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Primeira Edição: ....
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
1 — Não. A derrocada do regime albanês era inevitável. A sua qualidade é semelhante à dos outros países da Europa Oriental. A Albânia proclamava seguir outra via, mas desde há bastante tempo renunciara ao caminho revolucionário. A sua “diferença” estava apenas no atraso com que adoptava as reformas liberais; por isso, agora é forçada a “pôr-se em dia” aos empurrões.
2 — É a reacção natural a décadas de isolamento, mais viva agora devido às dificuldades económicas e à crise de confiança no regime.
Uma parte da juventude julga descobrir de repente o paraíso no Ocidente e foge, para descobrir que o paraíso, aqui, é de quem tem dinheiro para o comprar... O regime albanês está a ser vítima do abafamento a que sujeitou a discussão e a informação; contudo, é justo lembrar que esse isolamento foi a sua única defesa perante a hostilidade com que o Ocidente recebeu a revolução popular albanesa e as conquistas sociais.
3 — Visitei a Albânia por duas vezes, em 1965 e em 1975.
4 — Fui simpatizante durante os anos 1965-83. A Albânia proclamava fidelidade aos princípios da revolução russa (o acontecimento mais importante da História moderna), desmascarava a “democratização” da URSS como restauração capitalista e namoro aos Estados Unidos (o que agora todos vêem que é verdade), mantinha uma corajosa independência face ao imperialismo, solidarizava-se com as lutas dos povos oprimidos... São posições que têm um valor excepcional na selva capitalista que é o mundo actual.
5 — Foi muito estimulante conhecer um país onde havia bastante igualitarismo, participação nas questões de interesse colectivo, saúde moral. A imagem da Albânia como um inferno de miséria e repressão é falsa. A vida era ali impossível para capitalistas, traficantes e parasitas, ao contrário do que acontece entre nós, e esse era um factor de liberdade que é necessário pôr na balança quando se quer saber se num país há democracia. Havia grande limitação nas liberdades políticas mas, no conjunto, não creio que a repressão fosse mais pesada do que nas democracias ocidentais, onde actua sob outras formas.
Só que a vida provou que o “socialismo sob tutela” não é viável. Ou os trabalhadores exercem sem restrições o poder em todos os campos e dispõem de todas as liberdades, ou os abusos e injustiças, a formação de castas privilegiadas, a degeneração capitalista, são inevitáveis. O “socialismo” de tipo estalinista é já em si mesmo uma prova de fracasso. Esta foi a conclusão que me levou a perder simpatia pela Albânia desde há alguns anos.
6 — Aquilo a que se chama erradamente (e nada inocentemente) “comunismo”, ou seja, o capitalismo sob administração estatal, não pode continuar, nem na Albânia nem em nenhum dos países de Leste. É um regime com um período de vida bem delimitado, que só funciona durante a transição entre uma revolução popular falhada (foi o caso, nesses países) e o retorno à propriedade privada e ao lucro.
O mais provável é que na Albânia, como noutros países da região, o pleno restabelecimento das relações capitalistas, com o seu cortejo de convulsões (desemprego, inflação, corrupção, crime organizado em larga escala) crie condições para a passagem por um regime fascizante (que, a propósito, é tão tipicamente ocidental como o regime pluripartidário).
Inclusão | 21/08/2019 |