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O Brasil, como todo país retardatário, apresenta elevado índice de participação estatal em sua economia: segundo Roberto Campos, da ordem de quase 40% (38,3% em 1962). Esse percentual fornece base para argumentos em favor de uma pretensa política antiestatizante que a ditadura castelista pretenderia levar a cabo. Na realidade, tal objetivo não só é impossível como também o “liberalismo econômico”, apregoado por essa gente, constitui cobertura para uma maior participação do Estado nos negócios da impotente burguesia cabocla, bem como justificativa para um entreguismo crescente, aos seus sócios majoritários do imperialismo.
Inicialmente, observemos que as burguesias de países retardatários, já nascidas velhas e decadentes, surgiram numa época em que o mercado mundial se encontrava dominado pelas grandes potências mercantilistas, de forma que são incapazes de “desenvolver” suas respectivas economias nos moldes do capitalismo clássico. Em decorrência de sua fraqueza estrutural se amparam diretamente no Estado, que se incumbe de financiá-las, dada a escassa capitalização, e de criar empresas naqueles setores da economia de caráter deficitário ou de rentabilidade demorada. Constituindo a base de sustentação dessas burguesias retardatárias, esta tendência de Capitalismo de Estado é irreversível. No Brasil, temos inúmeros exemplos da transferência para o Estado e, portanto, para o conjunto social, desse ônus da impotência burguesa: no setor agrícola, lembraríamos os financiamentos ao café, toda a política de preços mínimos e reajustes cambiais; no setor industrial, temos as empresas estatais ou paraestatais como a Petrobrás, Cia. Siderúrgica Nacional, Cosipa, Álcalis, FNM, Cia. Hidrelétrica do São Francisco, Vale do Rio Doce, Rede Ferroviária Federal etc...
Como os setores básicos da economia nacional já foram atendidos pelos governos anteriores ao golpe de abril, passa a atual ditadura, através do Ministério do Planejamento, a dar nova feição à participação do Estado e ao intervencionismo estatal. Batizada de liberalismo econômico, essa nova feição se caracteriza por financiamentos estatais variados à iniciativa privada e por tentativas de retorno a esta daquelas empresas estatais mais rentáveis, que seriam entregues, principalmente, ao imperialismo norte-americano (o Capitalismo de Estado aparentemente se opondo ao imperialismo acaba por se tomar transparente nos seus desígnios, coisa que os nossos nacionalistas não percebem). Assim, o ministro Roberto Campos, em resposta a Lacerda, salienta que o governo criou somente uma empresa estatal, o Banco Nacional de Habitação, destinado a apoiar a iniciativa privada no ramo da construção civil, e vários fundos especiais de financiamento à burguesia: FINAME, FUNDECE, FINEP, PIPEME, CNCR. Vemos, então, o Estado, por meio de toda espécie de impostos, escorchar o povo trabalhador, para, em seguida, fornecer através destes fundos os capitais que a burguesia necessita e que atingem, conforme o orçamento da União, a colossal cifra de 5 trilhões. Dando ênfase ao intervencionismo estatal indireto, já que a componente direta da tendência de Capitalismo de Estado foi convenientemente atendida, anunciava o referido ministro o declínio da despesa estatal no PIB: 15,2% (1964); 13,2% (1965) e 11,6% (1966). E, em exposição na Câmara Federal, esta tônica na componente indireta da tendência de Capitalismo de Estado é justificada, pelo referido ministro, como combate à inflação, responsável pelo crescimento da componente direta:
É verdade que só agora acordamos para o desastre a que nos estava conduzindo o processo inflacionário. A destruição do capital de giro das empresas, a impossibilidade de investimentos que exigissem maior maturação e a crescente descapitalização do setor privado sob a ilusão de lucros nominais altos, tudo isto concorria para limitar o horizonte dos empresários e para forçar o Estado a assumir funções e obrigações sempre maiores na atividade econômica do país.
Note-se, para maior esclarecimento (e o programa do Movimento Comunista Internacionalista assinala isto) que esta tendência de Capitalismo de Estado tem sempre um caráter supletivo nos países retardatários. Mesmo quando a burguesia entrega setores da economia à intervenção estatal sempre procura reservar áreas nas quais seu domínio deve ser intocável e que irão constituir as fontes de seus lucros e sua própria razão de ser como classe social.
Seria interessante ainda observar que estão surgindo nos setores tecnológicos mais avançados dos países capitalistas desenvolvidos, como os EUA, empresas privadas controladas indiretamente pelo Estado, as denominadas empresas privadas de destinação pública; aqui, a tendência de Capitalismo de Estado na economia capitalista contemporânea assume, como acabamos de examinar, um papel inverso deste: capitais públicos de destinação privada. Na verdade, o que isto significa é que, na distribuição da mais-valia (trabalho não pago pela burguesia ao proletariado) as classes dominantes recebem além do que arrancam diretamente do trabalhador, mais gordas contribuições em dinheiro, do Estado, a título de financiamento.
Notas de rodapé:
(1) Texto publicado no Bandeira Vermelha, Órgão Central do Movimento Comunista Internacionalista, nº 2, fevereiro de 1967. (retornar ao texto)
Inclusão | 21/04/2014 |