Nós podemos contar com Cuba
(Entrevista com Rádio Havana)

Thomas Sankara

4 de agosto de 1987


Primeira Edição:Thomas Sankara Speaks”, publicado em inglês pela Editora Pathfinder em 2007.

Fonte: TraduAgindo - https://traduagindo.com/2021/02/08/thomas-sankara-nos-podemos-contar-com-cuba/

Tradução: Cláudio Mário

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


O correspondente da Rádio Havana Claude Hackin conduziu essa entrevista em Ouagadougou, ela apareceu na publicação de 4 de Agosto de 1987 da Granma, o jornal diário do Partido Comunista da Cuba.

RÁDIO HAVANA: Camarada Thomas Sankara, você se encontrou com o Presidente Fidel Castro várias vezes. Você poderia por favor nos dizer sobre seu primeiro encontro com ele, que aconteceu em Nova Delhi em Março de 1983 na Sétima Conferência da Cúpula dos Países Não Alinhados – antes de você se tornar líder da revolução em Burkina Faso.

THOMAS SANKARA: Para mim este foi e continua sendo um encontro memorável. Pelo que me lembro, ele era muito procurado. Havia um grande número de pessoas ao seu redor, e eu pensei que seria impossível falar com ele, já que ele não me conhecia. No entanto, tive a chance de me encontrar com Fidel.

Nessa primeira conversa, eu descobri que Fidel tem um grande sentimento humano, uma intuição perspicaz, e que ele entendeu a importância da nossa luta e dos problemas de meu país. Eu lembro tudo isso como se fosse ontem. E eu felizmente lembro disso cada vez que eu o vi desde então. Nós somos grande amigos, graças à revolução que guia conjuntamente Burkina Faso e Cuba.

RÁDIO HAVANA: Depois de 4 de Agosto de 1983, novas relações foram abertas entre Cuba e Burkina Faso. Como você vê o desenvolvimento desses laços colaborativos?

SANKARA: A cooperação entre Cuba e Burkina Faso chegou em um nível bem alto. Damos grande importância a isso porque nos coloca em contato com uma revolução irmã. Gostamos de nos sentir à vontade um com o outro. Ninguém gosta de se sentir sozinho. Saber que nós podemos contar com Cuba é uma importante fonte de força para nós.

Uma variedade de programas de cooperação econômica tem sido estabelecidas em setores como produção de cana-de-açúcar, uma especialização cubana, e cerâmica. Além do mais, especialistas cubanos têm feito estudos em áreas como transporte ferroviário, para a construção de ligações ferroviárias, e a produção de unidades pré-fabricadas para construção de moradias. E tem o setor social: saúde e educação. Vários cubanos aqui são envolvidos em treinamento técnico em grupo. E nós temos vários estudantes em Cuba. Cuba está muito perto de nós hoje.

RÁDIO HAVANA: Você acredita que é necessário a construção de um partido de vanguarda em Burkina Faso?

SANKARA: Nós precisamos construir um partido de vanguarda. Nós temos que criar uma estrutura baseada em organização, porque nossas conquistas continuarão frágeis se nós não tivermos nada para defendê-las, nada para educar as massas para marcar novas vitórias.

Nós não vemos a formação de um partido como uma coisa distante ou impossível. Estamos bem perto desse objetivo. Mas ainda existe um grande número de concepções de pequenos grupos e, a esse respeito, teremos de fazer um sério esforço para um acordo, reagrupamento e unidade.

A natureza do partido, como é concebido, e como é construído certamente não será o mesmo de como teria sido se construíssemos o partido antes de chegar ao poder. Nós teremos que tomar muitas precauções a fim de evitarmos cair em um oportunismo esquerdista. Nós não podemos desapontar as massas. Nós precisamos ser muito cuidadosos, seletivos, e exigentes.

RÁDIO HAVANA: Em vários discursos você tem referenciado à luta de classes em seu país. Quais são os elementos dessa luta hoje?

SANKARA: Em nosso país a questão da luta de classes é colocada de forma diferente da maneira que é colocada na Europa. Nós temos uma classe trabalhadora que é numericamente fraca e insuficientemente organizada. E tampouco temos uma burguesia nacional forte que poderia dar origem a uma classe trabalhadora antagonista. Então o que devemos nos focar é a própria essência da luta de classes: em Burkina Faso é expressada na luta contra o imperialismo, que conta com seus aliados internos.

