História do Movimento Anarquista no Brasil

Edgar Rodrigues


Pequena História da Imprensa Social no Brasil


Uma contribuição ao futuro

capa

Nossas anotações sobre a imprensa operária e o seu envolvimento social e ideológico começaram nos anos 60. Depois paramos para pesquisar outros aspectos da história do movimento operário e das lutas sociais. Com este objetivo percorremos outros caminhos, alargamos investigações no campo libertário e perdemo-nos no tempo...

Nessas andanças pelo Brasil recolhemos jornais, revistas, panfletos, boletins, atas, correspondência antiga, adquirimos livros sobre a questão operária, sindicalista, anarquista, socialista, comunista. Escrevemos artigos e incluímos como apêndice, neste livro, parte dos títulos recolhidos nestes mais de trinta anos.

Revendo agora essas anotações, me dei conta que está tudo reunido por ordem alfabética, com breves e necessários esclarecimentos em alguns casos, e juntando-lhe ilustrações de alguns jornais menos conhecidos que sacudiram as bases políticas da burguesia de então, podiam aguçar a curiosidade de alguns estudiosos e pesquisadores da questão social e ser úteis aos que buscam no movimento ácrata matéria-prima para suas pesquisas e investigações.

O autor tem consciência das lacunas deste levantamento e tem claro que sua investigação está distante de ser um trabalho completo, mas não podendo continuá-lo pensa, com os dados conseguidos, contribuir para que outros o ampliem e completem, contribuindo para o conhecimento de um dos períodos mais relevantes da construção do movimento operário brasileiro e da história da imprensa social, que ajudou a formar durante décadas o imaginário dos trabalhadores inconformados com a injustiça e a miséria que dominam este país.

Introdução

A "pré-história" das lutas sociais no Brasil remontam à época inicial da ocupação branca. Colônia antes de ser nação, este imenso território foi povoado pelo trabalhador-escravo, a maioria negro, vendido e comprado em leilões públicos aos lotes, como mercadoria de consumo diário, dando ao mercador branco, lucros e o direito de vida e de morte sobre outros seres humanos.

Tratado a chicote e recebendo como salário um punhado de farinha, um pedaço de pão, um pouco de sal e água, o trabalhador negro reagia através do ato rebelde ou das fugas, individuais ou coletivas, que originaram verdadeiras "aldeias" comunitárias, os Quilombos.

O mais importante foi o Quilombo dos Palmares, reduto populacional que chegou a abrigar 20 mil pessoas, derrotou 17 expedições militares enviadas pelos colonizadores para destruir essa experiência de comunidades livres e resistiu quase um século!

E se este movimento reflete um desejo de libertação física, econômica e social, não podemos esquecer também que foram estes trabalhadores negros os primeiros a formar uma pequena nação dentro de uma nação grande, convertendo sua deserção no primeiro grito de Independência do Brasil, antecipando-se a Tiradentes em mais de dois séculos!

O Quilombo dos Palmares é, na história do Brasil, uma epopéia que os historiadores ocultaram durante séculos e quando não o puderam fazer mais, trataram de não registar o seu subversivo modelo de organização social. Uma sociedade de iguais, uma comunidade de irmãos, onde tudo era de todos: terras, produção agrícola e trabalhos artesanais.

Depositando em celeiros públicos o produto do esforço coletivo, segundo as capacidades de cada um, era distribuída também publicamente de conformidade com as necessidades de cada habitante. Sem patrões, empregados ou autoridade para além daquela que provinha da inteligência, privilégio que não dava aos que a possuíam o direito de mandar nos menos favorecidos, puderam, a partir do ano de 1600, desafiar a administração econômica e militar dos colonizadores-governantes e prosperar dentro de uma igualdade de admirável harmonia coletiva.

A iniciativa durou 92 anos (o governo destruiu-a incendiando as casas e matando homens com sua 18ª expedição militar em 1694).

Vencido o reduto de Palmares, outros foram implantados no imenso território brasileiro, destacando-se muito mais tarde as comunidades de Canudos, e do Caldeirão.

A rebeldia desses povos contra as autoridades e a exploração do homem pelo seu semelhante, de 1602 a 1694, oferece-nos um exemplo colossal, um equilíbrio extraordinário numa população de 20 mil vidas, dentro dos padrões de igualdade econômica e social, com propriedades e trabalho coletivo, sem leis escritas, autoridades constituídas, que desafia a nossa interpretação e leva-nos a concluir que a forma de vida no Quilombo dos Palmares era anárquica, que as ideias dos quilombos eram libertárias!

Estas formas remotas de anarquismo, que remontam a uma tradição comunitária e libertária, que subsistiu na África e mesmo na Europa durante séculos, anda por terras brasileiras há muitos e muitos anos trazida pelos negros escravizados e mais tarde pelos novos escravos: os assalariados imigrantes.

O surgimento das ideias socialistas

As mudanças sociais e econômicas, que começavam a se mostrar no mundo, em conseqüência da industrialização do século XIX, também atingiram o Brasil. O tufão revolucionário soprava na Europa, empurrava o povo, reunia o proletariado, contagiava os intelectuais liberais, invadia fronteiras, galgava os mares e chegava à América Latina para fixar residência no Brasil.

Refugiados da Comuna de Paris de 1871 chegavam em terras brasileiras para escapar à ferocidade do governo francês. No senado, Cândido Mendes de Almeida, José Inácio Silveira da Mota e Francisco Otaviano contestavam o pedido de extradição do governo Thiers e Gallifet, despertando a curiosidade da população mais ilustrada para as ideias dos revolucionários foragidos. Muitos compravam livros chegados da França às livrarias da rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, que os jornais da época anunciavam.

O desejo de realizar as utopias sociais, que motivou Saint Simón, Owen, Fourier, Cabet, Dézamy e Rossi, trouxe para o Brasil Benoit-Jules Mure, médico francês, que agrupou 500 pessoas - ourives, engenheiros, médicos, serralheiros, carpinteiros e outros profissionais - formando um Falanstério, uma comunidade socialista influenciada pelas ideias de Fourier, em Santa Catarina, no ano de 1841.

