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Nuvens negras adensam-se sobre nós. A autocracia decrépita levanta a cabeça e arma-se "a ferro e fogo". Desencadeia-se a reação! Que não nos falem das "reformas" tzaristas, destinadas a fortalecer a infame autocracia: as "reformas" são a máscara desses mesmos espancamentos e fuzilarias que tão largamente nos oferece o governo tzarista enfurecido.
Houve um tempo em que o governo se abstinha de derramar sangue no interior do país. Nessa época, ele fazia guerra ao "inimigo externo" e era-lhe necessária a "calma interna". Por isso, demonstrava certa "tolerância" para com os "inimigos internos", "fechando um olho" para o movimento que começara a expandir-se.
Agora, os tempos são outros. Apavorado pelo fantasma da revolução, o governo tzarista apressou-se em fazer a paz com o "inimigo externo", com o Japão, para concentrar as forças e reprimir "radicalmente" o "inimigo interno". E assim começou a reação. Já antes, nas Moslcóvskie Viédomosti[N57], revelara os seus "planos".
"O governo "... teve de travar paralelamente duas guerras... — escrevia esse jornal reacionário — uma guerra interna e uma guerra externa. Se não travou nem uma nem outra com a energia necessária..., isto pode ser explicado pelo fato de que uma guerra constituía obstáculo à outra... Se cessar agora a guerra no Extremo Oriente..., o governo então "...terá finalmente as mãos livres para terminar vitoriosamente também a guerra interna... para esmagar sem qualquer acordo... "os inimigos internos"... "Com o fim da guerra, toda a atenção da Rússia (leia-se: do governo) se concentrará em sua vida interna e sobretudo na repressão da revolta" (vide Moskóvskie Viédomosti, de 18 de agosto).
Estes eram os "planos" do governo tzarista no momento da conclusão da paz com o Japão.
Em seguida, concluída a paz, repetiu os mesmos "planos" pela boca de um seu ministro:
"Afogaremos em sangue — disse o ministro — os partidos extremistas da Rússia".
Por intermédio de seus lugar-tenentes e governadores gerais ele já está executando os "planos" mencionados: não foi em vão que transformou a Rússia num campo de guerra. Não foi em vão que encheu de cossacos e de soldados os centros do movimento e voltou as metralhadoras contra o proletariado; poder-se-ia pensar que o governo se apresta a conquistar pela segunda vez a imensa Rússia!
Como se verifica, o governo declara guerra à revolução e dirige os primeiros golpes contra o seu destacamento de vanguarda: o proletariado. Assim devem ser compreendidas suas ameaças endereçadas aos "partidos extremistas". Certamente, também não "faltará" aos camponeses, regalando-os com abundantes chicotadas e tiroteios, se não se mostraram "bastante sensatos" e se reivindicarem uma vida humana; por enquanto, o governo procura enganá-los: promete-lhes a terra e convida-os para a Duma, acenando-lhes com "toda a liberdade" para o futuro.
No que se refere às "pessoas respeitáveis", o governo, por certo, se dirigirá a elas "com mais delicadeza", procurando uma aliança: justamente para isso é que existe a Duma de Estado. Não é preciso dizer que os senhores burgueses liberais não recusarão os acordos. Já a 5 de agosto declaravam eles, pela boca de seu chefe, que estavam entusiasmados com as reformas do tzar:
"... É necessário fazer todos os esforços a fim de que a Rússia... não siga o caminho revolucionário da França" (vide Bússkie Viédomotsi[N58] de 5 de agosto, artigo de Vinogradov).
Seria supérfluo dizer que os astutos liberais trairão a revolução antes mesmo de Nicolau II. É o que demonstra, de sobra, seu último congresso...
Numa palavra, o governo tzarista emprega todos os esforços para esmagar a revolução popular.
Fuzilarias para o proletariado, promessas falazes para os camponeses e "direitos" para a grande burguesia, são esses os meios com que a reação se arma.
Ou destruir a revolução, ou a morte, é esta, hoje, a palavra de ordem da autocracia.