RÁDIO HAVANA: Quem são estes grupos sociais que se opõem à revolução?

SANKARA: Eles são as forças feudais que não conseguem aplaudir quando confrontados com o desaparecimento de seus privilégios. Nós também temos uma burguesia burocrática, que ainda está aqui, se escondendo. Têm experiência em trabalho administrativo no aparato estatal. Você vai encontrá-los em vários lugares da administração do Estado, e eles nunca cessam de nos assediar e criar dificuldades, com apoio do imperialismo. Além do mais, existem os grandes latifundiários, que não são muito numerosos, e alguns setores da hierarquia religiosa, que mais ou menos se opõem abertamente à revolução.

RÁDIO HAVANA: O que é democracia, na sua opinião?

SANKARA: Democracia é o povo, com toda sua força e potencial. As urnas e o aparelho eleitoral em si não significam a existência de democracia. Aqueles que organizam eleições de vez em quando se preocupam com o povo, apenas quando uma eleição está chegando, não têm um sistema genuinamente democrático. Mas onde quer que as pessoas possam dizer o que elas pensam diariamente, é onde existe democracia genuína – porque você precisa ganhar a confiança do povo todo dia. Democracia não pode ser concebida sem todo o poder estando nas mãos do povo – poder econômico, militar, político, social e cultural.

RÁDIO HAVANA: Como você chegou ao Marxismo?

SANKARA: Foi bem simples – através de discussão, através da amizade com alguns homens. Também foi um resultado da minha experiência social. Eu ouvi esses homens discutirem e proporem soluções para os problemas da sociedade clara e logicamente. Gradualmente, graças a leitura, mas acima de tudo graças as discussões com Marxistas sobre a realidade do nosso país, eu cheguei no Marxismo.

RÁDIO HAVANA: Há uma rua em Ouagadougou que tem o nome de Ernesto Che Guevara. O que esse eminente patriota latino-americano significa para você?

SANKARA: Esse homem, que se entregou inteiramente à revolução, com sua eterna juventude, é um exemplo. Para mim a vitória mais importante é aquela conquistada fundo dentro de você. Eu admiro Che Guevara por ter feito isso de uma forma exemplar.

RÁDIO HAVANA: No contexto da África, o que Patrice Lumumba significa para você?

SANKARA: Patrice Lumumba é um símbolo. Quando eu vejo reacionários Africanos que eram contemporâneos desse herói e que foram incapazes de evoluir mesmo que um pouco após o contato com ele, eu os vejo como miseráveis, pessoas desprezíveis que estavam diante uma obra de arte e nem mesmo conseguiram apreciá-la.

Lumumba estava em uma situação muito desfavorável. Ele cresceu em condições nas quais Africanos praticamente não tinham direitos. Amplamente autodidata, Patrice Lumumba foi um dos poucos que aprenderam mais ou menos a ler e conseguiu se tornar consciente da situação de seu povo e da África.

Quando você lê a última carta que Lumumba escreveu para sua esposa, você se pergunta: Como poderia esse homem ter chegado a uma compreensão de tantas verdades a não ser por experienciando-as interiormente e de todo o coração?

Me deixa extremamente triste ver como algumas pessoas usam sua imagem e seu nome. Deveria haver um tribunal para julgar aqueles que ousam usar o nome de Patrice Lumumba para servir à base, causas vis que eles promovem.

RÁDIO HAVANA: Presidente Camarada, se você pudesse voltar quatro anos, você faria o mesmo, seguiria o mesmo caminho?

SANKARA: Eu pegaria um caminho diferente para fazer muito mais do que fiz, porque na minha opinião o que foi feito não é suficiente. Um monte de erros atrasaram o processo, quando o progresso poderia ter sido maior e mais rápido. Então se nós tivéssemos tudo para fazer tudo de novo com a experiência que temos hoje, nós consertaríamos um monte de coisas. Mas nunca abandonaríamos a revolução. Nós a tornaríamos mais profunda, mais forte e mais bonita.


capa
Inclusão: 12/09/2021