O engenheiro Luis Vauthier, socialista, também discípulo de Fourier chega a Pernambuco contratado pelo governo. Durante sua permanência formou uma escola ideológica, arregimentou seguidores e a imprensa falou do socialismo. Os jornais socialistas franceses que Vauthier mandava vir, começavam a circular nos meios intelectuais progressistas do Recife.

Na "inconfidência insurrecional de Pernambuco de 1817 já se encontraram ideias igualitárias roussianas", e na "Revolução Praieira, de 7 de Novembro de 1848, que teve a participação dos trabalhadores gráficos, ourives, funileiros, barbeiros, alfaiates, seleiros, cocheiros, lavradores, negros libertos, chamados então de anarquistas".

Tempos depois (1860) aparece um livro intitulado Anarquistas e a Civilização cujo autor assinava "Um Pernambucano". Foi impresso no Rio de Janeiro, na Tipografia Universal de Laemert, à rua dos Inválidos, 61-B. Seu conteúdo destacava-se pela ferocidade com a qual atacava os "partidários da Anarquia Social".

Na sua passagem pelo Brasil, em 1893 o famoso geógrafo anarquista Eliseu Reclus, "encontrou traços dos revolucionários franceses Leroux, Proudhon e Comte, marcadamente na vida do brasileiro e nos seus movimentos insurrecionais".

Ao Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro chegaram muitos anarquistas. Na última década do século 19, o engenheiro agrônomo Giovani Rossi, membro da Associação Internacional do Trabalhador, AIT, e militante anarquista italiano, chegou ao Paraná com dezenas de companheiros para formar a Colônia Cecília. Artur Campagnoli, também italiano e anarquista, desembarca em São Paulo e funda a Comunidade de Guararema.

Em Pelotas, no Rio Grande do Sul, o primeiro anarquista a chegar foi o sapateiro italiano José Saul.

Nasce a imprensa social no Brasil

A partir de 1° de agosto de 1845, encontramos desafiando os poderosos O Socialista da Província do Rio de Janeiro, em Niterói. Saía a cada três dias. Sob a égide das ideias do francês Charles Fourier, tinha entre os fundadores e colaboradores o seu discípulo, Dr. Mure, médico homeopata, idealizador da Colônia do Saí, em Santa Catarina, no ano de 1841.

No seu primeiro número O Socialista da Província do Rio de Janeiro definia-se:

"O vocábulo - Socialismo - cuja denominação sai hoje à luz a nossa folha define exuberantemente o objetivo principal com que ela é publicada: a conservação e melhora do pouco de bem que existe entre nós; a extirpação de abusos e vícios previamente da ignorância, falsa educação e imitação sem critério; a introdução de novidades no progresso universal; enfim, todo o aperfeiçoamento de que for susceptível a sociedade, provincial, nacional e universal, quer na parte moral, quer na material, em que naturalmente está dividida a morada humana no mundo terreno. Assim, pois, o O Socialista tratará da agronomia prática, economia social, didática jacetista, política preventiva e medicina doméstica e sobretudo do Socialismo ciência, novamente explorada, da qual basta dizer que seu fim é ensinar aos homens a se amarem uns aos outros".

No terceiro número ainda se lê:

"As grandes ideias que descansam sobre bases sólidas nunca podem deixar de progredir; e tal é a força da verdade que nem ensaios infelizes da sua aplicação podem tornar-se obstáculos a seu triunfo. A ciência socialista, desde Fourier, progride a passos agigantados... "

Em Niterói, no ano de 1845, este posicionamento ideológico era um rasgo de coragem política, mas a partir do terceiro número, O Socialista da Província do Rio de Janeiro, envolveu-se nos debates acalorados na Assembleia Legislativa da Província, perdendo-se na teia dos interesses partidários.

Em 1840 havia chegado ao Recife (Pernambuco) o engenheiro francês Vauthier, discípulo de Charles Fourier, Saint-Simon, Robert Owen e outros socialistas europeus. Não demorou a relacionar-se com brasileiros de ideias avançadas, inclusive o professor Antonio Pedro de Figueiredo e este logo começou a publicar O Progresso, em 1846­1848.

O Progresso era um periódico que correspondia plenamente ao seu título e refletia com fidelidade o pensamento progressista de seu diretor, homem arguto e bem informado acerca dos problemas econômicos de seu tempo. As tendências socialistas reveladas em seus artigos decorrem, naturalmente, da sua receptividade às ideias de Fourier, Saint-Simon, Owen e outros da mesma natureza.

Também em Pernambuco publica-se, em 1847, O Proletário e, em 1848 em Niterói, O Grito Anarquial, periódicos distantes um do outro, mas os dois propondo-se a defender os humildes.

Em 1850, sai no Rio de Janeiro O Periódico dos Pobres e, em Pernambuco, O Brado da Miséria, em 1853. Neste mesmo ano, forma-se a Imperial Associação Tipográfica Fluminense, uma entidade de objetivos mutualistas, e no dia 10 de Janeiro de 1858 começa a publicar o Jornal dos Tipógrafos em apoio aos trabalhadores dos jornais: Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil e Jornal do Comércio; que estavam em greve desde o dia 8 de janeiro por aumentos salariais. Os patrões protelaram por um mês e depois negaram o aumento. Aos operários gráficos só lhes restou abandonar as oficinas e os leitores do Rio de Janeiro ficaram sem jornais.

Mais tarde, observadores que acompanharam a greve e a publicação do Jornal dos Tipógrafos escreveram:

"Unidos pelo sentimento de solidariedade profissional, levava-os, por sua vez, pela natureza mesma do desenvolvimento associativo a uma consciência de classe cada vez mais clara. A greve, ação de classe, produziu o 'momento' necessário à manifestação prática dessa consciência. A Associação Tipográfica possuía em caixa, quando se declarou o movimento grevista, a importância de 12 contos de réis, destinados normalmente aos fins de beneficência associativa. Pois bem, a Associação empregou 11 contos - quantia elevada para a época e que representava quase todo o seu patrimônio em dinheiro - na manutenção do Jornal dos Tipógrafos. De órgão limitado a simples atividade mutualista, a Associação adquiria de pronto o caráter de legítima representante dos interesses de classe".