Por outro lado, as forças da revolução também não dormem e continuam a executar sua grande obra. A crise aguçada em conseqüência da guerra, a intensificação das greves políticas, puseram em fermentação todo o proletariado da Rússia, colocando-o face a face com a autocracia tzarista. O estado de sítio não só não atemorizou o proletariado como, ao contrário, lançou azeite no fogo e tornou a situação ainda pior. Quem ouviu as inúmeras exclamações dos proletários: "Abaixo o governo tzarista, abaixo a Duma tzarista!"; quem ouviu atentamente o pulsar da classe operária, não pode duvidar de que o espírito revolucionário do proletariado, como chefe da revolução, se elevará cada vez mais. No que se refere aos camponeses, também a esses a mobilização militar fez com que se insurgissem contra a ordem atual, essa mesma mobilização que lhes destruiu os lares, arrancando às famílias os seus melhores trabalhadores. Se considerarmos que a tudo isso vem juntar-se a fome, que invadiu vinte e seis unidades administrativas, será fácil, então, compreender o caminho que devem trilhar os martirizados camponeses, que tanto sofreram. Finalmente, até mesmo os soldados começam a murmurar, e esse murmúrio adquire dia a dia um tom mais ameaçador para a autocracia. Os cossacos, baluartes da autocracia, começam a provocar o ódio dos soldados: há algum tempo, em Nóvaia Alexandria, os soldados espancaram trezentos cossacos(1); fatos como esse se reproduzem com freqüência cada vez maior...
Numa palavra, a vida prepara uma nova onda revolucionária, que cresce gradualmente e se arremessa contra a reação. Os últimos acontecimentos em Moscou e em Petersburgo são o prenuncio dessa onda.
Qual deve ser a nossa atitude diante desses acontecimentos e que devemos fazer, nós, os social-democratas?
A dar ouvidos ao menchevique Mártov, deveremos eleger hoje a Assembléia Constituinte a fim de destruir para sempre os alicerces da autocracia tzarista. Segundo ele, paralelamente às eleições legais para a Duma, devem realizar-se também eleições ilegais. Devem ser constituídos comitês eleitorais que conclamarão
"o povo a eleger seus representantes mediante o sufrágio universal. Esses representantes, em determinado momento, deverão reunir-se numa cidade e proclamar-se Assembléia Constituinte..." Assim deve "realizar-se a liquidação da autocracia"(2)
Em outras palavras, embora a autocracia ainda esteja viva, podemos realizar do mesmo modo eleições gerais em toda a Rússia! Embora se enfureça a autocracia, os representantes "ilegais" do povo podem declarar-se, não obstante, Assembléia Constituinte, e instaurar uma república democrática! Não são necessários, ao que parece, nem o armamento, nem a insurreição, nem o governo provisório; a república democrática virá por si só, bastando apenas que os representantes "ilegais" se proclamem Assembléia Constituinte! O bom Mártov esqueceu-se somente de que essa fabulosa "Assembléia Constituinte" se verá um belo dia na fortaleza de Pedro e Paulo! O genebrino Mártov não compreende que os militantes que se acham na Rússia não têm tempo para se ocupar com jogos burgueses de salão.
Não, nós queremos fazer algo de diferente.
A negra reação congrega as forças obscurantistas e com toda a sua energia procura uni-las; nossa tarefa é congregar as forças social-democráticas e uni-las mais estreitamente.
A negra reação convoca a Duma, quer adquirir novos aliados e aumentar o exército da contra-revolução; nossa tarefa é declarar o boicote ativo à Duma, mostrar a todo o mundo sua face contra-revolucionária e aumentar as fileiras dos partidários da revolução.
A negra reação desfere um ataque mortal à revolução, quer lançar a confusão em nossas fileiras e cavar a sepultura da revolução popular; nossa tarefa é cerrar nossas fileiras, desfechar um ataque geral simultâneo contra a autocracia tzarista e apagar para sempre sua lembrança.
Não o castelo de cartas de Mártov, mas a insurreição geral — eis o de que precisamos.
A salvação do povo está na insurreição vitoriosa do próprio povo.
Ou a vitória da revolução, ou a morte; esta deve ser, hoje, a nossa palavra de ordem revolucionária.
Notas de rodapé:
(1) Vide "Proletari" (59), n.° 17. (retornar ao texto)
(2) Vide "Proletari", n.° 15, onde vem transcrito o "plano" de Mártov. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N57] Moskóvskie Viédomosti (Notícias de Moscou), jornal publicado desde 1756. Exprimia os interesses dos círculos mais reacionários da nobreza feudal e do clero. Desde 1905, órgão das Centúrias Negras. Suprimido após a Revolução do Outubro de 1917. (retornar ao texto)
[N58] Rússkie Viédomosti (Notícias Russas), iniciou suas publicações em Moscou, em 1863, por obra de professores liberais da universidade de Moscou e de expoentes dos zemstvos. Exprimia os interesses dos latifundiários liberais e da burguesia. Órgão dos cadetes de direita a partir de 1905. (retornar ao texto)
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Inclusão | 23/12/2010 |
Última alteração | 22/09/2011 |