína da Revolução Russa de Outubro, invocando o fato de que o proletariado constitui minoria na Rússia, de que a Rússia é um país camponês e, por isso, é impossível uma revolução operária vitoriosa na Rússia. É característico o fato de que o próprio Marx tivesse opinião inteiramente diversa sobre as camadas médias e sobretudo dos camponeses. Enquanto os marxistas vulgares, abandonando por completo os camponeses e deixando-os, politicamente, à mercê do capital, alardeavam a sua "firmeza de princípios", Marx, o mais firme de todos os marxistas no terreno dos princípios, aconselhava insistentemente o Partido Comunista a não perder de vista os camponeses, a conquistá-los para o proletariado e a assegurar-se do seu apoio na revolução proletária iminente. É sabido que, na década de 1850, depois da derrota da revolução de fevereiro na França e na Alemanha, Marx escrevia a Engels e, por seu intermédio, ao Partido Comunista da Alemanha:

«Na Alemanha tudo dependerá da possibilidade apoiar a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra camponesa» [1N].

Esta afirmação se referia à Alemanha de 1850, país camponês, onde o proletariado constituía minoria insignificante, onde o proletariado estava menos organizado do que na Rússia de 1917, onde os camponeses, pela sua situação, estavam menos dispostos a apoiar a revolução proletária do que os da Rússia de 1917.

Sem dúvida, a Revolução de Outubro foi a feliz combinação da "guerra camponesa" com a "revolução proletária", de que falava Marx, a despeito de todos os charlatães "fieis aos princípios". A Revolução de Outubro demonstrou que esta combinação é possível e realizável. A Revolução de Outubro demonstrou que o proletariado pode tomar o Poder e conserva-lo, se conseguir afastar da classe capitalista as camadas médias e sobretudo os camponeses, se conseguir transformar estas camadas, de reservas do capital, em reservas do proletariado.

Em suma: a Revolução de Outubro, foi a primeira entre todas as revoluções do mundo, pôs em primeiro plano o problema das classes médias e sobretudo dos camponeses e o resolveu com êxito, apesar de todas as "teorias" e das jeremiadas dos heróis da II Internacional.

Esse é o primeiro mérito da Revolução de Outubro, se é que em geral se pode falar em méritos no presente caso.

Mas as coisas não se resumem a isso. A Revolução de Outubro foi além, procurando reunir em torno do proletariado as nacionalidades oprimidas. Já dissemos acima que estas ultimas se compõem em nove décimos de camponeses e da camada média trabalhadora da cidade. Mas não se esgota aqui o conceito de "nacionalidade oprimida". As nacionalidades oprimidas não são oprimidas somente como camponeses e trabalhadores urbanos, mas também como nacionalidades, isto é, como trabalhadores de determinada nacionalidade, com seu idioma e sua cultura, com seu modo de vida, seus usos e costumes. O peso dessa dúplice opressão não pode deixar de tornar revolucionárias as massas trabalhadoras das nacionalidades oprimidas, não pode deixar de estimulá-las à luta contra a força principal da opressão, à luta contra o capital. Esta circunstância foi a base sobre a qual o proletariado conseguiu realizar a combinação da "revolução proletária", não só com a "guerra camponesa", mas também com a "guerra nacional". Tudo isso não podia deixar de ampliar de muito o campo de ação da revolução proletária além dos limites da Rússia, não podia deixar de pôr em perigo as mais profundas reservas do capital. Se a luta para conquistar as camadas médias da nacionalidade dominante era uma luta para conquistar as reservas imediatas do capital, a luta pela libertação das nacionalidades oprimidas não podia deixar de se transformar em luta pela conquista de algumas das reservas mais profundas do capital, em luta pela libertação dos povos das colônias e das semicolônias da opressão do capital. Esta última luta ainda está longe de ter chegado ao fim, e nem mesmo chegou a alcançar os primeiros êxitos decisivos. Mas esta luta pelas reservas profundas começou graças à Revolução de Outubro e indubitavelmente se desenvolverá, passo a passo, à medida que se desenvolva o imperialismo, à medida que cresça a potência da nossa União de Repúblicas, à medida que se desenvolva a revolução proletária no Ocidente.