Virou lema o pensamento dos grevistas:

"Já é tempo de acabarem as opressões de toda a casta; Já é tempo de se guerrear por todos os meios legais toda a exploração do homem pelo mesmo homem", que foi publicado no Jornal dos Tipógrafos.

Em Belém, no Pará, começa a publicar-se A Voz do Povo no ano de 1860 e, no Rio de Janeiro, O Tipógrafo, de 1867 a 1868. No Recife aparece A Consciência Livre e em São Paulo O Operário, ambos no ano de 1869, destacando-se pela combatividade contra o que então se entendia por injustiças contra os menos aquinhoados no banquete da vida.

No Pará, em 1870, publica-se A Inquisição, jornal anti-clerical; A Locomotiva, em 1872, em Pernambuco; Gazeta Operária, jornal dos Arsenalistas da Marinha, em 1875, no Rio de Janeiro; A Revolução Social, em 1876, no Rio; O Trabalho, em 1876 em São Paulo; A Barricada, em 1877, e O Proletário, de 1877 a 1878. Em 1881, aparecem O Operário, e Gutemberg. Nos anos de 1880-83, os trabalhadores do Arsenal do Exército e da Marinha começam a publicar O Niilista, órgão de defesa da classe. Estes trabalhadores deflagraram uma greve e fundaram a União Operária no Rio de Janeiro. Em 1883, publica-se O Artista e, em 1885, o Jornal dos Alfaiates. Destes, o último periódico foi quem marcou melhor seus objetivos.

Em 1888, no Rio de Janeiro, publica-se a Revista Tipográfica e, no ano de 1892, apareceram o jornal anarquista Gli Schiavi Blanchi, (em idioma italiano) dirigido por Galileu Betti em São Paulo; O Operário, em Santos; O Operário, em Fortaleza, no Ceará; O Jornal Operário, no Rio de Janeiro; e o Primo Maggie (em italiano), em São Paulo.

No Amazonas, publicou-se O Operário no ano de 1892. Em Belém do Pará, entre 1889 e 1907, aparece A Confederação Artística, "órgão das classes operárias", em 1888­1889 O Trabalho, semanário que durou de 1901 a 1907.

Com o título de O Artista, encontram-se na cidade do Crato, no Ceará, em 1891; na Paraíba, em 1893-1894; e no Piauí em 1902. A Fenix Caixeiral, órgão da antiga associação do mesmo título existente em Fortaleza, começou a sua publicação em 1893. Em Maceió, a Associação Tipográfica Alagoana de Socorros Mútuos, de quem era órgão O Século XX, publicou também, no ano de 1902, O Proletário.

Em Aracajú, O Operário aparece duas vezes, em 1891 e 1896, esta última data como "órgão da União Operária Sergipana".

Em Pernambuco, aparecem O Operário, no ano de 1879, a Gazeta dos Operários, em 1890, O Socialista, órgão do Centro Social, em 8 de maio de 1898, O Clarim Social, socialista, em 1900, Aurora Social, órgão do Centro Protetor dos Operários do Recife, de 1901 a 1907.

Na Bahia, em 1890, saiu A Voz Operária, órgão do Centro Operário da Bahia. Em Minas, aparece O Socialista, nas cidades de Ouro Preto e São José do Paraíso.

Em São Paulo, publica-se o Jornal Operário, em 1892, e Il Risveglia, anarquista, de 1893 a 1899, L'Asine Umane, em italiano, anti-clerical, editado de 1893 a 1894, L'Avvenire em 1893, Il Lavoratore e Il Diritto, sob a orientação de Gigi Damiani, anarquista italiano, em Curitiba, que tinha vindo para a Colônia Cecília. Mais tarde Gigi Damiani veio para São Paulo e foi expulso do Brasil em 1919 por ser anarquista. No dia 17 de setembro de 1895, Silvério Fontes e outros socialistas publicam em Santos a revista A Questão Social, com o lema: "Um por todos e todos por um". Em São Paulo sai o Primeiro de Maio, com um único número no ano de 1895.

Em 5 de julho de 1896, o socialista português A. Guedes R. Coutinho e outros começam a publicar Eco Operário, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

No Rio de Janeiro, foram editados Voz do Povo (1890), O Operário Italiano (1897-98), O Operário (1895), O Mensageiro (1898), O Protesto (1898) e a Tribuna Operária (1900).

No dia 15 de Abril de 1894, anarquistas e socialistas foram presos na rua Líbero Badaró, n° 110, em São Paulo, por denúncia do Cônsul italiano, quando acertavam a comemoração do dia 1° de Maio, pela primeira vez no Brasil e o lançamento do manifesto alusivo à data.

O primeiro jornal comunista-anarquista do Rio de Janeiro publicou-se de outubro a dezembro de 1898, com o título O Despertar. Era editado pelo Grupo Angielillo, na rua Senador Pompeu, n° 119, e dirigido pelo operário chapeleiro José Sarmento Marques.

Com o desaparecimento de O Despertar, os anarquistas lançam O Protesto, dirigido pelo operário português J. Mota Assunção em setembro de 1898, com redação na rua Evaristo da Veiga, n° 78 (saíram 11 números até 1900).