Em suma: a Revolução de Outubro iniciou de fato a luta do proletariado pelas reservas profundas do capital, formadas pelas massas populares dos países oprimidos e dependentes; a Revolução de Outubro foi a primeira a içar a bandeira da luta pela conquista dessas reservas. Nisso reside o seu segundo mérito

A conquista dos camponeses foi levada a cabo, entre nós, sob a bandeira do socialismo. Os camponeses, tendo recebido a terra das mãos do proletariado, tendo vencido os latifundiários com a ajuda do proletariado, tendo subido ao Poder sob a direção do proletariado, não podiam deixar de sentir, não podiam deixar de compreender que o processo da sua emancipação se desenvolveu e continuará a se desenvolver sob a bandeira do proletariado, sob a sua bandeira vermelha. Esta circunstância não podia deixar de transformar a bandeira do socialismo, que era antes um espantalho para os camponeses, numa bandeira que atrai a sua atenção e facilita a sua libertação do atraso, da miséria e da opressão.

A mesma coisa, mas ainda em maior grau, se deve dizer das nacionalidades oprimidas. O apelo à luta pela libertação das nacionalidades, apelo apoiado por fatos como a libertação da Finlândia, a retirada das tropas da Pérsia e da China, a formação da União de Repúblicas, a franca ajuda moral aos povos da Turquia, da China, do Hindustão e do Egito, este apelo saiu pela primeira vez dos lábios dos homens que alcançaram a vitória na Revolução de Outubro. Não se pode considerar acidental o fato de que a Rússia que, no passado, era aos olhos das nacionalidades oprimidas a bandeira da opressão se tenha transformado, depois de se tornar socialista, na bandeira da emancipação. Não é de modo algum acidental o fato de que o nome do chefe da Revolução de Outubro, o camarada Lênin, seja hoje pronunciado com o maior afeto pelos camponeses oprimidos e vilipendiados e pelos intelectuais revolucionários dos países que não gozam de plenos direitos. Se, antigamente, o cristianismo era considerado, entre os escravos oprimidos e esmagados do vasto Império Romano, como a âncora de salvação, hoje marchamos para uma situação em que o socialismo poderá ser (e começa a ser), para massas de milhões e milhões de homens dos imensos Estados coloniais do imperialismo, a bandeira da libertação. Não se pode duvidar do fato de que esta circunstância ajudou consideràvelmente a luta contra os preconceitos hostis ao socialismo e abriu o caminho às idéias do socialismo nos rincões mais distantes dos países oprimidos. Se antes era difícil a um socialista apresentar-se abertamente às camadas médias, não proletárias, dos países oprimidos ou opressores, hoje ele pode desenvolver francamente entre estas classes a propaganda da idéia do socialismo, na esperança de ser ouvido e mesmo secundado, de vez que tem a seu favor um argumento tão forte como a Revolução de Outubro. Também este é um resultado da Revolução de Outubro.

Em suma: a Revolução de Outubro aplainou o caminho às idéias do socialismo entre as classes médias, não proletárias, camponesas, de todas as nacionalidades e povos e transformou a bandeira do socialismo em bandeira popular para elas. Nisso reside o terceiro mérito da Revolução de Outubro.

(veja outra tradução da Editorial Vitória para este texto)


Notas:

[1N] Stálin cita a carta de Marx a Engels, de 16 de abril de 1856. (Vide Marx e Engels, Cartas, Edizioni Rinascita, Roma, 1950, vol. II, pág. 423. (retornar ao texto)

pcr
Inclusão 24/10/2007
Última alteração 09/11/2012