A sementeira prossegue, germina e assusta a nova burguesia

No começo do século 20 chegou a São Paulo Neno Vasco, nascido em Portugal, licenciado em direito e uma das maiores figuras humanas e intelectuais da época, formando com os italianos Oresti Ristori e Gigi Damiani uma equipe anarquista de muito mérito. Por isso, as sementes libertárias começaram logo a produzir frutos, evoluindo rapidamente, irradiando luz, saber, ideias, entusiasmo e alegria de viver entre o proletariado. Invadem outras cidades e contagiam inclusive vários intelectuais brasileiros. Alguns, em suas andanças pela França quando estudante já tinham ouvido falar do anarquismo; enquanto outros estudam-no aqui mesmo. Contam-se entre os pioneiros o doutor Fábio Luz, o farmacêutico Avelino Foscolo, doutor Ricardo Gonçalves, doutor Benjamin Mota, doutor Reinaldo Frederico Greyer, doutor Martins Fontes, doutor José Oiticica, jornalista Domingos Ribeiro Filho, escritor Lima Barreto, professora Maria Lacerda de Moura, professor Moacir Caminha, Doutor Orlando Corrêa Lopes, e revelando-se muitos autodidatas brilhantes.

O solo fértil absorvia bem as novas ideias sociais e, em particular, o anarquismo, que germina rapidamente entre os trabalhadores que chegavam ao Brasil com as cabeças cheias de sonhos, de promessas e encontravam pela frente uma burguesia feroz como nos seus países de origem.

O proletariado percebeu que não bastava o crescimento do Brasil, a industrialização, o progresso e a "implantação da modernidade". O homem não é um conjunto de fichas catalogadas de quem se regula o futuro dos movimentos e ações. A massa, da qual tanto se fala, ainda é força balofa e amorfa, tão do agrado dos líderes políticos. O ser humano, mais cedo ou mais tarde, tem de lutar contra a sua alienação e exploração, sob pena de se negar e se deixar destruir por sistemas que ele mesmo inventou, alimentou e aperfeiçoou em seu próprio prejuízo.

Todos os regimes conhecidos não fizeram outra coisa senão cultivar os germes das guerras, alimentar elites, hierarquias, ambições, a ganância, a inveja, o ódio, a vingança, a violência e o crime! Por processos diferentes, os governos vivem dos motivos que transformaram o Homem no maior inimigo do Homem.

O despertar do nosso século

Em seu número de 4 de fevereiro de 1900, num artigo intitulado A Greve dos Cocheiros, fala dos "dias 15 e 16 de janeiro de 1900 que pareciam uma revolução. Os exploradores sabiam que cerca de 25.000 explorados se declaravam em parede..."

Em São Paulo, o Dr. Benjamin Motta inicia em 1898, a publicação da revista de sociologia O Libertário e O Rebelde.

Logo no virar de 1900 aparece o Avanti, socialista, direção de Vicente Vacirca. Teve três fases em 12 anos de vida e na última foi seu diretor Teodoro Menicelli.

Em 7 de março de 1901, começava a publicar-se em São Paulo o jornal anti-clerical e libertário A Lanterna, dirigido pelo Dr. Benjamin Motta. Saíram 60 números, e depois parou. No dia 17 de outubro de 1909, recomeçou a publicar-se sob a direção do anarquista Edgard Leuenroth. Durou até 1916 (7 anos, e 293 números). E, em 13 de julho de 1933, ainda tendo como diretor Leuenroth, foi editado até 1935.

No ano de 1903, apareceram em São Paulo La Rivolta e O Libre Pensador (1-6­1903). Seu diretor, Everardo Dias, escrevia e falava como anarquista, circulando com interrupções até 1914.

No Rio de Janeiro, publica-se Brasil Operário no dia 13-1-1903, com a colaboração do gráfico português e poeta Constantino Pacheco; além de O Chapeleiro (1-5-1903) e A Federação, (10-7-1903), órgão da Federação das Associações de Classe.

Ainda no mês de setembro de 1903, circula no Rio de Janeiro A Greve, redigido por Elísio de Carvalho na rua do Riachuelo, n° 209. A partir do terceiro número passou a ser dirigido por Francisco Pausilipe da Fonseca e a redação mudou para a rua Gonçalves Dias, n° 67, 2° piso. Sob a influência da propaganda deste periódico formou- se a União dos Operários Estivadores, a Voz do Marmorista, órgão do Centro dos Operários em Mármores e O Trabalhador, revista anarquista, com redação na rua do Cotovelo, n° 17-B, e a colaboração de Mota Assunção, Guarani, Elísio de Carvalho e Maria de Oliveira.

No ano de 1901 chegou a São Paulo o Dr. Gregório Nanianzeno Queiroz de Vasconcelos, que ficou conhecido pelo pseudônimo de Neno Vasco. Tinha uma vasta cultura, ideias anarquistas e dominava vários idiomas. Após alguns contatos com libertários portugueses, italianos e brasileiros, começa a publicar no dia 10 de outubro de 1903, O Amigo do Povo. Periódico quinzenal, anarquista, com redação na rua Bento Pires, n° 25 e viveu até o número 63.

Neno Vasco, o diretor de O Amigo do Povo, desencadeou uma grande polêmica com os acadêmicos da Academia Brasileira de Letras, propendendo à simplificação da ortografia portuguesa, que continuou, depois, no jornal anarquista A Terra Livre, de São Paulo.

Pela fronteira do Brasil com o Uruguai entrava clandestinamente, alcançando São Paulo, o anarquista italiano Oresti Ristori. Após contatos com anarquistas imigrantes, no dia 26 de janeiro de 1904 começa a publicar o semanário La Bataglia, auxiliado na redação pelos também anarquistas italianos Gigi Damiani e Alessandro Cerchiai. A partir do número 335 e 8° ano, La Bataglia passou a ser dirigida por Gigi Damiani e Alessandro Cerchiai. Do número 367 em diante, trocou o título para La Barricata.

Nesta mesma cidade, em 1904, Ernestina Lésina inicia a publicação da revista Anima e Vita, para defender o socialismo e a mulher. Ainda em São Paulo, e também em 1904, publicam-se O Chapeleiro, (1° de Maio), em julho Il Púrgelle; em 11 de setembro Miséria, jornal operário e em novembro Emancipação, órgão da Liga de Artes Gráficas.

Em Maceió, edita-se O Trabalho, dirigido por Virgínio de Campos. No Rio, sai a Gazeta Operária, o jornal anarquista O Libertário, com direção de Carlos Dias e Manuel Moscoso, Força Nova (23-4-1904) e O Trabalhador. Cria-se a revista libertária Kultur (março de 1904), tendo como diretor Elísio de Carvalho e colaboradores Erasmo Vieira, Juan Mas y Pi, grupo que, com outros libertários, funda a Universidade Popular, na rua da Constituição, n° 47, um sobrado, que era sede do Sindicato dos Pintores, comprometidos com uma campanha contra a Indústria da Seca, chamando atenção para a fome dos nordestinos, "vítimas de grandes secas até 1904".

O governo havia encomendado uma lei para expulsar "agitadores estrangeiros" (gente com ideias emancipadoras, diga-se!), ganhando a cidade a partir de 1905 com o nome de "Lei Adolfo Gordo".

Apesar dos ataques do governo, em 1905 publica-se O Artista e O Trabalhador Gráfico (7-5-1905) em São Paulo.

Neste mesmo ano, em novembro, começa a publicar-se o jornal anarquista A Terra Livre, com sede na rua Santa Cruz da Figueira, n° 1, dirigido por Neno Vasco e com a colaboração do espanhol Manuel Moscoso, administrado pelo jovem Edgard Leuenroth. A partir do número 33, A Terra Livre, mudou-se para o Rio de Janeiro, na rua Sete de Setembro, n° 7 tendo como administrador José Romero. O diretor continuou Neno Vasco. "Morreu" no número 62, quando Neno Vasco regressou a Portugal, após a implantação da república naquele país, em 5 de outubro de 1910.

Em São Paulo, foi fartamente distribuído o manifesto contra os assassinatos na Rússia, na Praça de Inverno (1905), subscrito por oito militantes dos mais ativos, sendo uma mulher, surgindo O Grito Del Pueblo.

No Rio de Janeiro começa a sair Novo Rumo, jornal anarquista dirigido por Joel e Maria de Oliveira, depois Luis Magrassi e por último Mota Assunção. Teve sede na rua Senhor dos Passos, n° 82 e depois na rua do Hospício, n° 210, 1° andar.

Sindicatos, congressos operários e reivindicações

Os trabalhadores, que tinham inicialmente agrupado-se em Irmandades, começaram a construir aos poucos seu movimento autônomo. Os sindicatos e as associações profissionais portadoras de ideias libertárias crescem por todo o Brasil e realizam seus primeiros congressos.

O Primeiro Congresso Operário Brasileiro começou no dia 15 de abril de 1906 e terminou no dia 20. Foi palco desse evento o Centro Galego, na rua da Constituição, no Rio de Janeiro. Além de mais de dezena e meia de teses discutidas e aprovadas foi decidido publicar-se o jornal A Voz do Trabalhador, que só pode sair em 1908, sob a direção do operário gráfico espanhol Manuel Moscoso.

Neste encontro, foram discutidas calorosamente todas as teses, prevalecendo a concepção anarquista do sindicalismo. Daí por diante formaram-se sindicatos, uniões, federações e a Confederação Operária Brasileira. O sindicalismo reformista e possibilista dava lugar a um novo movimento operário de cariz revolucionário que, sem desprezar as reivindicações econômicas imediatas, introduziu novos objetivos como a instrução e a capacitação profissional, a cultura de seus associados através do esperanto, do conhecimento da história social e da filosofia. O jornalismo, o teatro amador de contestação e a poesia, eram alguns dos meios usados pelo movimento operário para construir a sua própria cultura, tendo por meta o ideal social de autogestão Seu objetivo era provocar a derrocada do Estado, acabar com o regime de pobres e ricos, de exploradores e explorados, para reconstruir em cima das ruínas do velho sistema burguês uma Sociedade Nova, autogerida, onde todos tivessem direitos e deveres iguais. Estes temas começaram a ser frequentemente tratados na imprensa operária e social, tornando-se uma verdadeira escola para os trabalhadores ligados a este sindicalismo autônomo.

Dentro desta dinâmica revolucionária de emancipação social, cultural e humana, realizaram-se o Segundo Congresso Operário Brasileiro, em 1913, no Centro Cosmopolita do Rio de Janeiro, e os congressos Anarquistas Sul-Americano, de 18 a 20 de outubro de 1915, e Internacional da Paz, de 14 a 16 de outubro de 1915, ambos também no Rio de Janeiro (Praça Tiradentes, n° 71, sobrado), e o Terceiro Congresso Operário Brasileiro, em 1920.

Em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, os sindicalistas revolucionários efetuaram mais de uma dezena de congressos estaduais para explicar e pôr em prática as teses aprovadas nos congressos de 1906, 1913 e 1920.

Reflexos do fuzilamento de Ferrer no brasil, o teatro operário e a imprensa libertária

O Anarquismo imprimiu uma revolucionária interpretação de vida no seio das camadas assalariadas em geral. Quem não gostou desta evolução emancipadora dos trabalhadores foram a Igreja, a Burguesia e os políticos.

Na América e na Europa, governantes (em alguns países empurrados pela Igreja Católica Apostólica Romana) infringiram baixas sangrentas nas fileiras do proletariado que, por sua vez, periodicamente, respondia à violência com atos isolados de contra-violência.

Em 1906, explode a primeira tentativa de silenciar o renovador do ensino na Espanha: Francisco Ferrer y Guardia. Não deu certo, mas a Igreja espanhola não desistiu de seu intento. Forja e/ou provoca atos de terrorismo. O pusilânime monarca espanhol chama seus juriconsultos, mobiliza policiais civis, militares, carcereiros e carrascos, e o fundador da Escola Moderna, fundada em 1901, com ramificações na Europa e na América, é preso, condenado e fuzilado no Castelo de Montjuich, em Barcelona, no dia 13 de outubro de 1909.

Os anarquistas tocaram a reunir! Denunciaram a trama na sua imprensa, atraindo aos comícios alguns estudantes e intelectuais e o proletariado em peso. Realizaram passeatas, discursaram em praça pública, atacaram as embaixadas e os consulados espanhóis em vários países, mas a Igreja não se intimidou e o rei de Espanha autorizou o fuzilamento de Ferrer, convencido por seus confessores de que matando o idealizador da Escola (ensino) Moderna matava a ideias.

Não obstante o crime hediondo com o propósito de intimidar, as escolas racionalistas proliferaram em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e noutros estados do Brasil com menos intensidade.

Antes do fuzilamento, já fora fundada, em 1904, a Universidade Popular na sede do Sindicato dos Pintores do Rio de Janeiro e, em 1915, nascia a Universidade Moderna em São Paulo, por iniciativa de Florentino de Carvalho, um anarquista de origem espanhola.

Para sustentar dezenas de escolas livres, fundadas por operários anarco- sindicalistas e anarquistas, o proletariado formou grupos de teatro social e, enquanto fustigava a burguesia, a Igreja e o Estado com suas peças revolucionárias e anti- clericais, distribuía anarquismo aos espectadores, conseguia recursos financeiros para ajudar as escolas, operários desempregados, doentes, além de presos por suas ideias, e ainda publicava prospectos, folhetos e jornais.

São produto desse ativismo inconformista jornais como A Luta Proletária, empastelado durante a greve da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, quando foi ferido o poeta e anarquista Ricardo Gonçalves e três trabalhadores mortos. Ou ainda La Lutta Proletária, La Birichine, A Internacional, O Trabalhador Livre em Alagoas. Em Campinas (1-5-1906) sai A Voz Operária, (1-5-1906) órgão da União dos Trabalhadores Gráficos, chegando, com algumas interrupções, até 13 de janeiro de 1920, dirigido pelo anarquista Virgílio Pessagne.

Com altos e baixos, de 1907 a 1922, publicaram-se A Guerra Social, Rio de Janeiro, anarquista; A Luta, Porto Alegre, anarquista; Germinal-Barricata, São Paulo, dirigido por Florentino de Carvalho, anarquista, 17-11-1913; A Rebelião, São Paulo, anarquista, Florentino de Carvalho, 1° de maio de 1914.

A Vida, uma revista que saiu no Rio de Janeiro, direção de Francisco Viotti e José Oiticica, anarquista, 1914; Na Barricada, revista e jornal (com o mesmo título), Rio de Janeiro, anarquista, direção do engenheiro Orlando Corrêa; Tribuna do Povo, Alagoas, libertário, 1916; A Semana Social, Recife, 1917-1918, direção de Antonio Bernardo Canelas, ainda escrevendo e falando como anarquista.

Em São Paulo, no dia 6 de junho de 1917 começou a publicar-se A Plebe, anarquista. Chegou a sair diariamente em 1919, sofreu interrupções, empastelamentos de estudantes, processos policiais e viveu até 1947. Foram diretores (pela ordem), Edgard Leuenroth, Florentino de Carvalho, Rodolfo Felipe, Manuel Campos e Pedro Augusto Mota, este deportado e morto no Campo de Concentração do Oiapoque 1924-1926 por isso durante o governo de Artur Bernardes.

No Rio de Janeiro, o futuro dirigente comunista Astrojildo Pereira, (falando como anarquista) escreveu, editou e distribuiu Crônica Subversiva, com redação na rua do Senado, n° 215 que saiu no dia 1° de junho de 1918 e teve publicados 16 números. Depois foi ajudar José Oiticica a editar Spartacus, anarquista, 2 de agosto de 1919 (saíram 24 números, chegou a ser apreendido pela polícia).

Ainda no Rio de Janeiro, de 1915 a 1922, saíram, entre outros, os periódicos: O Gráfico, O Panificador, Voz Cosmopolita, Renovação (quinzenário sindicalista), dirigido pelo anarquista português Marques da Costa, expulso em 1925 pela polícia bernardista; O Metalúrgico, jornal A Voz do Sapateiro, O Alfaiate. Merece destaque especial o jornal diário Voz do Povo, órgão da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, que circulou em 5 de fevereiro de 1920. Representou um imenso esforço da classe operária, que pretendia ter o seu próprio jornal, independente, verdadeiro e legítimo porta-voz dos trabalhadores, sustentado até às últimas pela vontade de luta e pelo sacrifício de milhares de operários.

Foram seus diretores, pela ordem, Carlos Dias, Afonso Schmidt e Alvaro Palmeira. Diário anarquista, teve redação e oficinas na rua da Constituição, n° 12, 2° andar e terminou na Avenida. Rio Branco, depois de sofrer várias invasões policiais.

A guerra de 1914-1918, a revolução popular de fevereiro de 1917 e a ditadura bolchevista de outubro na rússia

A guerra européia refletiu-se no Brasil pelo desemprego, gente trabalhando pela comida, comícios dos operários nas portas das fábricas com o propósito de pressionar o governo de Wenceslau Brás a autorizar a criação das "Feiras Livres" para vender alimentos diretos do produtor ao consumidor, isentos de impostos e livres de atravessadores. Neste período de fome no Brasil, explodiram greves de grande repercussão nacional e os governantes aproveitaram para prender, deportar e expulsar centenas de "agitadores estrangeiros", como foram batizados pela burguesia e a polícia, esquecidos de que essa mesma gente "agitadora" era a que estava ajudando o Brasil a dar seus primeiros passos rumo à modernização. E como ainda faz hoje, a polícia confiscou e se apossou de todos os pertences dos trabalhadores no instante em que eram enfiados nos porões dos navios cargueiros com a roupa do corpo.

Foi um período muito difícil com fome, desemprego, prisões e expulsões em massa. Assim mesmo, o proletariado do Brasil ainda acolheu o grito de desespero dos flagelados russos, principalmente os anarquistas do Rio de Janeiro, que haviam fundado o primeiro Partido Comunista Brasileiro em 1919 (que nada tem a ver com o futuro Partido Comunista, mas era um produto do entusiasmo dos trabalhadores libertários com a Revolução dos Sovietes) e publicado Spartacus. Desenvolveram uma campanha angariando o correspondentes a 990 mil marcos-ouro que, somados aos arrecadados por 22 países solidários totalizou 14 milhões de marcos-ouro, ao câmbio da época - dinheiro que os flagelados russos nunca viram. Na ocasião, publicou-se um número especial da Voz do Povo, organizado por Carlos Dias.

No Recife, em 1919-1920, publicou-se a A Hora Social, diário matutino, órgão da Federação das Classes Trabalhadoras de Pernambuco. Depois passou a periódico e a polícia atacou os seus dirigentes, prendendo alguns e provocando a morte de Pedro Leça.

Lembramos também o O Extremo Norte, (1920) de Manaus; Jornal do Povo, 1918, de Belém do Pará; A Revolta, (1919) e A Voz do Trabalhador (1920); O Artista, 1918, de Parnaíba, Piauí; A Sentinela, (1922) órgão da União Ferroviária do Nordeste; A Vanguarda, (1920) órgão da União Geral dos Trabalhadores de Pernambuco; O Escravo, (1920) órgão da Federação Operária de Alagoas; Voz do Operário, (1920) de Aracajú; O Operário, (1920) de Juiz de Fora; O Proletário, (1919) de Curitiba; O Nosso Verbo, (1919) anarquista, órgão da União Geral dos Trabalhadores da cidade do Rio Grande; O Sindicalista, (1921 e 1927) da Federação Operária do Rio Grande do Sul, dirigido pelo anarquista alemão Frederico Kniestadt e Orlando Martins, Porto Alegre.

Em São Paulo apareceram ainda: O Trabalhador Gráfico, O Internacional, O Grito Operário (da construção civil), O Metalúrgico, A Patuléia (em substituição a A Plebe, quando da prisão do diretor Rodolfo Felipe, 1920-1921, e A Vanguarda Operária, anarco-sindicalista. Além da Federação Operária, todos os anarquistas do Brasil se mobilizaram para angariar recursos para comprar máquinas e tirar um diário em São Paulo. Foi seu diretor o anarquista Edgard Leuenroth, ajudado pelo futuro escritor Afonso Schmidt e tinha como gráfico João da Costa Pimenta.

Em 1921, Edgard Leuenroth foi procurado na redação de "Vanguarda" pelo delegado da Terceira Internacional para os países de língua portuguesa e espanhola, Renison Soubiroff (na verdade, o suíço ex-pastor protestante Jules Humbert Droz). Como não encontrou Edgard, deixou um cartão com Afonso Schmidt. No dia seguinte, Leuenroth foi ao seu encontro no Palace Hotel, rua Florêncio de Abreu, n° 148. Identificando-se como Delegado da 3a I. C., Soubiroff exibiu credencial, bordada em seda vermelha, dentro de forro na manga do casaco e convidou Edgard Leuenroth para fundar o Partido Comunista no Brasil. Leuenroth recusou e indicou-lhe Astrojildo Pereira. Chamou-o do Rio de Janeiro e fez as apresentações no mesmo hotel. Em março de 1922, um Congresso formalizava o nascimento do Partido Comunista Brasileiro.

Pouco depois, Edgard ficou doente, sendo internado num sanatório, e João da Costa Pimenta, num golpe típico dos leninistas, roubou o acervo, inclusive as "máquinas", entregando-as ao P.C.B., que nascia com sua ajuda, fundado por onze anarquistas e um socialista, deixando todos os libertários que contribuíram com seus tostões a ver navios...

Em janeiro de 1922, começou a publicar-se a revista Movimento Comunista, dirigida por Astrojildo Pereira, a primeira publicação orientada por uma ideologia leninista.

Pouco depois da posse de Artur Bernardes que importou o sindicalismo fascista da Itália, (posto em prática por Lindolfo Collor—Getúlio Vargas, a partir de 1930) ainda se realizou o 3° Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro (1920), e publicaram- se jornais como Ação Proletária, órgão da Construção Civil (1921); O Onze de Novembro, (1921), dos Empregados no Comércio, São Paulo; O Protesto (número único de, 13-1-1921), em defesa do anarquista espanhol Manuel Campos, "cabeça da greve da Cia. Docas de Santos", expulso do Brasil, que voltou mais mais tarde para morrer no Rio de Janeiro. Em Petrópolis, no Rio de Janeiro, publicaram-se em 1921 Alvorada, O Tecelão e O Despertar. Em Niterói, editou-se o Boletim da Liga Operária da Construção Civil; em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no ano de 1921, começou a publicar-se a Revista Liberal, "em defesa do anarquismo e da Escola Moderna", dirigido por Polidoro Santos.

A utopia libertária inquieta stalinistas e estremece as bases do estado brasileiro

Em 1922, em São Paulo, além de jornais como a A Plebe, que vinha de 1917, e outros periódicos, saiu O Proletário e, no Rio de Janeiro, dirigido pelo português anarquista, Marques da Costa, O Trabalhador (10-6-1922).

A partir desta época, os comunistas começaram a levar a cabo sua política sistemática de infiltração e de assalto aos sindicatos livres ainda em funcionamento como os dos Sapateiros, Construção Civil e Tecelões (todos do Rio). Envolveram-se em luta corporal com os anarco-sindicalistas e anarquistas, e numa noite roubaram o acervo do Sindicato dos Sapateiros, na rua José Maurício. O desfecho foi o assassinato do anarquista Antonio Dominguez (sapateiro), do gráfico Damião, além de doze feridos, no sobrado da rua Frei Caneca, n° 4. Os "tchequistas" Pedro Bastos e Galileu Sanchez foram os autores dos tiros, e os autores intelectuais Astrojildo Pereira, Otávio Brandão, João da Costa Pimenta e o deputado pelo P.C.B., Azevedo Lima).

O governo de Artur Bernardes aproveitou as rebeliões militares de 1922 e 1924 e as divergências entre os comunistas e anarquistas para deportar opositores e libertários para o Oiapoque e expulsar outros. Fechou todos os sindicatos operários e proibiu os seus jornais de circular.

No Rio Grande do Sul, menos atingido pela ferocidade bernardista, continuou-se publicando O Sindicalista, e a Revista Liberal. A Plebe só pode voltar a sair a partir de 1927. A Lanterna resistiu até 1935.

Vargas, inspirado no modelo fascista de Itália, criou os sindicatos verticais, controlados pelo Estado.

Os comunistas e simpatizantes começaram a publicar, no dia 1° de maio de 1925, A Classe Operária; em 1927, A Nação, e A Marcha; em 1935 e em 1945, a Tribuna Popular. Outros periódicos defensores da "ditadura do proletariado" saíram na Bahia, São Paulo, Ceará, Belém, Goiás, Mato Grosso, Belo Horizonte, Porto Alegre, Aracajú, Vitória e Paraíba.

Os libertários tiveram como seu quartel-general, até 1935, a sede da Liga Anti-Clerical, no Rio de Janeiro (rua Teófilo Otoni). Mas, durante uma conferência de José Oiticica, agentes do P.C.B. que ali foram para tumultuar (Francisco Mangabeira e outros), não podendo levar avante o seu intento, telefonaram para a polícia e esta chegou rápido, para prender oito anarquistas e fechar o último reduto de resistência libertária, juntamente com o porta-voz o jornal A Lanterna.

No final da guerra, enquanto Prestes fazia acordos com o ditador brasileiro, o anarquista Moacir Caminha começava a publicar Remodelações (o primeiro grito dos libertários que logo ganhou eco com a derrubada de Getúlio). Depois apareceu Ação Direta, dirigido por José Oiticica. Em São Paulo, voltou a editar-se A Plebe, com Edgard Leuenroth—Pedro Catalo, e os jovens libertários do Rio de Janeiro publicam pequenos jornais como: Spartacus, Aurora, O Archote (Niterói), Revolta. Em São Paulo, Ação Sindical, redigido pelo gráfico português Alexandre Pinto, Vanguarda Socialista, além de outros.

A partir deste periodo vai esmorecendo o movimento sindical autônomo, vítima de condições históricas adversas convergentes: a repressão fascistizante e o avanço da estratégia leninista nos meios operários, construída em cima de muita desinformação sobre os rumos que tomava a Revolução Soviética.

Com a transformação dos sindicatos em meros instrumentos do estado corporativo e de correia de transmissão do partido, a imprensa operária vai perdendo suas características básicas de espontaneidade, pluralidade, radicalidade libertária, tornando-se um mero repositório dos discursos políticos de direções burocráticas e de retrato das pequenas e domesticadas lutas por aumentos salariais.

A imprensa libertária reaparece esporadicamente nos períodos de menor repressão, mas o estado e seus partidários tinham obtido uma importante vitória, a imprensa operária autônoma desapareceu, junto com o ciclo do sindicalismo livre.

Conclusão

O estudo deste fenômeno que foi a explosão de uma imprensa operária, que alimentava uma contracultura libertária que tinha seus principais bastiões no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Porto Alegre, ainda está muito longe de ser completo.

A própria pesquisa histórica em cima dessa imprensa é feita sem qualquer sentido de objetividade ou de verdade. Esses "historiadores", muitas vezes, o que não conseguem ocultar, falsificam, conseguindo o feito de passar por muitas décadas de movimento operário e imprensa social, quase sem lhe reconhecer a existência. Para eles, o movimento operário só passou a existir quando, de alguma forma, começou a ser domesticado pela burocracia do estado ou dirigido por essa vanguarda detentora da verdade histórica: o partido comunista.

E quando usam esse material, fazem-no com espírito de médico legista. Para eles, os jornais operários são cadáveres a dissecar para valorizar seus títulos acadêmicos. Valendo-se de jornais antigos, publicados com o suor dos trabalhadores e quase sempre com recursos retirados dos miseráveis salários destinados a sustentar seus filhos - que muitas vezes custaram-lhes perseguições e prisões -, estes "historiadores", invariavelmente, concluem o pré-concebido: "as ideias anarquistas não estavam adequadas à realidade brasileira", "a imprensa operária do começo do século só era lida por alguns imigrantes" etc, etc. E como se isso fosse pouco, dão colorações diferentes às ideias operárias, interpretam idiotamente o anarquismo para beneficiar as causas a que pertencem, conduzindo o leitor por falsos caminhos. Valem-se da teoria de que mentiras convencionais repetidas muitas vezes convertem-se em verdades, exatamente quando já não resta ninguém para contestar. Visa-se tornar fantasias de hoje em verdades de amanhã. E, partindo dessa previsão, procuram casar marxismo com anarquismo e sindicalismo político com anarco-sindicalismo.

Esses "escritores" e "historiadores sociais" ganham fama às custas do esforço dos operários e do movimento anarquista, cujos pais e avós ajudaram a destruir em terras brasileiras...

Dentro deste quadro que tentei pintar, não obstante ter consciência de que minha pesquisa está longe de esgotar o assunto, ainda acredito na sua utilidade. Espero que, os que querem conhecer um pouco mais da história do movimento operário e das ideias sociais no Brasil, possam usar este instrumento e buscar com seus próprios olhos ler esses jornais, que foram o maior esforço até hoje feito no Brasil para produzir informação e cultura fora das mesas do Poder.

Numa época em que os mass media são centrais em relação à manutenção e conservação do status quo, é interessante constatar como é diferente o panorama no Brasil e no mundo. A imprensa operária, e os jornais alternativos quase não existem, são um mero e riscado espelho dos grandes jornais. Não se descortina espontaneidade, inconformismo, crítica ou a vontade de saber o que transpirava desses velhos jornais que começaram a circular por todo o Brasil a partir dos finais do século XIX.

Até por essa razão é importante conhecer e reler essa imprensa editada com sacríficio pelos trabalhadores no Brasil. Assim pensando, apresento por ordem alfabética os títulos que reuni, que são uma ampla relação dos mais importantes jornais sindicais, operários e de ideias sociais em suas várias correntes — agregando-lhes um pequeno apêndice com outras achegas.


Inclusão 29/09/2018